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Investigação qualitativa em museus de ciências: a produção de sentidos por alunos de licenciatura em visita a exposições

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Investigação qualitativa em museus de ciências: a produção de sentidos por

alunos de licenciatura em visita a exposições

Carla Gruzman1, Ana Carolina de Souza Gonzalez1,Ozias de Jesus Soares1,Marise Basso Amaral2,Simone Rocha Salomão2 e Bianca Reis1

1

Museu da Vida - Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Brasil. carla.gruzman@fiocruz.br; ana.gonzalez@fiocruz.br; ozias.soares@fiocruz.br; bianca.reis@fiocruz.br;

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Faculdade de Educação da Universidade Federeal Fluminense, Brasil. marisebassoamaral@gmail.com; simonesalomao@uol.com.br

Resumo. Trata-se de recorte de pesquisa que investigou como estudantes de licenciatura se apropriam do

discurso expositivo e produzem sentidos por meio de objetos nas exposições de museus de ciências, considerando as práticas educativas que ocorrem na interface entre o Museu, a Universidade e a formação de professores. O trabalho tem como objetivo refletir sobre a utilização de metodologias qualitativas para a produção de dados no espaço/tempo em que se realizam as visitas, e, para isso, busca discorrer sobre as etapas de construção metodológica, tomando como referência a proposta intitulada thinking aloud (pensando em voz alta). A análise baseou-se nos estudos de linguagem, com foco nos enunciados dos sujeitos, e permitiu identificar sete núcleos de sentidos. A adoção de uma perspectiva discursiva, aliada à habilidade de descrever, refletir e atribuir valores, trazem importantes elementos para se pensar a formação docente em espaços de cultura científica como os museus.

Palavras-chave: Museus de ciência, formação de professores, investigação qualitativa, estudos da

linguagem, produção de sentidos.

Qualitative research in science museums: the production of meanings by undergraduate students visiting exhibitions

Abstract. This is a research study that investigated how undergraduate students appropriate the exhibition

discourse and produce meanings through the objects available in science museums’ exhibitions, considering the educational practices that happen among Museum, University and teacher training. The aim of this presentation is to reflect on the use of qualitative methodologies for the data production in the space/time in which the visits are carried out. It seeks to discuss the steps of methodological building, taking as reference the proposal entitled Thinking Aloud. The analysis was based on language studies, focusing on the subjects' statements, and allowed the identification of seven meaning cores. The assumption of a discursive perspective, combined with the ability to describe, reflect and attribute values, bring important elements to think about teacher education in places of scientific culture such as museums.

Keywords: Science museums; teacher education; qualitative research; languages studies; meaning

production

1 Introdução

Ao longo dos anos últimos 30 anos a pesquisa sobre museus e seus públicos tornou-se cada vez mais complexa, tanto em termos dos objetos de estudo quanto em relação às metodologias utilizadas. A produção de conhecimentos nesse domínio foi tradicionalmente orientada para a investigação de acervos, coleções ou personagens. Essas perspectivas foram constituídas pelas atividades acadêmicas e pelas ações práticas de organização do trabalho nas diferentes tipologias de instituições museais. No entanto, a partir da ampliação de investimentos nos processos de educação e comunicação direcionado aos visitantes, as pesquisas nos museus ganham fôlego e abrem espaço para novos objetos de estudo e outros enfoques. É possível detectar transformações na dinâmica

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institucional para receber grupos específicos, que vislumbram ter as necessidades culturais contempladas pelos museus e, por outro lado, se observa um adensamento dos estudos desenvolvidos nas ciências humanas e sociais que se dedicam a esse campo particular. A vertente de pesquisa à qual nos referimos e que vem se afirmando são os estudos de públicos, sob os mais diversos matizes (Eidelman, Roustan & Goldstein, 2014).

No contexto brasileiro vemos avançar a ideia de que a dimensão educativa dos museus também está associada à pesquisa que acontece nestas instituições, nas suas diversas possibilidades. A ampliação e o acolhimento de temas na pós-graduação (lato e stricto sensu) que investigam a educação em museus, seus aspectos constitutivos e suas expressões nas diferentes tipologias de acervos, podem servir de termômetro para qualificar o quanto o trinômio pesquisa-educação-formação vem se consolidando (Valente, 2014; Marandino, 2006).

Os estudos que colocam o público dos museus como protagonistas de investigações referem-se aos diferentes modos pelos quais é possível conhecer os visitantes de forma sistemática, com o intuito de identificar características, planificar e promover atividades relacionadas aos distintos públicos. Estes têm sido relevantes para subsidiar os trabalhos desenvolvidos nessas instituições e repercutem as problemáticas e teorias em curso nos diferentes campos de conhecimento, bem como as transformações nas políticas públicas no âmbito da cultura, ciência e tecnologia que trazem explícita ou implicitamente a necessidade de investimentos em pesquisas (Falcão, 2015).

Um conjunto de investigações nos museus de ciências direcionou-se ao conhecimento dos diferentes perfis de público, para entender quais influências socioculturais estariam na base do hábito de visitas a museus e centros culturais (Köptcke, Cazelli & Lima, 2005; Coimbra, Cazelli & Falcão, 2012; Mano et al., 2017).

Outro leque de investigações tem se dedicado aos processos de educação e comunicação que ocorrem no âmbito das exposições em museus e trazem aportes de abordagens qualitativas em seus diferentes aspectos, recebendo grande atenção tanto no âmbito internacional (Hooper-Greenhill, 1994; Falk & Storksdieck, 2005; Pedretti, 2012) quanto no brasileiro (Marandino, 2001; Almeida & Lopes, 2003; Cury, 2005; Bizerra, 2009; Valente, 2010). Um terceiro grupo de investigações está direcionado para as práticas educativas desenvolvidas nos museus e as ações relacionadas à temática da formação de profissionais, buscando problematizar as articulações entre os diferentes contextos educativos – formal e não formal (Queiroz et al, 2003; Jacobucci et al, 2009; Pugliese & Marandino, 2015).

O presente estudo pretende se debruçar sobre as interfaces entre os museus e as universidades, investigando a formação docente inicial no contexto de visitas a exposições e tomando como base referências teóricas da área de educação e comunicação em museus. A pesquisa ocorreu a partir da parceria de um museu de ciências e uma universidade do Brasil, e ainda contou com um segundo museu para compor o campo empírico, todas as instituições públicas de âmbito federal. Neste contexto, alunos de licenciatura em Ciências Biológicas inscritos nas disciplinas de Pesquisa e Prática de Ensino se constituíram como sujeitos da pesquisa.

Para a realização do estudo foram eleitas três dimensões desta relação para pensar a formação docente e os museus de ciências: a) as visitas a espaços de educação não formal como elemento de formação de futuros professores; b) a apropriação do discurso expositivo por parte dos alunos de licenciatura em contexto de visitas às exposições em museus de ciências e c) as percepções e entendimentos que estes alunos carregam com respeito ao lugar do museu no contexto da formação humana.

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As seguintes questões da investigação foram propostas: Em que contexto acontecem as visitas de estudantes de licenciatura a museus de ciências? De que maneira as leituras e apropriações podem ser observadas, organizadas e analisadas no contexto da visita? Que sentidos são mobilizados por esses sujeitos no processo de interação com objetos presentes nas exposições de museus de ciência ? Quais são as articulações produzidas pelos estudantes de licenciatura sobre as duas esferas educativas – formal e não formal – com relação aos conteúdos, aos objetos e elementos que constituem o discurso expositivo?

Desta maneira, o estudo objetiva refletir sobre a utilização de metodologias qualitativas para analisar a produção de sentidos de estudantes de licenciatura em situação de visita às exposições. Procura discutir os desafios e as potencialidades que se colocam para a produção de dados no tempo/espaço em que se realizam as visitas e inspira-se na proposta intitulada thinking aloud (pensando em voz alta). O estudo está fundamentado em abordagem discursiva sócio-histórica, que valoriza o funcionamento da linguagem para a compreensão das práticas sociais. Elementos da concepção de linguagem elaborados pelo pensador russo Mikhail Bakhtin e seu círculo (1997, 2003) servem de base para as análises e reflexões. As discussões levam em consideração as posições enunciativas assumidas pelos sujeitos e trazem à tona as formas de ampliação de repertórios culturais e científicos.

2 O campo empírico na perspectiva qualitativa: a produção de sentidos

Face às questões mobilizadoras apontadas, nos afastamos da noção do público como uma grande massa homogênea e caminhamos na direção de compreender a experiência dos diferentes grupos de visitantes, enxergando-os como atores sociais que atribuem sentidos utilizando-se de estratégias interpretativas. Para a pesquisadora inglesa Hooper-Greenhill (1994), considerar a experiência de visitantes e a forma como interpretam o que acontece ao seu redor é fundamental para o desenvolvimento de ações educativas e comunicacionais nos museus. Estas implicam em reconhecer a diversidade de participação nas exposições e a produção de sentidos, levando em consideração os conhecimentos prévios, repertórios dos grupos aos quais se vinculam e as motivações pessoais. Embora a escola seja uma assídua frequentadora dos museus, a relação com a formação dos professores parece caminhar de modo tímido. Ao pensar sobre esse segmento de público em museus – os estudantes de licenciatura –, podemos elencar diferentes ações educativas que estas instituições oferecem e que se relacionam com o processo formativo destes profissionais, tais como cursos, oficinas, palestras e a visita às exposições. Procuramos, neste estudo, dar ênfase às exposições, pois é nelas que se materializa o lócus mais privilegiado de comunicação entre o museu e seu público.

No que se refere à concepção de exposições em museus, observamos que em seu desenvolvimento são mobilizados elementos simbólicos e materiais, organizados a fim de produzir sentidos. Para sua concretização agrega acervos, aparatos interativos, mídias, material expográfico, entre outros. Entretanto, a exposição não apresenta apenas os objetos, ela orienta o olhar dos visitantes por meio de marcas de intencionalidade expressas no discurso expositivo (Gruzman, 2012). Nesta perspectiva, entendemos aqui por discurso expositivo uma série de elementos que dizem respeito não só aos objetos, mas a toda uma gama aspectos que se expressam por meio dos objetos, dos textos, das vitrines, das imagens, dos modelos e réplicas, entre outros (Marandino, 2001). Em outro ponto de vista, tendo como foco a apropriação desse discurso, a unidade exposição supõe modos de recepção particulares por parte dos visitantes.

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No âmbito da exposição, a leitura corresponde a formas de interpretação do visitante em relação ao percurso e as escolhas de participação que realiza na exposição. O visitante lê e reconhece textos, imagens e objetos que estão organizados em diferentes suportes da exposição e interage com eles buscando reconhecer as marcas de intencionalidade e conteúdos apresentados. Essas marcas têm como função facilitar a leitura e, por outro lado, originam construções de sentidos particulares do visitante que estabelece pontes com conhecimentos e experiências prévias. A possibilidade de leituras polissêmicas expressa as interações que ocorrem na exposição e está associada também às condições sociais em que se realizam as visitas.

As pesquisas com abordagem qualitativa colocam em destaque como o público frui ou interage com as exposições, isto é, qualificam o efeito da exposição tomando como parâmetro o horizonte de perspectivas dos visitantes e o processo de atribuição de sentidos, conforme discutido por Hooper-Greenhill (1994). Para a produção e análise dos dados realizamos observações sistemáticas de visitas às exposições e nos inspiramos na abordagem conhecida como thinking aloud aplicada às pesquisas de educação museus. Nessa vertente, uma referência relevante para o nosso estudo é o trabalho de Dufresne-Tassé et al. (2015), que traz para o contexto do museu uma proposta para acessar a experiência de adultos em visita a exposições, por meio da solicitação de suas impressões ao longo do percurso no ambiente – abordagem thinking aloud. Nessa perspectiva, busca-se alcançar a participação direta e consciente do visitante, a partir da produção oral de suas percepções sobre os elementos da exposição e registro das mesmas.

A autora parte do pressuposto de que as gravações dessas verbalizações aliadas à observação do público irão possibilitar ao pesquisador o acesso mais direto aos aspectos dos processos que o visitante mobiliza para processar objetos, textos e museografia em torno deles. Pode-se ainda identificar lembranças, emoções, suposições ou experiências acumuladas, evocadas a partir do contato com a exposição (Dufresne-Tassé et al., 2015).

Essa abordagem coloca em foco a possibilidade de uma aproximação com o modo pelo qual os visitantes se apropriam do discurso expositivo. Para fins dessa pesquisa, as observações, reflexões e considerações dos estudantes em interação com os objetos se constituíram nos dados analisados, em que o processo de atribuição de sentidos pode ser alcançado por meio dos enunciados expressos por eles. Entendemos com Bakhtin (1997) que o conceito de apropriação se refere à transformação ativa de sentidos, isto é, a interpretação e transformação de ideias de outros tornando-as nossas por meio das associações que estabelecemos com conhecimentos e experiências anteriores.

3 Dados em diálogo: tratamento, descrição e análise

Considerando as premissas teórico-metodológicas acima mencionadas e avançando na perspectiva qualitativa - que valoriza a compreensão das singularidades dos sujeitos ao mesmo tempo que admite que estas são contextualizadas pela cultura do grupo em que se insere (Bogdan & Biklen, 1994; Minayo, 2014) - a pesquisa contemplou uma primeira incursão no campo empírico com o objetivo de melhor delinear os instrumentos de produção e análise dos dados. Foram feitas observações sistemáticas de visitas de grupos de estudantes universitários às exposições e conversas posteriores com eles, constituindo um exercício de aproximação com a abordagem do thinking aloud, com vistas a aperfeiçoar os roteiros. Foram acompanhadas sete visitas de grupos de estudantes de graduação a quatro museus brasileiros. Os grupos eram compostos por alunos dos cursos de Ciências Biológicas, Pedagogia, Produção Cultural ou Arquitetura, pertencentes a quatro

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diferentes instituições de ensino superior. Nesta fase exploratória, os pesquisadores registraram posturas, comportamentos e interações dos visitantes. O acúmulo desses registros foi importante para avaliar as possibilidades metodológicas que permitissem o esclarecimento ou maior entendimento das leituras e apropriações. A partir destas observações sistemáticas, foi elaborada uma proposta inicial que fosse orientadora para a abordagem do thinking aloud. Assim sendo, optou-se pelo uso de gravadores como forma de captar as percepções dos estudantes ao longo da visita, associado à realização de entrevistas com os participantes voluntários após a visita, a partir de roteiro semiestruturado. Seguindo no desenvolvimento da pesquisa e no seu aperfeiçoamento metodológico, a fase posterior contemplou duas visitas com licenciandos de Ciências Biológicas de uma das instituições de ensino a dois diferentes museus, já como base neste formato. As visitas foram acompanhadas pelos mediadores de cada um dos espaços e os estudantes utilizaram gravadores de áudio (em dupla ou de forma independente). Todos foram entrevistados ao final. Nesta etapa de testes alcançou-se um somatório de quase 23 horas de áudio de visita, com as verbalizações dos estudantes e as entrevistas. Após as análises dessa etapa preliminar, surgiram algumas questões que precisaram ser consideradas para as etapas subsequentes: 1) A importância de delimitar os sujeitos da pesquisa; 2) A definição das exposições e museus em que a(s) visita(s) aconteceria(m); 3) O necessário recorte dos objetos/módulos das exposições para o registro das verbalizações e aprofundamento da proposta; 4) A construção de formulário para conhecer o perfil sociodemográfico e cultural dos licenciandos; 5) A reformulação de aspectos do roteiro de entrevista; 6) A opção pela realização de visitas com dinâmica mais livres, sem a presençada do mediador todo o tempo; 7) O delineamento de uma proposta de organização para o tratamento e análise do material. Com relação à definição dos sujeitos de pesquisa, optou-se por considerar alunos do curso de licenciatura em Ciências Biológicas inscritos nas disciplinas de Pesquisa e Prática de Ensino (PPE I e IV) de universidade pública do estado do Rio de Janeiro, que propõe visitas sistemáticas a espaços de educação não formal ao longo do percurso formativo desses estudantes. Foi definido também que a pesquisa aconteceria em duas exposições de longa duração de dois diferentes museus, em formato de visitação espontânea. O mediador do museu faria apenas uma introdução sobre a instituição e suas coleções e, em seguida, os sujeitos seguiriam de forma livre pela exposição. As exposições escolhidas têm proximidade temática (ciências da vida) e permitem a realização de visitas em modalidade livre.

Outra importante diretriz diz respeito aos comandos para as verbalizações a serem gravadas e os objetos/módulos pré-definidos pela equipe, o que foi chamado de “pontos de parada” nas exposições. Estes foram selecionados durante as observações sistemáticas, a partir da frequência/tempo com que os estudantes permaneciam diante deles e do interesse manifestado via interações no percurso realizado. Nesses pontos, um breve roteiro foi elaborado para a enunciação das impressões, contemplando aspectos que eles deveriam explorar, tais como: características do objeto e localização na exposição; ideias, comentários, lembranças, conhecimentos, sentimentos e/ou curiosidades despertadas.

Após a visita, os sujeitos foram então convidados a participar de uma entrevista, a partir de roteiro semiestruturado. A entrevista tratou de questões como formação acadêmica e visita a museus, aspectos mais relevantes que ele ressaltaria na visita, assuntos que teria tomado conhecimento a partir daquela exposição e a contribuição ou não das visitas a museus para a formação inicial do professor.

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Assim sendo, o desenho para a produção de dados no desenvolvimento da pesquisa foi definido com três momentos: 1) Levantamento de informações sociodemográficas (idade, sexo, residência, dados de escolaridade, exercício de atividade remunerada) e hábitos de visita a museus, para melhor caracterização desses sujeitos; 2) Gravação dos áudios com as verbalizações das percepções dos sujeitos ao longo da visita (abordagem do método thinking aloud); 3) Entrevistas com os sujeitos participantes, todos voluntários.

Embora a produção de dados tenha acontecido a partir de diferentes fontes (formulário sócio-demográfico-cultural, áudios das verbalizações dos estudantes ao longo das visitas e gravações das entrevistas), tendo em vista as restrições para o tamanho do artigo, serão apresentados abaixo os resultados referentes à cuidadosa análise feita pelos pesquisadores sobre as transcrições dos áudios das visitas, por acreditarmos que neste elemento encontra-se o eixo fundamental que motivou a realização desta densa pesquisa.

Os procedimentos interpretativos foram compartilhados entre a equipe de investigação levando-se em conta o contexto no qual o estudo foi encaminhado, a organização do material empírico e a ideia de impregnar-se com as observações de campo (Minayo, 2012). O corpus analisado foi constituído por verbalizações produzidas pelos estudantes de licenciatura em interação com os objetos nas exposições. Mediante reuniões presenciais, as análises realizadas foram debatidas e validadas pelos 8 pesquisadores que integraram a investigação, por meio da organização em grandes planilhas dos enunciados que emergiram dessas verbalizações e foram destacados. Cabe salientar que, nessa perspectiva analítica, não são definidas categorias a priori, uma vez que surgem a partir do contato com o material empírico da pesquisa.

É oportuno sinalizar que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética designado institucionalmente para avaliar projetos com foco nas ciências humanas e sociais e todos os 18 voluntários que participaram nesta etapa final assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

4 A metodologia qualitativa na busca pelos sentidos impressos na experiência de visita

Como mencionado anteriormente, os sujeitos da pesquisa percorreram as exposições com um gravador para que verbalizassem livremente suas impressões e, nos determinados “pontos de parada”, atenderam a um breve roteiro que oferecia orientações, contemplando aspectos que deveriam ser explorados. As cerca de 12 horas de áudios dos voluntários que seguiram com os gravadores foram transcritos e as análises empreendidas possibilitaram reflexões sobre os aspectos sociais, cognitivos e afetivos mobilizados a partir das interações dos licenciandos com objetos, textos e museografia, à luz dos referenciais teóricos assumidos para a investigação.

Considerando o enunciado como a unidade de análise que traz posições valorativas dos sujeitos, a primeira etapa de exploração dos dados buscou identificar marcas do processo de atribuição de sentidos. O exercício de compreensão e interpretação em camadas buscou discutir os grandes temas presentes nas verbalizações e as dimensões mobilizadas para cada um dos sujeitos. No exercício de análise do material empírico verificou-se que os enunciados estão ancorados no processo de interiorização de outros discursos. Do ponto de vista bakhtiniano estão articulados em uma rede dialógica em que se tocam, se distanciam ou se aproximam em dinâmica de interlocução interna com discursos anteriores e dirigidos a um destinatário suposto (Bakhtin, 1997, 2003).

Com base na recorrência dos temas e compreensão crítica dos pesquisadores foi então possível caminhar para a segunda etapa e organizá-los em núcleos de sentidos - a partir de critérios como a

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articulação de temáticas semelhantes, com marcas valorativas complementares, similares ou divergentes. Por conseguinte, buscou-se identificar enunciados que evidenciassem posições assumidas frente aos objetos, transitando entre as dimensões constitutivas desses sujeitos e procurando articular aspectos de sua subjetividade e cultura. Nas análises realizadas as marcas enunciativas expressam as posições assumidas e a quem se dirigem como possíveis interlocutores. Assim, em algumas verbalizações o papel de estudante de graduação em Ciências Biológicas fica mais evidente e as produções de sentido se referem a experiências dessa esfera de atividade. Ao passo que nas verbalizações em que expressa sentidos do estar formando-se professor traz referências mais claras sobre a prática docente. Tal como discute Bakhtin (1997), o falante fundamenta sua perpsectiva em diálogo com discursos que circulam nos contextos enunciativos do qual participa e interage.

Foram então identificados nos enunciados a mobilização de sete núcleos de sentidos: Formação Acadêmica; Produção da Ciência; Perspectiva Educativa; Expressão de Subjetividade; Humanização do Cientista; Valoração Estética e Políticas Públicas, que serão apresentados brevemente abaixo: a) Formação acadêmica: Enunciados que articulam os conhecimentos e situações vividos na graduação, e/ou experiências escolares passadas, na construção de um diálogo com o discurso expositivo.

b) Produção da Ciência: Enunciados relacionados aos processos e produtos da ciência mobilizados pelos estudantes na interação com a exposição, podendo estar ou não diretamente informados pelos objetos e narrativas que se mostram expostos. Revela, entre outros aspectos, a percepção da dimensão temporal no desenvolvimento da ciência e de suas relações com a sociedade.

c) Perspectiva educativa: Enunciados que expressam possibilidades educativas na relação com o público escolar, bem como apontam sugestões para a exposição de modo que qualquer visitante possa melhor interagir e dialogar com seus conteúdos e temas.

d) Expressão de subjetividade: Enunciados que expressam aspectos afetivos e sentimentos (desejo, admiração, espanto, surpresa, medo, nojo, repulsa etc.) provocados pelos objetos expostos e as relações construídas a partir destes. Articula-se, ainda, com experiências remotas ou recentes suscitadas ou não diretamente pela exposição e que impactam no processo de significação.

e) Humanização do cientista: Enunciados que percebem o cientista para além de sua atuação profissional, mais sociável, com rotina e hábitos comuns, mobilizando aspectos do seu convívio familiar, por exemplo. Trazem elementos que não são comumente levantados quando se estuda um pesquisador e seu trabalho, o que pode torná-lo mais próximo do visitante.

f) Valoração estética: Enunciados que falam da experiência de fruição no ambiente expositivo e que levantam valorações sobre elementos da cenografia, cores, materiais e da própria sala onde está a exposição e sua relação com a constituição e história institucional.

g) Políticas públicas: Enunciados que trazem registros sobre componentes políticos da saúde pública, elencando ações que existem ou deveriam existir para que o Estado garantisse melhorias das condições de saúde da população. Podem ainda trazer comparações entre aspectos históricos e contemporâneos da promoção da saúde como bem público e responsabilidade do Estado.

Como resultado desse estudo, foram observadas marcas discursivas que caracterizam as condições de produção dos enunciados dos licenciandos, isto é, as diversas experiências e práticas sociais das quais participam. A alternância entre as posições enunciativas - ora como estudantes em formação e ora como educadores - merece destaque e foi considerada relevante do ponto de vista do engajamento profissional. Cabe destacar também os enunciados que evidenciam reflexões e

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indagações sobre aspectos da ciência, sua relação com o cotidiano e a participação na sociedade. Adicionalmente, do ponto de vista educativo, esta pesquisa mostrou grande potencial para se refletir sobre as práticas de formação docente que se dão na interface entre museus e universidades. De acordo com Hooper-Greenhill (1994), os sentidos produzidos nas interações com objetos, são fruto do processo de interpretação associados às experiências prévias dos visitantes e, no âmbito dessa investigação, podem ser expressas por repertórios significativos que possibilitam instrumentalizar e fortalecer o estudante em formação no processo de ampliação da cultura científica.

5 Considerações finais

Conforme as discussões apresentadas, o avanço dos estudos de público em museus foi pautado tanto no incremento dos grupos de pesquisa via pós-graduação (lato e stricto sensu) que investigam a educação em museus, bem como expressam as transformações na relação museus-sociedade ao longo do tempo. Todavia, cabe reconhecer a necessidade de investimentos no campo da formação de professores, que possuem rebatimentos diretos sobre a dimensão da pesquisa e produção do conhecimento nos museus.

Embora alguns autores discutam a sutil participação dos espaços de cultura como museus nos currículos de formação de professores e a necessidade de ampliação desse debate (Queiroz et al, 2003; Pugliese & Marandino, 2015), registramos iniciativas em que a universidade e os formadores ao agregarem ações que buscam alargar a perspectiva de educação para além dos limites da escola, contribuem para que os espaços e práticas museais ampliem a formação humana.

A etapa de desenho da abordagem metodológica de uma pesquisa de caráter qualitativo – em especial quando apontamos a necessidade de testes para ajustes dos instrumentos de pesquisa – abre a rica possibilidade de pensarmos os percursos seguintes. No nosso caso específico, as etapas precedentes mostraram a necessidade de estabelecer foco ou recortes, relacionados ao grupo social elegido, às instituições/exposições onde a pesquisa aconteceria, ao formato de visita e à orientação para a verbalização dos participantes no conjunto das exposições.

No entanto, ainda nos colocamos diante de alguns desafios que podem ser categorizados da seguinte maneira:

a) Desafios radicados na forma com que os museus estabelecem suas estratégias de recepção do público (numa proposta inspitada na bordagem thinking aloud, é mais proveitoso a realização de visitas espontâneas, todavia, alguns museus optam pela realização de visitas mediadas com todos os grupos agendados);

b) Desafios quanto à constituição da exposição e seus módulos (o museu pode, por contingências, efetuar pequenas alterações em exposições de longa duração ou interromper a circulação de público por motivo de manutenção temporária. Isto nos coloca diante da necessidade de conhecer muito bem a logística de cada museu que pretendemos visitar, para que imprevistos não impactem a pesquisa);

c) Desafios relacionados a participação dos sujeitos – estudantes em formação (dificuldades de acesso ao museu que podem, de alguma forma, comprometer a produção dos dados).

A pesquisa apresentada colocou em cena um ator fundamental na relação do museu com as instituições de educação formal: os professores em formação inicial. Trata-se de um segmento do público que, uma vez melhor qualificado, poderá compreender - enquanto futuros professores - como se dão as diferentes dinâmicas entre o visitante e as exposições; ou como informações que

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estão disponívies nos diferentes contextos educativos (sala de aula, museu) assumem características particulares e mobilizam conhecimentos passíveis de serem articulados.

Lançar luzes sobre esta perspectiva traz à tona um campo de investigação que se mostra promissor, com efeito, por duas razões: (1) por dar visibilidade à necessidade de mais estudos que aprofundem a produção de conhecimentos no campo das exposições e as formas de produção de sentido (leituras e apropriações) por parte dos diferentes perfis de público visitante; e, (2) por realçar o potencial advindos dos estudos qualitativos que fortalecem a relação dos museus de ciências com as universidades na perspectiva da formação.

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Referências

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