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Os pobres como questão teológica na Igreja : a partir das homilias VI, VII, VIII e XIVb de São Basílio Magno

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA FACULDADE DE TEOLOGIA

MESTRADO INTEGRADO EM TEOLOGIA (1.º grau canónico)

IGOR RODOLFO OLIVEIRA CRÓ

Os pobres como questão teológica na Igreja

A partir das Homilias VI, VII, VIII e XIVb de São Basílio Magno

Dissertação Final sob orientação de:

Professor Doutor Isidro Pereira Lamelas

Lisboa 2016

(2)

«Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.»

(3)

ÍNDICE

Índice ... 1

Introdução ... 3

Capítulo I ... 7

São Basílio no seu contexto ... 7

1.1 Situação histórico-social e eclesial ... 7

1.1.1 Contexto político ... 9

1.1.2 Transformações económicas ... 15

1.1.3 Vida social: família e cidade ... 17

1.1.4 Situação eclesial ... 21

1.2 São Basílio, um pastor à altura dos desafios do seu tempo ... 25

1.2.1 Vida de São Basílio ... 25

1.2.2 Breves notas sobre a teologia de São Basílio ... 28

1.2.3 Sensibilidade social de um Pastor ... 30

Capítulo II ... 36

São Basílio e o serviço da caridade ... 36

2.1 As Homilias VI, VII, VIII e XIVb ... 36

2.1.1 A Homilia VI ... 38

2.1.2 A Homilia VII ... 38

2.1.3 A Homilia VIII ... 39

2.1.4 A Homilia XIVb ... 40

2.2 A riqueza como problema teológico ... 41

2.3 Os vícios morais e repercussões na vida social ... 50

2.4 «Bem-aventurados os pobres»: situação e contributo dos desfavorecidos ... 59

Capítulo III ... 63

Atualidade do ensinamento de São Basílio no magistério mais recente ... 63

3.1 Compromisso social dos “ricos”... 65

3.2 Uma visão integral da moral pessoal ... 70

3.3 Os pobres como lugar teológico ... 77

Conclusão ... 86

Bibliografia ... 90

(4)

a) Obras de São Basílio e outros Padres da Igreja ... 90

b) Magistério ... 91

2. Estudos sobre S. Basílio ... 91

(5)

INTRODUÇÃO

A presente investigação insere-se no âmbito da conclusão do Mestrado Integrado em Teologia, da Universidade Católica Portuguesa, e enquadra-se na área da Teologia Patrística, sem se fechar a outras áreas do labor teológico.

O título – «Os pobres como questão teológica na Igreja, a partir das Homilias VI, VII, VIII e XIVb de São Basílio Magno» – pretende relevar a doutrina e os ensinamentos do santo da Capadócia ao povo que lhe fora concedido, na ótica da justiça social e defesa da dignidade e integridade de todas as pessoas.

Assumindo-se como pastor e defensor pauperum numa sociedade estruturalmente desigual e injusta, S. Basílio e o seu pensamento enfrentam questões essenciais da convivência humana, onde o pobre assume, na perspetiva da práxis e reflexão eclesial uma centralidade sempre atual. Na verdade, os pobres não são apenas ou em primeiro lugar um problema, mas são antes de mais um sacramental reivindicativo que põe à prova a pregação e missão da Igreja.

Assim foi no tempo de S. Basílio, e assim continua a ser em nossos dias. As questões da justa ordem social voltam a fazer parte do nosso mundo atual. Perante esta realidade, onde tamanhas desigualdades, injustiças e conflitos acontecem, a Igreja e seus pastores têm tido um papel fundamental e interveniente.

Depois dos anos “efervescentes” do pós-Concílio, marcados pelo aceso debate à volta da Teologia da Libertação que radicava na “opção preferencial pelo pobre”, depois de um certo adormecimento da consciência social dalguns sectores da Igreja, o Papa Francisco veio trazer de novo para a luz do dia o propósito de «uma Igreja pobre e para

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os pobres». Mas que significa isto? Uma opção de classe? Uma visão sociológica ou meramente “sócio-caritativa” da teologia pastoral ou da doutrina social da Igreja?

Pensamos que, de forma alguma. Para o demonstrarmos, pensamos em aproximar o pensamento de S. Basílio do magistério mais recente da Igreja. Nestes poderemos ver que a pobreza e o pobre não são para a Igreja apenas um problema de justiça social ou de “obras sociais” corretivas das humanas injustiças. Na verdade, o pobre e a pobreza foram sempre vistos positivamente como um “lugar teológico”, tanto enquanto sacramental da iniquidade do mundo, como sacramento da própria quemose de Deus em Jesus Cristo.

Tanto São Basílio como o magistério eclesial mais recente procuraram fundamentar tanto a doutrina social da Igreja como as obras de misericórdia cristãs numa base essencialmente teológica e, a partir desta, desenvolveram uma pastoral prática que a distingue de todas as outras organizações benfazejas.

Neste sentido, é-nos possível associar e confrontar espaços distantes com quadros idênticos. A questão social e da pessoa humana, do pobre, torna-se prioritária hoje como há dezassete séculos. Podemos verificar a continuidade dos textos basilianos com nos do magistério da Igreja, como resposta aos sinais dos tempos.

Para o desenvolvimento e análise dos textos da Homilias de São Basílio apoiámo-nos especialmente na competente tradução e estudo de Fernando Rivas Rebaque, Defensou pauperum, los pobres en Basilio de Cesarea: homilías VI, VII, VIII

e XIVb1.

Querendo nós fazer um exercício de confronto com a atualidade e magistério hodierno, servimo-nos também de alguns textos do magistério mais recente, especialmente do Papa Paulo VI2, do Papa João Paulo II3, do Papa Bento XVI4, e do

1

REBAQUE,F., Defensor pauperum. Los pobres en Basilio de Cesarea: homilías VI, VII, VIII y

XIVb, Madrid, BAC, 2005.

2

PAULUS VI,Populorum progressio, in AAS 59 (1967), 257- 299.

3

IOANNES PAULUS II, Sollicitudo rei socialis, in AAS 80 (1988), 513-586. 4

(7)

Papa Francisco. Como já demos a entender, centraremos maior atenção neste último, no qual encontramos uma mais evidente proximidade com o pensamento de São Basílio de Cesareia (no terceiro capítulo).

Em termos metodológicos, o nosso estudo dá prioridade ao contacto, leitura e análise dos textos, quer basilianos quer do magistério. Daremos, portanto, prioridade ao dizem as fontes, com o intuito de estabelecer um confronto e mostrar, de forma documentada, uma essencial coerência entre as homilias basilianas e o recente pensamento pontifício e eclesial. Ainda assim, a acompanhar esta metodologia, interessou-nos contextualizar historicamente os textos que nos ilustram o pensamento e a exortação homilética, como verificamos no primeiro capítulo.

Por conseguinte, o nosso estudo desenvolver-se-á em três partes ou capítulos. No primeiro capítulo, começamos por contextualizar a vida de S. Basílio no quadro histórico, político, social e eclesial que o precedera.

No segundo capítulo, analisamos o texto das Homilias VI, VII, VIII e XIVb apontando os temas e as linhas essenciais da doutrina e da ética social do bispo, obedecendo à estrutura descritiva, homilia a homilia.

Finalmente, no terceiro capítulo, confrontamos os ensinamentos das Homilias de S. Basílio com o magistério mais recente da Igreja, verificando a continuidade e atualidade das exortações. Incidido sob a Exortação apostólica Evangelii gaudium, e percorrendo outros textos do magistério de alguns pontífices, fazemos uma análise sobre a atualidade dos textos basilianos, que compreendem a importância dos pobres para a Igreja como parte integrante do ser Igreja; assinalar a continuidade da doutrina social baseada nos princípios de subsidiariedade social – desenvolvimento, justiça, paz e bem comum, combatendo os problemas, as dificuldades e as ideologias do ser humano, como causador (rico) e como sofredor (pobre) e concluímos sobre qual a missão dos pobres na Igreja e no mundo.

(8)

Ao apresentar o nosso trabalho temos consciência das suas limitações. A escassez de tempo obrigou-nos a delimitar drasticamente as fontes basilianas, pelo que não pretendemos ter dito tudo sobre o pensamento social de S. Basílio e, muito menos, ser completos no que toca à hodierna doutrina social da Igreja.

Temos, mesmo assim, consciência de que valeu bem a pena este exercício de “retorno às fontes” sem perder o contacto com a atualidade e os grandes desafios do mundo de hoje. É com estes que a teologia tem que conviver e deixar-se por eles desafiar. E foi também com este intuito que assumi este projeto que espero ser de grande utilidade para o meu futuro.

Gostaria de manifestar o nosso sincero agradecimento e reconhecimento a várias pessoas, pela intervenção, ajuda e disponibilidade, que tornaram este projeto possível, desde o seu estudo, elaboração e revisão. Ao Professor Doutor Isidro Pereira Lamelas, que desde o princípio apoiou o estudo e nos conduziu até ao termo desta dissertação. De coração e espírito elevados, bendizemos a Deus pelos dons e capacidades de perseverança e luta ao longo de todo o trabalho.

Que consigamos atuar conjuntamente para a reconstrução de um mundo saudável numa Igreja verdadeiramente dedicada ao mandamento do Senhor: «que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 34-35).

(9)

CAPÍTULO I

SÃO BASÍLIO NO SEU CONTEXTO

Para a compreensão de um autor é importante conhecer, antes de mais, o contexto histórico em que decorreu a sua vida, ação e obra.

Assim, numa tentativa de melhor compreender as circunstâncias que levaram a que a questão dos pobres tenha assumido tanta importância na ação e pregação do bispo de Cesareia, neste primeiro capítulo, daremos especial atenção ao contexto histórico, social e eclesial em que viveu e operou São Basílio, evidenciando aqueles aspetos que são especialmente relevantes para a compreensão da sua personalidade, ação e pensamento. Num segundo momento, abordaremos a vida de São Basílio, dando conta dos principais elementos da sua teologia e, por fim, consideraremos o seu testemunho, enquanto pastor, inserido nas preocupações e nos acontecimentos do seu tempo.

1.1 Situação histórico-social e eclesial

Com o intuito de melhor compreendermos o século IV, em cujo contexto se inscreve o ensinamento social de São Basílio, é necessário rever, ainda que muito rapidamente, o trajeto histórico que nos conduz do século III ao século IV, período decisivo para o Império Romano, pautado, pode-se dizer, por múltiplas crises e tentativas de reconstrução.

O Império Romano, no século III, deparou-se com uma generalizada crise que ameaçou, desde logo, os alicerces do Império considerado, até então, imperituro. Entre

(10)

235 e 2855, essa crise corrompeu quer a estrutura externa6 quer a interna7, levando a uma profunda instabilidade política: os desastres militares, seguidos de invasões cada vez mais frequentes e devastadoras, colocavam em perigo a unidade da própria existência do Império, paralisando a vida económica e perturbando o corpo social8.

Neste período conhecido como o Baixo-Império, Roma começou a sentir a séria ameaça e a rivalidade de outros impérios9. A fragilização das instituições governamentais trouxe consigo uma instabilidade permanente e sucessivas crises militares, incrementadas por um exército cada vez menos capaz de conter os invasores que atacavam as fronteiras10.

Tal situação trouxe consequências a vários níveis. Primeiro, a nível político, verificamos o desvirtuar de um regime imperial fracassado e fragilizado; segundo, a nível económico, cresce a dificuldade na sustentação das forças de segurança, especialmente devido aos gastos governamentais; terceiro, a nível social, vive-se um período de grande instabilidade e descontentamento, mormente devido ao peso crescendo do fardo dos impostos.

5

H.-I.MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», in L.-J. ROGIER – R. AUBERT – M. D. KNOWLES (Dir.), Nova História da Igreja, vol. 1, Petrópolis, Vozes, 1984, 239.

6

«Vai-se produzir uma série de ataques sucessivos sobre as fronteiras: persas pelo Oriente e povos germanos no Ocidente, que colocam o Império a bordo do seu desaparecimento, acabando com o longo período de paz que tinham conseguido os séculos I e II» (F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum,

41*-42*). 7

«Acrescenta-se uma série de graves problemas políticos internos: o exército converte-se em dono absoluto da situação, os imperadores transformam-se em homens insignificantes sem nenhum poder real e o Senado perde grande parte da sua força. As contínuas guerras civis, as destruições e roubos a que se viram submetidas muitas das cidades e o aumento dos gastos militares, com a subsequente pressão fiscal, deram como resultado graves dificuldades económicas, […] comercial e industrial, assim como a separação cada vez maior entre os diferentes estados sociais, com praticamente o desaparecimento dos intermédios» (F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 41*-42*). «No plano político, começa um período

de anarquia após a dinastia dos Severos; desabam as antigas instituições romanas, e um tipo de regime novo se prepara» (cf. J.DANIÉLOU, «Das origens até ao terceiro século», in L.-J. ROGIER – R. AUBERT – M. D. KNOWLES (Dir.), Nova História da Igreja, vol. 1, 213).

8

Cf. L.PIETRI,J.FLAMANT, «Crise de l’Empire romain et montée d’une nouvelle religiosité», in J.-M. MAYEUR – Ch. PIETRI – L. PIETRI – A. VAUCHEZ – M. VENARD (Dir.), Histoire du christianisme, tomo 2, Paris, Desclée, 1995, 10.

9

Cf. H.-I.MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», 239.

10

Cf. L.PIETRI,J.FLAMANT, «Crise de l’Empire romain et montée d’une nouvelle religiosité», 11.

(11)

Este século é também caraterizado por grandes mutações no campo religioso. Embora a religião tradicional e os mores maiorum continuem a regulamentar oficialmente a vida do Império11, foram ganhando terreno os cultos e religiões orientais, entre os quais se destaca o cristianismo, que se foi impondo quer sobre o tradicional paganismo quer sobre os demais cultos recém-chegados do Oriente.

Em meados do século III, o cristianismo identifica-se já com “a grande Igreja” espalhada por todo o Orbe romano: «o fim do III século é para a Igreja um período de expansão, que teve repercussões sobre o plano da organização, da vida económica e da vida cívica»12.

Porém, e apesar de tudo isto, o início do século IV revelou-se um período de dura prova para a Igreja de Cristo.

1.1.1 Contexto político

O século IV foi decisivo no desenvolvimento das civilizações ocidental e oriental, por se ter assistido a uma recuperação importante do vigor do Império, graças a uma série de reformas e transformações13 que, desde Diocleciano aos herdeiros de Constantino, levaram à superação da crise do século III que tinha afetado gravemente algumas regiões do Orbe romano14.

Com a subida ao trono imperial de Diocleciano (284-305), assiste-se ao renascimento do Império Romano, através de uma política restauradora, por meio de diversas reformas. Diocleciano consolidou o poder imperial, introduzindo o regime da tetrarquia. Esta reforma teve grandes consequências para a estrutura social do império15.

11

Cf. H.-I.MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», 242.

12

J.DANIÉLOU, «Das origens até ao terceiro século», 228. 13

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 42*.

14

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 48*.

15

Cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», in H. JEDIN (Dir.), Manual de Historia

(12)

«Na monarquia absoluta implantada por eles [os imperadores Diocleciano e Constantino I] concentrava-se toda a autoridade política na pessoa do imperador, que para o seu exercício dispunha de uma administração imperial central rigorosamente organizada, a qual, por sua vez, tinha necessidade de uma burocracia notavelmente ampliada, assim como de um extenso aparato de controlo»16.

Esta nova organização dos órgãos do poder imperial teve como consequência o aumento da carga fiscal «que devia proporcionar os recursos enormemente elevados para pagar aos funcionários e manter o exército»17.

Pela reforma militar, o Imperador desenvolve a estratégia de combate e produz-se uma reorganização do sistema fiscal, baseado na correlação entre capitatio [pessoas] e iugatio [terras]18.

E foi neste contexto que a Igreja cristã sofreu a maior perseguição de todos os tempos. Diocleciano promoveu a última grande tentativa de restauração do paganismo e reforma da antiga tradição religiosa e política, sobre a qual assentara até então o Império, levando a cabo a última tentativa de exterminar a religião cristã que se mostrava agora como uma séria ameaça à antiga pietas19. As fontes mostram que, apesar de tudo, no Oriente a perseguição foi muito mais severa alargando-se até à primavera de 31320.

Após a subida ao trono de Constantino, em 306, verifica-se simultaneamente uma continuidade e uma mudança substancial21: uma continuidade no regime da política

16

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 547-548. 17

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 548; «Os impostos recolhidos sem piedade afetavam com especial dureza as pequenas manufaturas, assim como os agricultores e os pequenos colonos, tanto mais quanto que uma constante elevação dos preços supunha um agravamento adicional» (K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 548).

18

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 42*-43*.

19

«Em menos de um ano (23 de fevereiro de 303 a janeiro-fevereiro de 304) quatro editos sucessivos precisam a sua severidade. O primeiro comportava essencialmente a proibição do culto […]. O segundo edito ordena a prisão dos ‘chefes das igrejas’ (todos os membros do clero). […] o terceiro edito: a libertação dos prisioneiros se consentirem nas libações e no sacrifício. As resistências encontradas são a explicação para o quarto édito: como no tempo de Décio, todos os habitantes do Império são obrigados a sacrificar aos deuses, sob ameaça dos piores suplícios, da morte muitas vezes cruel, ou da deportação para as minas» (H.-I.MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», 244).

20

H.-I.MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», 245.

21

Assumindo o domínio total do ocidente, em 313, através da vitória na batalha da ponte Mílvio contra Maxêncio, em 312, Constantino estabeleceu a paz e a liberdade do culto do cristianismo, pelo chamado “Édito de Milão”. Deste modo, foi conseguida a vitória do cristianismo (Constantino) sobre a

(13)

restauradora, introduzida por Diocleciano, voltando a unificar o Império num só poder22; uma mudança completa, na ascensão e oficialização do cristianismo como religião, primeiro tolerada e, depois, protegida23, evento que ficou conhecido como

viragem constantiniana24 e que trouxe enormes consequências para a Igreja e seus pastores, no seu papel de liderança espiritual e sociocultural. O próprio Constantino começa a interessar-se pelos assuntos da Igreja e a interferir em questões religiosas:

«De fundamental importância é o facto de que, neste tempo, Constantino abre-se de forma característica às questões religiosas. Começa por ligar claramente a sua religiosidade pessoal com uma missão para todo o império à que o destina a divindade»25.

Já em 311, Galério assina o édito de tolerância26, com o qual pretende «iniciar uma nova ordem na situação religiosa de todo o império»27. Este édito pôs fim à perseguição cristã, trajada por Diocleciano, e «proporcionou [ao cristianismo e] aos demais cultos uma tolerância expressada em direito do Império»28. Após a morte de Galério, Licínio garantiu a observância da tolerância no seu território.

Estava assim preparado o terreno para a grande reforma religiosa constantiniana. A partir daqui, com o governo de Constantino, não só a lex christiana ganhou força jurídica como o bem-estar do Estado [Império] foi conseguido através dos valores morais e religiosos da religião cristã e da autoridade dos dirigentes das igrejas29.

religião pagã (Maxêncio). (Cf. Cf. ISIDRO P. LAMELAS, Constantino: Da história ao mito, do mito à lenda

in Itinerarium, 206 (2013) 191-198). 22

«Dotado de uma série de meios como a corte ou a administração central» (F.RIVAS REBAQUE,

Defensor pauperum, 42*-43*).

23

«A Igreja deste período pode definir-se como uma Ecclesia triumphans: os cristãos orgulham-se por pertencer a uma comunidade que conorgulham-seguiu a sua própria liberdade à conta de um imenso sacrifício e vê adiante um esplendoroso futuro, com um extraordinário influxo em todos os âmbitos sociais» (F. RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 50*-51*).

24

Cf. H.-I.MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», 235; sobre este tema, vejam-se as questões que se levantam a respeito daquele período, em: A. NASCIMENTO, Edito de Milão: apostilas para uma tradução, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013.

25

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 576-577. 26

Cf. L.PIETRI, «Les résistances: de la polemique païenne à la persécution de Dioclétien», in J in J.-M. MAYEUR – Ch. PIETRI – L. PIETRI – A. VAUCHEZ – M. VENARD (Dir.), Histoire du christianisme, tomo 2, Paris, Desclée, 1995, 182-184. Promulgado pelos quatro imperadores: Galério, Constantino, Licínio e Maximino Daia.

27

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 571. 28

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 568. 29

(14)

Em fevereiro de 313, Constantino e Licínio reuniram-se em Milão a fim de tomarem novas decisões, deliberando sobre uma nova situação política30. Conhecido como o ‘Édito de Milão’, Constantino adotou uma forte posição, impondo a sua vontade de estabelecer entre o Império e os cristãos novas medidas de relação31. Essas medidas foram decididas conjuntamente, por Constantino e Licínio, segundo um princípio geral da segurança pública em que foi ordenada a devolução dos locais cristãos, mesmo os que foram comprados, conseguindo indeminizações pela restituição, restitutio in

integrum, sob o princípio do direito romano em vigor32. «O édito visa a tranquilidade pública»33. Por isso, «todos, mesmo os cristãos, têm inteira liberdade em seguir a religião que mais lhes apraz; nisso viram os imperadores uma garantia de maior benevolência da summa divinitas»34. No entanto, após a promulgação da observância do édito, exigida e garantida por Constantino, Licínio, no oriente, por querer consolidar a totalidade do Império sob o seu domínio, rompeu com o estipulado édito, inaugurando, assim, o conflito entre os dois imperadores. Nascia, desta forma, por parte de Constantino, o desejo de instaurar a monarquia em todo o Império. Nesta controvérsia, no verão de 324, armou-se a guerra entre Licínio e Constantino, da qual o imperador do ocidente, em setembro do mesmo ano, saiu vencedor. Com a vitória de Constantino estabeleceu-se a monarquia: «A vitória completa de Constantino, e a monarquia assim obtida, iniciou-se quase forçosamente uma nova fase da sua política religiosa, pois não tinha já o impedimento do adversário»35.

A monarquia constantiniana trouxe regalias para a Igreja cristã, como a liberdade para o desenvolvimento da vida interna eclesiástica; a liberdade de culto [livre pregação]; novos pressupostos para o desempenho da liturgia, através da reconstrução e nova constituição dos edifícios destinados ao culto; a possibilidade em empreender a

30

Cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 584. 31

Cf. C. PIETRI, «La conversion: propagande et réalités de la loi et de l’évergétisme», 198. 32

Cf. C. PIETRI, «La conversion: propagande et réalités de la loi et de l’évergétisme», 199-200. 33

C. PIETRI, «La conversion: propagande et réalités de la loi et de l’évergétisme», 200. 34

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 595. 35

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tarefa de cristianizar a cultura profana e a vida pública, desenvolvendo uma vida espiritual de carácter cristão. Contudo, «a intenção de penetrar a civilização profana com ideias cristãs podia admitir elementos estranhos à sua fé e moral que a falsificaram»36.

Mesmo assim, «a legislação de Constantino abriu-se de par em par ao influxo cristão, embora a ordem social existente, que o imperador conservou praticamente intacta, e o respeito ao direito romano vigente restringiram este influxo»37.

A paz constantiniana permitiu à Igreja novas condições de afirmação pública. Multiplicam-se e melhoram-se os locais de culto, a liturgia é cada vez mais “espetacular” e inspirada nas pompas seculares e políticas, o clero assume um status social de relevo, multiplicam-se as reuniões sinodais que passam de locais a regionais e mesmo “ecuménicas”; os pastores são cada vez mais intervenientes de peso na vida social e cultural.

Todas estas mudanças trouxeram o debate teológico também para a praça pública e para a esfera política. O período pós-constantiniano foi marcado por «violentos debates teológicos38» que visavam resolver velhas incertezas, antigas heresias ou insuficientes doutrinas. Mas é também o período que ficará marcado por uma nova tomada de consciência social da parte dos pastores, como podemos ver em casos como S. Jerónimo, S. Agostinho ou S. João Crisóstomo39.

O arianismo será, contudo, o grande ponto de debate e discórdia mormente na Igreja do Oriente. Em África surgiu, desde os alvores do século IV, o cisma donatista que dilacerou a Igreja norte africana durante mais de um século. Ambos predominaram até ao final do reinado de Constantino.

36

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 603. 37

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 31. 38

H.-I.MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», 254.

39

Cf. CARLOS I.GONZÁLEZ, Pobreza y riqueza en obras selectas del cristianismo primitivo, México, 1988; RESTITUTO S.BRAVO, Diccionario social de los Padres de la Iglesia, Madrid, 1997.

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Após a morte do imperador Constantino, os seus sucessores continuaram os correspondentes reinados acudindo aos interesses e conquistando soluções aos problemas da Igreja40. No entanto, por parte dos imperadores Constâncio (337-361) e, posteriormente, Valente (365-378), houve a tentativa de subordinar a Igreja ao Estado, isto é, a Igreja passava a uma Igreja de Estado incorporada no império, cuja absoluta cabeça suprema era o imperador41. Para travar este desejo fervoroso de concretização, a Igreja, pelos seus doutos homens, defendeu a sua inalienável identidade, autonomia e liberdade42. Também Basílio de Cesareia despertou a atenção da Igreja, dos cristãos e do imperador traçando algumas linhas do problema Igreja-Estado:

«(…) baseando-se em Rm 13, 1-4, manifesta que toda a autoridade pública vem de Deus e por isso deve o cristão obediência quando as leis visam o bem da sociedade. Dado que o império terreno está sempre sujeito ao preceito divino, o dever de obediência do cristão tem os seus limites quando a autoridade do Estado excede a sua competência e formula exigências que estão em contradição com o mandamento de Deus43».

Com a ascensão ao trono do imperador Teodósio (379-395) o Império romano voltou a ser um só44. Mas antes, o problema Igreja-Estado viu-se numa ‘batalha’ de argumentos e ações sobre a soberania do Estado e a liberdade da Igreja, entre o bispo Ambrósio de Milão e o imperador Teodósio, o Grande. Para o bispo Ambrósio, a honra e o respeito da política estatal do Império enquadrava-se numa adequada relação de Estado-Igreja45. Já o bispo de Milão «não cessará de defender que o imperador cristão não é senhor da sua Igreja, mas solícito da mesma46».

Teodósio, o Grande, comparado ao seu antecessor Constantino, era dotado de uma grande consciência da sua posição de soberano e intervinha calorosamente em favor da fé cristã. No entanto houve ações soberanas do imperador para com a Igreja que não

40

Cf. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 127. Particularmente pelas questões da unidade da Igreja, da coesão orgânica e da missão entre os pagãos.

41

Cf. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 133. 42

Suprema importância da intervenção de Atanásio, sendo o primeiro bispo do século IV a formular a reivindicação da liberdade da Igreja frente ao Estado. (cf. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 135).

43

BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 137. 44

Cf. C. PIETRI, «Les succès: la liquidation du paganisme et le triomphe du catholicisme d’État», 403.

45

Cf. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 138-139. 46

(17)

agradaram a Ambrósio de Milão, tendo o bispo necessidade de recorrer a correções e penitências para com o imperador, tentando assim restabelecer o problema das relações entre a Igreja e o Estado regido pela fé cristã47.

A situação global das relações entre a Igreja e o Estado ficou caracterizada por uma série de vicissitudes da política religiosa [neste período entre o final do século III e o final do século IV]48. Nestas duas realidades, império e Igreja, ambas as autoridades reconheceram a necessária coexistência para o sector público, com grande crédito da pessoa do imperador que professava a fé da Igreja e a estabeleceu como religião oficial do império, tornando-a hábil na ação social49.

1.1.2 Transformações económicas

Nunca as transformações sociais ou políticas estão dissociadas da economia. Tal regra verificou-se também neste período. A crise económica era generalizada. Pouca produção agrícola, crise da circulação de bens e comércio, devido à crescente insegurança; os bens e riqueza cada vez mais concentrados nas mãos das classes mais altas e uma diferenciação cada vez maior entre estas e as de mais baixo nível50; verifica-se o substancial aumento do gasto público-militar, assim como a importância adquirida pelo sistema tributário e a evasão fiscal51; por outro, a distância social entre as diversas classes agravou-se, extinguindo-se praticamente o estrato médio social52.

«A condição do pobre no século IV era pior do que jamais fora antes»53. Esta situação ocorreu devido à ascensão da aristocracia local dos grandes latifundiários54 e ao

47

Cf. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 140. 48

P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia» libertadora de Basílio Magno, São Paulo, Paulus, 1995, 19. 49

Cf. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 141. 50

«A riqueza concentrou-se ainda mais nos estados superiores, sobretudo os que ocupavam cargos elevados na administração imperial ou os que estavam na relação com os governadores provinciais» (F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 44*).

51

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 44*.

52

Deste facto resultou «uma polarização social progressiva em que, as divisões económicas são agravadas pela diferença valorização social em função da dignidade e o influxo social» (F. RIVAS

REBAQUE,Defensor pauperum, 45*).

53

(18)

novo sistema de regulação económica do Império: a nova estrutura de taxação do Império tinha uma nova base, a saber, a avaliação da terra55. Isto levou a que os custos e pagamentos de impostos passassem a ser suportados por uma só classe, os camponeses, que seriam reduzidos à servidão, enquanto os grandes latifundiários angariariam, assim, cada vez mais poder56, marginalizando os outros segmentos sociais: «arrecadavam os impostos, cuidavam de assuntos criminais e legais com as suas próprias milícias, e controlavam o processo judicial. Também influenciavam na escolha eclesiástica»57. Com efeito, esta transformação económica com consequências sociais aconteceu devido às dificuldades surgidas pelo aumento de impostos.

Com o passar do tempo a situação piorava, a ponto de a própria legislação imperial consignar a perpetuidade da dependência daqueles em relação aos grandes proprietários e o seu estatuto de livres ser reduzido apenas a uma teoria58:

«A fim de evadir-se daquela situação de pressão [devido aos impostos], muitos dos ultimamente mencionados [artesãos e camponeses] puseram-se como coloni, com bens e família, sob a proteção de um latifundiário; contudo, isto, na realidade, não fazia outra coisa senão trocar a sua anterior “liberdade” por uma dependência mais dura»59.

Enfim, no século IV encontramos a típica economia pré-industrial60. Vemos que a economia do Império Romano alimenta-se fundamentalmente da agricultura, do cultivo da terra, verificando-se um aumento na divisão do trabalho com um consequente acréscimo na repartição das classes sociais essencialmente em dois patamares, o governo e o restante povo. Noutras palavras, a segmentação social deste período irá corresponder à que se estabelece entre pobres e ricos61. «O lugar de uma pessoa na sociedade mediterrânea estava em função do posto que ocupava na hierarquia social, a

54

P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia» libertadora de Basílio Magno, 19. 55

Cf. P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia» libertadora de Basílio Magno, 21; «A terra era taxada de acordo com o seu valor produtivo e não pelo número de acres de sua área» (P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia»

libertadora de Basílio Magno, 22).

56

Cf. P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia» libertadora de Basílio Magno, 25. 57

P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia» libertadora de Basílio Magno, 26 58

Cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 548. 59

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 548. 60

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 397.

61

(19)

sua pertença a uma família e a sua participação numa rede de relações pessoais com o exterior a partir da unidade doméstica»62.

K. Baus e E. Ewig apresentam dois binómios que caracterizam a sociedade daquela época: poderosos/dependentes e ricos/pobres. O primeiro binómio diz respeito fundamentalmente aos escravos. A Igreja aceitou a sua situação e teve-os ao seu serviço quando eram transferidos por legados e até defendeu o direito de propriedade sobre eles63. Contudo, a partir do século IV, a legislação, sob influxo da Igreja, facilita a concessão da liberdade de alguns escravos, a qual se procederá na tensão entre a legitimação teórica da existência da escravatura e a luta pela libertação dos escravos. Este especial papel da Igreja na libertação dos escravos será consignado na legislação imperial, com Constantino, em 33164.

O segundo binómio – ricos/pobres – é uma variante do primeiro binómio65. Contudo, «a pobreza chegou a termos tão agudos nestes decénios que forçou a Igreja a uma tomada de posição»66. Esta tomada de posição será analisada mais à frente. Por ora, basta-nos sublinhar que as transformações económicas, profundamente relacionadas com as transformações políticas que aconteciam no Império, foram motivo de surgimento de desajustes sociais e, consequentemente, conduziram à formação de situações que foram alvo da ação da Igreja.

1.1.3 Vida social: família e cidade

A instituição família no Império Romano está em larga escala dependente do que se entende por matrimónio. Para os cristãos dos primeiros séculos não havia uma distinção muito nítida entre o matrimónio civil e o matrimónio cristão. Com efeito, «a Igreja aceitou em grande medida as disposições do direito matrimonial profano vigente

62

F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 276.

63

Cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 550. 64

Cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 552. 65

Cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 554. 66

(20)

à altura»67. Não deixavam de se assinalar algumas contradições entre a legislação civil e o estatuto matrimonial cristão68, mas quando isto acontecia era apenas a respeito de aspetos precisos, nunca no que se refere à totalidade da legislação69.

Uma das transformações imputada ao cristianismo, em consideração às relações familiares, é aquela que diz respeito às relações intrafamiliares, nomeadamente ao papel do pai e da mãe, assim como ao papel dos filhos:

«A Igreja reconhece a autoridade paterna em relação ao filho, ainda que atenue o seu carácter absoluto, pois valoriza-a mais como dever do que como direito, suaviza a patria

potestas em sentido de paterna pietas, e sobretudo outorga à mãe maior influxo na

educação do filho»70.

Neste sentido, ganha relevo o cuidado que os pais devem dispensar aos filhos e vice-versa: «os pais que descuidam o seu dever de sustentar os seus filhos devem ser sancionados com penas eclesiásticas, do mesmo modo que os filhos devem ter presente o dever de atender às necessidades dos seus pais se estes se encontram em necessidade»71.

Sobre a vida familiar propriamente dita, não nos chegam muitos dados. Relatos e breves indicações da época assinalam uma atmosfera religiosa em que o pai instruiria a sua família alargada na fé, lendo, por exemplo, a Sagrada Escritura. Contudo, «não é possível pronunciar-se com segurança sobre a extensão da sua irradiação»72.

«A cidade era o núcleo da vida social»73. Para ela [cidade] converge toda a atividade não só dos citadinos como dos rurais. Nela se desenvolve toda a vida

67

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 538. 68

K. Baus e E. Ewig assinalam os seguintes aspetos: o adultério (cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 539); o divórcio e a possibilidade de um segundo casamento (cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 239-540); o matrimónio não é um simples contrato, mas é visto como algo maior, que será designado por Agostinho como sacramento (cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 540-541); a possibilidade da virgindade (cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 541-542); a validade do matrimónio entre escravos (cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 542); assuntos a respeito do matrimónio dos descendentes (cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 542); nova e maior dignidade da relação entre os esposos (cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 542-543).

69

Cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 538-539. 70

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 543. 71

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 544. 72

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 547. 73

(21)

quotidiana do homem antigo, enquanto cidadão ou membro de um tecido social estruturado à volta da cidade 74. A pólis cresce num quadro de fenómeno urbano75, de unidade político-administrativa e de vida social76. Com este crescimento, avulta também a divisão societária, entre os diferentes estratos sociais, pois os pontos de encontro divergiam entre estados superiores e restante população77. Aos poucos a maior parte das cidades passou a ser gerida e governada pelas aristocracias locais, isto porque a cidade era considerada como tal quando possuísse uma administração exequível, e esse cargo ou essa capacidade competia ao estado dominante de terra tenentes.

Fazendo parte da constituição da cidade, o cenário da família deste período coaduna-se com o termo “casa” (oikos), e, sendo o império a principal força integradora da sociedade, a família (casa) continua a ser uma das suas instituições básicas de vinculação entre os indivíduos78. O nível social da família era determinante na posição social e este nível era influenciado por diversos fatores: o económico, a educação, a ocupação e atividade, e a origem étnica.

Os tipos de família predominantes neste período seriam, fundamentalmente, quatro: extensa, semiextensa, nuclear, e dispersa79. Caracterizando e definindo brevemente cada um dos quatro tipos de família, temos:

1) O tipo de família extensa encontrava-se no nível superior da sociedade, abrangendo pequeníssima parte da população. Vivia em grandes habitações onde habitava o núcleo básico da família – pais e filhos – e ainda a família alargada - que incluía os empregados domésticos.

74

Para ela [cidade] converge toda a ação não só dos citadinos como dos rurais [camponeses] (cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 152).

75

É feita a descrição da estrutura e do planeamento da cidade. É dado grande valor e importância aos espaços públicos, de onde cresce o fenómeno urbano. «As vivendas eram pequenas em geral, e nelas permanecia-se só o tempo indispensável, pois a maior parte do tempo era passado fora, o que dá uma grande importância social ao uso dos lugares públicos como centro de reunião» (F. RIVAS REBAQUE,

Defensor pauperum, 153).

76

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 153.

77

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 153-154.

78

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 189-190.

79

(22)

2) A família semiextensa, também conhecida como múltipla, predominava na classe média da sociedade80.

3) A família nuclear é o tipo de família mais comum entre a maioria da população, é constituída entre quatro a cinco pessoas - pais, filhos e familiares de linha paterna. É caracterizada pela má qualidade de vida em todos os âmbitos (higiene, trabalho, habitação)81.

4) O tipo de família dispersa é do estilo nómada e corresponde ao estrato mais baixo da população, sem abrigo próprio e completamente infortunados82. Quanto às funções destes modelos de família, estas variam consoante a autonomia económica que possuem.

«Nas sociedades mediterrâneas a autonomia económica era o ideal tradicional. Como a riqueza se produz fundamentalmente na terra, esta converter-se-á no bem mais cobiçado e as classes superiores aumentam os seus ingressos e estima social apoderando-se das terras dos camponeses, utilizando em seu favor a coação ou a situação privilegiada»83.

Com isto, «a família está comprometida diretamente no processo económico e controla-o em parte. O seu objetivo fundamental consiste em garantir a sobrevivência da unidade doméstica84», tendo em conta a segurança dos grupos sociais, os direitos e deveres e o cuidado dos bens sociais, através de meios próprios de realização.

Dentro da família, as funções e posições variavam conforme a idade e o sexo. Como autoridade máxima, temos o paterfamilias – οικοδεσπότες, governando os membros da casa e a própria propriedade. Em segundo plano encontramos a mulher, que modestamente prestava serviço à casa e aos varões. A relação familiar, em geral, seria escassa, uma vez que a esperança de vida era reduzida85. No entanto, seria com o varão mais velho, o primogénito, que se desencadeava a relação familiar

80

«Este tipo de família predominava entre os estratos inferiores do nível social alto e os funcionários» (F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 191).

81

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 191.

82

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 192.

83

F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 193.

84

F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 193.

85

Isto porque ocorriam diversas situações: mortes nos partos, nas guerras e nas doenças (F. RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 195-196).

(23)

primogénito, visto que dali surgiria a continuidade da tradição familiar. Entre as funções destacam-se a solidariedade recíproca, dentro e fora da família (como a proteção aos desamparados – viúvas, órfãos, doentes – e o auxílio aos que atravessavam dificuldades); a defesa dos indivíduos e das propriedades; a honra; as obrigações dos pais na instrução e educação dos filhos; a aprendizagem do ofício (para os homens) e os trabalhos domésticos (para as mulheres)86.

1.1.4 Situação eclesial

A rápida expansão e institucionalização do cristianismo sob a forma de Ecclesia, com a sua organização e instituições cada vez mais forte e credível, possibilitou que a Igreja assumisse uma maior importância em todos os âmbitos, especialmente o social. Possibilitou, também, oportunidades para a proliferação de valores cristãos em todas as dimensões da vida social87. Portanto, «a Igreja vai-se transformar em todos os âmbitos […] num dos meios mais importantes da ascensão social»88.

Como consequência desta crescente importância da Igreja na sociedade e cultura, surgiram dois fenómenos importantes no século IV que proporcionaram uma maior preocupação e atenção à sociedade do Império Romano. Falamos da «democratização» e da «regionalização» da cultura. Quanto à democratização, constata-se a existência de uma visão mais atenta do mundo e, por conconstata-seguinte, do mundo dos pobres, outrora ‘invisíveis’ ou ‘ausentes’ para a sociedade89. Esta democratização manifestou-se, também, por uma maior abertura ao mundo interior e espiritual e, portanto, à própria divindade. A regionalização da cultura, por sua vez, visou «o desejo

86

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 194-196; face à educação dos filhos encontramos

a maior preocupação: «A função dos pais consiste em controlar e dirigir a conduta dos filhos mediante a autoridade e a disciplina para que cheguem a ser obedientes» (F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum,

196). 87

Cf. F. RIVAS REBAQUE, Defensor pauperum, 48-49*; cf. P. SIEPIERSKI, A «Leitourgia»

libertadora de Basílio Magno, 20.

88

F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 47*.

89

(24)

de evangelizar as distintas regiões do Império»90, assim como respondeu ao ressurgimento das culturas autóctones.

Foram muitos os desafios que a Igreja no século IV encontrou e alguns de complicada resolução. Por exemplo, no que inicialmente seria parte do fenómeno ‘poder e dependência’ na sociedade do século IV91, a relação riqueza-pobreza evoluiu para um patamar perigoso, como já assinalámos anteriormente. Este patamar insólito obrigou a Igreja a tomar uma posição. K. Baus e E. Ewig assinalam três motivos dessa tomada de posição92. Primeiro, a «esmagadora desproporção na repartição da propriedade e da riqueza»93; em segundo, «o estilo de vida faustoso dos proprietários, que não colocavam limite no usufruto da própria riqueza»94; por fim, «a carência em grande escala duma previsão organizada pelo Estado sobre a base legal, que servira para melhorar a situação dos socialmente débeis»95. Foi necessário, mais que nunca, mudar, aperfeiçoar ou corrigir os deveres sociais perante a propriedade. Neste aspeto, e remetendo para o nosso autor em trabalho, São Basílio defendeu que a propriedade aparece como um simples usufruto permitido por Deus, na medida em que o seu beneficiário o saiba gerir moralmente bem, isto é, ao serviço de todos96.

Quem tomará partido pela classe social mais baixa, ou pelos pobres, será a Igreja, especialmente na pessoa dos seus pastores, bispos e seus colaboradores.

90

F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 50*.

91

Por fenómeno de ‘poder e dependência’ entendemos as mútuas e recíprocas relações de inter-dependência que se vão realizando paulatinamente entre os vários níveis da sociedade. Este tipo de relações desenvolver-se-á na medievalidade para o sistema feudal. Aqui encontramos uma possível raiz, quando os grandes senhores de territórios, face à desagregação e insegurança experimentadas no Império, tomam para si o direito de gestão do território, do pessoal, da manutenção da segurança. Este modelo conduzirá a que quem possui o poder possui também a riqueza, e por sua vez, quem está dependente conforma uma situação de pobreza: «A relação entre a riqueza e a pobreza não foi senão uma variante mais do fenómeno poder e dependência na sociedade da antiguidade tardia» (K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 554).

92

Cf. K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 554-555. 93

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 554. 94

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 554. 95

K. BAUS – E. EWIG, «Desde Nicea a Calcedonia», 554-555. 96

Cf. J.-M. SALAMITO, «La christianisation et les nouvelles règles de la vie sociale», in J.-M. MAYEUR – Ch. PIETRI – L. PIETRI – A. VAUCHEZ – M. VENARD (Dir.), Histoire du christianisme, tomo 2, Paris, Desclée, 1995, 695.

(25)

S. Basílio é um dos expoentes mais conhecidos deste protagonismo social da Igreja em prol dos grupos desfavorecidos. Mas sabemos que não é um caso isolado neste tempo em que o bispo assume um novo papel e relevância cultural e social.

Face aos problemas seculares do Império97, a Igreja combateu não só as transformações sociais [negativas] mas também os distúrbios externos e internos do Império que dilaceraram o comércio e a economia. Fundamentalmente, a ascensão da aristocracia local dos grandes latifundiários, ao poder98 levou a que se constituísse um grupo de pessoas menos favorecidas, que viviam ao serviço daqueles latifundiários. No entanto, para contrabalançar a ascensão das aristocracias locais dos grandes latifundiários surgiu, na mesma altura, a urgência de um novo tipo de liderança, a do bispo cristão99, líder da municipalidade, que tinha como primordial responsabilidade a proteção dos pobres.

À medida que a Igreja alargava a sua rede, em permanente expansão, a todo o tecido social, as implicações quer religiosas, quer sociais começam a exigir preocupações adequadas à nova realidade, sabendo que as classes desfavorecidas continuam a constituir o grosso das assembleias cristãs a quem os pastores se dirigem no seu munus dominical e quotidiano. Por outro lado, a boa convivência entre as classes superiores (donde provêm a maioria dos pastores) e os representantes da Igreja, que são cada vez mais homens de poder, ajudava a integrar a preocupação social na ação missionária100. Na vida da própria Igreja implantou-se e cresceu a piedade popular centrada na oração, na esmola, no culto aos mártires, nas peregrinações, no monacato e nas instituições caritativas, estas com foco mais evidente do amor cristão para com os pobres101.

97

O contributo de São Basílio será tratado no ponto 1.2.3. 98

Cf. P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia» libertadora de Basílio Magno, 19-20. 99

Cf. P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia» libertadora de Basílio Magno, 32. 100

Cf. H.-I.MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», 236-238.

101

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 52*-53*; «O século IV merece desta vez receber

(26)

A ascensão do bispo como figura líder tornou-se, no século IV, sinal poderoso na vida das cidades. Eram os protetores dos fracos, organizavam grandes trabalhos, eram árbitros de contendas particulares. Os bispos tornaram-se referências para o seu povo, “movimentando a paz”102. Entretanto, a transformação na forma de tratamento conceptual e pastoral do tema da pobreza, e a sua oficialização, veio deturpar e desacreditar o papel e missão do bispo cristão103. Por isso, «o século IV assistiu [também] à ascensão do bispo como um poder económico»104.

«Concluindo, a sociedade do século IV era caracterizada por uma situação opressiva, com a concentração de poder e de riqueza nas mãos das aristocracias locais dos grandes latifundiários, e por um constante empobrecimento das classes mais baixas, facto que, finalmente, levou os camponeses à condição de servidão. Paralelamente a isso, o estabelecimento do cristianismo facilitou a ascensão de diferentes interpretações dos ensinamentos cristãos e promoveu a emergência do bispo cristão como líder da municipalidade, com considerável poder económico. Isso provocou duas discordâncias principais, uma sobre a doutrina e outra sobre a prática. Como consequência, o cristianismo dividiu-se no que diz respeito à ortodoxia e à heresia. Também a Igreja dividiu-se no que toca aos problemas económicos e sociais, promovendo a ascensão de uma igreja do sistema, a Reichskirche constantiniana secularizada e orientada em direção ao acumulo de riqueza e participação no poder, e a igreja dos pobres, fiel às suas raízes na defesa dos oprimidos»105.

É sobre e por esta Igreja dos pobres, na questão da defesa e da dignidade de cada pobre, que se constrói a figura e a importância do nosso defensor pauperum, São Basílio, bispo de Cesareia.

dos deveres essenciais do cristão, atinge as dimensões de um serviço público, considerando-se a fortuna

enorme da aristocracia da qual doravante faz parte a elite cristã» (H.-I. MARROU, «Da perseguição de Diocleciano até à morte de Gregório Magno (303-604)», 332-333).

102

Cf. J.-M. SALAMITO, «La christianisation et les nouvelles règles de la vie sociale», 689. 103

Dada a preferência à Igreja, por Constantino, o cristianismo adquiriria vantagens sociais e profissionais. Eusébio dita que os bispos recebiam cartas, honras e doações em dinheiro por parte do imperador. Isto provocou uma subordinação da Igreja aos interesses do Estado e a anulação da sua liberdade. Por isso a Igreja necessitaria de procurar uma reta postura e orientação respetiva à nova relação entre ela e o Estado. (Cf. K. BAUS, «Los comienzos dela gran Iglesia», in H. JEDIN (Dir.), Manual de

Historia de la Iglesia, vol. 1, Barcelona, Herder, 1980, 603-604.

104

P.SIEPIERSKI, A «Leitourgia» libertadora de Basílio Magno, 33. 105

(27)

1.2 São Basílio, um pastor à altura dos desafios do seu

tempo

Este segundo tema do primeiro capítulo está dividido em três pontos e pretende concentrar a atenção já na figura de São Basílio. Neste sentido, em primeiro lugar apresentamos, brevemente, os dados biográficos mais importantes. Em segundo lugar, individuamos as principais linhas do pensamento do nosso autor. Finalmente, sublinhamos alguns aspetos que revelam o cunho pastoral da ação no âmbito social em que se inscreve a vida, a obra e o ministério de São Basílio.

1.2.1 Vida de São Basílio

São Basílio nasceu entre 329-330 em Cesareia da Capadócia, sendo o primogénito de nove irmãos de Basílio de Neocesareia, conhecido retórico, e de Emília, de família nobre106. Nascido no seio de uma família de tradição cristã e douta107, rapidamente prosperou não só na riqueza dos conhecimentos e cultura dos seus antepassados (concluindo os seus estudos retóricos entre filologia, filosofia e administração108 em diferentes cidades109), na fidelidade às virtudes cristãs, recolhidas do testemunho essencial da sua avó Macrina110, mas também no espírito de caridade111.

106

Cf. P. FEDWICK, «A Chronology of the Life and Works of Basil of Caesarea», in P. FEDWICK

(Ed.), Basil of Caesarea. Christian, humanist, ascetic, parte 1, Toronto, Pontifical Institute of Mediaeval Studies, 1981, 5.

107

Cf. B. SESBOÜÉ, «Basílio de Cesareia», in J.-Y. LACOSTE (Dir.), Dicionário Crítico de

Teologia, São Paulo, Paulinas/Edições Loyola, 2004, 250; «Foi na família que Basílio recebeu a primeira

formação religiosa, com grande influência da sua avó paterna Macrina» (cf. Y. COURTONNE, Un témoin

du IVe siècle oriental. Sain Basile et son temps d’après sa correspondance, Paris, Société d’édition «Les

Belles lettres», 1973, 54) 108

Cf. J. GRIBOMONT, Basílio de Cesareia da Capadócia, in Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Brasil, Vozes-Paulus, 2002, 214.

109

Cesareia, Constantinopla e Atenas. (Cf. J. GRIBOMONT, Basílio de Cesareia da Capadócia, 214). (Cf. B. SESBOÜÉ, «Basílio de Cesareia», 250).

110

«Ele [Basílio] lembrar-se-á da fé simples e forte que ela [avó Macrina] incutiu nos seus netos» (Y. COURTONNE, Un témoin du IVe siècle oriental. Sain Basile et son temps d’après sa correspondance, 45); cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 56*, nota 12.

111

Cf. B.GAIN, L’Église de Cappadoce au IVe siècle d’après la correspondance de Basile de Césarée (330-379), Roma, Pontificium Institutum Orientale, 1958, 44.

(28)

Fruto dos seus progressos é a relação com os estudos clássicos, que nele desempenham um papel muito importante, desde a juventude, como se viu acima. Chega mesmo a dirigir uma homilia, Ad adoloscentes112, sobre a leitura dos doutores profanos, pois, no seu tempo, no contexto de formação integral do ser humano de identidade cristã, era importante dizer algo sobre os autores antigos113.

Após ter, por breve tempo, lecionado retórica em Cesareia114, optou por renunciar a esta profissão e, convertido115 e batizado116, entregou-se ao Evangelho de Cristo em prol da Igreja, diocese e povo117. O seu exemplo de vida cristã, moral e espiritual e a sua atividade social, levaram-no a acolher o sacerdócio em 362118, participando ativamente na vida da Igreja de Cesareia119. Em 370, com a morte do bispo

112

BASILIO DI CESAREA,Discorso ai giovani. Oratio Ad adolescentes, Florença, Nardini editore,

1984, 1-136. 113

«[É] uma homilia sobre o perigo que representam e a maneira de triunfas deles [os autores antigos], seja interpretando os poetas à luz da moral evangélica, seja fazendo em seu reportório uma severa seleção. Mas não se trata aqui de uma depuração dos programas sugeridos ao educador cristão: São Basílio dirige-se a jovens, seus próprios sobrinhos, que concluem seus estudos; procura simplesmente, como o queria Tertuliano, formar-lhes o julgamento cristão, capacitá-los a tirarem o melhor partido de uma erudição: a formação cristã adita-se a uma educação humanista que ela não instruiu, não submeteu, previamente, às suas exigências próprias» (H.-I. MARROU, História da educação na antiguidade, São Paulo, Herder, 1966, 491).

114

Entre 355-356. (cf. P. FEDWICK, «A Chronology of the Life and Works of Basil of Caesarea», 6).

115

Converteu-se ao monaquismo, seguindo uma vida ascética transcrevendo os passos da sua irmã Macrina e de mãe, que em 355 encontravam-se retiradas em Anesi na região do Ponto dedicadas por completo à vida ascética (Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 57*-58*); após ter renunciado e

distribuído as suas riquezas pelos pobres. Juntamente com o seu amigo Gregório Nazianzeno compilou a

Philocalia, antologia origeniana, e as Regras monásticas. (Cf. J.QUASTEN, Patrologia, vol. 2, Madrid, BAC, 1962, 214-215)

116

Após ter viajado pela Síria, Palestina e Egito, a fim de conhecer os mosteiros, antes de integrar a vida ascética, regressou à sua terra e foi batizado pelo bispo Dianio, em 357. (cf. F.RIVAS

REBAQUE,Defensor pauperum, 59*).

117

«Muito depressa foi levado a ocupar dos assuntos da Igreja de Cesareia» (Cf. B. SESBOÜÉ, «Basílio de Cesareia», 250).

118

Cf. P. FEDWICK, «A Chronology of the Life and Works of Basil of Caesarea», 7; «Basílio ordenou-se sacerdote, conquistando grande autoridade graças a uma atividade excecional tanto ascética como caritativa. A sua pregação era ao mesmo tempo severa, sobretudo com relação aos ricos, e brilhante» (J. GRIBOMONT, Basílio de Cesareia da Capadócia, in Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Brasil, Vozes-Paulus, 2002, 214.)

119

Isto aconteceu depois de entre a sua ordenação sacerdotal (362) até ao confronto com o imperador Valente na defesa da fé, Basílio ter que se retirar para Anesi devido a conflitos com o bispo local, Eusébio. Com o seu forte contributo na defesa da fé em Cesareia, a relação entre Basílio e Eusébio, bispo, transformou-se ao ponto de Basílio tornar-se um dos principais colaboradores de Eusébio. (Cf. F. RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 60)

(29)

Eusébio, Basílio sucedeu-lhe no episcopado de Cesareia120, com grande aclamação do povo local121.

São Basílio foi um verdadeiro homem de ação122, não só enquanto homem e pessoa123 mas consequentemente na missão a ele confiada enquanto pastor. Participou em importantes debates teológicos e empenhou-se, pela palavra e pela ação, nas questões relacionadas com os pobres e nas condições socioeconómicas dos seus contemporâneos.

Em 367/368 a Capadócia foi atingida pela epidemia da fome e o sacerdote Basílio criticou e condenou a passividade das autoridades e a obsessão/avareza dos comerciantes face à desesperação do povo 124. Enquanto bispo125 de Cesareia, redigiu várias obras e exerceu uma atividade epistolar incansável126, que documenta o seu intenso combate contra as doutrinas heréticas e cismas, em prol da justiça e equidade social.

120

«A sua eleição suscitou os mais variados sentimentos: desde alegria dos nicenos e à maior parte do povo de Cesareia, ao gozo discreto, mas profundo, do seu amigo Gregório. No entanto, uma parte do clero e a maioria dos bispos da Capadócia não aceitaram ao princípio» (Cf. F.RIVAS REBAQUE,

Defensor pauperum, 63*)

121

Cf. J. GRIBOMONT, Basílio de Cesareia da Capadócia, in Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Brasil, Vozes-Paulus, 2002, 214.

122

Cf. J.QUASTEN, Patrologia, vol. II, 213. 123

Porque «a educação de São Basílio tinha sido direcionada neste sentido: preocupar-se pelos mais abandonados. Na sua vida continuou por colocar ao serviço da Igreja e da sociedade o que já desde pequeno o regia moralmente» (B.GAIN, L’Église de Cappadoce au IVe siècle d’après la correspondance de Basile de Césarée (330-379), 272).

124

Cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 60*-62*.

125

Enquanto bispo, Basílio tem uma primeira missão face ao decreto de divisão entre a Capadócia e as outras províncias (371). O combate à doutrina ariana, o cisma de Antioquia e a heresia dos pneumatómacos envolveram a ação de Basílio, bispo. (cf. F.RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum,

64*-65*). «A unidade da Igreja em torno à fé de Niceia, afirmada, defendida e ardentemente desejada frente ao arianismo, vai ser a maior preocupação de Basílio e à qual irá dedicar boa parte das suas energias, sobretudo a partir da sua nomeação a bispo, convertendo a Capadócia num dos baluartes mais firmes no Oriente frente ao arianismo» (F. RIVAS REBAQUE, Defensor pauperum, 65*). No período do seu

episcopado foram muitos os escritos: tratados dogmáticos, ascéticos, pedagógicos e litúrgicos, entre uma enorme quantidade de sermões/homilias e cartas, que Basílio proferiu (cf. J.QUASTEN, Patrologia, vol. 2, 218). No entanto o seu episcopado teve uma grande atividade pastoral, particularmente no âmbito social que resultou do exemplo e das obras do bispo de Cesareia, em contacto permanente com os mais necessitados e pobres, do qual resultou a construção da Basilíada. (cf. F. RIVAS REBAQUE,Defensor pauperum, 67*-69*). «Basilíada. Assim Gregório Nazianzeno definiu a cidade nova que Basílio fundou

bem perto dos muros da sua sede episcopal de Cesareia, com o objetivo de acolher e curar os leprosos, feridos, enfermos, pobres e peregrinos. A cidade, que tomou o nome do seu fundador, Basílio, apresenta-se como exemplo de realização dos princípios evangélicos de pobreza e abertura que brotam como exigência interior dos que seguem e imitam a Jesus Cristo». (M.G.BIANCO, Basilíades, in Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Brasil, Vozes-Paulus, 2002, 212.)

126

B. GAIN, L’Église de Cappadoce au IVe siècle d’après la correspondance de Basile de Césarée (330-379), 31.

(30)

São Basílio morreu aos 49 anos, em 379, em Cesareia da Capadócia127.

Conhecido como “Magno”, o Grande, este título justifica-se pelas «suas extraordinárias qualidades como estadista e organizador eclesiástico, como exponente egrégio da doutrina cristã e como um segundo Atanásio na defesa da ortodoxia, como Pai do monaquismo oriental e reformador da liturgia»128.

Mas Basílio foi “Grande”, também, porque sempre defendeu os “mais pequenos”.

1.2.2 Breves notas sobre a teologia de São Basílio

Limitar-nos-emos a uma breve síntese centrada nas questões que mais ocuparam o pastor de Cesareia.

O acesso ao debate que se seguiu ao Concílio de Niceia mostrou bem as debilidades da solução aí adotada, mormente no que concorre à consubstancialidade trinitária. O partido ariano aproveitou-se dessas debilidades para refutar o homoousios, continuando a negar a substancial igualdade do Filho e do Espírito em relação ao Pai.

Conhecedora deste debate, a teologia de São Basílio centra-se essencialmente na defesa da doutrina do Concílio de Niceia (325), contra Eunómio e demais discípulos de Ario, esclarecendo com novo rigor o vocabulário e as noções teológicas em questão.

Na senda de S. Atanásio, foi bastante mais além no que toca ao desenvolvimento da doutrina trinitária: «o maior mérito de Basílio está em ter avançado mais que Atanásio e em ter contribuído para o maior esclarecimento da terminologia trinitária e cristológica»129.

127

Cf. P. FEDWICK, «A Chronology of the Life and Works of Basil of Caesarea», 19. 128

Cf. J.QUASTEN, Patrologia, vol. 2, 213-214. 129

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