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Academic year: 2021

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(1)

,,---_.---_.

NASCIMENTO DA RAZAO, ORIGEM DA CRISE

Francis Wo!tf

Sob muitos aspectos pode parecer temerario falar de "nascimento da razjo", Pois de que modo "a razao" poderia nascer?

A razao, entendida como uma essencia. so poderia ser eterna. 0 con­ ceito de "razao", com efeito, e empregado desde a epoca medieval para de­ signar a essencia mesma do homem, definido, segundo a adapt;H;aO latina de uma observac.;ao de Arist6teles, como animal raeiolla/. A "razao" era assim concebida como a diferenc.;a especifica do homem em relac,:ao aos demais seres vivos - e portanto como uma forma imutivel, a-historica. da hu­ manidade, ela propria forma imutivel e a-historica. Falar do nascimento da razao parece assim uma contradic.;ao nos termos, ji que a razao e coextensi­ \'a a humanidag,e.

Certamente, dirao, nao seria possivel buscar na historia uma essencia metafisica como a da razao, mas se poderia, ao contririo. tentar descobrir

P(Jsitil'amerlte, por exemplo, quando na historia os homens passaram a "raciocinar", a pensar "conceitualmente" ou dedutivamente: somente soh es­ sa condic.;:lo e que se poderiam descobrir trac.;os do advento historico - ou mesmo pre-historico - da razio. No entanto, e provivel que essa ahor­ cbgem. aparentemente mais positiva, esteja tio carregada de pressupostos metafisicos quanto a precedente, Pois passariamos assim de uma concepcao essencialista do Homem a uma concepc;:ao evolucionista da hist6ria, Ora. pensando hem, nao ha nenhuma razio para considerar que os homens. ou­ trora. fossem· menos "racionais" ou menos "razoiveis" que nos, Acaso preparar meto'dkamente uma armadilha para capturar um :mi1l1al selvagem requer menos razao que construir uma bomba at6mict? Hi malS raz:lo n:1S cren(:as e nos costumes de hoje do que naqueles de trinta seculos atds'

Portanto nao hi razao para pensar que os homens. colet iva ou indivi­ dual1l1ente. raciocinem mais ou melhor hoje que outrora. e multo 1l1enos para datar () nascimento da raz;lo-faculdade. E. de faro, na medida em que a

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(2)

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"f:IZ;1c"

e

pensac!:I como uma determina<;ao que se aplica ao Hotnem ou aos homcns, nan ila nenhunw razao de imputar-Ihe urn nascimento.

E,1trcranto. hJ segll1:lmentc um sentido legitimo em fabr de "nascimen­ to cia razao", contanto que se rompa C0111 uma

concep~j()

da raz:lo como es­ ."l;ncia ou bculcbde e com uma

conccp~'ao

da hist6ria cujo centro seria 0

Homem. Pois se considcr:lrmos njo mais ;1 hist6ria humana como tal, mas a hisr(')ria dos sistemas de pcnsamcnto. a hist6ria dos l11odos de sele<;:lo dos discursos socblmente legitimos, a hist6ri:1 das tecnicas cia \·crdade. enUo podl'mos constat;lr momenros de ruptur:1 na organiza<;ao ger:li do saher. S;t1wmos que foi tal ruptura que ocorrcu na Greeia do seculo \' :1. C. Ess:1 I'l1ptura e ch:ullada :'lS \'ezcs a "pass:lgem do mito ;1 razao", Designa-se :Issim o ;tparecimento de uma nova ordcm do sa her que organiza conjunt:lmente nO\'o." campos de conhccimcntos. que SUp<1em, impliciramente, ncwos mo­ dos de v;t1id:le;lo e rceonhccimento dos discursos \'ercl:ldeiros, entre os quais se Contam a

demonstr:I~'ao

matem:itic;t. que se formaliza C0111 Tales pOl' vol­

ta

lk~

()OG ;1.

c..

a investig;I<:;:lo t'isiCI c cosmol6giel. que na mesnu epoca se ;tbsu do mito entre os fisicos cia }{il1l;l. a im'estigacao hist6ric;I, que rompe com ;1 lend:l c adquire um clr:'Iter sistematico com Her6doto.

E

umbem a

l~POC:1

em que se elahor;1 um sistema de direiro civil e penal que nada mais de\'e aos valores religiosos. Como a purez:l. ou ;ls praticas rituais. como () 01'­

(!:llio. e em que se constitui igualmente uma nova economi:l (11 pro\';] judi­ ci:iria. fundacL! na argument;I<;:lo e na investig:rejo dos btos. Par:1 0 coroa­

mento de tudo. n:lscem. como sahemos, os primeiros grandes sistemas filos()ficos

"ao e sem razJo que essa 1100'a ordem do saher. constituicL! no secu]o \ p{)de ser qualifiucb de racional- pOl' oposic:lo;l :lI1tlga. Sem querer dar uma definiClo a priOrI demasiado estreita Oll rigoHlsa. pode..se de fato dizer que a razjo se resume em do is

tra~'os

relacionados lim :10 outro. um neg:itivo. oou­

tro positi\'o, Neg:lti\':lmente. e a rejeic;lo de toda autoridade. em paniclIbr de rocb autoridade exterior ao jlllg:ul1ento de c:lda um (preconceito.s. tradiC(Jes. creneas a priori. discurso do mestre. texto sagrado etc. J. Positi\'amenre, e uma capacidade de

uni\'(~rsaliZ:IC:lo:

uma conduta. um:l crenea. um discurso sao geralmenre qualifiGldos de racionais se s;1o uni\'ers:tliz;lveis. is to

e,

se depen­ dem, cada um deles. arenas de sua bculc1:Ide discursiva. ou sei:!' ue 1I111 dis­

Curso ror direito enUnCI;l\'e! e apro\':I\'e! pOl' todos. Ora. esses dois tr;I<:os se encontr:lll1 de uma ponta :1 ourra da nm'a ordem do s;lher cb segunda meude do seculo \. enC:lrnaua. no bdo negativo. pelos sofistas. respOnsa\'eis pOl' lim formicb\'d movimento de critica :1 autoricbde. ;'l tradicio. aos mitos, e. no la­ do posni\'(). pe1o." primeiros fisicos. historiadores ou fi]()solc)s, que cbhor:lm, "'O/)re as ruinas cbs antigas crencas. uma discursivicbdc univcrsaJiz:'ivel Tomacb nesse sentldo. a raz;lo teria portanto l1ascido. 11;1 Cl'rca de 2'1 secu!os as l11argens do !\Jediterr:lneo. soh a luz auroral da erc'cLI.

oS

Nao obstante, pode ser que essa, visao binaria "do mito :1 rJz:lo", essa risao idealista da Grecia (0 "milagre grego"'), essa visao au.fkliirerda hist6ria

que op6e

a

Razao triunfante

a

Obscuridade desfeita, seja tao contestivel quanto nossas concep~:6es essencialista ou evolucionista.

Pois se e POSSIVe! efetivamente atribuir uma data de nascimento a razao, com a condic,.:ao de fazer dela 0 determinante nao do Homem mas dos sis­ temas de pensamento, entao se verifica que, desde seu nascimento. a f:lz;1o foi plural. Com efeita, uma interroga<;ao sobre 0 Hamem ou sobre a hisr6ria

uificilmente conseguici datal' a idade da razao - nome de uma faculdade mais ou menos misteriosa mas necessariamente una, indivisivel e atemporal. No entanto, assim que interragamos a eonstituic,.::lo de moc!os de conheci­ mento ou a genese de praticas discursivas, podemos certamente falar de "nascimento da razio", mas com a candic,.::lo de vel' na razio apenas 0 carateI'

do que e pensado ou realizado racionalmente. 0 substantivo raziio e subs­

titulda pelo adjetivo ou pelo adverbio. Sendo assim, temos condic,;6es de perceber que nao foi (/ razao que veio substituir de maneira inteiramente uniforme 0 mito. mas racionalidades cliversas e cont1ituais. Tao logo se ad­ mite que os modos de pensamento nao flutuam no ceu clas ideias mas esrao enclrnaclos em institui<;:6es sociais, determinados par priticas politicas e solid:irios de tecnicas discursivas, entao pode fiear claro que 0 pensamento racional se desenvolveu desde 0 inieio de modos antiteticos. ]amais houve 1/lllCl nova ordem do saber - racional - substituindo a ordem antiga -­ mitica. 0 que ocorreu foi inclusive 0 contrario: a ordem antiga foi substitui­

da pOl' diversos sistemas igualmenre racionais, mas rivais e antagonistas - e

e

ulvez nisss. que eles eram racionais! Dito de outro modo. 0 /l{/scimellfo da

raz:l0 foi ao mesmo tempo, e necessaria mente, sua crise. 0 que nos obri­ garia a romper com :I ideia. ela pr6pria mitica, de uma raz:lo unificadora.

E

o que iremos tentar mostrar - e compreender.

Mas antes de mais nada: em que medida essas nov:ls tecnicas de pen­ S:lmento ou de discurso podem ser qualificadas de racionais'

Para compreende-Io, pode-se panir do conceito cle "mestre da verdade'" e opc)-lo ;IOS novos discursos da verdade que aparecem no seculo v - par­ ticul:irmente no corpus cientifico e no discurso juridico, que tomarel11os co­ mo pontos de ;1 pOio.

Como escreve Michel Foucault, "ainda entre os poetas gregos do secll­

10 \\, 0 discurso verdadeiro. aquele em relac,;ao ao qual se tinha respeito e terror, aquele ;10 qual era imperativo se submeter. porque cle reinava, er;\ 0

discurso prol1unciado por quem de clireito e segundo 0 ritual prescrito'"

"os tempos de Heslodo, com efeiro. como mostrou Marcel Detienne em J.es mClilres de {'(!rife clellls fa Gri3ce archai'que ros mestres da verdade na l~reci;l

69

(3)

,lrCllcl1, a verdade n:l0

e

sepacivel do mestre que a enuncia e cbs condkc)es ,'hrameille formaliz:\clas de sua enunciado. 0 mestre da verdade e em primeiro lugar 0 poeta que alTanca os homens e os deuses do esquecimen­ to e Illes d:'l assim uma mem6ri:.J. "Sua palavra eficaz institui pOl' Sua virtude pnipna um mundo simb6lico-religioso que e 0 pr()prio real. ''< Cabe ao poe­

t:; dizer 0 que verdadeiramente foi: sem sua p:davra. os altos feitos dos

homens mergulham no 11:1o-ser; atraves deb eles s:10, tendo sempre sido. Ao eontr:lrio do que fad 0 historiador c!;issico, 0 poeta arc:lico n:1o busca dizer

o quc' t()i tai eomo pllcle estaheleee-io consultando e criticando as fontes, m:1S 0 estabelece peb eseans:1o repeticL! e captadora de seu dizer, eco de to­ dos os ditos, cuja belez:1 suhlinha a verdade. 0 adivinho. outro mestre da H'rdacle. diz de m:lneira ul1ifonne 0 que fOi, e ou ser:". ,vbs, COntra ria mente :10 fisieo da epoca cLissica. que do mesmo modo diz a natureza soh a forma do etel"!1o, de nao husca dizer () ser ul como de e. mas contrihui par:l bzer com que efe seja [Jor meio de seu clizt'r: sua palavra realiza. e pOI' isso e cer­ GId:l de desejo e temor e protegida da lingua gem ordinaria pOl' seu

cerimo~

ni:d. 0 rei de }ustic,:a da epoca arGlica igualmente diz a vercbde como um l11estre: :10 contr(lrio do jllri d:1 ('poca classica. que procura estabelel'er 0 que foi feilo e 0 que deve reSult'lr disso. conti'ontando argumentac;c)es contra­ dit()nas. 0 antigo mestre da \'erdade bz ser 0 que ele diz. enunciando ritual­

mente 0 justo: ao tazer isso, :ltribui acacia um sua pane no munclo c()smico e porranto institui a ordem re:li da Cidade.

Se tent:lrmos agora enunciar sintetiGlll1Cnte a oposiC;:1o entre as pr:iticas diseursi\';lS da verdacle na epoc:l classica e n:l epOGl arcaica. podemos clesr:lear tres rrac;os, :lli::is solid::irios.

o

primeiro conct'rne ao proprio discurso \'t'rdadt'iro. 01:ls pr:iriGls :lr­ c:lieas, 0 cliscurso \'ercbclt'iro j:lmais

e

"puro" isro

e,

pur:lmt'nte discursivo. () diseurso (do poet:!. do acli\inho. do rei de ]usriea) n:1o e sen:1o 0 e1emen­

10 dc' um disposirivo mais geral de t'nunciac::l0, aro rirualiz:ldo. jamai.s

e

sepa­

r(l\"ei do L'onjUI1tO cbs circunsr:1ncias formalizadas que 0 torn a\11 possivel t'

cbs nurelS dt' disrinc;ao que assinalam seu poder de \·eridicidade. 01;ls prati­ cas "r:rcionais" (do historiador. do fislco e mesl110 do oraclor), 0 cliscurso e

pum L'l1unciado, um enuneiado anc)nimo simplesmenre ligado :1 sua refe­ rC,nci:l. cb qual o\)rem sua \erdade. !sso

to

ranro mais vercladeiro para 0 enun­ ciado pum pOI' eXCt'leneia. scm indicadores, St'111 tempora1icbcle nem sUjeito. sem nenhuma rebc:1o com as circunstincias particulart's de sua enuncbcao: () enunci:ldo cicntifico. E. c'ntre os gregos. ele e reprt'sentado essenClalmente pe[o dlscurso do m:rremarieo. cujo t'nunciaclo ar()mico rfpico e :lCjude Cjue Arisr(Heles n:lo cessa dt' romar como exemp!o: "1\ diagonal do CJuadrado e incol11ensuLivel com sell !ado"

Segundo rraco de oposiG1o dos dois lipos cle pr:iticas cliscursivas, con­ et'mente ciesra \'ez

~1

rebcao do discurso \'crdadeiro com 0 rC':i1. Nas pr:iticas

70

-~---arcaicas, 0 discurso nilo constata 0 real, ele performativamente 0 faz ser.

Numa passagem da Metafisica, Arist6teles afirma que nao

e

por dizermos a verdade que aquilo de que falamos

e

real, mas porque aquilo de que bla­ mos e real

e

que dizemos a verdade.' Esse teorema, porem, na reaIidade s() tem sentido nas pniticas discursivas chlssicas, enos permite opor clara mente duas relac;6es inversas do discurso verdadeiro com a realidade. No discurso "r..lcion:ll". diz-se que as coisas sao tais; ora, elas sao tais; logo, diz-se a ver­ dade: subordina-se a verdade ao real que e1a enuncb. No discurso arcaico. o mestre diz que as coisas sao tais; ora, ele diz a vercbde (pOI' ser 0 mestre);

logo, as coisas sao tais: reconhece-se a verdade no mestre que a enuncia. A passagem as praticas racionais de veridicidade pode portanto ser descrita co­

mo uma inversao: da autoridade do mestre como abon:ldor da realidade daquilo de que ele fala

a

autoridade da realidade como abon:ldora da veri­ dicicbde do que diz 0 locutor.

o

terceiro trac;o de oposiC;ao entre os dois tipos de pr.iticas diseursivas diz respeito :1 rela<;ao do discurso verdadeiro com seu destinat5.rio. 0 do dis­ curso arcaico

e

puramente passivo na constituic;ao d:l verda de: ele escuta a palavra e a admite como verdadeira porque se submete ao mestre. Ele n:l0 precisa nem opinar nem mesmo crer. Nas pr::iticas raejonais do discurso, ao contr::irio, nao ha verdade possivel sem a concordancia, em geral explicita. daquele :I quem nos dirigimos. A ponto de essa aprovac;:1o eonstituir. na

maioria das vezes, :I eondiC;ao mesma da veridicidade. Dizer a verdade e

antes de tudo poder bzer com que aqueles :l quem nos dirigimos rambem ad­ mitam como verdadeiro 0 que dizemos. No tribunal. par exemplo. entre dois

discursos.

e

tido por verdadeiro aquele que e reconhecido como verdadeiro peb maioria. E,)Se reconhecimento, com efeito, e que constitui a persuas~10

ret()rica; mas ele e igualmente constitutivo, embora em menor grau. cla demonstr:H,:ao matematica. Para 0 professor, demonstr:lr

e

enunciar apenas () que 0 aluno n:1o pode nao admitir como vercladeiro sendo cbdo 0 que j::i ad­

mite como verdadeiro - teoremas ou axiomas (salvo os casos de "posrub­ dos". em que 0 professor pede explicitamente, e excepcionalmente. que 0

~t1l1n() admita urn enuneiado ao qual poderia nao chiI' sua concordancia). Purificado do enunciado verdacleiro clas condi,,'c)es em qlle de

e

pro­ posto; inclependencia do enunei:lclo verdadeiro em rebc,::1o ~l autoriclade daqueit' qut' 0 prop()e: necessidade, para aquele a CJuem 0 enunciaclo ver­

cbcleiro

e

proposto, de reconhece-Io igualmente C01110 verdacleiro. 01t'ssas tres 111odifica<,'(Jes est5. inserito 0 nascimento cb razao. ou peio menos ;1

rClcioI/Cl/iza<;clo clas condic;6es de produ<;ao da vercladt'. I'vbs nt'ssas tres 1110dificlC'C)eS tambem est::i inscrit:J, em filigrana. :I crise cia raz:l0, necessaria­

mente coextensiva a seu nascimento.

71

1(10

I

(4)

_

tregues a si mesmos para dispor de si pr6prios, sem a autoridade de um chefe, a damina~aa de uma casta ou a irrecusabilidade de um texto sagrado, Ora, como sabemos, a democracia

e

par excelencia 0 regime do dis­

curso, isto

e,

da palavra publica: toda decisao (polltica, juridica ou judici:.iria) ,;upoe a discussao aberta, a confronta\;:30 explicita das posi\;:oes das partes presentes, a exposi\;ao a rados de razoe,; validas para todos, 0 estabeleci­ mento em comum dos valores comuns. De modo que, na democracia. a politica se confunde com 0 intercambiavel, tanto por seus objetos (0 politi­ co

e

0 discutivcD como par sua forma (publicidade dos debates, transmissi­

hilidade das opinioes).

Em que consiste, portanta, a regime discllrsiL'o da democraci;l? A democrJcia politica

e,

por defini<;:ao, negativa, a rejei<;:;10 do l'vlestre, ou seia. do Insubstituivel. A democracia discllrsiua e. positivamente. um regime de discurso que obedece, como corolario, ao que podemos chamar a principio LLI substitutibilidade infinira dos lugares dos locutores e dos ouvintes, Talvez possamos, mais precisamente, distinguir seus doi,; aspectos com ple­ mentares. que chamaremos a isegoria locutiva e a "isocritica" interlocutiva. HJ primeiramenre, do lado do locutor, 0 que os gregos chamavam em

politica a isegoria: a direito igual dado a todos de "levantar-se para aconse­

lh~lr a Cidade", De maneira mais geral, podemas consider;lr a isegoria como o reconhecimenro da equivalencia das locutores. ou seja, a indiferenc,a a priori do enunciado quanto

a

qualidade ou ao estatuta do enunciadar; e, em ';L1ll1a, 0 principio segundo 0 qU31 a palavra adquire autoridade apenas pelo LIto de pertencer J comunidade dos locutores possiveis. Ora, se esse princi­ pio discursivo, em sua face politica. e institucionalizado no funcionamento

de/l/Ocrcitico da Cidade. em sua face cognitiva ell' e 0 pr6prio fundamento

do novo reginl'e da verdade encarnado no funcion:J.mento raciol1C1t dos mo­

dos de conhecimenro. Tomemos dois exemplos: a administra<;jo racional da prova em materia judiciarTJ. supoe 0 direito rigorosamente igual das partes de expor seu ponto de vista diante de [odos a fim de per,;uadir a todos, Essa meSllla igualdade tem por fun\;:ao garantir boa parte das regras formais da ins­ titLli<;:lo judici5ria no direita classico. a verda de devendo manifestar-'ie primeiro pela simples aplica<;ao da regra iseg6rica: igualdade est rita dos tem­ pos de fala. equipara<;:;lo de todos os meias de defe,;a das teses opostas. Do 111eSlllO modo, na outra extremidade, a administra<;ao racional da prova em materia matem:itica resulta tambem da possibilidade, para qualquer um qlle tenha aprendido, de transmitir a um interlocutor possivel 0 conjunto do cor­ pus do saber, dos primeiros principios as t'lltimas conseqi.iencias. Tarnpouco ai cxiste :\Iestre, A pr6pria ideia de que os enunciados matem:llicos s~lo

demollstrcil'eis eS[J fundada precisamente na transmissibilidade imldinida

do saher e na suhstitutibilidade indefinida dO$ sabios, pura fun<;;10 sem su­ jeito. lugar vazio do Mestre,"

73

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L---Com efeito, no IU!tar do mestre da verdade, h:i doravame um "lugar

\'~ll.i()". pelo menos 0 Jugal' para tres questoes. Se 0 enunciado e pura, entJo

como reconhecer 0 enunciado vercbdeiro, 0 que eliz 0 ser tal como ele

e,

jii

que e:,;te nao

e

oferecido ao reconhecimento pllblico em discursos raros,

s;lcr~tlil.ados

em SIIaS form3s, inscritos num ritual que os legi[ima e assinala

seu \alor insigne' Se 0 enunci:lc!o C' 0 de qualquer WH, e

n~lo

do mestre so­

L'ialmente legi[imado, enUo 0 que impede 0 enunciado vercbdeiro de ser

um L'l1unciado qualquer. <-' como reconhecer () {I"e iii:::: 0 ser tal como ele (', j5 que L'stL' ;Igora eS[a (irOo de seu p;lI, 0 fnsubs[i[uiveL 0 Mestre lillico' ,'ie um

enul1ciado recehe

~I

apr(w;I\,:to comil1gente de qualquer um por acaso, en­ [;io 0 que impede () enulKiado verdadeiro de ser um enunciado qualquer. e

C0!l10 reconhecer aqude que. c/O cOJltrdrio dos outras. di:::: a ser tal COtl/O ele

('. j:i que este n;lo e mllis () discurso que se imp()e autoriUriamente a todos? Essas quest6es

n~lo

cO!1stituem a ni,'e da

raz~lo,

Fbs designam antes LlIll

l'SIxl(;O line. 0 espa(,'o livre da

raz~lo

e. ;to mesmo tempo. 0 lugar delxado \';tgo pelo \!estre. E e nesse espa<;o que \':to necessarJamenre se inscrever as diterel1tes tecnicas racion;ti,;. que. em SUIt diversidade e por sua incompati­ hill(bde. \':lo justamenre constituir a crise da raz;lo,

.\!:Is

~lntes

de tentar cOl11preender Como ess;1 crise foi histoncamente pos­ Sl\d e so!Jretudo pOl' que eb era

~l

priori necess;iria.

e

preciso talvez tentar delerminar 0 motor hist(,rico dessa racionaliza<;;io dos procedimentos di,;cur'

,;i\os que ,;e completa no seL-ulo \. De acordo com nossa hipotese inicia!. se­ gundo cl qual a razao n;lO

e

nem

um~1

facukbde nem uma essencia, mas 0

deter1l1inante de modo,; de

~'()nhecime11to

inscntos em pr5ticas socia is, con­ siekran:mos dest:l \'ez ;1 hip();ese de que essa

racionaliza<:~lo

dos sl,;temas de

penS~lI11ento n~10

e

sen~lo ;1 ('l!tfll face de um processo hist6rico contempo­

dnco: .1 deIllocratiza(::to das lI1stituiC()e,; politlCIS.

S;lhel11os que 0 secu[o \ grego

n~IO

e apenas 0 do nascimenro da

hist()ria. da demonstra(,';lo l1utemJticcl. Ol1 d:\ interrogaC;lo filosl)fica. mas

tal11!)em 0 eb democracia,

E

\erebde que a democracia ateniense n:to corres­

ponde e\:aUIllente ao que enrenclemos peLt paLI\'Ll: 0 po\'() so!Jerano tem.

na anriga clemocracb, uma e\:;ens;lo nitidamente m:lis limltada que lla atual. :Iinda que Mias atribui(:(Jes sejam nitidamente lluis ampbs: a democracia ate­ niense 0 direta,

ignor~l

a repre,"enrac!o e neb 0 sortelo dos cargos possui um

papelL'ssencla!. juntaIl1enre com a

elei~';10.'

E

\'erdade que ;1 democracia ate­ niense jam;\1s foi aquele sonho que tantos fiJ()sofos l11odernos projet:tram so­ hre eb (ao contr:irio dos antigos!. TamhC:llI eb esteve, desde a origem. em cri'ie, milueb inrenorIl1enre peu de1l1agogia e torpedeada do exterior pcb reaclo aristocrJticll, Apesar de 'udo. cumpre admitir que foi por l11eio desse regime que, pela

primeir~1

\'el. :1a hist(>ria. sern dll\ida, os hom ens foram en­

(5)

Mas essa substitlltibilidade

democr~itica

tem tambem uma outra bce, do lado do destin:\tario do discurso. A democracia supal', com efeito, n;lo ape­ nas que todos as locutores tem igual direito a falar mas tamIJcm. como

corn!;irio, que todos os interlocutores tem igual direito a

jll~~ar

0 que os ou­

tros dizem. Decidir, em democracia, se faz em dais tempos: 0 tempo em que se bla tdiscussJo) e 0 tempo em que se julga <peio voto, por exl'mplo>. E este

l'dtimo sup()e n;lo mais a coletividade dos locutores possiveis masGos in­ ter!ocutores possiveis. que se confunde com a primeira SOll1ente ( 11 exten­

s;!o. Do ponto de vista do regime da verdade, isso implica que 0 , stabdeci­ mento de unla \'erdade tlepende n;lo apenas de urn poder de enuncla,';10 _ o direito de !'alar - mas ell' um poder judicativo ou "critico" _ 0 direiu) de

iulgar se 0 que e dito e verdadeiro. POl' oposi<;:;lo ao regime arcaico da \·erelade. que conhece apenas 0 poder do locutor autorizado a enunciar ver­

dades ja julgacbs lOU seia. sem jUlg;lIllento \'erdadeiro), no regime democrati­ co da

\'l~rdade

esses dois poderes s:ln distintos e encarnados pelos lug;lres respecri\'os do locutor e de seu destinatario, Dito de outro modo, a "isocriti­ ca" consiste no seguintc: jamais admitir C0l110 verdadeiro senJo 0 que 0 Oll­

tro

~r

quem nos dirigimos admite como tal. e reconbecer a qualquer outro 0 direito igual

de~er

esse interlocutor legitimo. Ora. esse mesmo principio dis­ cursivo. encarnado no funcionamento democrcitieo

d~l

Ckbde, encontra-se, em su:r Lreeta cognitiva. no fundamento do funcionamento rae/ollal dos mo­ dos de conhecimento, Retomemos nossos dois exemplos: a administra<;;lo r;lcional da prova ern materia iudici:iria sup6e 0 direito. rigorosamente igual

p;rra todos os ou\·intes. de julgar a verdade do que fO! afirmado pebs partes. Unu hoa parceb cbs regras formais da institui<;;lo ludiciaria tem a

func,:~!o

de garantir t'ssa igualdade e essa independencia d;rs func()es: principio do jLlri popubr. direiul de voto igual para toelos os ou\'intes. p;lssividade e 111utismo ahsoluto dos juizes (que n:lo partidpam sequel' da condu<;;lo do dehate) etc.

o

que :dguns ;Ifirmaram. outros, e inclusive todos. de maneira coletiva e igu;ll. devem julgar. Do mesmo modo. a administraGlo racional da prova em matem;itica resulta t;rmhem do reconhecimento de que cahe ao destinat;irio.

ao

~duno.

se quiserem, est;lbelecer como verdadeiro 0 que diz 0 professor. e

que nada do que este diz e \'erdadeiro, a nLlo ser aquilo que 0 ;duno nao pu­ der deix:lr de reconhecer indisnItlvelmente como taL no eSLldo em que se en­ contra sell pr(Jprio saber.

E

exat;rmente isso 0 que fundamenta. tecnicamente. lima dell1onstr;tc!o: partir cbquilo que aquele a quem nos dirigimos reco­ nhecc como \erdadeiro para deduzir dai 0 que ell' aincb n:lo potle. mas de­

\'er:l. necessariamente. reconhecer como verdadeiro. sem jamais recorrer a aJ­

go que cxceda aqurlo que ;r cada inst:lnte ell' n:lo pode deixar de considerar \'ercbdeiro, Tamhe111 nesse C1SO n:lo existe Mestre, Como 0 locutor. 0 inter­

locutor

e

uma pura funclo sem sujeito, 0 Olltro lugar vazio do Mestre. a sim­ ples :lplicrcl0 do principio da suhstitutibilid:rdc mddinicb.

-4

No duplo principio da substitutibilidade sobre 0 qual se fundam as de­

cisoes tomadas democrnticamenteter-se-a reconhecido, portanto, 0 mesmo

duplo principio sobre 0 qual se fundam as verdades est'abelecidas racional­

mellte. Assim se podera adiantar que 0 nascimento da "razao" na hist6ria dos sistemas de pensamento, ou peio menos dos procedimentos de establ'leci­ mento das verdades, nao

e

senao 0 equivalente, do lado do conhecimento,

do advento da democracia na hist6ria das institui~oes politicas.

Com isso, duas de nossas questoes deixadas em suspenso encontraram resposta, entre as rres que 0 vazio deixado pelo discllrso do Mestre colocava. Como se reconhece, no regime racional, 0 discurso verdadeiro, se ell' n;lo

e

0 que

e

dito peio Mestre, nos perguntavamos. ]ustamente no fato de

ell' poder ser assumido pOl' qualquer urn. Nao

e

qualquer enunciado, mas

sOl17ellte aquele que pode ser afirmado pOl' qualquer um. 0 principio da in­ substitutibilidade (do Mestre)

e

substituido pelo principio da isegoria (dos locutores). Como se reconhece, no regime racional, 0 discurso verdadeiro,

se ell'

e

aquele que qualquer urn pode aprovar' ]ustamente no fato de que de\'e ser aprovado pOl' aquele a quem nos dirigimos. Nao

e

qualquer enun­ dado, mas somente aquele que pode ser aprovado por qualquer urn. 0

principio da obediencia do destinatario

e

substituido pelo principio da "isocritica": supoe-se que cada urn seja dotado de uma faculdade de julgar 0 verdadeim eo falso.- Os dois principios asseguram conjuntamente a fun<.:;lo de rarefa<.:io. de sele~io, de distin~ao dos discursos legitimos: no lugar do mestre do discurso verdadeiro, nao ha uma ausencia de suieito, mas um no­ vo sujeito da verdade, definido pOl' uma dupla universaliza<;~10.as duas faces da substitutibilidade discursiva. Poderemos de resto reconhecer. na comple­ mentaridade dessas duas faces, duas das caracteristicas d:lssicas da raz;lo: faculdade que todos possuem de se comunicar discursivamente com todos. capacidade de cada um de distinguir 0 verdadeiro e 0 falso. Duas caral"

teristicas essenciais, mas incompletas.

Porque rcsta a terceira questao dcixada em suspenso, a que concernia ao pr6prio discurso. Se doravante, no regime racional, 0 discurso esta nu.

despojado de todas suas condi<;oes ritualizadas de enuncia<.:;lo singular. co­ mo reconhecer que se trata de um discurso verdadeiro' Como se d:r () processo de rarefa<.:ao dos enunciados e de legitimac;:lo do discurso' ,.\ isso o regime democratico da verdade n:lo responde, mas

e

facil perceher 0 que.

de fato, veio substituir 0 ritual como elemento de sele~;lo do enunciado It'gi­

timo. Uma vez que 0 discurso

e

pum, pum enunciado que remete apenas;1

sua referencia. ele nao pode mais ser legitimado pelas condiVJes singulares que remetem, solenemente, cada enunciado :ls suas circunst;lncias exccp­ cionais: ao contrario. 0 que ira assinalar sua verdade s;lo as condic()es m;lis

gerais que pc)em em rela<;;lo cada enunciado com todos os Olltr<JS no selO do pn'Jprio discurso. Para que um enunciado seja verdadeiro, dor:lvalHe

e

pre­

75

(6)

ciso que e1e seja compativel com todos os elemais no seio do I/lt'SI/lO discur­ so - discurso cllja identidaele e elefinivel justamente por essa coert'ncia,

Compreenc.le-se assim como 0 Mestre. sua pompa. sua autorilbde. seu

rillW!discursivo foram suhstituidos por tecllicas

C/l:~1l

mell/alil'{IS. pordireito utilizjveis e control~'I\'ds por todos.

Ii

Com efeito. 0 que elefine Llma argumentac::lo senJo. em primeiro iugar.

juslamente a condk':10 q Lle acabamos ele obselTar: a necessic e de reb­ cionar todo enunciado :IOS denuis no seio da cadeia discursi\'a?

':.1

0 t!'aS

pabwas. :lrgul1wnt:lr

L~

determinar quais enunciados coneliciof1ais permitem chegar :1 lllll outro enLlnci:ldo cOl11p:ltivei com os primeiros sem recorrer a

nacb mais senJo a enunciados "puros".

E.

em slllna. constitLlir uma cadeia discursiva sem sUjeito. Ve-se de bto como. da condic::l0 primeir:1 (a coeren­

.1 L'ia cia cadeb). tiram-se as duas outras, que sJo :IS que obsel'\':lInos. Oma

ii

tecnica argumenLltiva 0 controlj vel por todos, e pOl' isso que cia l' uma tec­ nie:t: e as cadeias discursivas que Com l:'b e possl\'el constituir sJo indepen­ dentes do estatuto elo locutor. e CpOI' isso que eta e argumentativa (isego­ ri:l), Unu argumentaclo 0 0 lmico meio discursi\'o. pur:lInentL' discLlrsivo.

COIll 0 qual e possivel que :lquilo que consider:lmos \'erdaeleiro seia aelmiti­ do como ul por :lque!L' a quem nos dirigimos. supondo neste a capacidaele de iLllgar pOl' si mesmo 0 \'ercbdeiro e 0 falso (isocritica J. Nessas tres concli­ ('c)es reunidas. portanto, veremos a "ohra ela razJo", :1 argumenuCl0. que pennite :1 ljualquer um com'encer qu:t1ouer um.

Tudo isso serb hom e helo. Ao ttOmivel .\!estre dos tempos ohscuros. proferindo \'erdades im'erificlveis:b qluis era prcciso obeelecer. teriam suce­ dido homens li\Tes, \'i\'L'ndo iuntos, elel11ocraticamente. ele acordo com suas prc)prias decislJeS, esc) :ldl11itindo como \'ereladeiro 0 que ra('ionalmente jLlI­ gassem de\'er admitir. "!:ls i.sso j:llnais :Iconteceu. Porque, justamenre, jamais hou\'e um:l tccnica argumenrativ:l LlIliel. nen). de fato, uma racionalidade lmic!.

Tratef110s de examin:lr por que. 1.t.'l11hremo,s primeiro que a terceira condido (a que comand:l 0 \'inculo de [oelo enunciado aos demais em suhs­ tituiG10 ao \'inculo de cada en uncia do :IS suas condicc)es ele enunL'iac:lo) e a ul ponto independente clas outras dU:1S que n:l0 to constituti\'a clo "regime del11ocrjtico do eliscurso'·. E to hem natural que seja assim. Se CIlia um 0 livre para exprimir SU:l opini:1o e julgar a \'erclade clas outras. n:l0 se percehe como tochs poderiam se suhmeter a priori :1 lei da coerencia

discurslv~l.

\;a :lssem­ bIela, um locutor, se quiser bzer com que os outros C0I11p:u1ilhel11 SlU opinjjo. ele\'L'rj sem dllVld:1 tentar persuaeli-Ios pOI' meio de :lrgumentos. e ponanto de­ \'era. n:1 medid:l do POssI\'el. subme[er seu pr(Jprio eliscurso a essa lei (pOl' exel11plo. atra\'('~s do que :\ristc')teles cham:J entimemasJ. As condi~'()es I (ise­ goria) L' :'J rcoerencia) esUo :rssim reunid:.Js el11 sell discurso. i\1as. dado que num regime democralico ncnhul11 enunciado pode ser lido pOI' \'erdadeiro

~(J

.'1.

'j

sem que aqueles a quem nos dirigimos 0 decidam (condi\;ao 2), nao e neces­ s:Jriamente esse discurso particular que sera reconhecido como verdadeiro (ou justo), 0 que pode ocorrer com este ou aquele outro. rigoros:Jmente in­

cOl11pativel com a seu. E ja que 0 poder de julgar reconhecido :J todos

e

0 de disClimillarenrre enunciados, a conjunto discursivo submetido ao julg:lIl1en­

[0 de cad:J um c evidentemenre incoerente: cada um pode e cleve escolher en­

[re enunciados contrdclit6rios, podendo se apresentar argumentos em defesa unto ele um como de outro. Par exemplo, os enunciados "Os genef:Jis da lxltallu das Arginusas sao traidores" e "Ell'S n:l0 s:lo traidores··.·

E e ai, no nascimento da rJzao, que se situa :J origem ele sua crise: c ai que a razao se divide em racionalidades antitetic:Js. Por duas razaes que se conjugam. De urn bdo, as conelic;aes 2 CisocriticaJ e 3 <coerencia), igualmente necessjrias para definir a argumenrac;Jo, sao, no limite. ellquallto cOlldi~'6es da l'I.>rdade, incompativeis entre 5i. Mas, ele outro !ado, as tres condic;oes que \iI11OS n:la sao par si s6 suficientes para eleterminar racionalmente a \'erdade de um enunciado. Elas nao bastam inteir:Jmente para suhstituir 0 Mestre morto. Pais n:lo permitem que de bto se responela. em todas as circunst:ln­ c'ias, J questao concernente a como se reconhece um enunciado qlle diz 0

i]lIe J, Soh a reinado do Mestre, nJo havia problema. ocorria 0 inversa. 0 di­ zer do mestre precedia e determinava 0 que era tido pOI' ser. :vlas eloravante o problema se coloca, pois supoe-se que "0 que C" preceela e determine 0

que dele se eliz.

:\ priori. com efeito, duas respostas opostas s:lo possiveis :1 ljuest:1o preceelente.

Ou se privilegia um principia funelaelor da tecnica argumentativa. sua condic:Jo 3. isto C, 0 principio segundo a qual todo enunciado cleve .se rL'la­

cionar ao corpus ell' toelos os outros. E. de fato, 0 discurso e \'erdadeiro porque eliz 0 ser e 0 ser c 0 que c sem poder SCI' de outro modo.

A

coeren­

cia absoluta de todos os enunciaelos entre si corresponele 0 principio on­ lo16gico de ic.lentic.laele e de n:lo-contradi<;ao no ser. Mas, no limite. esse principio acaha, cedo ou tarde, por entrar em contraclic;:Jo com 0 poder "critico" que se supae existir em cada um: pois como diferentcs creneas opostas poeleriam ser verdadeiras ao l11esmo tempo?

E

essa via racional que leva :1 uma forma extrema e limite ele argumenta<,::lo .. a clemonstLl<,::lo l11:ltemjtica. e, mais alem, ao discurso da cienci:l.

Ou se privilegia um principio funelador do julg:ul1ento deI11ocr;ltico, a condiG1o 2 elo regime democr:ltico da verdade. isto

e.

0 principio segundo 0

qual toelo sujeito falante pode igualmente julgar a verda de ele todo discurso,

(') 0 exempt" se rdere a lllll comroverIiuo episouin hi.q,')rico, Em ~1J6 a, C.. an reo (ornarcrn de uma vit()ria Inilitar nas dh;),..; Argiousas. os gL'nl'fais afenienses decidir~lIn, para

j1n:ser:;If a tripula<;ao, lancar ao Inar os corpos <.los seus comhatentes lnonos, COnI i:--.so in­

Iringlram lima lei ua Ciuaue e foram conuenauos apena c~pil,i1, (N, T.)

77

(7)

E, de I:1to, 0 discurso

c

vcrcladeiro porque pode ser aprovado por quaJquer

um :! quem ele

e

c1ito, e n:\o pOl' alguns em c1etrimento de outros. Mas, no

limite, esse prLlcipio aClba, ceclo ou tarde, pol' entrclr em contradi<;:lo com 0

principio cle iclentidacle no ser: pois como pocleriam ser considerados ver­ c1adeirol' enunciados admitidos pOl' el'te ou pOl' aquele mas il1comp:lliveis entre sf;>

E

essa via raeional que leva a uma forma particular cle argumen­ ta\·:lo. a que "permite eoneluir os conrdrios', a

arg~~l1erita~.'.:10

retl)riea. e.

mais alem. ao cliscurso do c1ireito. ~

A crise cia raz:\o pClS assim em concorrcncia. clescle 0 inicio, \':irios cam­

pos cle racionalidade distintos . .lama is hOLl\'c !IOW nuneira de cl'tabelecer

r:lcionalmenre verclacles, mas necel'sariamente \'iI1as. 0 anragonismo entre ciencLt e direito

e

:1 mel hoI' ilustracl0 c1esse nascimenro contlilUoso.

o

discurso cb cieneia, e. particularmenre. a demonstrac:\o m:llem:ltIGl, 1'unda-se sobre :1 isegoria ck'mocr:lticl: qu:dquer um, contanto que saiba

hlar, podl' conhecer e c'nunci:!r as verclaclcs l1utem:iticas, sej:1 qu:Ii for seu estatuto .sod:Ii e :1 educlclo que recc!wu. como 0 !11ostrava Pbt:lo 11:1 inter­ rog:I<';:10 do escra\'(l nol/elloll. Mais aincb: 0 discurso do professor cle matem:itiCl est:l ao alcance de qualquer U!11. cont3nro que tenha aprendido, sob a

orienta~';io

de um prof",ssor. a clesem'oln=r 0 con junto cbs \'erclacles necess:iri:ts que se dedu%em cbs vercl:tdes inici:lis que ell' necessaria mente traz em si enqual1!O SCI' fal:tnte. Para is.so b:lsta reconhecer a existencia de seres que s:1o sempre e necess:triamente 0 que S:lo. que existel11 fora da tem­

por:didade da enullciacao. e [;lis sao prt.'cis3meme os objetos desse modo de conhecimento. Sendo :tl'sim, 0 principio :Ibsoluto do dizer (identitkado :1

racionalid:tde)

e

0 [Jnncipio d:l coerencia. posto qut.' a lei absoluta do "ser

dilO"

e

:1 n:lo-contradi\·:!o. Basta aclmitir que () que foi UI11:l vez rcconlJecido como \'erdadeiro 0

e

par:l toda a eternidade, ji que "dizer a vercbde 0 clizer

o que

e".

eo que l'

e

sempre. idenliclmente. 0 que

e.

Com isso 0 discurso

matem:Itico n:\o

e

sen:lo 0 longo. lento e necessario desenvolver de unn

cadeia c!Iscursi\'a. cujos rrimeiros' elementos .S;\o aque1es que todos devem

f(~conhecer

como vercbdeiros. e cujos elementos sucessivos s:lo :Iqueles

comrati\eis com os preccc!(:'ntel'. como deve admiti-lo toc!o interlocutor. Se () principio fundador C!O discurso cl;l ciencia

e

:l

loert~ncia

e a unidade da cadeia dISCUrsi\·:I. isso n:\o ill1pcde que 0 "princip]o isocritico". conslitutivo

do regime democr;ilico, tamhem estep presente, em fdigr:103, no cliscurso da cienci:l. mas SOl11enle enquantosuhordrn:tdo ;to ()U[ro princirio. Assim. 0

rrofe.ssor de m:llemarica, que conelu" a del1lo!1strac:lo. dirige-se ao alUl10 co­ mo rerre.sentante do int",rJocutor universal, e exige dele. a caeb P:lSSO da

demOnstr:iC~\().

SU:l concorcLlnCla de direito, c!e tal modo que s:lo conside­ racial' clemonstrac!:ls aren:\s as pmrOSICl)eS que rodem .,er arrovac!as ror

7/-·]

i~

%~

~i{

esse interlocutor ideal. Mas vemos que, desse poder critico do interlocutor, o que subsiste nao

e

senao urn tra<;:o enfraquecido,' 0 sujeito a quem nos di­ rigimos nao e este homem da Cidade com quem se esta falando. comra quem se esta argumentando e que se pode contestar: eo sujeito "univers:tl". c:tpaz de admitir, como qualquer outro, a coerencia entre enunciados:

e

pre­ cisamente 0 que em cada um 0 idemifica a qualquer Olltro.

Consideremos, em contraposiC;:lo, 0 discurso do direito e panicubr­

mente 0 pape! da argumenta<;:ao retorica no estabelecimento das vercbdes

judicbrias. Dois oradores, representando 0 ataque e a defesa. defendem

teses comraditorias - pOl' exemplo, que Socrates corrompe a juventude ou que eie n,IO a corrompe. Antagonistas, cada argumenta<;:ao tem pOl' objelivo persuadir os juizes e faze-los aderir il sua posi<;::!o. Com efeito, estes clevem decidir quem tem razao com base apenas no cspet3culo dessa luta entre dois discursos. Percebe-se claramente de que modo tal procedimento se deduz dos principios do regime democratico da verdacle. Qualquer um pode igual­ mente defender qualquer tese, qualquer um pode igualmente julgar qual

e

sua verdade. Contudo, 0 que organiza 0 conjunto desses discursos n50

e

mais 0 principio cia niio-contradi<;:ao entre enunciados, mas exatllllente 0

l'ontr:irio: eo principio segundo 0 qual a verda de deve se manifestar na con­

fronta<;:lo de enunciados contraditorios entre sf. Tod:t a forma do procedi­ mento Judiciario tern precisamente este objetivo: permitir que se manifeste cb maneira mais cxata, mais igual, mais equitativa a oposi<;:1o entre dois enunciados. 0 principio absoluto da verdade

e

a isocritica, c ela sup6e 0 an­

t:lgonismo entre enunciados contraditorios. Cad:1 ouvinte e clotado do poder cle )ulgar a verdade e, portanto, de discriminar entre tais enunciados contr:1­ dit6rios. Quanto ao principio de coerencia, constitutivo da argumenta<;:10 racional. ele tambem est:l presente, em filigrana, no discurso jucliciario, mas Jpenas enquanto subordinado ao principio isocritico. Assim. e cada mador. separadamente do outro, que deve respeita-Io em rela<;:1o :1 posi<;::1o que de­ fende. apresentando uma argumenta<;::1o coerente. Mas vemos que se trata Jpenas do traco enfraquecido do verdadeiro principio da coen~ncia, posto que os do is enunciados contradit6rios sao igualmente defens:iveis.

o

melhor exemplo dessa razao em crise desde seu nascimento e sem dllvicla esse cont1ito entre ciencia e direito, ou, se preferirem, entre matema­ tlGl e politica. I\las a filosofia e. tambem desde seu nascimento, igualmente revdadora, Assim, poderiamos considerar as doutrinas de Prot:lgoras e de P!:It:lo como tcntatlvas simetricas de superar essa crise, de urn bdo e outro da cis:1o entre opiniao e ciencia (doxa e epistemeL Com seu "homem-medi­ da de lodasas coisas" e seus "dois discursos em oposic;a() sohre i/Zl(/[queras­

sunto", Prot;igoras pensa a democracia politica e se esfor<.;a pOl' levar :1 nova

racionalidacle dos procedimentos politico-judiciirios ate 0 campo dos co­ nhecimcntos clitos cientificos: tenta negar a crise unificando 0 conjunto cbs

79

(8)

I

verdades e funclando todas elas sabre os principios da iscgoria e cia isocrfti­ ca. A recusa das verdades m:ltem~lticas ou a generdlizas;ao do <.Hscurso cri­ rico C'tc,das as opinicles S:lO verdadciras") sao 0 prel,;o a pagar pOl' essa ne­ gaCio. POI' outro lado. com SLUS lcleias e seus NClineros etc mos. com seu fil6sofo-rei. com a subordinac.;:10 cia conduta da Ciclade ao conbecimento ab­ soluto do vercladeiro com base 0 moclelo do conhecimento matem:itico.

Plat:lO se esfon.'a pm levar a nova r. ,"on' liclJ.cle cientfficJ. ate 0 :lmbito cia vi­

cb cia CidJ.de: tentJ. negar :1 crise unific. ndo 0 conjunto cbs verda des e fun­ clando todas das sabre 0 ser J.hsoiuto. clemo c necessaria que :l coerendJ.

do discurso matem:.itico supcle. A recusa dos procedimentos democr:iticos ou a ge:ler:diza~':10 do discurso c;entifico sJo 0 preco a pagar pOI' essa ne­ gac:1o. Poderiamos tal\'(·z ate demonstrJ.r como a filosofia de AristClteles, uma ger:lc.;:lo mais tarde. ja

e

a sinal de que a crise e insuperavel:

e

sobre uma oposi~':lo cle dois mundos (sublunar e supralunar) que Aristc'>teles irel fundar a igual legitimidade dos dais tipos de procedimentos discursivos e a iguJ.I raClonalkbde dos dois tipos de verdade.

Esses bIOS. cont1ito de legitirnicbde entre procedimentos iguall1lente radonais. os da prova judiciaria e os da prova matem:irica. contlito doutrinal entre teorias cb \·erdJ.de igualmente rJ.cionais. J. do ~ofislJ. e a do Fil6sofo, revelam hem que a crise existe de/ata desde 0 nascimento da raz:lo na

GreciJ., Poder-se-ia mostrar a que funda de direito essa crise' Poder-se-iJ. mostrar que a razao esta necessariJ.mente em crise em sua pr()pria constitui­

~'Jo. ou seja. que eb n~lo [lode se reJ.lizar senao em racionJ.lidades conf1itLIo­ sas) CretO que sim.

A razao, diziJ.mos no comeco. pock ser. grusso I/lodo. reduzicb a dLws

funccles. UmJ. funr,:ao negati\·a. a rcjeido de toda J.utoridade exterior ao jul­ gamento de cada um; uma ['undo positiva. :1 uni\'ers:llizacJo discursiva, Scm

dClvida . .\Ias cssa universalizacio dissimula uma J.mblgi.iicbde. Com efeito. eb pode assumir duas formas distintas e J.te mesmo opostas, .-\ universaliza­ c:l0 pode prime ira mente referir-se :1 comunidade implicitJ. dos seres blantes. ao espac,:o ch interlocuc.;ao.

f:

uniYers:ll nesse sentido () que qualquer outro. enCjLlanto me diriio a de. cleve ria poder admitir pelo simples t'ato de. COlnO

ell. falar. e de eu ser para ele 0 que de

e

para mim. Lim mterlocutor possivel. l]m [lrocedimento. Lima instituic,:ao. L1mJ. conduta ser;J,o ditos ent:lo rJ.cionais se respeitarem esse principio de L1lllvers:llizac':!o. E assim qLle ~l intoler:incia ou 0 bnatismo nos parecem irracionais:

e

tamb0m assim que ;l discuss:lo, a argumenta(;:lo e 0 debate [lLlhlico nos parecelll procedilllentos racionais que

servelll [lJ.ra regubr cont11tos ou conduzir:l decisc-les escJarecidas. Mas :l L1ni­ \'ersalizac}o pode igualmente referir-se ~l ohjeti\'idade explicita ~l qLlal 0 dis­

curso remete. n:l0 mais a dos seres falantes mas a dos seres ditos.

f:

universal nesse senticlo 0 que qLl:dl[uer OLltro deveri:! admilir. nJo enqLlJ.nto me dirijo a de e lhe atrihuo uma faculdade igLial ~'l minha. mJ.s pOI' ser objetiv:lmente

so

....

---_

....

~

ff';::i;;/!<' " ":':"

,

;

2

i"

aquila a que necessariamente 0 enunciado se refere. Um procedimenlO, uma instituic;ao, um2- conduta serno ditos entao racionais se respeitarem esse principia de universaliza~oobjetiva. Assim nos parece irrJ.cional recusJ.r que 2 mais 2

e

igual a

4

au mesmo defender a ftxismo das especies ou J. astroIa­ giJ.. Mas nos pareceriJ. igualmente irracional admitir as regras da adi~'Jo ou as leis da astronomia ap6s te-los decidido par maioria de votos.

No conceito abstrato de razao, a rejeir;:ao do Mestre e acompanhada cia aceitar;:ao do Universal. Mas em foda racionalidade efetivJ. essa rejeis;ao vai de par seja com 0 primeiro modo de universaiizJ.c;:lo. seja com 0 segundo.

E

eXJ.tJ.mente 0 que a exemplo do nascimento da razJo nos permitiu observJ.f. .-\ rejei<;:Jo do mestre da verdade significou, em todo CJ.SO, a isegaria, que en­ contrJ.mos em nossas duas ftguras. Todos os homens se tornaram locutores autorizados e nao ha mais Mestre.

Mas esse principio conjugou-se tanto com a universaliclade objetiva lfundando 0 principio de coerencia na origem das demonstrac.;6es matemati­

cas) como com J. universalidade subjeriva (fundando 0 principio de isocriti­

ca na origem dos procedimentos da prova judiciariJ.),

Vernos tambem que essa dupla universaliwr,:ao. que correspande :l crise cia razao. leva a diferentes concepc;6es filos6ficas da razao: faculdade (uni­ \'ersalmente eompurtilhada) de distinguir 0 verdadeiro e 0 falso, ou poder (o!JJetic'Cllrlellte fundado) de conduzir dedutivamente raciocinios rigorosos. 0i;lo ha 0 menor paradoxo em perceher que aquele que consiclerJ.mos 0

mais i1ustre defensor cia "razao moderna" funda a raciona!icbde cientifica so­ hre uma definic;Jo da raz:lo que remete J.parentemente J.O universJ.! subjeti­ \'0.') '\jJo sera isso tambem urn sinal de que a filosofiJ. se esforp. no mais das \'ezes. par negar que J. razao estejJ. sempre ern crise?

Vemos enfim que essa dupla universalizac;io leva necessJ.riJ.mente a quest6es criticas, no duplo sentido da palavrJ. erltiea. POI' exemplo: a

rJ.cionJ.lidade filos6fica

e

algo do primeiro au do segundo tipo' E onde se situa a fronteira entre as dois' 0 dialogo de surdos entre "fanaticos" e "to­ lerantes" revela tambem a dificuldade que existe em separar "objetivamente" os dois dominios. Pois J. distinc;io entre eles deve SCI' determin:1cla objetiva

ou interlocutivamente? Questao de segundo grau que leva, de modo perigoso, J. uma regressao ao infinito. Quest6es dificeis. e que as gregos n~10

se coiocJ.vam, NUL1l certo sentido, talvez. eles foram :lS primeiras vitimJ.s da

crise do universal. mas dispunham, com os conceitos de doxa e de fpisteme,

de dois conceitos suficicntemente eficJ.zes pJ.rJ. encenar cadJ. tipo de uni­ versJ.1 em seus limites. Sera que dispomos de conceitos iguJ.lmente cur:llivos pJ.ra distinguir sempre 0 que deve pertencer ;l universalicbde interlocutiva

(ou seja, ao debate e ;l argumenta<;Jo) e 0 que s6 pode pertencer :l univer· salicbcle ohjetiva (ou seja.;l experiencia. ;l teoria e j, clernonstra<;ao»)

g£1.o

(9)

Mas sera de fato importante saber resolver essas questoes? 0 importante

nao

t'

antes poder colod-Ias, ou seia, reconhecer que se a crise cia r:lzao e

sempre constitutiva, jamais acidental. sempre end6gena, jamais ex6gena, se porranto ela e "natural '" inevit:ive!", como a dialetica em Kant, convem nao

precaver-se contra e!a - como se e\'ita uma doen<;:a - mas Lzer bom uso

deb - como de toda ilusao necess;iria?

Tradw;:c/o de Paulo Se('('s

NOT..-!S

(1) T~io logo se ('\'0'.-':1 0 "nascilllelllo da 1':17.;}0 na Grecia", tende-se a ;\s.."ocbr essa id('ia l'lHll ;\ It'se ideaJjsta do "1l1i1agre grego"; a Grl..-'ci:L her<:o (!L~ todos os Valores da Civitiz:l<::10. e

Sl'lI lx'queno rOVQ. PO\'O e1eiro dos dL'uses erlfre rolla...; a.s 0<:1'.-'0(''<; erc. Falar do "l1aSClInenro da

r:l,,~lo" Ill'SSe senljdo mOS[r;l lim dL'i('urso que procede jusramente 1l1Jis Jo l11ito que propria­ IHL'mL' da r:lzao.

(2) \[ichel Foucault. I. 'ortlre tilt t/isc(Jllrs, PJris, Gal1jm~lrL1. 1L)-1. p. 17.

(5) .\lan..:d D(>rienne. res HUl/'lres de n'ritc' duns la (,'rc:ice archaiqu(>. P:lflS. Fr:1I1(ois

\ LtspefO. !9HL p. 15.

(-jJ \·l'r Arist()[l'ks. .1relajlslcaH. 10. !O)! 1,<1

(.:;) Sohre a imrl)rt~lnciJ. do ,"onelo, pOl' o[losiclo;] dei(jo. na definic~io da "demucr~\cia" aJ1[ig~l. \'er 0 Iivro receme de lJernard :'\Ianin. I'rillcl/Jes rill ,t~o/{l'(!rJIemellt r('prc'sen/atif Pari.", Calnunn-Lt'\y. 1995, cJ.pitlllos 1 e 2.

{o-\ Suhre 0 cDnceito de "ltlg~r \'azio" 110 pC>Il."Jll1emO da democc.lciJ.. \'er Claude Lefon. (-.) Podemos n..''.-·onhecer ai os fund;ll1lemns do pCllsanwmo de Prot~-lgOr:lS

(8) Prova des,-;l' cnfraquL'cimento

e

;1 deccpt::1o qUl> l"xperin1enumos dianre cb ...; resposr;ls do l'.'iCr:lYD no .tfeJlOll de PlatJo. lac6nicas. Oll pdo l11eoo.-;' n1uiro poueo ··CritiC-I...

(l)) \ 'er Desclnes, Dis(ours de la mc>tbot!t'. I.' {Xlrre (/\d:1l11-Tannery. \-1. 2). "0 JJouer de hem :ulg~Ir e disrjnglIlr 0 \'ertbdl'iro do fa Iso, que e propriamenrl' 0 que se denomin:l () hom sensu Ol! a raz;\o,

e

nawralmenre igual em lodos os homens"' jrr;lduc;}o hrasilc-ira de .f.

GlIlO."hl.lrgJ. it

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82

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A

INVEN9AO

DA CRISE

Carlos Alberto Ribeiro de Moura

POl' que 0 pensamento contempor.1neo vai inventar a ideia de uma "crise da

raz:.lo·'? Afinal, esse tema parece tel' sua clata<;:ao circunscrita

a

primeira metade do nosso seculo. Pois se e verclade que de maneira explicita ou implicita a nO<;:;lo de ··crisc·· sempre frequentou a hist6ria cla filosofia. e verclade tambe-m que Des­ cartes. pol' exemplo, n:lo apontava para nenhuma "crise cla razao", mas para uma crise das ciihzcias, ciencias cujos "principios incertos" careciam de uma legiti­ mac;10 que a prima phi!osophia, logo, logo, viria Ihes assegurar. E, se Kant apre­

scntava a ratio pUla como origem de ilusr5es, 0 que estava em questao ali era

apenas 0 "lisa especulativo" da raz.ao, e nao a ratio eta mesma, que se compor­

tava muito bem no dominio cia fisica e da marematica, ciencias que pOl' 5i 56s

nunca teriam suscitado 0 projeto critico. Ora, sera muito diferenre quando

:'vlerle-au-Ponty, preocupado em restaurar a universalid::uJe da razao, for censurar a propria ciencia contempocinea pol' colocar-nos "diante cla crise cla rn:lo··.' POl' isso mesmo esse diagn6stico, longe de reeditar, na atualidade, a antiga e cn­ fadonha suspeita cla "seira cetica" contra as pretensr5es da "razao dogmatica". e forlllulado hoie em dia par membros do pr6prio partido racionalista. Diagn6stico par.:ldoxal, sem duvicla, ja que enunciado no IIlomento hi5t6rico em que as cien­ cias mais se expandem e se consolidam. Era exatamente desse paradoxo

aparente que Husserl partia em A crise das ciencias C'lIropeias e afenomeno!ogia

Irwlscendema!. de 1936: existe, sim, uma crise cla razao, apesar do sucesso in­ contestavel das ciencias positivas. Desde entao, 0 que a liitima filosofia de Husser! pcxle nos ensinar sobre a etiologia contemporanea deste tema'

1

Em que sentido Hussed apontara, em 1936, para a existencia de uIlla

·crise da razao·· que se manifestaria atraves da "crise das ciencias curopcias')

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Referências

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