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Jogos educativos para abordagem da violência de gênero: uma revisão de escopo

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Jogos educativos para abordagem da violência de gênero:

uma revisão de escopo

Lucimara Fabiana Fornari1 e Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca2

1 Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, Universidade de São Paulo, Brasil. lucimarafornari@usp.br 1 Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, Universidade de São Paulo, Brasil. rmgsfon@usp.br

Resumo. O objetivo do estudo foi conhecer os jogos educativos utilizados para abordagem da violência de

gênero. Trata-se de revisão de escopo realiza a partir das bases de dados acadêmicas e de literatura cinzenta nas áreas da Saúde, Psicologia e Educação. Do total de 1.174 artigos selecionados, somente 13 foram incluídos na revisão, de acordo com os critérios de elegibilidade descritos no protocolo. A extração dos dados foi realizada por meio de instrumento elaborado de acordo com a pergunta de revisão e incorporado ao software webQDA. O tratamento e análise dos dados permitiu identificar 11 jogos educativos desenvolvidos para abordagem da violência de gênero, nos quais foram identificados os conteúdos: desnaturalização dos padrões sexistas, reconhecimento e mecanismos para o enfrentamento da violência de gênero e potencial educativo dos jogos para as questões de gênero.

Palavras-chave: Jogos educativos; lúdico; violência de gênero; revisão da literatura; ferramentais digitais.

Educational games to approach gender violence: a scope review

Abstract. The objective of the study was to know the educational games used to approach gender violence.

This is a review of scope performed from the academic databases and gray literature in the areas of Health, Psychology and Education. Of the total of 1,174 articles selected, only 13 were included in the review, according to the eligibility criteria described in the protocol. The data extraction was performed using an instrument elaborated according to the review question and incorporated into the webQDA software. The data treatment and analysis allowed the identification of 11 educational games developed to approach gender violence, in which the contents were identified: denaturalization of sexist patterns, recognition and mechanisms for coping with gender violence and educational potential of games for the issues of gender.

Keywords: Educational games; ludic; gender violence; literature review; digital tools.

1 Introdução

A violência de gênero é um fenômeno complexo, que tem como base a construção dos padrões sexistas, nos quais as mulheres estão sujeitas à dominação masculina (Guedes & Fonseca, 2011). Mundialmente, a prevalência da violência contra a mulher perpetrada por parceiros íntimos e não-íntimos varia entre 27,2% e 45,6% entre as mulheres vitimadas. Além disso, 38% dos assassinatos de mulheres são provocados por parceiros íntimos e 42% das mulheres que sofreram violência física ou sexual apresentam lesões decorrentes das agressões (World Health Organization, 2013).

Diante dos agravos provocados pela violência de gênero, verifica-se a necessidade de medidas de prevenção e enfrentamento nos âmbitos intersetoriais e interprofissionais. Pondera-se, ainda, que os conhecimentos, as práticas e as políticas de atendimento às mulheres em situação de violência são influenciadas por crenças, valores, normas e atitudes que subalternizam a condição feminina. Nesta perspetiva, as medidas de intervenção tornam-se ainda mais desafiadoras (Boyko, Wathen, & Kothari, 2017).

O enfrentamento da naturalização dos padrões sexistas precisa envolver os profissionais e serviços especializados e não especializados no atendimento às mulheres em situação de violência, para

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coibir a revitimização e apoiar a interrupção do ciclo de violações. Para tanto, são necessárias ações educativas que instrumentalizem os profissionais para a construção do conhecimento a respeito das questões de gênero e do cuidado generificado.

As ações educativas podem ser concretizadas no contexto das práticas profissionais por meio de grupo de estudos, cursos, palestras, oficinas e jogos. No caso dos jogos educativos, considera-se que devam apresentar finalidade didática e possibilidade de uso para a promoção do processo de aprendizagem tanto no cenário de ensino formal quanto informal (Dondi & Moretti, 2007).

Nesta perspectiva, essa pesquisa apresentou como questão norteadora: Quais os jogos educativos utilizados para abordagem da violência de gênero? O objetivo da pesquisa foi conhecer os jogos educativos utilizados para abordagem da violência de gênero.

2 Metodologia

A fim de responder a questão norteadora e o objetivo da pesquisa, as autoras optaram por realizar uma revisão de escopo, pois permite a abordagem ampliada do tema de pesquisa e a inclusão de diferentes tipos de metodologias de estudo. Esse tipo de revisão propõe a identificação da extensão, do alcance e da natureza das pesquisas. Também consiste em um importante instrumento para verificar as lacunas do conhecimento sobre o tema na literatura científica (Arksey & O’Malley, 2005). A revisão de escopo busca fornecer um mapa das evidências que foram produzidas na literatura sobre determinada temática de pesquisa (Peters et al., 2017). O mapeamento versa sobre a síntese de pesquisas a partir da classificação no tempo, no espaço, da fonte e origem, das políticas e dos conceitos. Na maioria das vezes, esse modo de mapeamento fornece resultados indicativos e sugestivos para novos estudos (Anderson, Allen, Peckham, & Goodwin, 2008).

Diante disso, foi desenvolvido um protocolo de revisão de escopo baseado no processo do Instituto Joanna Briggs (Peters et al., 2017), para realizar uma busca bibliográfica da literatura científica associada aos jogos educativos utilizados para abordagem da violência de gênero. Esse protocolo orientou a procura de estudos que atendessem aos critérios de elegibilidade propostos para a revisão.

A questão de revisão adotada foi: Quais os jogos educativos utilizados para abordagem da violência de gênero? A pergunta foi elaborada utilizando-se a estratégia PICo, que preconiza como elementos fundamentais a acrônimo mnemômico: P – Problema; I – interesse e C – Contexto. Foram definidos os elementos: P (violência de gênero); I (jogos) e C (educação).

A pesquisa foi realizada em dezembro de 2017, nas bases de dados acadêmicas e de literatura cinzenta que apresentavam interface multidisciplinar sobre o fenômeno da violência de gênero, como Saúde, Psicologia e Educação.

A busca foi realizada nas bases de dados científicos: Scopus, Psycinfo, Cinahl, Embase, Eric, Pubmed, Science Direct e Web of Science; e nas bases de dados de literatura cinzenta: Banco de teses e dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, Google Scholar, NYAM Grey Literature e OpenGrey. Para a busca foram definidos e utilizados os seguintes termos de pesquisa: violence AND game ou games in

education AND education. A estratégia de busca foi adotada de acordo com a especificidade de cada

base de dados. Foram incluídos estudos publicados em língua inglesa, espanhola e portuguesa sem limite de tempo. No que se refere ao tipo de estudo, foram incluídas pesquisas primárias, empíricas, quantitativas e qualitativas de qualquer desenho ou metodologia. Os critérios de inclusão foram pautados no objetivo da revisão: conhecer os jogos educativos utilizados para abordagem da violência de gênero. Em contrapartida, foram excluídos os estudos que não envolviam a temática da

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violência de gênero como conceito do jogo e que não abordavam os jogos como tecnologias educativas.

A seleção dos estudos foi realizada mediante dupla conferência, seguindo os critérios de inclusão e exclusão descritos. Os dados foram inicialmente extraídos com base nos títulos e nos resumos. Em seguida, foram acessados os artigos completos para avaliar a elegibilidade adicional. A Figura 1 apresenta um fluxograma detalhado dos estágios da estratégia de pesquisa da literatura.

Fig. 1. Estágios da estratégia de pesquisa da revisão de escopo.

Destaca-se que alguns artigos, relacionados à produção de jogos educativos para abordagem da violência de gênero, elaborados pelo grupo de pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, do qual fazem parte as autoras do estudo, foram incluídos na revisão de escopo, uma vez que não foram encontrados nas bases de dados consultadas; todavia, têm relevância na produção científica brasileira sobre a temática.

A extração dos dados foi realizada por meio de instrumento, elaborado de acordo com a pergunta de revisão. Esse instrumento foi incorporado ao software de análise qualitativa webQDA (Costa, Moreira, & Souza, 2019). Os estudos salvos em Portable Document Format foram inseridos na íntegra no sistema de Fontes Internas. Cada uma das fontes internas foi classificada conforme o ano de publicação, o país, o idioma, a área do conhecimento, o desenho metodológico, o referencial teórico, os tipos de jogo, o público alvo, a categoria de abordagem do jogo e o tipo de violência de gênero. Posteriormente, os dados foram codificados através do Sistema de Códigos Árvore, nos quais houve a emergência das categorias empíricas e, consequentemente, das sínteses do conhecimento. O

Artigos selecionados nas bases de dados:

Cinahl: 221, Embase: 50, Eric: 166, Psycinfo: 115, Pubmed: 53, Science Direct: 230, Scopus: 141, Web of Science: 84, NYAM Grey Literature: 0, Open Grey: 2, Google Scholar: 35, Banco de teses e dissertações Capes: 18, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações: 59.

Leitura do título: 1.174

Títulos selecionados: 44 Títulos duplicados: 14

Resumos selecionados: 30 Artigos excluídos: 22

Leitura na íntegra: 08 Artigos incluídos do grupo de pesquisa: 03

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software também permitiu a elaboração de questionamentos, tornando possível estabelecer a

relação entre as classificações e os códigos árvores.

3 Resultados

A revisão de escopo foi composta por 11 artigos, publicados entre os anos 2004 e 2017 (um artigo publicado em 2004 e 2015, dois artigos em 2016, três artigos em 2014 e quatro artigos em 2017). No que se refere ao país de origem dos estudos, cinco artigos foram dos Estados Unidos da América, quatro do Brasil, um da Austrália e um era de autores residentes em mais de dois países. No que diz respeito ao idioma, oito artigos foram publicados na língua inglesa e três artigos na língua portuguesa.

Sobre a área do conhecimento, seis artigos foram publicados por autores das ciências da educação, quatro das ciências da saúde e um das ciências sociais. O tipo de estudo mais utilizado foi a pesquisa qualitativa (cinco artigos), seguido pelo relato de experiência (dois artigos), estudo experimental, estudo de caso, método misto e ensaio teórico (um artigo cada).

Em relação aos jogos, destacou-se o concepção dos serious games (seis artigos) e dos jogos lúdicos (cinco artigos). O principal tipo de jogo utilizado nos estudos foi no formato digital (sete artigos), acompanhado pelos jogos de simulação e de tabuleiro (dois artigos cada).

O público alvo foi primordialmente adolescentes (seis artigos), seguidos por crianças (três artigos), adultos (um artigo) e profissionais (um artigo). A abordagem dos jogos foi voltada à prevenção e ao enfrentamento da violência em cinco artigos, somente em relação à prevenção em quatro artigos e ao enfrentamento em dois artigos. Sete artigos trataram das diversas formas de violência e, quatro artigos, da violência sexual.

Os jogos de simulação foram identificados nos estudos que envolveram adolescentes e adultos, os jogos digitais foram relacionados às crianças e aos adolescentes e os jogos de tabuleiro foram associados às crianças e aos profissionais que atuavam na rede de atendimento.

Para o público infantil, os jogos abordaram medidas preventivas; para o público adolescente, envolveram medidas preventivas, de enfrentamento e de prevenção e enfrentamento concomitantemente. Para o público adulto, as medidas foram exclusivamente para o enfrentamento da violência de gênero.

As ciências da educação e da saúde desenvolveram jogos de simulação, de tabuleiro ou digitais, enquanto as ciências sociais produziram somente jogo digital. Os jogos de tabuleiro apresentaram elementos pautados na produção da ludicidade. Em contrapartida, a maior parte dos jogos de simulação e digitais foram fundamentados na concepção dos serious games.

Nos artigos selecionados, foram ressaltadas as palavras game (611 citações), sexual (498 citações), jogo (348 citações), violence (343 citações), learning (298 citações), students (236 citações), adolescentes (181 citações), abuse (175 citações), social (165 citações) e education (143 citações), conforme é possível observar na nuvem de palavras elaborada com o apoio do software WebQDA (Figura 2).

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Fig. 2. Nuvem de palavras mais frequentes nos estudos da revisão de escopo.

No que se refere aos objetivos dos estudos incluídos na revisão de escopo, evidenciaram-se pesquisas destinadas à avaliação dos jogos através da percepção dos jogadores em relação à identificação, à prevenção e ao enfrentamento das situações de violência, principalmente do abuso sexual perpetrado contra crianças e adolescentes (Adelman, Rosenberg, & Hobart, 2016; Bowen et al., 2014; Fontana & Beckerman, 2004; Jozkowski & Ekbia, 2015; Meyer, 2017; Oliveira & Fonseca, 2017).

No que diz respeito às metodologias, destacou-se a abordagem qualitativa (Adelman et al., 2016; Fonseca et al., 2018; Gilliam et al., 2016; Oliveira & Fonseca, 2017; Pires et al., 2017) e os métodos mistos (Bowen et al., 2014; Jozkowski & Ekbia, 2015), ressaltando como técnica para a coleta de dados a utilização de grupos focais (Adelman et al., 2016; Bowen et al., 2014; Gilliam et al., 2016; Jozkowski & Ekbia, 2015). A maior parte dos estudos (oito artigos) envolveu adolescentes (Adelman et al., 2016; Bowen et al., 2014; Crecente, 2014; Fonseca et al., 2018; Fontana & Beckerman, 2004; Gilliam et al., 2016; Jozkowski & Ekbia, 2015; Oliveira & Fonseca, 2017).

Foram identificados 11 jogos educativos associados à violência de gênero. Nas pesquisas brasileiras foram encontrados três jogos: “Violetas: cinema & ação no enfrentamento da violência contra a mulher” (Pires et al., 2017), “Papo reto” (Fonseca et al., 2018; Oliveira & Fonseca, 2017) e “Trilha da proteção” (Meyer, 2017). Nas pesquisas internacionais foram encontrados oito jogos: “Lucidity” (Gilliam et al., 2016), “Invasion of the foozles” (Fontana & Beckerman, 2004), “In her shoes” (Adelman et al., 2016), “Orbit” (Stieler-Hunt, Jones, Rolfe, & Pozzebon, 2014), “Green acres high” (Bowen et al., 2014), “Grace’s diary” (Crecente, 2014), “Love in the dumpster” (Crecente, 2014) e “Campus craft” (Jozkowski & Ekbia, 2015).

A partir da análise dos estudos selecionados emergiram quatro categorias empíricas: A desnaturalização dos papéis masculinos e femininos; O reconhecimento da violência de gênero; Os mecanismos para o enfrentamento do problema; e A interação como elemento fundamental para o aprendizado.

Durante a realização das partidas, os estudos descreveram a reiteração dos estereótipos de gênero e dos padrões sexistas, a culpabilização e a subalternidade do sexo feminino e a propagação dos discursos abusivos (Adelman et al., 2016; Fonseca et al., 2018; Jozkowski & Ekbia, 2015; Oliveira & Fonseca, 2017; Pires et al., 2017).

Os jogadores também identificaram situações de violência cometidas contra crianças, adolescentes e mulheres. Compreenderam a importância de motivar a autonomia das vítimas na tomada de decisão como medida para a prevenção e o enfrentamento do problema. Destacaram o reconhecimento das violações como potencialidade e limite para a comunicação dos casos (Adelman et al., 2016; Bowen et al., 2014; Crecente, 2014; Fonseca et al., 2018; Jozkowski & Ekbia, 2015; Meyer, 2017; Oliveira & Fonseca, 2017; Pires et al., 2017; Stieler-Hunt et al., 2014).

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A percepção do problema pelas vítimas e a comunicação da situação para a família, amigos ou profissionais dos serviços que integram a rede de atendimento foram compreendidos como mecanismos essenciais para o enfrentamento da violência de gênero (Fonseca et al., 2018; Gilliam et al., 2016; Oliveira & Fonseca, 2017; Pires et al., 2017; Stieler-Hunt et al., 2014).

Os estudos também destacaram a necessidade de os jogadores modificarem atitudes e comportamentos que predispõem à violência de gênero para propor e implementar medidas para a prevenção e enfrentamento do problema (Fontana & Beckerman, 2004).

A interação estabelecida entre os jogadores no decorrer das partidas foi primordial para o reconhecimento da violência, compartilhamento de experiências e para a transformação das atitudes e dos comportamentos dos participantes (Adelman et al., 2016; Bowen et al., 2014; Gilliam et al., 2016; Jozkowski & Ekbia, 2015; Meyer, 2017; Oliveira & Fonseca, 2017).

Assim, os jogos potencializaram a produção do conhecimento sobre as questões que conformam a violência de gênero e evidenciaram a possibilidade de uso nos contextos do ensino formal e informal (Adelman et al., 2016; Fontana & Beckerman, 2004; Gilliam et al., 2016; Meyer, 2017). Outros estudos demonstraram a utilização dos jogos como complementar ao ensino tradicional (Adelman et al., 2016; Bowen et al., 2014; Crecente, 2014; Stieler-Hunt et al., 2014).

Os artigos apontaram como limitação dos estudos o número reduzido de participantes, devido ao tempo destinado para coleta de dados. Esse aspecto influenciou a interação dos participantes com o jogo, e, consequentemente, a eficácia da intervenção educativa (Fonseca et al., 2018; Jozkowski & Ekbia, 2015; Oliveira & Fonseca, 2017).

O formato do jogo também foi descrito como barreira em alguns estudos. Constatou-se a contradição estabelecida entre o jogo físico e virtual. O jogo físico se mostrou restrito devido à menor interatividade e atratividade (Meyer, 2017), enquanto o jogo virtual se apresentou limitado em virtude do acesso ao computador e da conectividade ligada à tecnologia (Bowen et al., 2014; Fontana & Beckerman, 2004).

Dois estudos constataram a necessidade de tornar as regras do jogo mais intuitivas, a fim de facilitar a navegação e a autonomia dos jogadores (Bowen et al., 2014; Meyer, 2017). Três estudos indicaram a presença de facilitadores qualificados devido à complexidade do tema e à possibilidade de as vítimas participarem da partida (Adelman et al., 2016; Bowen et al., 2014; Meyer, 2017; Oliveira & Fonseca, 2017).

Evidenciou-se que os jogos promoveram a participação ativa e a autonomia dos jogadores, bem como o desenvolvimento da crítica e da reflexão sobre o fenômeno da violência de gênero (Adelman et al., 2016; Bowen et al., 2014; Crecente, 2014; Fontana & Beckerman, 2004; Gilliam et al., 2016; Jozkowski & Ekbia, 2015; Meyer, 2017; Oliveira & Fonseca, 2017; Pires et al., 2017; Stieler-Hunt et al., 2014).

Os jogos permitiram aos participantes o planejamento e a implementação de estratégias individuas e coletivas para a prevenção e o enfrentamento da violência de gênero. Nisso, seis estudos citaram o trabalho em equipe e a construção conjunta do conhecimento como estratégias para o alcance da vitória (Fonseca et al., 2018; Gilliam et al., 2016; Meyer, 2017; Oliveira & Fonseca, 2017; Pires et al., 2017; Stieler-Hunt et al., 2014).

Os estudos revelaram a proximidade entre o jogo e a realidade. Os pesquisadores destacaram semelhanças nas situações de violência vividas na ficção do jogo e na realidade dos participantes. Esse aspecto propiciou a identificação das formas visíveis e invisíveis da violência de gênero (Bowen et al., 2014; Jozkowski & Ekbia, 2015; Oliveira & Fonseca, 2017; Pires et al., 2017).

Essa revisão de escopo demonstrou a potencialidade dos jogos educativos para a problematização, interpretação e compreensão da violência de gênero, para o fortalecimento da rede de apoio e para a captação das percepções dos jogadores a respeito do tema (Fonseca et al., 2018; Meyer, 2017; Pires et al., 2017).

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Nos estudos selecionados, os jogos educativos constituíram estratégias interventivas, nas quais os jogadores compartilharam os conhecimentos produzidos no jogo com seus pares e relataram mudanças comportamentais em relação à resolução de conflitos e desconstrução dos padrões sexistas (Adelman et al., 2016; Fontana & Beckerman, 2004; Gilliam et al., 2016; Jozkowski & Ekbia, 2015).

4 Discussão

A revisão de escopo revelou que os estudos relativos aos jogos educativos para abordagem da violência de gênero apresentaram como principal metodologia a abordagem qualitativa. Esse aspecto se justifica pela finalidade de identificar as percepções dos jogadores em relação às partidas e pela estratégia adotada para coleta de dados. Outra revisão da literatura relacionada à atuação dos professores nos jogos educativos revelou que a maioria dos artigos relatavam a utilização de métodos mistos (15), abordagem quantitativa (13) e qualitativa (7) para responder à pergunta de pesquisa (Kangas, Koskinen, & Krokfors, 2017).

No que se refere ao referencial teórico de jogo escolhido pelos pesquisadores, destacou-se o desenvolvimento de serious games. Também observou-se que os jogos digitais e de simulação foram superiores aos jogos de tabuleiro. Neste sentido, pesquisa considera que os serious games se destacam pelo desenvolvimento de habilidades, produtos, serviços e processos de trabalho. Além disso, corroboram para a simulação da realidade, permitindo aos jogadores experimentar a vivência de um determinado problema e a proposição da sua resolução (Raventós, 2016).

Em relação ao público alvo dos jogos, destacaram-se os adolescentes e as crianças. Esse aspecto pode estar associado ao fato de que as partidas são permeadas por situações divertidas e que cativam a atenção dos jogadores. Assim, as crianças, por exemplo, se sentem desafiadas e estimuladas para o desenvolvimento dos conhecimentos e das habilidades (Scholes, Jones, Stieler-Hunt, & Rolfe, 2014).

Diante disso, considera-se que a descontração do jogo possibilita a abordagem de temas complexos como a violência de gênero de forma branda, porém não menos importante para o desenvolvimento dos conhecimentos ligados à prevenção e ao enfrentamento do problema.

A revisão de escopo também revelou que a maior parte dos jogos foram elaborados para a prevenção e o enfrentamento da violência sexual. Segundo o relatório da Organização Mundial da Saúde, 7,2% das mulheres sofrem situações de violência sexual não relacionadas à parceiros íntimos, responsáveis por desencadear consequências negativas à saúde mental, como depressão, ansiedade e abuso de drogas (World Health Organization, 2013).

Os artigos selecionados mostraram a preocupação dos pesquisadores em relação à promoção de medidas para a prevenção e o enfrentamento da violência de gênero através dos jogos. Diante disso, na descrição das partidas observou-se o intuito de desnaturalizar os padrões sexistas, identificar o problema e propor intervenções individuais e coletivas para redução dos agravos decorrentes das violações.

Pesquisa realizada com profissionais de saúde da atenção primária verificou que a violência de gênero raramente aparece como demanda espontânea nos serviços de atendimento. Diante disso, as autoras destacam a importância do reconhecimento das violações pelas mulheres vitimadas no sentido de transformar sua compreensão em relação ao enfrentamento desse fenômeno social (Guedes, Fonseca, & Egry, 2013).

Os jogos educativos identificados nessa revisão para abordagem da violência de gênero foram responsáveis pela produção de conhecimentos ligados às questões de gênero, considerando

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principalmente a participação, a interação e a autonomia dos jogadores na tomada de decisões no decorrer da dinâmica das partidas.

A autonomia garantida aos jogadores na tomada de decisões possibilita o envolvimento com o processo de aprendizagem, uma vez que a experiência do jogo está centrada na singularidade dos educandos, na medida em que cada partida se mostra como única (Zeng & Shang, 2018).

Além da autonomia, os jogos educativos promoveram a interação entre os jogadores como mecanismo para produção de novos conhecimentos. Ao considerar que a realidade lúdica dos jogos é semelhante a vida real, os jogadores tiveram possibilidade de compartilhar suas experiências e conhecimentos elaborados previamente ao momento da partida.

O envolvimento com as partidas motivou a participação dos jogadores na construção do aprendizado sobre as questões que permeiam a violência de gênero. A potencialidade de os jogos retratarem situações cotidianas favoreceu o vínculo e a imersão dos jogadores na partida. Assim, o contexto do jogo cria um espaço propício para a transferência e a utilização dos conhecimentos (Zeng & Shang, 2018).

A revisão de escopo apresentou como limite nas pesquisas para a avaliação dos jogos o número reduzido de participantes para avaliação das tecnologias educativas, o aprofundamento da análise dos formatos dos jogos, a dificuldade dos jogadores no entendimento das regras e a necessidade de facilitadores no decorrer das partidas. Em relação ao último aspecto, pesquisa verificou que somente o uso de jogos não assegura a prática como ação educativa, uma vez que se trata de um instrumento para mediar o diálogo a respeito de determinada temática (Monteiro et al., 2018).

5 Conclusões

A revisão de escopo demonstrou que a maior parte dos jogos educativos para abordagem da violência de gênero foi criada por pesquisadores das ciências da educação e desenvolvida a partir da concepção dos serious games, no formato digital. Os adolescentes se destacaram como público alvo, enquanto a pesquisa qualitativa se evidenciou como tipo de estudo adotado para a avaliação dos jogos.

A partir da revisão identificaram-se 11 jogos educativos para abordagem da violência de gênero. Ao considerar os distintos tipos de violência perpetrados contra as mulheres e meninas abordados nos jogos, a violência sexual apresentou maior destaque.

Constatou-se que os jogos educativos da revisão visavam à promoção de medidas para a prevenção e ao enfrentamento da violência de gênero. As partidas buscavam estimular os jogadores para a desnaturalização dos padrões sexistas, o reconhecimento das diferentes situações de violência e a proposição de ações para a intervenção no problema. Dentre as ações, ressaltaram-se a promoção da autonomia das vítimas na tomada de decisão, a comunicação das violações junto à rede de apoio e a mudança de comportamentos e atitudes relativas aos estereótipos de gênero.

A revisão de escopo revelou a potencialidade dos jogos para o processo de aprendizagem relacionado à prevenção e ao enfrentamento da violência de gênero. A participação ativa, a autonomia na implementação de ações individuais e coletivas, o planejamento e a implementação das intervenções, a aproximação do cenário do jogo com a realidade, e a experiência dos jogadores colocada e vivida nas partidas, foram essenciais para a produção de novos conhecimentos sobre as questões de gênero que fundamentam as violações.

Esta pesquisa apresenta como contribuição para o campo de investigação qualitativa a possibilidade de produzir sínteses do conhecimento sobre jogos educativos para abordagem da violência de gênero por meio da análise qualitativa. Também torna possível a elaboração de evidências científicas

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e a proposição de novos estudos. Metodologicamente, demonstra a potencialidade do software de análise qualitativa webQDA como apoio para o desenvolvimento da revisão de escopo.

Agradecimentos. Processo n 2018/11960-6, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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