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NASCIMENTO DA RAZAO, ORIGEM DA CRISE
Francis Wo!tf
Sob muitos aspectos pode parecer temerario falar de "nascimento da razjo", Pois de que modo "a razao" poderia nascer?
A razao, entendida como uma essencia. so poderia ser eterna. 0 con ceito de "razao", com efeito, e empregado desde a epoca medieval para de signar a essencia mesma do homem, definido, segundo a adapt;H;aO latina de uma observac.;ao de Arist6teles, como animal raeiolla/. A "razao" era assim concebida como a diferenc.;a especifica do homem em relac,:ao aos demais seres vivos - e portanto como uma forma imutivel, a-historica. da hu manidade, ela propria forma imutivel e a-historica. Falar do nascimento da razao parece assim uma contradic.;ao nos termos, ji que a razao e coextensi \'a a humanidag,e.
Certamente, dirao, nao seria possivel buscar na historia uma essencia metafisica como a da razao, mas se poderia, ao contririo. tentar descobrir
P(Jsitil'amerlte, por exemplo, quando na historia os homens passaram a "raciocinar", a pensar "conceitualmente" ou dedutivamente: somente soh es sa condic.;:lo e que se poderiam descobrir trac.;os do advento historico - ou mesmo pre-historico - da razio. No entanto, e provivel que essa ahor cbgem. aparentemente mais positiva, esteja tio carregada de pressupostos metafisicos quanto a precedente, Pois passariamos assim de uma concepcao essencialista do Homem a uma concepc;:ao evolucionista da hist6ria, Ora. pensando hem, nao ha nenhuma razio para considerar que os homens. ou trora. fossem· menos "racionais" ou menos "razoiveis" que nos, Acaso preparar meto'dkamente uma armadilha para capturar um :mi1l1al selvagem requer menos razao que construir uma bomba at6mict? Hi malS raz:lo n:1S cren(:as e nos costumes de hoje do que naqueles de trinta seculos atds'
Portanto nao hi razao para pensar que os homens. colet iva ou indivi dual1l1ente. raciocinem mais ou melhor hoje que outrora. e multo 1l1enos para datar () nascimento da raz;lo-faculdade. E. de faro, na medida em que a
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pensac!:I como uma determina<;ao que se aplica ao Hotnem ou aos homcns, nan ila nenhunw razao de imputar-Ihe urn nascimento.E,1trcranto. hJ segll1:lmentc um sentido legitimo em fabr de "nascimen to cia razao", contanto que se rompa C0111 uma
concep~j()
da raz:lo como es ."l;ncia ou bculcbde e com umaconccp~'ao
da hist6ria cujo centro seria 0Homem. Pois se considcr:lrmos njo mais ;1 hist6ria humana como tal, mas a hisr(')ria dos sistemas de pcnsamcnto. a hist6ria dos l11odos de sele<;:lo dos discursos socblmente legitimos, a hist6ri:1 das tecnicas cia \·crdade. enUo podl'mos constat;lr momenros de ruptur:1 na organiza<;ao ger:li do saher. S;t1wmos que foi tal ruptura que ocorrcu na Greeia do seculo \' :1. C. Ess:1 I'l1ptura e ch:ullada :'lS \'ezcs a "pass:lgem do mito ;1 razao", Designa-se :Issim o ;tparecimento de uma nova ordcm do sa her que organiza conjunt:lmente nO\'o." campos de conhccimcntos. que SUp<1em, impliciramente, ncwos mo dos de v;t1id:le;lo e rceonhccimento dos discursos \'ercl:ldeiros, entre os quais se Contam a
demonstr:I~'ao
matem:itic;t. que se formaliza C0111 Tales pOl' volta
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()OG ;1.c..
a investig;I<:;:lo t'isiCI c cosmol6giel. que na mesnu epoca se ;tbsu do mito entre os fisicos cia }{il1l;l. a im'estigacao hist6ric;I, que rompe com ;1 lend:l c adquire um clr:'Iter sistematico com Her6doto.E
umbem al~POC:1
em que se elahor;1 um sistema de direiro civil e penal que nada mais de\'e aos valores religiosos. Como a purez:l. ou ;ls praticas rituais. como () 01'(!:llio. e em que se constitui igualmente uma nova economi:l (11 pro\';] judi ci:iria. fundacL! na argument;I<;:lo e na investig:rejo dos btos. Par:1 0 coroa
mento de tudo. n:lscem. como sahemos, os primeiros grandes sistemas filos()ficos
"ao e sem razJo que essa 1100'a ordem do saher. constituicL! no secu]o \ p{)de ser qualifiucb de racional- pOl' oposic:lo;l :lI1tlga. Sem querer dar uma definiClo a priOrI demasiado estreita Oll rigoHlsa. pode..se de fato dizer que a razjo se resume em do is
tra~'os
relacionados lim :10 outro. um neg:itivo. ooutro positi\'o, Neg:lti\':lmente. e a rejeic;lo de toda autoridade. em paniclIbr de rocb autoridade exterior ao jlllg:ul1ento de c:lda um (preconceito.s. tradiC(Jes. creneas a priori. discurso do mestre. texto sagrado etc. J. Positi\'amenre, e uma capacidade de
uni\'(~rsaliZ:IC:lo:
uma conduta. um:l crenea. um discurso sao geralmenre qualifiGldos de racionais se s;1o uni\'ers:tliz;lveis. is toe,
se depen dem, cada um deles. arenas de sua bculc1:Ide discursiva. ou sei:!' ue 1I111 disCurso ror direito enUnCI;l\'e! e apro\':I\'e! pOl' todos. Ora. esses dois tr;I<:os se encontr:lll1 de uma ponta :1 ourra da nm'a ordem do s;lher cb segunda meude do seculo \. enC:lrnaua. no bdo negativo. pelos sofistas. respOnsa\'eis pOl' lim formicb\'d movimento de critica :1 autoricbde. ;'l tradicio. aos mitos, e. no la do posni\'(). pe1o." primeiros fisicos. historiadores ou fi]()solc)s, que cbhor:lm, "'O/)re as ruinas cbs antigas crencas. uma discursivicbdc univcrsaJiz:'ivel Tomacb nesse sentldo. a raz;lo teria portanto l1ascido. 11;1 Cl'rca de 2'1 secu!os as l11argens do !\Jediterr:lneo. soh a luz auroral da erc'cLI.
oS
Nao obstante, pode ser que essa, visao binaria "do mito :1 rJz:lo", essa risao idealista da Grecia (0 "milagre grego"'), essa visao au.fkliirerda hist6ria
que op6e
a
Razao triunfantea
Obscuridade desfeita, seja tao contestivel quanto nossas concep~:6es essencialista ou evolucionista.Pois se e POSSIVe! efetivamente atribuir uma data de nascimento a razao, com a condic,.:ao de fazer dela 0 determinante nao do Homem mas dos sis temas de pensamento, entao se verifica que, desde seu nascimento. a f:lz;1o foi plural. Com efeita, uma interroga<;ao sobre 0 Hamem ou sobre a hisr6ria
uificilmente conseguici datal' a idade da razao - nome de uma faculdade mais ou menos misteriosa mas necessariamente una, indivisivel e atemporal. No entanto, assim que interragamos a eonstituic,.::lo de moc!os de conheci mento ou a genese de praticas discursivas, podemos certamente falar de "nascimento da razio", mas com a candic,.::lo de vel' na razio apenas 0 carateI'
do que e pensado ou realizado racionalmente. 0 substantivo raziio e subs
titulda pelo adjetivo ou pelo adverbio. Sendo assim, temos condic,;6es de perceber que nao foi (/ razao que veio substituir de maneira inteiramente uniforme 0 mito. mas racionalidades cliversas e cont1ituais. Tao logo se ad mite que os modos de pensamento nao flutuam no ceu clas ideias mas esrao enclrnaclos em institui<;:6es sociais, determinados par priticas politicas e solid:irios de tecnicas discursivas, entao pode fiear claro que 0 pensamento racional se desenvolveu desde 0 inieio de modos antiteticos. ]amais houve 1/lllCl nova ordem do saber - racional - substituindo a ordem antiga - mitica. 0 que ocorreu foi inclusive 0 contrario: a ordem antiga foi substitui
da pOl' diversos sistemas igualmenre racionais, mas rivais e antagonistas - e
e
ulvez nisss. que eles eram racionais! Dito de outro modo. 0 /l{/scimellfo daraz:l0 foi ao mesmo tempo, e necessaria mente, sua crise. 0 que nos obri garia a romper com :I ideia. ela pr6pria mitica, de uma raz:lo unificadora.
E
o que iremos tentar mostrar - e compreender.Mas antes de mais nada: em que medida essas nov:ls tecnicas de pen S:lmento ou de discurso podem ser qualificadas de racionais'
Para compreende-Io, pode-se panir do conceito cle "mestre da verdade'" e opc)-lo ;IOS novos discursos da verdade que aparecem no seculo v - par ticul:irmente no corpus cientifico e no discurso juridico, que tomarel11os co mo pontos de ;1 pOio.
Como escreve Michel Foucault, "ainda entre os poetas gregos do secll
10 \\, 0 discurso verdadeiro. aquele em relac,;ao ao qual se tinha respeito e terror, aquele ;10 qual era imperativo se submeter. porque cle reinava, er;\ 0
discurso prol1unciado por quem de clireito e segundo 0 ritual prescrito'"
"os tempos de Heslodo, com efeiro. como mostrou Marcel Detienne em J.es mClilres de {'(!rife clellls fa Gri3ce archai'que ros mestres da verdade na l~reci;l
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,lrCllcl1, a verdade n:l0
e
sepacivel do mestre que a enuncia e cbs condkc)es ,'hrameille formaliz:\clas de sua enunciado. 0 mestre da verdade e em primeiro lugar 0 poeta que alTanca os homens e os deuses do esquecimen to e Illes d:'l assim uma mem6ri:.J. "Sua palavra eficaz institui pOl' Sua virtude pnipna um mundo simb6lico-religioso que e 0 pr()prio real. ''< Cabe ao poet:; dizer 0 que verdadeiramente foi: sem sua p:davra. os altos feitos dos
homens mergulham no 11:1o-ser; atraves deb eles s:10, tendo sempre sido. Ao eontr:lrio do que fad 0 historiador c!;issico, 0 poeta arc:lico n:1o busca dizer
o quc' t()i tai eomo pllcle estaheleee-io consultando e criticando as fontes, m:1S 0 estabelece peb eseans:1o repeticL! e captadora de seu dizer, eco de to dos os ditos, cuja belez:1 suhlinha a verdade. 0 adivinho. outro mestre da H'rdacle. diz de m:lneira ul1ifonne 0 que fOi, e ou ser:". ,vbs, COntra ria mente :10 fisieo da epoca cLissica. que do mesmo modo diz a natureza soh a forma do etel"!1o, de nao husca dizer () ser ul como de e. mas contrihui par:l bzer com que efe seja [Jor meio de seu clizt'r: sua palavra realiza. e pOI' isso e cer GId:l de desejo e temor e protegida da lingua gem ordinaria pOl' seu
cerimo~
ni:d. 0 rei de }ustic,:a da epoca arGlica igualmente diz a vercbde como um l11estre: :10 contr(lrio do jllri d:1 ('poca classica. que procura estabelel'er 0 que foi feilo e 0 que deve reSult'lr disso. conti'ontando argumentac;c)es contra dit()nas. 0 antigo mestre da \'erdade bz ser 0 que ele diz. enunciando ritualmente 0 justo: ao tazer isso, :ltribui acacia um sua pane no munclo c()smico e porranto institui a ordem re:li da Cidade.
Se tent:lrmos agora enunciar sintetiGlll1Cnte a oposiC;:1o entre as pr:iticas diseursi\';lS da verdacle na epoc:l classica e n:l epOGl arcaica. podemos clesr:lear tres rrac;os, :lli::is solid::irios.
o
primeiro conct'rne ao proprio discurso \'t'rdadt'iro. 01:ls pr:iriGls :lr c:lieas, 0 cliscurso \'ercbclt'iro j:lmaise
"puro" isroe,
pur:lmt'nte discursivo. () diseurso (do poet:!. do acli\inho. do rei de ]usriea) n:1o e sen:1o 0 e1emen10 dc' um disposirivo mais geral de t'nunciac::l0, aro rirualiz:ldo. jamai.s
e
separ(l\"ei do L'onjUI1tO cbs circunsr:1ncias formalizadas que 0 torn a\11 possivel t'
cbs nurelS dt' disrinc;ao que assinalam seu poder de \·eridicidade. 01;ls prati cas "r:rcionais" (do historiador. do fislco e mesl110 do oraclor), 0 cliscurso e
pum L'l1unciado, um enuneiado anc)nimo simplesmenre ligado :1 sua refe rC,nci:l. cb qual o\)rem sua \erdade. !sso
to
ranro mais vercladeiro para 0 enun ciado pum pOI' eXCt'leneia. scm indicadores, St'111 tempora1icbcle nem sUjeito. sem nenhuma rebc:1o com as circunstincias particulart's de sua enuncbcao: () enunci:ldo cicntifico. E. c'ntre os gregos. ele e reprt'sentado essenClalmente pe[o dlscurso do m:rremarieo. cujo t'nunciaclo ar()mico rfpico e :lCjude Cjue Arisr(Heles n:lo cessa dt' romar como exemp!o: "1\ diagonal do CJuadrado e incol11ensuLivel com sell !ado"Segundo rraco de oposiG1o dos dois lipos cle pr:iticas cliscursivas, con et'mente ciesra \'ez
~1
rebcao do discurso \'crdadeiro com 0 rC':i1. Nas pr:iticas70
-~---arcaicas, 0 discurso nilo constata 0 real, ele performativamente 0 faz ser.
Numa passagem da Metafisica, Arist6teles afirma que nao
e
por dizermos a verdade que aquilo de que falamose
real, mas porque aquilo de que bla mos e reale
que dizemos a verdade.' Esse teorema, porem, na reaIidade s() tem sentido nas pniticas discursivas chlssicas, enos permite opor clara mente duas relac;6es inversas do discurso verdadeiro com a realidade. No discurso "r..lcion:ll". diz-se que as coisas sao tais; ora, elas sao tais; logo, diz-se a ver dade: subordina-se a verdade ao real que e1a enuncb. No discurso arcaico. o mestre diz que as coisas sao tais; ora, ele diz a vercbde (pOI' ser 0 mestre);logo, as coisas sao tais: reconhece-se a verdade no mestre que a enuncia. A passagem as praticas racionais de veridicidade pode portanto ser descrita co
mo uma inversao: da autoridade do mestre como abon:ldor da realidade daquilo de que ele fala
a
autoridade da realidade como abon:ldora da veri dicicbde do que diz 0 locutor.o
terceiro trac;o de oposiC;ao entre os dois tipos de pr.iticas diseursivas diz respeito :1 rela<;ao do discurso verdadeiro com seu destinat5.rio. 0 do dis curso arcaicoe
puramente passivo na constituic;ao d:l verda de: ele escuta a palavra e a admite como verdadeira porque se submete ao mestre. Ele n:l0 precisa nem opinar nem mesmo crer. Nas pr::iticas raejonais do discurso, ao contr::irio, nao ha verdade possivel sem a concordancia, em geral explicita. daquele :I quem nos dirigimos. A ponto de essa aprovac;:1o eonstituir. namaioria das vezes, :I eondiC;ao mesma da veridicidade. Dizer a verdade e
antes de tudo poder bzer com que aqueles :l quem nos dirigimos rambem ad mitam como verdadeiro 0 que dizemos. No tribunal. par exemplo. entre dois
discursos.
e
tido por verdadeiro aquele que e reconhecido como verdadeiro peb maioria. E,)Se reconhecimento, com efeito, e que constitui a persuas~10ret()rica; mas ele e igualmente constitutivo, embora em menor grau. cla demonstr:H,:ao matematica. Para 0 professor, demonstr:lr
e
enunciar apenas () que 0 aluno n:1o pode nao admitir como vercladeiro sendo cbdo 0 que j::i admite como verdadeiro - teoremas ou axiomas (salvo os casos de "posrub dos". em que 0 professor pede explicitamente, e excepcionalmente. que 0
~t1l1n() admita urn enuneiado ao qual poderia nao chiI' sua concordancia). Purificado do enunciado verdacleiro clas condi,,'c)es em qlle de
e
pro posto; inclependencia do enunei:lclo verdadeiro em rebc,::1o ~l autoriclade daqueit' qut' 0 prop()e: necessidade, para aquele a CJuem 0 enunciaclo vercbcleiro
e
proposto, de reconhece-Io igualmente C01110 verdacleiro. 01t'ssas tres 111odifica<,'(Jes est5. inserito 0 nascimento cb razao. ou peio menos ;1rClcioI/Cl/iza<;clo clas condic;6es de produ<;ao da vercladt'. I'vbs nt'ssas tres 1110dificlC'C)eS tambem est::i inscrit:J, em filigrana. :I crise cia raz:l0, necessaria
mente coextensiva a seu nascimento.
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1(10
I
_
tregues a si mesmos para dispor de si pr6prios, sem a autoridade de um chefe, a damina~aa de uma casta ou a irrecusabilidade de um texto sagrado, Ora, como sabemos, a democracia
e
par excelencia 0 regime do discurso, isto
e,
da palavra publica: toda decisao (polltica, juridica ou judici:.iria) ,;upoe a discussao aberta, a confronta\;:30 explicita das posi\;:oes das partes presentes, a exposi\;ao a rados de razoe,; validas para todos, 0 estabeleci mento em comum dos valores comuns. De modo que, na democracia. a politica se confunde com 0 intercambiavel, tanto por seus objetos (0 politi coe
0 discutivcD como par sua forma (publicidade dos debates, transmissihilidade das opinioes).
Em que consiste, portanta, a regime discllrsiL'o da democraci;l? A democrJcia politica
e,
por defini<;:ao, negativa, a rejei<;:;10 do l'vlestre, ou seia. do Insubstituivel. A democracia discllrsiua e. positivamente. um regime de discurso que obedece, como corolario, ao que podemos chamar a principio LLI substitutibilidade infinira dos lugares dos locutores e dos ouvintes, Talvez possamos, mais precisamente, distinguir seus doi,; aspectos com ple mentares. que chamaremos a isegoria locutiva e a "isocritica" interlocutiva. HJ primeiramenre, do lado do locutor, 0 que os gregos chamavam empolitica a isegoria: a direito igual dado a todos de "levantar-se para aconse
lh~lr a Cidade", De maneira mais geral, podemas consider;lr a isegoria como o reconhecimenro da equivalencia das locutores. ou seja, a indiferenc,a a priori do enunciado quanto
a
qualidade ou ao estatuta do enunciadar; e, em ';L1ll1a, 0 principio segundo 0 qU31 a palavra adquire autoridade apenas pelo LIto de pertencer J comunidade dos locutores possiveis. Ora, se esse princi pio discursivo, em sua face politica. e institucionalizado no funcionamentode/l/Ocrcitico da Cidade. em sua face cognitiva ell' e 0 pr6prio fundamento
do novo reginl'e da verdade encarnado no funcion:J.mento raciol1C1t dos mo
dos de conhecimenro. Tomemos dois exemplos: a administra<;jo racional da prova em materia judiciarTJ. supoe 0 direito rigorosamente igual das partes de expor seu ponto de vista diante de [odos a fim de per,;uadir a todos, Essa meSllla igualdade tem por fun\;:ao garantir boa parte das regras formais da ins titLli<;:lo judici5ria no direita classico. a verda de devendo manifestar-'ie primeiro pela simples aplica<;ao da regra iseg6rica: igualdade est rita dos tem pos de fala. equipara<;:;lo de todos os meias de defe,;a das teses opostas. Do 111eSlllO modo, na outra extremidade, a administra<;ao racional da prova em materia matem:itica resulta tambem da possibilidade, para qualquer um qlle tenha aprendido, de transmitir a um interlocutor possivel 0 conjunto do cor pus do saber, dos primeiros principios as t'lltimas conseqi.iencias. Tarnpouco ai cxiste :\Iestre, A pr6pria ideia de que os enunciados matem:llicos s~lo
demollstrcil'eis eS[J fundada precisamente na transmissibilidade imldinida
do saher e na suhstitutibilidade indefinida dO$ sabios, pura fun<;;10 sem su jeito. lugar vazio do Mestre,"
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L---Com efeito, no IU!tar do mestre da verdade, h:i doravame um "lugar
\'~ll.i()". pelo menos 0 Jugal' para tres questoes. Se 0 enunciado e pura, entJo
como reconhecer 0 enunciado vercbdeiro, 0 que eliz 0 ser tal como ele
e,
jiique e:,;te nao
e
oferecido ao reconhecimento pllblico em discursos raros,s;lcr~tlil.ados
em SIIaS form3s, inscritos num ritual que os legi[ima e assinalaseu \alor insigne' Se 0 enunci:lc!o C' 0 de qualquer WH, e
n~lo
do mestre soL'ialmente legi[imado, enUo 0 que impede 0 enunciado vercbdeiro de ser
um L'l1unciado qualquer. <-' como reconhecer () {I"e iii:::: 0 ser tal como ele (', j5 que L'stL' ;Igora eS[a (irOo de seu p;lI, 0 fnsubs[i[uiveL 0 Mestre lillico' ,'ie um
enul1ciado recehe
~I
apr(w;I\,:to comil1gente de qualquer um por acaso, en [;io 0 que impede () enulKiado verdadeiro de ser um enunciado qualquer. eC0!l10 reconhecer aqude que. c/O cOJltrdrio dos outras. di:::: a ser tal COtl/O ele
('. j:i que este n;lo e mllis () discurso que se imp()e autoriUriamente a todos? Essas quest6es
n~lo
cO!1stituem a ni,'e daraz~lo,
Fbs designam antes LlIlll'SIxl(;O line. 0 espa(,'o livre da
raz~lo
e. ;to mesmo tempo. 0 lugar delxado \';tgo pelo \!estre. E e nesse espa<;o que \':to necessarJamenre se inscrever as diterel1tes tecnicas racion;ti,;. que. em SUIt diversidade e por sua incompati hill(bde. \':lo justamenre constituir a crise da raz;lo,.\!:Is
~lntes
de tentar cOl11preender Como ess;1 crise foi histoncamente pos Sl\d e so!Jretudo pOl' que eb era~l
priori necess;iria.e
preciso talvez tentar delerminar 0 motor hist(,rico dessa racionaliza<;;io dos procedimentos di,;cur',;i\os que ,;e completa no seL-ulo \. De acordo com nossa hipotese inicia!. se gundo cl qual a razao n;lO
e
nemum~1
facukbde nem uma essencia, mas 0deter1l1inante de modo,; de
~'()nhecime11to
inscntos em pr5ticas socia is, con siekran:mos dest:l \'ez ;1 hip();ese de que essaracionaliza<:~lo
dos sl,;temas depenS~lI11ento n~10
e
sen~lo ;1 ('l!tfll face de um processo hist6rico contempodnco: .1 deIllocratiza(::to das lI1stituiC()e,; politlCIS.
S;lhel11os que 0 secu[o \ grego
n~IO
e apenas 0 do nascimenro dahist()ria. da demonstra(,';lo l1utemJticcl. Ol1 d:\ interrogaC;lo filosl)fica. mas
tal11!)em 0 eb democracia,
E
\erebde que a democracia ateniense n:to corresponde e\:aUIllente ao que enrenclemos peLt paLI\'Ll: 0 po\'() so!Jerano tem.
na anriga clemocracb, uma e\:;ens;lo nitidamente m:lis limltada que lla atual. :Iinda que Mias atribui(:(Jes sejam nitidamente lluis ampbs: a democracia ate niense 0 direta,
ignor~l
a repre,"enrac!o e neb 0 sortelo dos cargos possui umpapelL'ssencla!. juntaIl1enre com a
elei~';10.'
E
\'erdade que ;1 democracia ate niense jam;\1s foi aquele sonho que tantos fiJ()sofos l11odernos projet:tram so hre eb (ao contr:irio dos antigos!. TamhC:llI eb esteve, desde a origem. em cri'ie, milueb inrenorIl1enre peu de1l1agogia e torpedeada do exterior pcb reaclo aristocrJticll, Apesar de 'udo. cumpre admitir que foi por l11eio desse regime que, pelaprimeir~1
\'el. :1a hist(>ria. sern dll\ida, os hom ens foram enMas essa substitlltibilidade
democr~itica
tem tambem uma outra bce, do lado do destin:\tario do discurso. A democracia supal', com efeito, n;lo ape nas que todos as locutores tem igual direito a falar mas tamIJcm. comocorn!;irio, que todos os interlocutores tem igual direito a
jll~~ar
0 que os outros dizem. Decidir, em democracia, se faz em dais tempos: 0 tempo em que se bla tdiscussJo) e 0 tempo em que se julga <peio voto, por exl'mplo>. E este
l'dtimo sup()e n;lo mais a coletividade dos locutores possiveis masGos in ter!ocutores possiveis. que se confunde com a primeira SOll1ente ( 11 exten
s;!o. Do ponto de vista do regime da verdade, isso implica que 0 , stabdeci mento de unla \'erdade tlepende n;lo apenas de urn poder de enuncla,';10 _ o direito de !'alar - mas ell' um poder judicativo ou "critico" _ 0 direiu) de
iulgar se 0 que e dito e verdadeiro. POl' oposi<;:;lo ao regime arcaico da \·erelade. que conhece apenas 0 poder do locutor autorizado a enunciar ver
dades ja julgacbs lOU seia. sem jUlg;lIllento \'erdadeiro), no regime democrati co da
\'l~rdade
esses dois poderes s:ln distintos e encarnados pelos lug;lres respecri\'os do locutor e de seu destinatario, Dito de outro modo, a "isocriti ca" consiste no seguintc: jamais admitir C0l110 verdadeiro senJo 0 que 0 Olltro
~r
quem nos dirigimos admite como tal. e reconbecer a qualquer outro 0 direito igualde~er
esse interlocutor legitimo. Ora. esse mesmo principio dis cursivo. encarnado no funcionamento democrcitieod~l
Ckbde, encontra-se, em su:r Lreeta cognitiva. no fundamento do funcionamento rae/ollal dos mo dos de conhecimento, Retomemos nossos dois exemplos: a administra<;;lo r;lcional da prova ern materia iudici:iria sup6e 0 direito. rigorosamente igualp;rra todos os ou\·intes. de julgar a verdade do que fO! afirmado pebs partes. Unu hoa parceb cbs regras formais da institui<;;lo ludiciaria tem a
func,:~!o
de garantir t'ssa igualdade e essa independencia d;rs func()es: principio do jLlri popubr. direiul de voto igual para toelos os ou\'intes. p;lssividade e 111utismo ahsoluto dos juizes (que n:lo partidpam sequel' da condu<;;lo do dehate) etc.o
que :dguns ;Ifirmaram. outros, e inclusive todos. de maneira coletiva e igu;ll. devem julgar. Do mesmo modo. a administraGlo racional da prova em matem;itica resulta t;rmhem do reconhecimento de que cahe ao destinat;irio.ao
~duno.
se quiserem, est;lbelecer como verdadeiro 0 que diz 0 professor. eque nada do que este diz e \'erdadeiro, a nLlo ser aquilo que 0 ;duno nao pu der deix:lr de reconhecer indisnItlvelmente como taL no eSLldo em que se en contra sell pr(Jprio saber.
E
exat;rmente isso 0 que fundamenta. tecnicamente. lima dell1onstr;tc!o: partir cbquilo que aquele a quem nos dirigimos reco nhecc como \erdadeiro para deduzir dai 0 que ell' aincb n:lo potle. mas de\'er:l. necessariamente. reconhecer como verdadeiro. sem jamais recorrer a aJ
go que cxceda aqurlo que ;r cada inst:lnte ell' n:lo pode deixar de considerar \'ercbdeiro, Tamhe111 nesse C1SO n:lo existe Mestre, Como 0 locutor. 0 inter
locutor
e
uma pura funclo sem sujeito, 0 Olltro lugar vazio do Mestre. a sim ples :lplicrcl0 do principio da suhstitutibilid:rdc mddinicb.-4
•
No duplo principio da substitutibilidade sobre 0 qual se fundam as de
cisoes tomadas democrnticamenteter-se-a reconhecido, portanto, 0 mesmo
duplo principio sobre 0 qual se fundam as verdades est'abelecidas racional
mellte. Assim se podera adiantar que 0 nascimento da "razao" na hist6ria dos sistemas de pensamento, ou peio menos dos procedimentos de establ'leci mento das verdades, nao
e
senao 0 equivalente, do lado do conhecimento,do advento da democracia na hist6ria das institui~oes politicas.
Com isso, duas de nossas questoes deixadas em suspenso encontraram resposta, entre as rres que 0 vazio deixado pelo discllrso do Mestre colocava. Como se reconhece, no regime racional, 0 discurso verdadeiro, se ell' n;lo
e
0 quee
dito peio Mestre, nos perguntavamos. ]ustamente no fato deell' poder ser assumido pOl' qualquer urn. Nao
e
qualquer enunciado, massOl17ellte aquele que pode ser afirmado pOl' qualquer um. 0 principio da in substitutibilidade (do Mestre)
e
substituido pelo principio da isegoria (dos locutores). Como se reconhece, no regime racional, 0 discurso verdadeiro,se ell'
e
aquele que qualquer urn pode aprovar' ]ustamente no fato de que de\'e ser aprovado pOl' aquele a quem nos dirigimos. Naoe
qualquer enun dado, mas somente aquele que pode ser aprovado por qualquer urn. 0principio da obediencia do destinatario
e
substituido pelo principio da "isocritica": supoe-se que cada urn seja dotado de uma faculdade de julgar 0 verdadeim eo falso.- Os dois principios asseguram conjuntamente a fun<.:;lo de rarefa<.:io. de sele~io, de distin~ao dos discursos legitimos: no lugar do mestre do discurso verdadeiro, nao ha uma ausencia de suieito, mas um no vo sujeito da verdade, definido pOl' uma dupla universaliza<;~10.as duas faces da substitutibilidade discursiva. Poderemos de resto reconhecer. na comple mentaridade dessas duas faces, duas das caracteristicas d:lssicas da raz;lo: faculdade que todos possuem de se comunicar discursivamente com todos. capacidade de cada um de distinguir 0 verdadeiro e 0 falso. Duas caral"teristicas essenciais, mas incompletas.
Porque rcsta a terceira questao dcixada em suspenso, a que concernia ao pr6prio discurso. Se doravante, no regime racional, 0 discurso esta nu.
despojado de todas suas condi<;oes ritualizadas de enuncia<.:;lo singular. co mo reconhecer que se trata de um discurso verdadeiro' Como se d:r () processo de rarefa<.:ao dos enunciados e de legitimac;:lo do discurso' ,.\ isso o regime democratico da verdade n:lo responde, mas
e
facil perceher 0 que.de fato, veio substituir 0 ritual como elemento de sele~;lo do enunciado It'gi
timo. Uma vez que 0 discurso
e
pum, pum enunciado que remete apenas;1sua referencia. ele nao pode mais ser legitimado pelas condiVJes singulares que remetem, solenemente, cada enunciado :ls suas circunst;lncias exccp cionais: ao contrario. 0 que ira assinalar sua verdade s;lo as condic()es m;lis
gerais que pc)em em rela<;;lo cada enunciado com todos os Olltr<JS no selO do pn'Jprio discurso. Para que um enunciado seja verdadeiro, dor:lvalHe
e
pre75
ciso que e1e seja compativel com todos os elemais no seio do I/lt'SI/lO discur so - discurso cllja identidaele e elefinivel justamente por essa coert'ncia,
Compreenc.le-se assim como 0 Mestre. sua pompa. sua autorilbde. seu
rillW!discursivo foram suhstituidos por tecllicas
C/l:~1l
mell/alil'{IS. pordireito utilizjveis e control~'I\'ds por todos.Ii
Com efeito. 0 que elefine Llma argumentac::lo senJo. em primeiro iugar.
juslamente a condk':10 q Lle acabamos ele obselTar: a necessic e de reb cionar todo enunciado :IOS denuis no seio da cadeia discursi\'a?
':.1
0 t!'aSpabwas. :lrgul1wnt:lr
L~
determinar quais enunciados coneliciof1ais permitem chegar :1 lllll outro enLlnci:ldo cOl11p:ltivei com os primeiros sem recorrer anacb mais senJo a enunciados "puros".
E.
em slllna. constitLlir uma cadeia discursiva sem sUjeito. Ve-se de bto como. da condic::l0 primeir:1 (a coeren.1 L'ia cia cadeb). tiram-se as duas outras, que sJo :IS que obsel'\':lInos. Oma
ii
tecnica argumenLltiva 0 controlj vel por todos, e pOl' isso que cia l' uma tec nie:t: e as cadeias discursivas que Com l:'b e possl\'el constituir sJo indepen dentes do estatuto elo locutor. e CpOI' isso que eta e argumentativa (isego ri:l), Unu argumentaclo 0 0 lmico meio discursi\'o. pur:lInentL' discLlrsivo.COIll 0 qual e possivel que :lquilo que consider:lmos \'erdaeleiro seia aelmiti do como ul por :lque!L' a quem nos dirigimos. supondo neste a capacidaele de iLllgar pOl' si mesmo 0 \'ercbdeiro e 0 falso (isocritica J. Nessas tres concli ('c)es reunidas. portanto, veremos a "ohra ela razJo", :1 argumenuCl0. que pennite :1 ljualquer um com'encer qu:t1ouer um.
Tudo isso serb hom e helo. Ao ttOmivel .\!estre dos tempos ohscuros. proferindo \'erdades im'erificlveis:b qluis era prcciso obeelecer. teriam suce dido homens li\Tes, \'i\'L'ndo iuntos, elel11ocraticamente. ele acordo com suas prc)prias decislJeS, esc) :ldl11itindo como \'ereladeiro 0 que ra('ionalmente jLlI gassem de\'er admitir. "!:ls i.sso j:llnais :Iconteceu. Porque, justamenre, jamais hou\'e um:l tccnica argumenrativ:l LlIliel. nen). de fato, uma racionalidade lmic!.
Tratef110s de examin:lr por que. 1.t.'l11hremo,s primeiro que a terceira condido (a que comand:l 0 \'inculo de [oelo enunciado aos demais em suhs tituiG10 ao \'inculo de cada en uncia do :IS suas condicc)es ele enunL'iac:lo) e a ul ponto independente clas outras dU:1S que n:l0 to constituti\'a clo "regime del11ocrjtico do eliscurso'·. E to hem natural que seja assim. Se CIlia um 0 livre para exprimir SU:l opini:1o e julgar a \'erclade clas outras. n:l0 se percehe como tochs poderiam se suhmeter a priori :1 lei da coerencia
discurslv~l.
\;a :lssem bIela, um locutor, se quiser bzer com que os outros C0I11p:u1ilhel11 SlU opinjjo. ele\'L'rj sem dllVld:1 tentar persuaeli-Ios pOI' meio de :lrgumentos. e ponanto de \'era. n:1 medid:l do POssI\'el. subme[er seu pr(Jprio eliscurso a essa lei (pOl' exel11plo. atra\'('~s do que :\ristc')teles cham:J entimemasJ. As condi~'()es I (ise goria) L' :'J rcoerencia) esUo :rssim reunid:.Js el11 sell discurso. i\1as. dado que num regime democralico ncnhul11 enunciado pode ser lido pOI' \'erdadeiro~(J
.'1.
'j
sem que aqueles a quem nos dirigimos 0 decidam (condi\;ao 2), nao e neces s:Jriamente esse discurso particular que sera reconhecido como verdadeiro (ou justo), 0 que pode ocorrer com este ou aquele outro. rigoros:Jmente in
cOl11pativel com a seu. E ja que 0 poder de julgar reconhecido :J todos
e
0 de disClimillarenrre enunciados, a conjunto discursivo submetido ao julg:lIl1en[0 de cad:J um c evidentemenre incoerente: cada um pode e cleve escolher en
[re enunciados contrdclit6rios, podendo se apresentar argumentos em defesa unto ele um como de outro. Par exemplo, os enunciados "Os genef:Jis da lxltallu das Arginusas sao traidores" e "Ell'S n:l0 s:lo traidores··.·
E e ai, no nascimento da rJzao, que se situa :J origem ele sua crise: c ai que a razao se divide em racionalidades antitetic:Js. Por duas razaes que se conjugam. De urn bdo, as conelic;aes 2 CisocriticaJ e 3 <coerencia), igualmente necessjrias para definir a argumenrac;Jo, sao, no limite. ellquallto cOlldi~'6es da l'I.>rdade, incompativeis entre 5i. Mas, ele outro !ado, as tres condic;oes que \iI11OS n:la sao par si s6 suficientes para eleterminar racionalmente a \'erdade de um enunciado. Elas nao bastam inteir:Jmente para suhstituir 0 Mestre morto. Pais n:lo permitem que de bto se responela. em todas as circunst:ln c'ias, J questao concernente a como se reconhece um enunciado qlle diz 0
i]lIe J, Soh a reinado do Mestre, nJo havia problema. ocorria 0 inversa. 0 di zer do mestre precedia e determinava 0 que era tido pOI' ser. :vlas eloravante o problema se coloca, pois supoe-se que "0 que C" preceela e determine 0
que dele se eliz.
:\ priori. com efeito, duas respostas opostas s:lo possiveis :1 ljuest:1o preceelente.
Ou se privilegia um principia funelaelor da tecnica argumentativa. sua condic:Jo 3. isto C, 0 principio segundo a qual todo enunciado cleve .se rL'la
cionar ao corpus ell' toelos os outros. E. de fato, 0 discurso e \'erdadeiro porque eliz 0 ser e 0 ser c 0 que c sem poder SCI' de outro modo.
A
coerencia absoluta de todos os enunciaelos entre si corresponele 0 principio on lo16gico de ic.lentic.laele e de n:lo-contradi<;ao no ser. Mas, no limite. esse principio acaha, cedo ou tarde, por entrar em contraclic;:Jo com 0 poder "critico" que se supae existir em cada um: pois como diferentcs creneas opostas poeleriam ser verdadeiras ao l11esmo tempo?
E
essa via racional que leva :1 uma forma extrema e limite ele argumenta<,::lo .. a clemonstLl<,::lo l11:ltemjtica. e, mais alem, ao discurso da cienci:l.Ou se privilegia um principio funelador do julg:ul1ento deI11ocr;ltico, a condiG1o 2 elo regime democr:ltico da verdade. isto
e.
0 principio segundo 0qual toelo sujeito falante pode igualmente julgar a verda de ele todo discurso,
(') 0 exempt" se rdere a lllll comroverIiuo episouin hi.q,')rico, Em ~1J6 a, C.. an reo (ornarcrn de uma vit()ria Inilitar nas dh;),..; Argiousas. os gL'nl'fais afenienses decidir~lIn, para
j1n:ser:;If a tripula<;ao, lancar ao Inar os corpos <.los seus comhatentes lnonos, COnI i:--.so in
Iringlram lima lei ua Ciuaue e foram conuenauos apena c~pil,i1, (N, T.)
77
E, de I:1to, 0 discurso
c
vcrcladeiro porque pode ser aprovado por quaJquerum :! quem ele
e
c1ito, e n:\o pOl' alguns em c1etrimento de outros. Mas, nolimite, esse prLlcipio aClba, ceclo ou tarde, pol' entrclr em contradi<;:lo com 0
principio cle iclentidacle no ser: pois como pocleriam ser considerados ver c1adeirol' enunciados admitidos pOl' el'te ou pOl' aquele mas il1comp:lliveis entre sf;>
E
essa via raeional que leva a uma forma particular cle argumen ta\·:lo. a que "permite eoneluir os conrdrios', aarg~~l1erita~.'.:10
retl)riea. e.mais alem. ao cliscurso do c1ireito. ~
A crise cia raz:\o pClS assim em concorrcncia. clescle 0 inicio, \':irios cam
pos cle racionalidade distintos . .lama is hOLl\'c !IOW nuneira de cl'tabelecer
r:lcionalmenre verclacles, mas necel'sariamente \'iI1as. 0 anragonismo entre ciencLt e direito
e
:1 mel hoI' ilustracl0 c1esse nascimenro contlilUoso.o
discurso cb cieneia, e. particularmenre. a demonstrac:\o m:llem:ltIGl, 1'unda-se sobre :1 isegoria ck'mocr:lticl: qu:dquer um, contanto que saibahlar, podl' conhecer e c'nunci:!r as verclaclcs l1utem:iticas, sej:1 qu:Ii for seu estatuto .sod:Ii e :1 educlclo que recc!wu. como 0 !11ostrava Pbt:lo 11:1 inter rog:I<';:10 do escra\'(l nol/elloll. Mais aincb: 0 discurso do professor cle matem:itiCl est:l ao alcance de qualquer U!11. cont3nro que tenha aprendido, sob a
orienta~';io
de um prof",ssor. a clesem'oln=r 0 con junto cbs \'erclacles necess:iri:ts que se dedu%em cbs vercl:tdes inici:lis que ell' necessaria mente traz em si enqual1!O SCI' fal:tnte. Para is.so b:lsta reconhecer a existencia de seres que s:1o sempre e necess:triamente 0 que S:lo. que existel11 fora da tempor:didade da enullciacao. e [;lis sao prt.'cis3meme os objetos desse modo de conhecimento. Sendo :tl'sim, 0 principio :Ibsoluto do dizer (identitkado :1
racionalid:tde)
e
0 [Jnncipio d:l coerencia. posto qut.' a lei absoluta do "serdilO"
e
:1 n:lo-contradi\·:!o. Basta aclmitir que () que foi UI11:l vez rcconlJecido como \'erdadeiro 0e
par:l toda a eternidade, ji que "dizer a vercbde 0 clizero que
e".
eo que l'e
sempre. idenliclmente. 0 quee.
Com isso 0 discursomatem:Itico n:\o
e
sen:lo 0 longo. lento e necessario desenvolver de unncadeia c!Iscursi\'a. cujos rrimeiros' elementos .S;\o aque1es que todos devem
f(~conhecer
como vercbdeiros. e cujos elementos sucessivos s:lo :Iquelescomrati\eis com os preccc!(:'ntel'. como deve admiti-lo toc!o interlocutor. Se () principio fundador C!O discurso cl;l ciencia
e
:lloert~ncia
e a unidade da cadeia dISCUrsi\·:I. isso n:\o ill1pcde que 0 "princip]o isocritico". conslitutivodo regime democr;ilico, tamhem estep presente, em fdigr:103, no cliscurso da cienci:l. mas SOl11enle enquantosuhordrn:tdo ;to ()U[ro princirio. Assim. 0
rrofe.ssor de m:llemarica, que conelu" a del1lo!1strac:lo. dirige-se ao alUl10 co mo rerre.sentante do int",rJocutor universal, e exige dele. a caeb P:lSSO da
demOnstr:iC~\().
SU:l concorcLlnCla de direito, c!e tal modo que s:lo conside racial' clemonstrac!:ls aren:\s as pmrOSICl)eS que rodem .,er arrovac!as ror7/-·]
i~
%~~i{
esse interlocutor ideal. Mas vemos que, desse poder critico do interlocutor, o que subsiste nao
e
senao urn tra<;:o enfraquecido,' 0 sujeito a quem nos di rigimos nao e este homem da Cidade com quem se esta falando. comra quem se esta argumentando e que se pode contestar: eo sujeito "univers:tl". c:tpaz de admitir, como qualquer outro, a coerencia entre enunciados:e
pre cisamente 0 que em cada um 0 idemifica a qualquer Olltro.Consideremos, em contraposiC;:lo, 0 discurso do direito e panicubr
mente 0 pape! da argumenta<;:ao retorica no estabelecimento das vercbdes
judicbrias. Dois oradores, representando 0 ataque e a defesa. defendem
teses comraditorias - pOl' exemplo, que Socrates corrompe a juventude ou que eie n,IO a corrompe. Antagonistas, cada argumenta<;:ao tem pOl' objelivo persuadir os juizes e faze-los aderir il sua posi<;::!o. Com efeito, estes clevem decidir quem tem razao com base apenas no cspet3culo dessa luta entre dois discursos. Percebe-se claramente de que modo tal procedimento se deduz dos principios do regime democratico da verdacle. Qualquer um pode igual mente defender qualquer tese, qualquer um pode igualmente julgar qual
e
sua verdade. Contudo, 0 que organiza 0 conjunto desses discursos n50e
mais 0 principio cia niio-contradi<;:ao entre enunciados, mas exatllllente 0l'ontr:irio: eo principio segundo 0 qual a verda de deve se manifestar na con
fronta<;:lo de enunciados contraditorios entre sf. Tod:t a forma do procedi mento Judiciario tern precisamente este objetivo: permitir que se manifeste cb maneira mais cxata, mais igual, mais equitativa a oposi<;:1o entre dois enunciados. 0 principio absoluto da verdade
e
a isocritica, c ela sup6e 0 ant:lgonismo entre enunciados contraditorios. Cad:1 ouvinte e clotado do poder cle )ulgar a verdade e, portanto, de discriminar entre tais enunciados contr:1 dit6rios. Quanto ao principio de coerencia, constitutivo da argumenta<;:10 racional. ele tambem est:l presente, em filigrana, no discurso jucliciario, mas Jpenas enquanto subordinado ao principio isocritico. Assim. e cada mador. separadamente do outro, que deve respeita-Io em rela<;:1o :1 posi<;::1o que de fende. apresentando uma argumenta<;::1o coerente. Mas vemos que se trata Jpenas do traco enfraquecido do verdadeiro principio da coen~ncia, posto que os do is enunciados contradit6rios sao igualmente defens:iveis.
o
melhor exemplo dessa razao em crise desde seu nascimento e sem dllvicla esse cont1ito entre ciencia e direito, ou, se preferirem, entre matema tlGl e politica. I\las a filosofia e. tambem desde seu nascimento, igualmente revdadora, Assim, poderiamos considerar as doutrinas de Prot:lgoras e de P!:It:lo como tcntatlvas simetricas de superar essa crise, de urn bdo e outro da cis:1o entre opiniao e ciencia (doxa e epistemeL Com seu "homem-medi da de lodasas coisas" e seus "dois discursos em oposic;a() sohre i/Zl(/[querassunto", Prot;igoras pensa a democracia politica e se esfor<.;a pOl' levar :1 nova
racionalidacle dos procedimentos politico-judiciirios ate 0 campo dos co nhecimcntos clitos cientificos: tenta negar a crise unificando 0 conjunto cbs
79
I
verdades e funclando todas elas sabre os principios da iscgoria e cia isocrfti ca. A recusa das verdades m:ltem~lticas ou a generdlizas;ao do <.Hscurso cri rico C'tc,das as opinicles S:lO verdadciras") sao 0 prel,;o a pagar pOl' essa ne gaCio. POI' outro lado. com SLUS lcleias e seus NClineros etc mos. com seu fil6sofo-rei. com a subordinac.;:10 cia conduta da Ciclade ao conbecimento ab soluto do vercladeiro com base 0 moclelo do conhecimento matem:itico.
Plat:lO se esfon.'a pm levar a nova r. ,"on' liclJ.cle cientfficJ. ate 0 :lmbito cia vi
cb cia CidJ.de: tentJ. negar :1 crise unific. ndo 0 conjunto cbs verda des e fun clando todas das sabre 0 ser J.hsoiuto. clemo c necessaria que :l coerendJ.
do discurso matem:.itico supcle. A recusa dos procedimentos democr:iticos ou a ge:ler:diza~':10 do discurso c;entifico sJo 0 preco a pagar pOI' essa ne gac:1o. Poderiamos tal\'(·z ate demonstrJ.r como a filosofia de AristClteles, uma ger:lc.;:lo mais tarde. ja
e
a sinal de que a crise e insuperavel:e
sobre uma oposi~':lo cle dois mundos (sublunar e supralunar) que Aristc'>teles irel fundar a igual legitimidade dos dais tipos de procedimentos discursivos e a iguJ.I raClonalkbde dos dois tipos de verdade.Esses bIOS. cont1ito de legitirnicbde entre procedimentos iguall1lente radonais. os da prova judiciaria e os da prova matem:irica. contlito doutrinal entre teorias cb \·erdJ.de igualmente rJ.cionais. J. do ~ofislJ. e a do Fil6sofo, revelam hem que a crise existe de/ata desde 0 nascimento da raz:lo na
GreciJ., Poder-se-ia mostrar a que funda de direito essa crise' Poder-se-iJ. mostrar que a razao esta necessariJ.mente em crise em sua pr()pria constitui
~'Jo. ou seja. que eb n~lo [lode se reJ.lizar senao em racionJ.lidades conf1itLIo sas) CretO que sim.
A razao, diziJ.mos no comeco. pock ser. grusso I/lodo. reduzicb a dLws
funccles. UmJ. funr,:ao negati\·a. a rcjeido de toda J.utoridade exterior ao jul gamento de cada um; uma ['undo positiva. :1 uni\'ers:llizacJo discursiva, Scm
dClvida . .\Ias cssa universalizacio dissimula uma J.mblgi.iicbde. Com efeito. eb pode assumir duas formas distintas e J.te mesmo opostas, .-\ universaliza c:l0 pode prime ira mente referir-se :1 comunidade implicitJ. dos seres blantes. ao espac,:o ch interlocuc.;ao.
f:
uniYers:ll nesse sentido () que qualquer outro. enCjLlanto me diriio a de. cleve ria poder admitir pelo simples t'ato de. COlnOell. falar. e de eu ser para ele 0 que de
e
para mim. Lim mterlocutor possivel. l]m [lrocedimento. Lima instituic,:ao. L1mJ. conduta ser;J,o ditos ent:lo rJ.cionais se respeitarem esse principio de L1lllvers:llizac':!o. E assim qLle ~l intoler:incia ou 0 bnatismo nos parecem irracionais:e
tamb0m assim que ;l discuss:lo, a argumenta(;:lo e 0 debate [lLlhlico nos parecelll procedilllentos racionais queservelll [lJ.ra regubr cont11tos ou conduzir:l decisc-les escJarecidas. Mas :l L1ni \'ersalizac}o pode igualmente referir-se ~l ohjeti\'idade explicita ~l qLlal 0 dis
curso remete. n:l0 mais a dos seres falantes mas a dos seres ditos.
f:
universal nesse senticlo 0 que qLl:dl[uer OLltro deveri:! admilir. nJo enqLlJ.nto me dirijo a de e lhe atrihuo uma faculdade igLial ~'l minha. mJ.s pOI' ser objetiv:lmenteso
....
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....
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ff';::i;;/!<' " ":':"
,
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2
i"
aquila a que necessariamente 0 enunciado se refere. Um procedimenlO, uma instituic;ao, um2- conduta serno ditos entao racionais se respeitarem esse principia de universaliza~oobjetiva. Assim nos parece irrJ.cional recusJ.r que 2 mais 2
e
igual a4
au mesmo defender a ftxismo das especies ou J. astroIa giJ.. Mas nos pareceriJ. igualmente irracional admitir as regras da adi~'Jo ou as leis da astronomia ap6s te-los decidido par maioria de votos.No conceito abstrato de razao, a rejeir;:ao do Mestre e acompanhada cia aceitar;:ao do Universal. Mas em foda racionalidade efetivJ. essa rejeis;ao vai de par seja com 0 primeiro modo de universaiizJ.c;:lo. seja com 0 segundo.
E
eXJ.tJ.mente 0 que a exemplo do nascimento da razJo nos permitiu observJ.f. .-\ rejei<;:Jo do mestre da verdade significou, em todo CJ.SO, a isegaria, que en contrJ.mos em nossas duas ftguras. Todos os homens se tornaram locutores autorizados e nao ha mais Mestre.Mas esse principio conjugou-se tanto com a universaliclade objetiva lfundando 0 principio de coerencia na origem das demonstrac.;6es matemati
cas) como com J. universalidade subjeriva (fundando 0 principio de isocriti
ca na origem dos procedimentos da prova judiciariJ.),
Vernos tambem que essa dupla universaliwr,:ao. que correspande :l crise cia razao. leva a diferentes concepc;6es filos6ficas da razao: faculdade (uni \'ersalmente eompurtilhada) de distinguir 0 verdadeiro e 0 falso, ou poder (o!JJetic'Cllrlellte fundado) de conduzir dedutivamente raciocinios rigorosos. 0i;lo ha 0 menor paradoxo em perceher que aquele que consiclerJ.mos 0
mais i1ustre defensor cia "razao moderna" funda a raciona!icbde cientifica so hre uma definic;Jo da raz:lo que remete J.parentemente J.O universJ.! subjeti \'0.') '\jJo sera isso tambem urn sinal de que a filosofiJ. se esforp. no mais das \'ezes. par negar que J. razao estejJ. sempre ern crise?
Vemos enfim que essa dupla universalizac;io leva necessJ.riJ.mente a quest6es criticas, no duplo sentido da palavrJ. erltiea. POI' exemplo: a
rJ.cionJ.lidade filos6fica
e
algo do primeiro au do segundo tipo' E onde se situa a fronteira entre as dois' 0 dialogo de surdos entre "fanaticos" e "to lerantes" revela tambem a dificuldade que existe em separar "objetivamente" os dois dominios. Pois J. distinc;io entre eles deve SCI' determin:1cla objetivaou interlocutivamente? Questao de segundo grau que leva, de modo perigoso, J. uma regressao ao infinito. Quest6es dificeis. e que as gregos n~10
se coiocJ.vam, NUL1l certo sentido, talvez. eles foram :lS primeiras vitimJ.s da
crise do universal. mas dispunham, com os conceitos de doxa e de fpisteme,
de dois conceitos suficicntemente eficJ.zes pJ.rJ. encenar cadJ. tipo de uni versJ.1 em seus limites. Sera que dispomos de conceitos iguJ.lmente cur:llivos pJ.ra distinguir sempre 0 que deve pertencer ;l universalicbde interlocutiva
(ou seja, ao debate e ;l argumenta<;Jo) e 0 que s6 pode pertencer :l univer· salicbcle ohjetiva (ou seja.;l experiencia. ;l teoria e j, clernonstra<;ao»)
g£1.o
Mas sera de fato importante saber resolver essas questoes? 0 importante
nao
t'
antes poder colod-Ias, ou seia, reconhecer que se a crise cia r:lzao esempre constitutiva, jamais acidental. sempre end6gena, jamais ex6gena, se porranto ela e "natural '" inevit:ive!", como a dialetica em Kant, convem nao
precaver-se contra e!a - como se e\'ita uma doen<;:a - mas Lzer bom uso
deb - como de toda ilusao necess;iria?
Tradw;:c/o de Paulo Se('('s
NOT..-!S
(1) T~io logo se ('\'0'.-':1 0 "nascilllelllo da 1':17.;}0 na Grecia", tende-se a ;\s.."ocbr essa id('ia l'lHll ;\ It'se ideaJjsta do "1l1i1agre grego"; a Grl..-'ci:L her<:o (!L~ todos os Valores da Civitiz:l<::10. e
Sl'lI lx'queno rOVQ. PO\'O e1eiro dos dL'uses erlfre rolla...; a.s 0<:1'.-'0(''<; erc. Falar do "l1aSClInenro da
r:l,,~lo" Ill'SSe senljdo mOS[r;l lim dL'i('urso que procede jusramente 1l1Jis Jo l11ito que propria IHL'mL' da r:lzao.
(2) \[ichel Foucault. I. 'ortlre tilt t/isc(Jllrs, PJris, Gal1jm~lrL1. 1L)-1. p. 17.
(5) .\lan..:d D(>rienne. res HUl/'lres de n'ritc' duns la (,'rc:ice archaiqu(>. P:lflS. Fr:1I1(ois
\ LtspefO. !9HL p. 15.
(-jJ \·l'r Arist()[l'ks. .1relajlslcaH. 10. !O)! 1,<1
(.:;) Sohre a imrl)rt~lnciJ. do ,"onelo, pOl' o[losiclo;] dei(jo. na definic~io da "demucr~\cia" aJ1[ig~l. \'er 0 Iivro receme de lJernard :'\Ianin. I'rillcl/Jes rill ,t~o/{l'(!rJIemellt r('prc'sen/atif Pari.", Calnunn-Lt'\y. 1995, cJ.pitlllos 1 e 2.
{o-\ Suhre 0 cDnceito de "ltlg~r \'azio" 110 pC>Il."Jll1emO da democc.lciJ.. \'er Claude Lefon. (-.) Podemos n..''.-·onhecer ai os fund;ll1lemns do pCllsanwmo de Prot~-lgOr:lS
(8) Prova des,-;l' cnfraquL'cimento
e
;1 deccpt::1o qUl> l"xperin1enumos dianre cb ...; resposr;ls do l'.'iCr:lYD no .tfeJlOll de PlatJo. lac6nicas. Oll pdo l11eoo.-;' n1uiro poueo ··CritiC-I...(l)) \ 'er Desclnes, Dis(ours de la mc>tbot!t'. I.' {Xlrre (/\d:1l11-Tannery. \-1. 2). "0 JJouer de hem :ulg~Ir e disrjnglIlr 0 \'ertbdl'iro do fa Iso, que e propriamenrl' 0 que se denomin:l () hom sensu Ol! a raz;\o,
e
nawralmenre igual em lodos os homens"' jrr;lduc;}o hrasilc-ira de .f.GlIlO."hl.lrgJ. it
t
82r
;'" ~~ ~':f 'A
INVEN9AO
DA CRISE
Carlos Alberto Ribeiro de Moura
POl' que 0 pensamento contempor.1neo vai inventar a ideia de uma "crise da
raz:.lo·'? Afinal, esse tema parece tel' sua clata<;:ao circunscrita
a
primeira metade do nosso seculo. Pois se e verclade que de maneira explicita ou implicita a nO<;:;lo de ··crisc·· sempre frequentou a hist6ria cla filosofia. e verclade tambe-m que Des cartes. pol' exemplo, n:lo apontava para nenhuma "crise cla razao", mas para uma crise das ciihzcias, ciencias cujos "principios incertos" careciam de uma legiti mac;10 que a prima phi!osophia, logo, logo, viria Ihes assegurar. E, se Kant aprescntava a ratio pUla como origem de ilusr5es, 0 que estava em questao ali era
apenas 0 "lisa especulativo" da raz.ao, e nao a ratio eta mesma, que se compor
tava muito bem no dominio cia fisica e da marematica, ciencias que pOl' 5i 56s
nunca teriam suscitado 0 projeto critico. Ora, sera muito diferenre quando
:'vlerle-au-Ponty, preocupado em restaurar a universalid::uJe da razao, for censurar a propria ciencia contempocinea pol' colocar-nos "diante cla crise cla rn:lo··.' POl' isso mesmo esse diagn6stico, longe de reeditar, na atualidade, a antiga e cn fadonha suspeita cla "seira cetica" contra as pretensr5es da "razao dogmatica". e forlllulado hoie em dia par membros do pr6prio partido racionalista. Diagn6stico par.:ldoxal, sem duvicla, ja que enunciado no IIlomento hi5t6rico em que as cien cias mais se expandem e se consolidam. Era exatamente desse paradoxo
aparente que Husserl partia em A crise das ciencias C'lIropeias e afenomeno!ogia
Irwlscendema!. de 1936: existe, sim, uma crise cla razao, apesar do sucesso in contestavel das ciencias positivas. Desde entao, 0 que a liitima filosofia de Husser! pcxle nos ensinar sobre a etiologia contemporanea deste tema'
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Em que sentido Hussed apontara, em 1936, para a existencia de uIlla
·crise da razao·· que se manifestaria atraves da "crise das ciencias curopcias')
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