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O que é um objecto quântico?:uma investigação sobre as implicações epistemológicas e ontológicas desta questão

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Ciências

Secção Autónoma de História e Filosofia das Ciências

Doutoramento em História e Filosofia das Ciências

Uma investigação sobre as implicações epistemológicas e

ontológicas desta questão.

O que é um objecto quântico?

João Luís Cordovil

(2)

Universidade de Lisboa

Faculdade de Ciências

Secção Autónoma de História e Filosofia das Ciências

Doutoramento em História e Filosofia das Ciências orientado pelos professores doutores Olga Maria Pombo Martins e José

Nunes Ramalho Croca

Uma investigação sobre as implicações epistemológicas e

ontológicas desta questão.

O que é um objecto quântico?

João Luís Cordovil

(3)

PREFÁCIO

A presente Tese, apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em História e Filosofia das Ciências, é o resultado de um trabalho de investigação iniciado em 2006, sob a orientação da Professora Doutora Olga Maria Pombo Martins e do Professor Doutor José Nunes Ramalho Croca.

À Professora Doutora Olga Maria Pombo Martins gostaria de deixar um agradecimento especial. Em primeiro lugar, agradeço-lhe por todo o seu o trabalho de acompanhamento das diversas fases da minha investigação, pelos seus atentos e agudos conselhos, sugestões e pistas, pela sua dedicada prática de comunhão de saberes, bem como pela sua generosidade, exigência e disponibilidade. Em segundo lugar, agradeço-lhe o imenso trabalho que tem desenvolvido no Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa. Trabalho onde radicam as condições materiais desta dissertação. Em terceiro lugar, agradeço-lhe ter-me dado a ver o que é a Filosofia. Por fim, agradeço-lhe ter-me apresentado ao Professor Doutor José Nunes Ramalho Croca.

Ao Professor Doutor José Nunes Ramalho Croca agradeço-lhe por todo o seu o trabalho de acompanhamento das diversas fases da minha investigação, agradeço-lhe a sua generosidade, paciência e disponibilidade, agradeço-lhe a sua vontade de partilhar saberes e as ideias que tão corajosamente defende. Agradeço-lhe, igualmente, o trabalho que tem desenvolvido no Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, que tem permitido a existência de um grupo dedicado à Filosofia da Física.

Ao Doutor Gil Costa Santos agradeço-lhe os inúmeros diálogos que tivemos, bem como o seu trabalho de revisão e melhoramento deste texto.

Em todo o caso, devo sublinhar que tudo quanto se escreve e defende no texto deste trabalho é, evidentemente, da minha exclusiva responsabilidade.

À ‘Fundação para a Ciência e a Tecnologia’ agradeço a

(4)

(SFRH/BD/21790/2005), sem a qual teria sido impossível levar a cabo este trabalho de investigação.

(5)

Ao meu Pai À Sara

(6)
(7)

Índice

Introdução ... 1

1.Sobre a questão da Natureza dos Objectos Quânticos ... 3

2.A Constituição da Mecânica Quântica ... 13

2.1. O Princípio da Correspondência ... 19

2.2.A hipótese de De Broglie ... 43

2.3.Doutrina da Indispensabilidade dos conceitos clássicos ... 48

2.4. As duas partículas puras da Física Clássica ... 84

2.5.A Pentadoxia ... 92

2.6.O Princípio da Correspondência: nível conceptual ... 100

2.7. O “Princípio” da complementaridade ... 103

2.8.Os postulados da Mecânica Quântica ... 132

2.8.1,Léxico: Função de onda, Observáveis e Operadores ... 137

2.8.2.A Mecânica Quântica como uma generalização racional das teorias clássicas da Física ... 141

2.9.O Problema da Medição ... 156

2.9.1. O Problema da Completude ... 158

2.9.2.O Problema da Caracterização ... 163

2.10. Conclusão ... 168

3. O que é um Objecto Físico ... 179

3.1. O conceito de objecto físico em Descartes ... 181

3.1.1. Movimento ... 207

3.1.2 conclusão ... 216

3.2. O conceito de objecto físico em Newton ... 218

3.2.1. Corpo ... 219

3.2.2. Quantidade de Movimento ... 224

3.2.3. Os três tipos de força ... 227

3.2.4. Os conceitos de espaço, tempo, lugar e movimento .. 234

3.2.5. o conceito de tempo ... 235

(8)

3.2.7. o conceito de movimento ... 244

3.2.8. conclusão ... 249

3.3. O conceito de objecto físico em Kant ... 254

3.3.1. Foronomia ... 267

3.3.2. Dinâmica ... 271

3.3.3. Mecânica ... 276

3.3.4. Fenomenologia ... 278

3.3.5. Conclusão ... 279

3.4. Conclusão geral do capítulo ... 284

4. Elementos para uma concepção dinâmica e relacional de objecto físico ... 293

4.1. Objectos Físicos: entre as mónadas e os corpos ... 295

4.2. Objectos Físicos como nós de relações ... 314

5. Conclusão ... 325

(9)

Introdução

O trabalho que aqui se apresenta pode-se afirmar que é constituído por três partes: uma reconstrutiva, outra descritiva, uma terceira interpretativa (ou especulativa). Estas três partes não são, naturalmente, estanques. A reconstrução do pensamento de um autor passa, também, pela descrição e interpretação desse pensamento. A descrição igualmente não é realizável sem a interpretação e sem ser, em certo grau, uma reconstrução. E o mesmo se aplicará à interpretação. Portanto, esta partição é mais tónica do que categórica. (Como talvez seja o caso para todas as partições.)

Na primeira parte, faz-se uma reconstrução do

pensamento de Bohr sobre a constituição da Mecânica Quântica. Nesta tentar-se-á mostrar, através do movimento interior ao pensamento de Bohr, a forma como a Mecânica Quântica se constituiu como uma solução de compromisso da tensão entre o que em termos deleuzianos pode ser designado por uma imagem-pensamento sobre os objectos físicos e a descoberta do domínio quântico. Ou seja, do confronto entre um conjunto de pressupostos ontológicos implícitos onde a Física sempre se fundou e a descoberta dos objectos quânticos. A solução de Bohr, sobre a qual se edificou a

(10)

Mecânica Quântica, foi a de generalizar as teorias clássicas da Física, num exercício de ilusionista, que permitiu ocultar o problema da natureza dos objectos quânticos. Problema que, como se tentará mostrar, ficou na raiz das chamadas implicações filosóficas da Mecânica Quântica.

Na segunda parte, far-se-á uma descrição dos

principais conceitos de objecto físico, em particular aqueles que presidiram à constituição da Física. Ou seja, os conceitos de objecto físico em Descartes, Newton e Kant. Em particular, mostrar-se-á que, embora a Física seja a ciência do movimento, não decorre do conceito de objecto

físico que este se movimente. Algo que se torna

problemático quando se tenta pensar os objectos quânticos.

Por fim, na última parte, a partir de uma

interpretação de alguns elementos da metafísica de Leibniz e de Deleuze, ensaiar-se-ão os primeiros passos para uma concepção de objecto quântico.

Antes do mais, será feita uma apresentação da questão “O que é um Objecto Quântico?”, determinando-se o seu lugar no que se tem designado por Filosofia da Mecânica Quântica.

(11)

3

1. Sobre a questão da Natureza dos objectos

quânticos.

O que é um objecto quântico?

A questão surge-nos, sem demora ou dificuldade, logo que entramos do labiríntico domínio quântico. Domínio pleno de becos sem saída, de lugares a que sempre se parece retornar, de percursos tortuosos e desorientadores, mas que para o qual, a meu ver, na literatura, seja esta filosófica ou não, existem apenas três vias de acesso: a via formal, a via historicista e a via conceptual.

A via formal passa pela apresentação dos postulados, do formalismo e do elegante aparato matemático da Mecânica Quântica. Esta é a via que encontramos, principalmente, na

literatura filosófica de inspiração analítica1. Esta será a

via mais rápida e, actualmente, mais comum de entrada nos chamados problemas da medição e da não-localidade.

1

Veja-se, a exemplo, o livro de Pierter E. Vermass (1999), A

philosopher’s understanding of quantum mechanics, Cambridge: Cambridge

University Press, ou o capítulo de Michael Dickson (2007), “Non-relativistic Quantum Mechanics”, presente no livro Philosophy of

(12)

4

A via historicista, por seu turno, passa,

principalmente, pela narrativa do desenvolvimento da Física das primeiras três décadas do século XX. Sendo que, em muitos casos, recua até à Física do século XVII, fazendo-nos recordar o velho debate sobre a natureza da luz para o relacionar com a fundação da Mecânica Quântica. Esta é a

via que é percorrida, principalmente, na literatura

filosófica de inspiração francesa2.

Por fim, a via conceptual. Esta passa por fazer

confrontar quem a percorre com uma experiência de

pensamento. Usualmente, é escolhida, para esse efeito, a chamada experiência de dupla fenda.3 Esta via é aquela se

encontra, principalmente, na literatura filosófica que, à

falta de melhor, designarei por empirista4.

2

Desde o livro de Bachelard, G. (1951), L’activité rationaliste de la

physique contemporaine Paris: Presses Universitaires de France ao

livro de Omnès, R. (1999), Understanding Quantum Mechanics, Princeton: Princeton University Press (cuja edição francesa surgiu um ano mais tarde: Comprendre la mécanique quantique, EdP Sciences (2000)), ou do mesmo Omnès. R. (2006), Les indispensables de la mécanique quantique, Paris: Odile Jacob.

3

Experiência que, como tantas vezes ocorre com as experiências de pensamento, já foi realizada em laboratório, tendo obtido os resultados esperados. Cf., por exemplo, Arndt, Markus; Nairz, Olaf e Zeilinger, Anton (2003), Quantum interference experiments with large

molecules Am. J. Phys. 71 (4), October 2003, pp. 319-325.

4

Por exemplo, o livro de Osvaldo Pessoa Jr. (2003), Conceitos de

Física Quântica, São Paulo: Livraria da Física, o texto do filósofo

americano Richard F. Kitchener (1988), The World view of contemporary

physics: does it need a new metaphysics?, ou mesmo os primeiros

(13)

5

Estas três vias, embora distintas, encaminham-nos no sentido de uma mesma conclusão. A saber: um objecto quântico é uma entidade com propriedades tanto das ondas, como das partículas. Uma entidade sobre a qual, no já distante ano de 1928, Lord Eddington afirmava:

“Podemos dificilmente descrever tal entidade como uma onda ou como uma partícula; talvez como compromisso seja melhor chamá-la de “ondícula””5.

Este compromisso proposto por Eddington, no entanto, não teve, nem tem tido, qualquer eco na Filosofia da Física Quântica. Porquê? A que se deve esta ausência? Ou como coloca, embora com ironia, o filósofo Norueguês Arne Naess:

porque não aceitamos esta generosa oferta de Eddington?6

A resposta é-nos dada por Margenau. Em explícita recusa às “ondiculas”, este afirma:

(1964) que embora seja um livro de Física é referenciando repetidamente em textos filosóficos.

5

“We can scarcely describe such an entity as a wave or as a particle; perhaps as a compromise we had better call it a "wavicle". Eddington, A. (1928), The Nature of Physical World, New York: The MacMillan Company, p. 201. (tradução nossa)

6

Cf. Arne Naess (2005), The Selected Works of Arne Naess, Dordrecht: Springer, p.62.

(14)

6 “Para clarificar o problema fazemos notar para começar que, obviamente, as propriedades das ondas e das partículas são

incompatíveis; adicioná-las como se elas fossem meramente

diferentes não faz sentido. É apropriado dizer que um certo

animal é um cavalo e uma besta de carga, mas não que é um cavalo e uma vaca.”7

Está implícito nestas palavras de Margenau que afirmar que uma entidade possui o conjunto de propriedades de X, não é outra coisa que afirmar que essa entidade é X. Ou dito de outra forma, afirmar que uma entidade possui, por exemplo, as propriedades das ondas, é afirmar que essa entidade é uma onda. De igual modo, dizer que de uma entidade possui o conjunto de propriedades das partículas, é dizer que essa entidade é uma partícula. E, por consequência, o mesmo sucederá com as entidades que declaramos possuírem as propriedades das vacas, dos cavalos ou das bestas de carga, onde diremos de cada uma delas, e respectivamente, que é uma vaca, que é um cavalo ou que é uma besta de carga.

7

“To clarify the problem we note to begin with that the obvious properties of waves and particles are incompatible; adding them together as though they are merely different does not make sense. It is proper to say that certain animal is a horse and a beast of burden, but not a horse and a cow”, Margenau, Henry (1977), The Nature of

(15)

7

Por outro lado, uma entidade poderá ser um cavalo e uma besta de carga - como, de forma implícita, indica Margenau - na medida em que as propriedades dos cavalos e das bestas de carga, embora diferentes, são compatíveis. Nomeadamente, esta entidade, que possui as propriedades tanto dos cavalos como das bestas de carga, será um cavalo de carga. Tal como aqueles cavalos que cartam com os turistas pelas curvas da Serra de Sintra.

Contudo, no caso das vacas e dos cavalos, as suas propriedades são incompatíveis e não meramente diferentes. Como tal, uma entidade a que possuísse as propriedades dos cavalos e das vacas – a que, e fazendo uso da mesmo lógica de geração de neologismos de Eddington, poderíamos designar por “vacalo”8 – tratar-se-ia de uma entidade com uma dupla

natureza. Seria vaca e cavalo. E poder-se-á afirmar o mesmo das partículas e das ondas do que anteriormente afirmámos das vacas e cavalos. Assim, tal como os “vacalos” aqui congeminados, também as tais “ondículas” de que nos fala Eddington seriam entidades com uma dupla natureza. Seriam ondas e partículas. Ou seja, das palavras de Margenau compreende-se que aceitar a “ondícula” seria aceitar que

8

Poderíamos imaginar, inspirados, por ventura, em As Viagens de Marco Polo, uma criatura metade vaca e metade cavalo. Por exemplo, com uma nobre cabeça de equídeo e uma vulgar traseira de bovino. Contudo, neste caso, teríamos um animal cuja cabeça identificaríamos com as dos cavalo e uma traseira que identificaríamos com as das vacas, mas não teríamos um animal que identificássemos integralmente tanto com os cavalos, como com as vacas. Tal criatura está, de resto, fora do alcance da imaginação.

(16)

8

uma entidade que fosse dupla na sua essência. Seria aceitar uma identidade que fosse dupla. Ora, esta duplicidade intrínseca ao termo “ondículas” contradiz a grande coluna vertebral da lógica desde os Gregos. Portanto, aceitar as “ondículas” seria tropeçar na lógica mais basilar e tombar, de cabeça, de encontro ao mais robusto dos paradoxos.

É, pois, inteligível que na literatura sobre o domínio quântico muito rareie o termo “ondícula”. Esta literatura, ao invés de “ondícula” tem preferido fazer uso da expressão “dualismo onda-partícula”. No entanto, esta preferência não é, a meu ver, nem inocente, nem inócua. Ela revela um

deslocamento ontológico subtil mas decisivo. Um

deslocamento que se denuncia em afirmações como a seguinte, do punho de Nikolic:

“Em livros introdutórios à Mecânica Quântica, […] o estranho carácter conceptual da Mecânica Quântica é muitas vezes verbalizado em termos da dualidade onda-particula. De acordo com esta dualidade, os objectos microscópicos fundamentais, como os electrões e os fotões, não são nem puras partículas, nem puras ondas, mas tanto ondas como partículas. Ou mais precisamente, em algumas condições eles comportam-se como ondas enquanto que em outras condições eles comportam-se como partículas”9

9

“In introductory textbooks on QM,[…] a conceptually strange character of QM is often verbalized in terms of wave-particle duality. According

(17)

9

Na primeira parte desta citação Nikolic afirma-nos, equivocamente, que, de acordo com o chamado dualismo onda-partícula, os “objectos microscópicos fundamentais” são entidades com uma natureza dupla, são “tanto ondas como partículas”. Isto seria, no entanto, ir precisamente ao encontro do que Eddington justamente proponha designar por “ondículas” e do doloroso paradoxo que lhe está inerente. Não haveria, então, qualquer diferença de significado entre a expressão “dualismo onda-partícula” e o termo “ondícula”. Porém, na segunda parte desta mesma citação, Nikolic emenda a mão, e esclarece que, afinal, de acordo com o dualismo

onda-partícula, os ditos “objectos microscópicos

fundamentais”, cuja natureza agora não qualifica, são entidades que se comportam ora à maneira das ondas, ora à maneira das partículas.

Da primeira parte desta citação para a sua segunda, verificamos um resvalamento do nível ontológico para um nível que poderíamos considerar comportamental. Se na primeira parte da citação, era suposto que os “objectos

to this duality, fundamental microscopic objects such as electrons and photons are neither pure particles nor pure waves, but both waves and particles. Or more precisely, in some conditions they behave as waves, while in other conditions they behave as particles fundamental microscopic objects such as electrons and photons are neither pure particles nor pure waves, but both waves and particles. Or more precisely, in some conditions they behave as waves, while in other conditions they behave as particles.”, Nikolic, H. (2007), “Quantum Mechanics: Myths and Facts” in Foundations of Physics,37, p. 1567. (tradução nossa)

(18)

10

microscópicos fundamentais” tinham uma identidade dupla (partículas e ondas), o que fica suposto na segunda parte é que estes objectos têm uma única identidade susceptível de um duplo comportamento.

Esta citação de Nikolic é exemplar pois, tal como nesta, toda a literatura sobre o domínio quântico, por uma via ou outra, inicialmente nos encaminha no sentido da conclusão que um objecto quântico é uma entidade que possui as propriedades das ondas e das partículas, que um objecto quântico é uma ondícula. Porém, no momento seguinte, esta mesma literatura desvia-se de tal dolorosíssima conclusão e assume, somente, que um objecto quântico é uma entidade que, de algum modo, ora se comporta como se fosse uma onda, ora se comporta como se fosse uma onda. Os objectos quânticos são então apresentados, qual Dr. Jekyll e Mr.

Hyde, como entidades físicas acometida por dupla

personalidade, por uma dupla natureza, no caso, um dualismo onda-partícula.

Em suma, embora todos os caminhos da literatura nos

encaminham no sentido das paradoxais “ondículas”,

subitamente (e subtilmente) somos desviados em direcção à

ambígua expressão “dualismo onda-partícula” e sua

consequente indeterminação ontológica: um objecto quântico não é nem onda, nem partícula e, muito menos, “ondícula”.

(19)

11

Eis que nos surge a questão: então, do que falamos quando falamos de objectos quânticos? Afinal, o que é um objecto quântico?

Trata-se, pois, de uma questão antiga e que já terá sido

por mais de mil vezes repetida. Contudo, trata-se

igualmente de uma questão sem bibliografia. O que será compreensível pois, se ao seguir por qualquer uma das três vias em que se divide a literatura sobre o domínio quântico, chegamos a um lugar onde nos perguntamos pela natureza dos objectos quânticos, perguntamos porque a literatura dá-nos a sensação que julgamos já saber a resposta. Uma resposta que, pela sua natureza paradoxal, não conseguimos comportar, aceitar ou compreender. De certo modo, seguindo a literatura, a resposta antecederia a questão. Troca-se a resposta paradoxal pelo paradoxo de uma questão, não retórica, que é antecedida pela sua resposta. E de paradoxo em paradoxo chegamos à conclusão que a questão da natureza dos objectos quânticos, embora seja uma questão de natureza filosófica (pois perguntamos pelo conceito) esta é, igualmente, uma questão esquecida pela literatura filosófica. Literatura esta onde todas a suas vias se têm focado, principalmente, no chamado problema da medição10.

10

Isto mesmo é explicitamente afirmado por autores como Frank Arntzenius, Guido Bacciagaluppi, Chuang Liu, Brigitte Falkenburg,

(20)

12

Mas, se o problema da natureza dos objectos quânticos ficou em aberto, como se pôde constituir uma teoria como a Mecânica Quântica? Por outro lado, não será o problema da medição fruto da forma como se constituiu a Mecânica Quântica e, por consequência, do tal problema da natureza dos objectos quânticos? E, por fim, não nos levará a actual

literatura filosófica, por algum encantamento com a

Mecânica Quântica, por maus caminhos, ou melhor, para um lugar equivocado? Para um lugar afastado de um outro a partir do qual se possa pensar a estranha natureza dos objectos quânticos?

Comecemos pela primeira destas questões: como se pôde constituir a Mecânica Quântica deixando em aberto o problema da natureza dos objectos quânticos?

Steven French, Tim Maudlin, entre outros, no curioso Foundations and

Philosophy of Physics editado John Symonns e Juan Ferrer, que ainda

aguarda publicação e que me foi facultado por John Symonns, a quem agradeço.

(21)

13

2. A constituição da Mecânica Quântica.

A Mecânica Quântica constitui uma generalização racional das teorias clássicas da Física. Esta é, a meu ver, a sua essência. E esta é, igualmente, quanto a mim, a pedra angular do pensamento de Bohr sobre a Mecânica Quântica11.

11

Assim parece ser, igualmente, a tese defendida por Peter e Alisa Bokulish no seu artigo, publicado em 2005, intitulado “Niels Bohr’s Generalization of Classical Mechanics” (in Foundations of Physics, Volume 35, Number 3, Springer, pp. 347-371). Digo que parece pois, embora todo o artigo se desenvolva no sentido de argumentar em favor de que, para Bohr, a Mecânica Quântica é uma generalização racional da Física Clássica, estes autores propõem-se mostrar “ the central role played by his [Bohr] thesis that quantum theory is a rational generalization of classical mechanics” (p. 347 - abstract). A diferença reside no facto de “Física Clássica” e “Mecânica Clássica” não serem sinónimos. O Electromagnetismo faz parte, igualmente, da chamada Física Clássica. Esta distinção pode parecer de menor importância, mas não o é. É uma distinção importante, em primeiro lugar, pela confusão que gera. Confusão que surge quando, no dito artigo, os mencionados autores não só não comentam esta distinção entre Física e Mecânica, como são corrigidos pela própria citação de Bohr que apresentam logo na segunda página, onde Bohr se refere, explicitamente, ao Electromagnetismo. A confusão criada pelos autores do referido artigo cresce quando dão como exemplo de conceito de Mecânica Clássica, na quinta página, o “electric field value”. Muito dificilmente um conceito da Mecânica. E, duvidosamente um conceito. Pois trata-se de um “valor”, uma quantidade, do campo eléctrico. A diferença entre “Física Clássica” e “Mecânica clássica” é importante, em segundo lugar, pois, como se tentará aqui mostrar, a Mecânica Quântica é fruto de uma generalização tanto dos conceitos do Electromagnetismo, como da Mecânica Clássica. Logo, ao não se cuidar da distinção entre Mecânica Clássica e Electromagnetismo Clássico percebe-se mal a constituição da Mecânica Quântica. Estas falhas de rigor são particularmente graves e estranhas. Não só porque surgem numa revista como a Foundations of Physics, mas, igualmente, pelo facto de Alisa Bokulish ser uma reputada Filosofa da Física, sendo inclusive a responsável pela entrada dedicada ao princípio da correspondência na stanford encyclopedia of philosophy. Portanto, embora semelhantes, a tese que aqui distingue-se da de Alisa e Perter Bokulish por eu defender que a essência do pensamento de Bohr passa

(22)

14

São duas teses que, porventura, podem causar alguma surpresa a quem esteja familiarizado (mesmo que seja distantemente) com a literatura filosófica, científica ou histórica, dedicada à Mecânica dos quantas.

No caso da primeira tese, a surpresa virá porque é comum enfatizar-se o carácter revolucionário da Mecânica Quântica. Tão profundamente revolucionário que teria levado à definitiva cisão da Física entre aquela que é Clássica, e que contém, desde a Mecânica de Newton até às relatividades de Einstein, passando pelo Electromagnetismo de Maxwell e a Termodinâmica, e a outra que é Moderna. Que, em boa verdade, até se poderia denominar por Física Quântica. Pois a Física Moderna é constituída, na sua essência, pela

Mecânica Quântica e a sua descendente directa, a

Electrodinâmica Quântica. É como se existissem duas eras na Física: antes da Mecânica Quântica; depois da Mecânica Quântica.

A minha segunda tese – a que se refere à pedra angular do pensamento de Bohr sobre a Mecânica Quântica – poderá surpreender, por sua vez, porque é comum, mesmo na literatura filosófica, atribuir-se esse estatuto ao que se

por este considerar a Mecânica Quântica como uma generalização racional das teorias clássicas da Física e não apenas da Mecânica Clássica.

(23)

15

designa, frequentemente, e talvez de forma imprópria12, por

princípio da complementaridade. No entanto, a meu ver, o chamado princípio da complementaridade não será tanto o pilar mas o pináculo do pensamento de Bohr sobre a Mecânica Quântica, não aquilo que funda mas aquilo que fecha. Por ocupar esse lugar de culminante a complementaridade será mais visível e, talvez por isso, mais comentada. Contudo - e prosseguindo com a metáfora arquitectónica – a meu ver, o pensamento de Bohr sobre a Física Quântica conclui-se com a

complementaridade, mas tem o seu suporte e coesão

precisamente na tese de que a Mecânica Quântica é uma generalização racional das teorias físicas clássicas.

Esta tese de Bohr percorre todo o seu trabalho sobre a

Mecânica Quântica. Encontramo-la, nas suas primeiras

aproximações, em textos ao longo na década de 2013. Em

particular, no próprio texto onde, pela primeira vez, surge

a tal “complementaridade”14. Ela, contudo, surge-nos com

maior frequência e de modo um pouco mais claro em textos do

12 Digo “talvez de forma imprópria”, pois Bohr nunca fez uso dessa

expressão ao longo da sua obra. O físico dinamarquês fala apenas em “complementaridade”. Isto mesmo é realçado por Henry Folse em Folse, Henry (1985), The Philosophy of Niels Bohr: The Framework of

Complementarity, Amsterdam: North-Holland, p. 18.

13

Conferir por exemplo, Bohr, Niels (1922), “The fundamental postulates of the quantum theory” in Niels Bohr Collected Works, Vol.

3: The Correspondence Principle (1918–1923), Nielsen, J. R. ed.,

Amsterdam : North-Holland, 1976, p. 356 ou Bohr, Niels (1923), idem, p. 588.

14

Conferir Bohr, N. (1928), “The Quantum Postulate and the Recent Development of Atomic Theory” in Nature, Volume 121, Issue 3050, p. 584.

(24)

16

final de vida de Bohr. Num desses textos, publicado em 1958, quatro anos antes da sua morte, o físico dinamarquês, ao rever o processo que foi iniciando com descoberta do quantum de acção por parte de Planck, afirma:

“O problema com que os físicos foram confrontados [perante a descoberta de Planck] foi, como tal, o de desenvolverem uma generalização racional da física clássica que permitisse a incorporação harmónica do quantum de acção. Depois de uma exploração preliminar da evidência experimental […] esta difícil tarefa foi finalmente realizada.”15

A difícil tarefa realizada pelos físicos a que Bohr aqui faz menção concretizou-se na Mecânica Quântica. É à narração do processo de constituição desta teoria que ele dedica esta parte do seu texto aqui citado. Assim, embora Bohr não o diga, aqui, explicitamente, das palavras da citação anterior conclui-se com naturalidade que, segundo o físico dinamarquês, a Mecânica Quântica foi constituída como uma generalização racional da física clássica. A

15

“The problem with which physicists were confronted was therefore to develop a rational generalization of classical physics, which would permit the harmonious incorporation of the quantum of action. After a preliminary exploration of the experimental evidence […] this difficult task was eventually accomplished”. Bohr, Niels (1958), “Quantum Physics and Philosophy” in Niels Bohr Collected Works, Vol.

7: Foundations of quantum physics II (1933-1958), Kalckar, J. ed.,

(25)

17

questão parece então ser: o que quer dizer Bohr com “generalização racional da física clássica”?

Ele não nos oferece uma resposta directa e clara. Tal é, de resto, característico em Bohr. É o seu “estilo”, como

dirão alguns16. Contudo, julgo ser possível entende-lo

começando por atender, em primeiro lugar, ao que o próprio afirma na seguinte passagem de um outro texto :

“Na procura de uma formulação de tal generalização [racional] o nosso único guia foi apenas o chamado argumento da correspondência.”17

O que aqui Bohr chama de “argumento da correspondência” é, na verdade, aquilo que o próprio usualmente designava - e é assim, de resto, que é conhecido na literatura em geral - por princípio da correspondência. Princípio de que foi autor e acerca do qual, no tal célebre texto onde pela primeira vez surge a “complementaridade”, havia confessado:

16 Conferir, por exemplo, Bokulish, Alisa (2010), "Bohr's

Correspondence Principle" in The Stanford Encyclopedia of Philosophy

(Winter 2010

Edition),Zalta, E.N.(ed.),(URL=http://plato.stanford.edu/archives/win2

010/entries/bohr-correspondence/), p.15.

17

“In the search for the formulation of such a generalization, our only guide has just been the so-called correspondence argument”. Bohr, Niels (1939), “The causality problem in Atomic Physics” in Niels Bohr

Collected Works, Vol. 7: Foundations of Quantum Physics II (1933– 1958), Kalckar, J. ed., Amsterdam: North-Holland, 1996, p. 305.

(26)

18 “O propósito de olhar a teoria quântica como uma generalização racional das teorias clássicas levou[-me] à formulação do chamado princípio da correspondência.”18

Nas duas citações anteriores Bohr revela que a tese de que a Mecânica Quântica é uma generalização racional da Física clássica não é fruto nem de uma análise sobre o processo histórico de que levou à constituição desta teoria, nem de uma interpretação acerca dessa. Trata-se do seu programa enquanto fundador da Mecânica Quântica. Foi com o “propósito de olhar para a Mecânica Quântica como uma generalização da Física clássica” que incorporasse o quantum de acção “de” Planck, que Bohr criou e desenvolveu, durante a gestação da teoria quântica actual, o princípio da correspondência. E foi fazendo uso deste princípio, tendo-o como “único guia”, como ferramenta privilegiada, que procurou a tal generalização racional da Física Clássica. Isto é, foi, pelo menos em parte, fazendo uso do princípio da correspondência que Bohr procurou constituir a Mecânica Quântica. Poder-se-á dizer que ele mesmo o confessa, reforçando a nossa certeza do papel instrumental,

mas decisivo, que o princípio de correspondência

desempenhou na construção da Mecânica Quântica. Mas o que

18

“The aim of regarding the quantum theory as a rational generalisation of the classical theories led to the formulation of the so-called correspondence principle.” Bohr, N. (1928), “The Quantum Postulate and the Recent Development of Atomic Theory” in Nature, Volume 121, Issue 3050, p. 584. (Tradução minha)

(27)

19

afirma este instrumento da vontade de Bohr? Como se constituiu a Mecânica Quântica a partir deste princípio? De que modo o princípio da correspondência permite entender que a Mecânica Quântica seja uma generalização racional da Física Clássica?

2.1. O Princípio da Correspondência

O princípio da correspondência (“Korrespondenzprinzip”19)

tem a sua origem no contexto daquilo que se designa por Teoria Quântica do Átomo ou Teoria Quântica Antiga (em contraponto ao que seria, posteriormente, a nova teoria quântica, isto é, a Mecânica Quântica). A Teoria Quântica Antiga foi proposta por Bohr em 1913. Esta tinha como ponto de partida o modelo atómico de Rutherford. Modelo que é usualmente designado por modelo planetário do átomo. Pois, à imagem dos sistemas planetários, o átomo seria formado por um corpo central - o núcleo - de carga total positiva, onde estaria concentrada a maioria da massa do átomo, em redor do qual orbitavam corpos de menor massa e de carga negativa – os electrões. Haveria assim uma analogia simples e - talvez por isso - encantadora entre o mundo à escala do

19

Conferir, por exemplo, a obra Niels Bohr Collected Works, Vol. 3:

The Correspondence Principle (1918–1923), Nielsen, J. Rud ed.,

(28)

20

ínfimo e o mundo à escala do astronómico, entre a escala dos electrões e a escala dos planetas. Um à imagem de outro, como se se espelhassem na figura, embora distintas na escala.

A analogia imagética de Rutherford era certamente

sedutora. Pois trazia consigo a sensação de

inteligibilidade fácil que todas as coisas cujas feições reconhecemos sempre transportam consigo. E o seu modelo tinha igualmente a virtude de estar de acordo com os

resultados recentes – à época, entenda-se - das

experiências atómicas com radiação alfa. Contudo, como não há “bela sem senão”, e tal como qualquer livro de história da Física Moderna ensinará, o modelo de Rutherford tinha, entre outros, o defeito fatal de ser incapaz de explicar a estabilidade da matéria. Segundo o Electromagnetismo um corpo electricamente carregado, como é o caso do electrão, ao mover-se emite energia sob a forma de radiação electromagnética. Por consequência, se os electrões dentro do átomo estão em movimento, como o modelo de Rutherford

declarava, e se aceita o Electromagnetismo, isso

significava que os electrões intra-atómicos iriam perder, progressivamente, energia. Por conseguinte, os electrões dentro de um átomo, acabariam por perfazer orbitas cada vez mais fechadas, cada vez mais próximas, numa espiral vertiginosa que os levariam, rápida e inevitavelmente, a

(29)

21

colidir com o núcleo. A estabilidade dos átomos e, como tal, de toda a matéria supostamente constituída por estes, seria um incómodo mistério. Pelo menos, para quem quisesse estar com o modelo de Rutherford.

Ora, era precisamente este o mistério que Bohr – que se encontrava em Manchester a trabalhar com Rutherford - se propunha solucionar. Com esse fim, na segunda metade de 1913, publicou, em três partes, o artigo “Sobre a

constituição dos átomos e das moléculas”20. Deste tríptico,

que curiosamente, pela intimidade que denota entre a

Ciência fundamental e Filosofia, foi publicado no

“Philosophical Magazine”21, constam os fundamentos da

chamada Teoria Quântica Antiga. Esta assentava

principalmente, como o próprio Bohr explicaria alguns anos mais tarde, nos seguintes postulados:

“I. Um sistema atómico pode existir, de forma permanente, apenas numa série de estados correspondentes a uma série descontínua de valores de energia. E, por consequência, qualquer alteração de energia do sistema, incluindo a emissão e a absorção de radiação electromagnética, deve ter lugar

20

Conferir Bohr, N. (1913), “On the Constitution of Atoms and Molecules” in Niels Bohr Collected Works, Vol. 2: Work in Atomic

Physics (1912-1917), Hoyer, Ulrish ed., Amsterdam: North-Holland,

1981, pp. 159-240.

21

A mesma revista onde entre, 1861 e 1862, Maxwell havia publicado “On Physical Lines of Force” trabalho seminal do Electromagnetismo.

(30)

22 como uma transição completa entre esses dois estados. Estes estados serão designados por “estados estacionários” do sistema.

II. A radiação absorvida ou emitida durante a transição entre dois estados estacionários […] possui uma frequência ν, que é dada pela relação E' — E" = h ν, onde h é a constante de Planck e onde E' e E" são os valores da energia dos dois estados considerados.” 22

Bohr aceita, como propunha Rutherford, que os electrões no átomo se movimentam ao redor do núcleo em órbitas

circulares e periódicas23. São, como tal, órbitas descritas

pela Mecânica Clássica. Contudo, em contradição com

22

I. That an atomic system can, and can only, exist permanently in a certain series of states corresponding to a discontinuous series of values for its energy, and that consequently any change of the energy of the system, including emission and absorption of electromagnetic radiation, must take place by a complete transition between two such states. These states will be denoted as the "stationary states" of the system.

II. That the radiation absorbed or emitted during a transition between two stationary states […] possesses a frequency ν, given by the relation

E' — E" = h ν

where h is Planck's constant and where E' and E" are the values of the energy in the two states under consideration.”, Bohr, N. (1918), “On the Quantum Theory of Line-Spectra” in Vol. 3: The Correspondence

Principle (1918–1923), Nielsen, J. Rud ed., Amsterdam: North-Holland,

1976, p.71. (Tradução minha)

23 Conferir Bohr, N. (1913), “On the Constitution of Atoms and

Molecules” in Niels Bohr Collected Works, Vol. 2: Work in Atomic

Physics (1912-1917), Hoyer, Ulrish ed., Amsterdam: North-Holland,

(31)

23

Rutherford (e com a Mecânica Clássica) Bohr propõe, através do primeiro postulado, que os electrões não podem descrever trajectórias arbitrárias ao redor do núcleo, como é o caso dos corpos celestes do sistema solar. Apenas podem

descrever orbitas indexadas a um determinado estado

estacionário de energia. Isto é, os electrões distribuem-se ao redor do núcleo atómico não em órbitas à imagem das órbitas planetárias, que a Mecânica Clássica descreve como um basculante jogo de equilíbrio entre as forças centrífuga e de atracção gravítica, mas em órbitas fixas – também chamadas de orbitais - relativas a uma série de estados

discretos de energia24: Os ditos “estados estacionários”.

Por consequência, num átomo não existem análogos nem aos cometas, nem aos satélites.

Formalmente, a sucessão destas órbitas, desses estados discretos de energia, é-nos dada pela série de números

naturais25, simbolizando-se por “n” o nível de um

determinado estado estacionário. O estado estacionário de menor energia, também dito de fundamental, corresponde ao

24 Cada estado estacionário de energia pode, no contexto da Teoria

Quântica Antiga, ser de igual forma descrita como um jogo entre Forças: a de atracção electromagnética e a centrípeta. Esta foi, aliás, a aproximação inicial de Bohr ao problema do átomo. Contudo, será um jogo onde o resultado é sempre um aborrecido empate para cada desses estados estacionários. Resultado identicamente estranho para as teorias físicas clássicas e, em particular, para a Mecânica Celeste.

25 Considera-se aqui que o “zero” não é um número natural. Terá sido

uma opção de Bohr em conformidade com o que é tradicional em Física Clássica. Que, à margem do debate sobre a natureza do “zero”, tem considerado que o “um” é o primeiro dos naturais.

(32)

24

primeiro nível de energia e é representado por n=1. O seguinte estado estacionário de energia, o segundo nível de energia, é representado por n = 2 e assim por diante.

Por outro lado, e tal como se afirma no

Electromagnetismo, Bohr assume que a diminuição da energia de um electrão tem como efeito a emissão de radiação de

equivalente valor quantitativo de energia. É uma

consequência do princípio da conservação da energia que Bohr, aqui, assume por completo. Contudo, dado que, pelo primeiro postulado, as órbitas atómicas são caracterizadas pela quantidade de energia que lhe é correspondente, essa emissão de radiação não pode ser causada pelo movimento dos electrões em redor do núcleo. Assim, e agora em contradição com o Electromagnetismo, Bohr propõe, no segundo postulado, que a emissão (e a absorção) de radiação é causada apenas pela transição electrónica entre estados estacionários de energia. Dado que estes estados, por força do primeiro postulado, são numericamente discretos, então o espectro da radiação de um átomo é, necessariamente, descontínuo. Esta

consequência dos dois postulados contradiz o

Electromagnetismo, pois, segundo esta teoria, o movimento do electrão seria a única causa da emissão da radiação e esta apresentar-se-ia num espectro contínuo. Ou seja, decorre desta teoria de Bohr que o espectro de um átomo não

(33)

25

Electromagnetismo, mas um conjunto de riscas separadas, cada uma de sua “cor”, cada uma referente a um determinado estado estacionário de energia. Mas o mais extraordinário é que isto implica que um electrão, ao transitar de um estado de energia para outro, de uma órbita para outra, fá-lo sem passar por lugares intermédios. Um electrão, segundo a Teoria Quântica Antiga, realizava uma espécie de salto – um salto quântico, como ficou celebrizado, principalmente na literatura científica – entre dois estados de energia. Salto, tanto maior (ou menor) quanto a diferença de energia da radiação emitida ou absorvida correspondente. Fica, entretanto, por explicar a existência e distribuição discreta dos tais estados estacionários. São postulados de forma quase Ad-Hoc.

A primeira teoria quântica de Bohr, por muito bizarras que fossem as suas consequências, tinha o mérito de oferecer uma explicação tanto para estabilidade da matéria, como para a sequência das descobertas sobre o espectro atómico realizadas, principalmente, no início do século XX. Ou seja, resolvia, em parte, os mistérios que o modelo atómico de Rutherford havia libertado.

O preço a pagar pela resolução desses mistérios

(34)

26

Clássica. Porém, a teoria de Bohr era, na realidade, e tal como escreve Andrade e Silva:

“[…] um fascinante monstro híbrido. Descreve os átomos como minúsculos sistemas solares em que os electrões giram em torno de núcleos segundo as leis da Mecânica de Newton. Mas, de todos os movimentos classicamente possíveis, apenas retém um número muito pequeno, ou seja, aqueles que respeitam a regra dos quanta.”26

Como diz Andrade e Silva, a primeira teoria quântica de Bohr era um “fascinante monstro híbrido”. Por um lado, tinha sucesso onde os modelos “mais” clássicos do átomo falhavam. Por outro, era o produto de um processo a que, de modo pitoresco, pode ser descrito como “uma no cravo, outra na ferradura”. Bohr, ora respeitava o fundamental das

teorias físicas clássicas, ora as transgredia.

Nomeadamente, através da imposição – via postulado - da quantificação das órbitas. Tudo isto já na tentativa habilidosa e esforçada de conseguir, de algum modo, incorporar no modelo atómico de Rutherford a chamada hipótese de Planck, ou postulado quântico de acção. Segundo esta, e fazendo uso de palavras do próprio Bohr, “a energia

26

Andrade e Silva, João e Lochak, G. (1969), Quanta, grains et champs (tradução do francês por Manuel Pina, “Quanta, Grãos e Campos”), Lisboa: Instituto de novas profissões, pp.71-73.

(35)

27

radiada por um sistema atómico não sucede de uma forma contínua, tal como é assumido pelo electromagnetismo, mas,

pelo contrário, sucede em emissões distintamente

separadas”27. Em suma, do ponto vista formal, a proposta de

Bohr compunha-se, como o próprio físico dinamarquês

reconhece, “na introdução nas leis [do movimento do electrão] de uma quantidade estranha ao electromagnetismo clássico, i.e. a constante de Planck ou, como é frequente ser chamada, o quantum de acção elementar”28. E, por esta

razão, o modelo atómico de Bohr é, geralmente, classificado

como semi-clássico29.

Importa salientar que o valor numérico da constante de Planck é mínimo30. Como tal, o quantum de acção elementar

só é quantitativamente significativo quando estão

envolvidas energias igualmente mínimas. Este é o caso das energias correspondentes às transições entre os primeiros estados estacionários. Contudo, este não é o caso para as

27

“the energy radiation from an atomic system does not take place in the continuous way assumed in ordinary electrodynamics, but that it, on the contrary, takes place in distinctly separated emissions”, Bohr, N. (1913), “On the Constitution of Atoms and Molecules” in Niels Bohr

Collected Works, Vol. 2: Work in Atomic Physics (1912-1917), Hoyer,

Ulrish ed., Amsterdam: North-Holland, 1981p.164 (Tradução minha)

28

“to introduce in the laws in question a quantity foreign to the classical electrodynamics, i. e. Planck's constant, or as it often is called the elementary quantum of action.”, idem, p. 162 (Tradução minha).

29 Conferir, por exemplo, Cushing, James T. (1998), Philosophical

Concepts in Physics, Cambridge: Cambridge University Press, p. 278.

30

Actualmente, considera-se para a constante de Planck o valor h=6.62606896(33)×10−34 J.s

(36)

28

transições electrónicas nos estados estacionários de valor “n” mais elevado. Deste modo, por um lado, não fará sentido introduzir directamente o postulado da quantificação das órbitas num sistema planetário, numa tentativa desesperada de manter a analogia entre planetas e electrões. Através da Teoria Quântica Antiga, tal não possível. Ela é apenas uma Física dos átomos, uma Física Atómica.

Por outro lado, a progressiva perda de significância quantitativa do quantum de acção elementar leva a que, à medida que se percorrem os estados estacionários a diferença de energia entre estes será progressivamente menor. Como tal, por consequência do segundo postulado,

onde se afirma que a frequência31 é directamente

proporcional à diferença de energia, a diferença entre os

valores da frequência será, de igual forma,

progressivamente menor. Ou seja, o espectro, que é marcadamente discreto nos primeiros níveis, vai tomando, progressivamente, a figura de um espectro contínuo. Isto é, aproxima-se, pouco a pouco, do tipo de espectro, dito de “espectro clássico”, que é previsto pela Física Clássica.

31

Por comodidade de escrita, irá preferir-se aqui o termo “frequência” ao mais correcto “frequência temporal”. Assim, na falta de outro aviso, ao ler-se o primeiro deverá entender-se o segundo.

(37)

29

Neste sentido, na sucessão dos estados estacionários,

estatisticamente32, verifica-se uma aproximação

assimptótica nas previsões do valor da frequência, entre a Teoria Quântica Antiga e o Electromagnetismo. Ou, dito de outro modo, no limite dos estados estacionários de elevado valor de “n”, isto é, no chamado limite clássico, existe, estatisticamente, uma correspondência numérica entre a frequência da radiação emitida num “salto quântico” e a frequência resultante33 do movimento periódico do electrão

no estado estacionário de “partida”. Esta é, de resto, a

noção vulgar34 do princípio da correspondência.

Contudo, como salienta Darrigol35, uma correspondência

semelhante entre físicas clássica e quântica pode ser

encontrada relativamente a outra grandeza física: a

intensidade. Neste caso a correspondência ocorre,

igualmente, no limite dos grandes números quânticos. Porém, aqui a correspondência é entre o valor da probabilidade de

32

De acordo com o postulado quântico, a emissão de radiação electromagnética é feita em quantidade discretas - fotão a fotão. Já no caso da “radiação clássica” a emissão é feita por uma quantidade contínua. Logo, a aproximação assimptótica não é relativa a uma emissão individual, mas relativa ao um conjunto de emissões.

33

Note-se que segundo a electrodinâmica clássica, um electrão com um movimento circular e constante radia uma onda electromagnética com uma frequência temporal idêntica à frequência do movimento do electrão.

34

Conferir Bokulish, Alisa (2009), Three Puzzles about Bohr’s

Correspondence Principle, (artigo disponível em: http://philsci-archive.pitt.edu/4826) p.1.

35

Conferir Darrigol, Olivier (2009), “A simplified genesis of quantum mechanics” in Studies in History and Philosophy of Modern Physics, 40, p. 115.

(38)

30

transição entre dois estados estacionários e a amplitude da radiação.36

Na procura de um enunciado geral, que englobe estes dois

tipos de correspondência entre físicas clássicas e

quântica, e à falta de um que nos fosse concedido pelo próprio Bohr, poder-se-ia dizer que o princípio da correspondência afirma que, na zona onde o quantum de acção é, quantitativamente, pouco significativo, isto é, no limite clássico, a teoria quântica e as teorias clássicas

aproximam-se - qual Aquiles da tartaruga -

assimptoticamente nas suas previsões numéricas. Este é o sentido do enunciado do princípio da correspondência que é normal encontrar na literatura filosófica e que aparece, por exemplo, em Murdoch, no seu Niels Bohr’s Philosophy of

Physics37.

Entendido deste modo, o princípio da correspondência ofereceria uma referência, à imagem de um farol fiel, resistente e luminoso, para a construção de uma qualquer teoria quântica. Em particular, em conformidade com este

36 No Electromagnetismo assume-se que a radiação tem uma natureza

ondulatória. Por conseguinte, a sua intensidade é determinada pela amplitude. Já no caso das teorias quânticas, a intensidade de uma linha espectral é determinada pela quantidade de fotões emitidas por uma frequência em particular. Assim, quanto mais provável for uma transição quântica de uma radiação em particular, mais fotões serão emitidos, ou seja, maior será a intensidade.

37

Conferir Murdoch, Dugald (1987), Niels Bohr’s Philosophy of Physics, Cambridge: Cambridge University press, p. 39.

(39)

31

entendimento do princípio da correspondência, as leis e as equações de uma qualquer física quântica deveriam ser construídas de tal forma que, no limite clássico, existisse uma correspondência numérica aproximada entre as que são quânticas e as que são clássicas. Isto mesmo é salientado pelo físico Max Born:

“A ideia directriz (princípio da correspondência de Bohr) pode descrever-se nas suas linhas gerais do seguinte modo. Submetidas ao julgamento da experiência, as leis da física clássica provaram brilhantemente em todos processos dinâmicos, macroscópicos e microscópicos, incluindo o movimento dos átomos considerados como um todo (teoria cinética da matéria). Deve, portanto, estabelecer-se como postulado incondicionalmente necessário que a nova mecânica, suposta ainda desconhecida, deverá […] chegar aos mesmos resultados que a mecânica clássica.”38

Assim entendido, poder-se-ia dizer que o princípio de correspondência seria tão-somente um produto do que se pode designar por “bom senso” dos físicos. Dado que a Física Clássica tantas e tão repetidas vezes se mostrou válida, então, seria apenas de “bom senso” que a nova Mecânica, a

38

Born, Max (1969), Atomic Physics (tradução do inglês de Egídio Namorado, “Física Atómica“), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian (1986), p.114.

(40)

32

Mecânica Quântica, ou qualquer outra teoria quântica, no

limite dos grandes números quânticos chegasse,

aproximadamente, aos mesmos resultados da frequência e da intensidade que a Física Clássica. Neste sentido, o

princípio de correspondência seria um princípio de

continuidade entre teorias, “incondicionalmente necessário” por força do “bom senso”.

No entanto, esta necessária aproximação numérica entre as teorias quântica e clássica, é a meu ver, e tal como defende Alisa Bokulish, num texto de 2010, uma consequência do princípio da correspondência e não uma enunciação deste. Segundo Bokulish, o próprio Bohr, numa conversa com Rosenfeld – um dos seus discípulos mais próximos –, terá

explicitamente rejeitado o entendimento do referido

princípio que surgiu na citação de Born:

“Léon Rosenfeld recorda a frustração de Bohr com o continuado mau entendimento do seu princípio. Quando Rosenfeld sugeriu a Bohr que o princípio da correspondência era sobre o acordo assimptótico entre as previsões quânticas e clássicas, Bohr enfaticamente protestou e respondeu: "[esse] não é o argumento de correspondência. A exigência de que a teoria quântica deve sobrepor-se à descrição clássica para baixos modos

(41)

33 de frequência não é de todo um princípio. É um requisito óbvio para a teoria.”39

O pretenso enunciado do princípio da correspondência que aparece na citação de Born, e que é tão popular, especialmente entre os físicos, é claramente rejeitado por Bohr. Não pelo seu conteúdo, mas por se tratar, a seu ver, de um “requisito óbvio” da teoria e, como tal, nem sequer precisar de ser explicitado sob a forma de um “princípio”. Assim, igualmente para Bohr, a correspondência numérica entre as teorias quântica e clássicas, no tal limite dos grandes números quânticos, será uma mera questão de aplicação do “bom senso”. Este sim, quase se poderia designar por princípio pelo seu carácter de regra do pensamento em geral. Ou seja, Bohr recusa o entendimento de Born do princípio da correspondência por considerar que esse entendimento é uma consequência óbvia de um princípio de bom senso do pensamento aplicado à Física.

39

“Léon Rosenfeld recounts Bohr's frustration at the continued misunderstanding of his principle. When Rosenfeld off-handedly suggested to Bohr that the correspondence principle was about the asymptotic agreement of quantum and classical predictions, Bohr emphatically protested and replied, “It is not the correspondence argument. The requirement that the quantum theory should go over to the classical description for low modes of frequency, is not at all a principle. It is an obvious requirement for the theory”, Bokulich, Alisa (2010), "Bohr's Correspondence Principle" in The Stanford

Encyclopedia of Philosophy (Winter 2010 Edition), Edward N. Zalta (ed.),URL=http://plato.stanford.edu/archives/win2010/entries/boh r-correspondence/, pp 36-37.(Tradução minha)

(42)

34

Por outro lado, inferimos nesta posição de Bohr uma indicação segundo a qual o princípio da correspondência tem um outro sentido. Um sentido supostamente mais amplo e profundo. Este, creio eu, pode ser encontrado, logo na primeira vez que o físico dinamarquês dedica uma secção explicitamente ao princípio da correspondência. Afirma Bohr:

“Consideremos mais cuidadosamente esta relação entre os espectros expectáveis com base na teoria quântica e a teoria ordinária da radiação [isto é, o electromagnetismo]. As frequências das linhas espectrais calculadas pelos dois métodos concordam completamente na região onde os estados estacionários estão pouco separados uns dos outros. […] Esta correspondência entre as frequências determinadas pelos dois métodos deve ter um significado mais profundo e nós somos conduzidos antecipar que se aplicará também às intensidades. […] Esta relação peculiar

sugere uma lei geral para a ocorrência das transições entre

estados estacionários.”40

40

“Let us now consider somewhat more closely this relation between the spectra one would expect on the basis of the quantum theory, and on the ordinary theory of radiation. The frequencies of the spectral lines calculated according to both methods agree completely in the region where the stationary states deviate only little from one another[…] This correspondence between the frequencies determined by the two methods must have a deeper significance and we are led to anticipate that it will also apply to the intensities.[…]This peculiar relation suggests a general law for the occurrence of transitions between stationary states.” Bohr, N. (1920), “Essays II: On the Series

(43)

35

Nesta longa citação, onde, no tal estilo por vezes pouco cuidado com a precisão das palavras, as teorias quântica e

electromagnética são apresentadas como “métodos”,

encontramos os dois tipos já referidos de correspondência entre as físicas quântica e clássica: de frequência e de intensidade. No entanto, a frase final, que o próprio Bohr colocou em itálico, revela que estas correspondências numéricas entre teorias sugerem uma lei geral. No caso, uma lei geral para a ocorrência das transições quânticas. Esta aparece-nos na seguinte passagem de um texto posterior:

“A demonstração do acordo assimptótico entre o espectro e o movimento deu origem à formulação do "princípio da correspondência", de acordo com o qual a possibilidade de cada processo de transição relacionada com emissão de radiação é condicionada pela presença de um componente harmónico correspondente no movimento do átomo.”41

Spectra of Elements” in Niels Bohr Collected Works, Vol. 3: The

Correspondence Principle (1918–1923), Nielsen, J. Rud ed., Amsterdam:

North-Holland, 1976, pp. 249–250. (Tradução minha)

41

“The demonstration of the asymptotic agreement between spectrum and motion gave rise to the formulation of the "correspondence principle", according to which the possibility of every transition process connected with emission of radiation is conditioned by the presence of a corresponding harmonic component in the motion of the atom.”, Bohr, N. (1925), “Atomic Theory and Mechanics” in Nature, Volume 116, Issue 2927, p. 848. (Tradução minha)

(44)

36

Aqui, o princípio de correspondência surge, não como uma mera aproximação numérica, mas como uma condição. É condição de possibilidade de uma transição entre estados

estacionários, estados estes que correspondam a um

componente harmónico do movimento do electrão num estado estacionário do átomo. Entende-se que Bohr se refira a esta correspondência como uma “lei” geral da teoria quântica. Pois, por um lado, essa correspondência aplica-se a todos estados estacionários e não apenas aos do limite clássico.

Sendo, neste sentido, universal para os estados

estacionários de energia dos átomos. Por outro lado, essa correspondência consiste na imposição de uma condição de possibilidade das transições entre estados quânticos: uma transição entre estados estacionários de energia, ou transição quântica, é possível se e só se existir um harmónico correspondente do movimento do electrão. Atente-se que o movimento a que aqui Atente-se faz referência é o movimento circular e periódico do electrão em redor do núcleo. Estamos ainda dentro da imagem do átomo como um minúsculo sistema solar.

Claro está que o enunciado anterior do princípio da correspondência pode parecer de interesse meramente formal e, por essa razão, ser muito específico da Física. Estaríamos, afinal, longe da promessa de ter uma lei geral

(45)

37

de profundo significado. Contudo, em boa verdade, este enunciado leva-nos num caminho, um pouco árido – talvez -, mas onde, no final, julgo que se cumpre a promessa. Quando Bohr descobriu esta relação de correspondência entre as transições quânticas permissíveis e os harmónicos do movimento do electrão, ele descobriu algo fundamental sobre a teoria quântica.

Por um lado, é preciso notar que, em física, diz-se “harmónico” o que é múltiplo inteiro de uma determinada

frequência. Esta última é denominada “frequência

fundamental”. Neste caso concreto, a frequência fundamental será a frequência do movimento do electrão no estado estacionário inicial. Ou seja, a quantidade de revoluções por unidade de tempo do electrão em redor do núcleo.

Uma série particular de harmónicas facilmente

compreensível é, por exemplo, a das oitavas42. Onde dizer

primeira, segunda, terceira e quarta oitavas é o mesmo que dizer segunda, quarta, oitava e décima sexta harmónicas, em relação a uma determinada nota inicial. Ou seja, existe uma

42

Diz-se “oitava” a nota cuja frequência dista o dobro (oitava acima) ou a metade (oitava abaixo) em relação a uma outra. A título de exemplo, o dó de segunda tem uma frequência aproximada de 130,5 Hz. Logo, é uma oitava abaixo em relação ao Dó de 3, que tem uma frequência aproximada de 261,o Hz, e é uma oitava acima relativamente ao Dó de 1, a frequência fundamental desta série, que tem uma frequência aproximada de 62,25 Hz. Note-se que a frequência que é tripla da frequência fundamental é dita de terceiro harmónico do Dó de primeira, mas, no entanto, não é uma oitava mas uma quinta acima deste.

(46)

38

correspondência entre a diferença de frequências de notas que distam uma oitava e uma sequência particular de harmónicas da nota inicial. Assim sendo, as primeiras – as oitavas - podem ser descritas, na totalidade, a partir das segundas.

De forma similar, o princípio da correspondência, ao enunciar-se como condição de que as transições quânticas só podem ocorrer para harmónicos correspondentes do movimento do electrão num determinado estado estacionário, leva a que as primeiras – as transições quânticas - podem ser, formalmente, descritas a partir das segundas – dos harmónicos. Ou seja, Bohr determina que a Teoria Quântica Antiga pode ser, em certa medida, descrita e desenvolvida

fazendo-se o uso das propriedades dos harmónicos43. Mas

como?

O princípio da correspondência impõe que uma “transição relacionada com emissão de radiação” está condicionada pela existência de “um componente harmónico correspondente no movimento”. Isto significa, literalmente, que, neste caso, um electrão só pode transitar para um estado estacionário de tal forma que se multiplique, por um inteiro, a frequência do seu movimento. Isto é, que a duplique, triplique, quadruplique, etc. Seria o caso, análogo, da

43

Em particular, através do desenvolvimento desta correspondência são estabelecidas as regras de selecção de transições quânticas que estão na génese da Química actual.

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