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Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa

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Academic year: 2021

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(1)Revista de Direito Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008. Rogério Alessandre de Oliveira Castro Centro Universitário Anhanguera Leme raocastro@linkway.com.br. QUEIMADAS EM CANAVIAIS PAULISTAS: CONSEQÜÊNCIAS ECONÔMICAS E SOCIAIS DA ERRADICAÇÃO IMEDIATA E UMA PROPOSTA ALTERNATIVA. RESUMO O autor do presente artigo procura analisar a queimada da canade-açúcar no Estado de São Paulo, principalmente a legislação estadual que atualmente estabelece os prazos em que as queimadas terão de ser eliminadas, como também a posição do atual governador paulista José Serra e a decisão do Tribunal de Justiça deste Estado, que permitiu ao município de Limeira legislar e, assim, proibir o fim imediato das queimadas em seu território (ADIN 129.132.0/3). Por fim, conclui que se mostra irreversível o cenário de que as queimadas no Estado de São Paulo estão com os seus dias contados, de que a mecanização da colheita é inevitável, como também que o desemprego o será e, portanto, políticas públicas terão de ser desenvolvidas o mais rápido possível pelas autoridades competentes e pelo setor sucroalcooleiro. Palavras-Chave: Queima da cana-de-açúcar, eliminação imediata, efeitos econômicos e sociais, Estado de São Paulo.. ABSTRACT The author of this article seeks to examine the burning sugar cane in the State of São Paulo, mainly the state law that currently sets the time limits within which burning must be eliminated, but also the position of the current governor José Serra and the decision of the Court of this state, which allowed the city of Limeira legislate and thus prohibit the immediate end of burning in your area (ADIN 129.132.0/3). Finally, he concludes to be irreversible the scene of that the burning in the São Paulo State will be extinguished, that the mechanization of the harvest will be inevitable, but also that unemployment will be and, therefore, public political will be developed as soon as possible by the competent authorities and the cane industry. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP. 13.278-181 rc.ipade@unianhanguera.edu.br. Keywords: Sugar cane burning, immediate elimination, economics and socials effects, São Paulo State.. Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 05/05/2008 Avaliado em: 26/06/2008 Publicação: 11 de agosto de 2008 87.

(2) 88. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. 1.. INTRODUÇÃO Há quase dez anos iniciou-se no Estado de São Paulo, em especial entre o Ministério Público, o Poder Executivo, o Poder Legislativo, os professores universitários, os ambientalistas, os jornalistas e o setor sucroalcooleiro, amplo debate sobre a necessidade de ser erradicada da prática agrícola o emprego do fogo como instrumento da despalha da cana-de-açúcar e, muito embora já se tenha passado todo esse tempo, essa discussão ainda está longe de se chegar a um consenso, principalmente no que diz respeito ao prazo necessário para que se proceda efetivamente a sua eliminação. Oportuno esclarecer que essa discussão não envolve apenas o Estado de São Paulo, porém, a análise a que se propõe nesse artigo se restringirá a ele, não propriamente porque se trata do estado onde se concentra o maior número de usinas e, por conseqüência, a maior produção de açúcar e álcool do país, mas sim por termos acompanhando de perto todo o desenrolar desses fatos, tendo inclusive a oportunidade de debater esse assunto com alguns dos sujeitos anteriormente indicados em algumas reuniões das quais participamos e palestras que proferimos.1 Com efeito, mostra-se, de certo modo, até compreensível essa indefinição, seja porque, de um lado, essa prática agrícola encontra-se enraizada na cultura do setor sucroalcooleiro há mais de cinqüenta anos, seja porque, do outro lado, se mostra incompatível com as preocupações ambientais atuais, sem contar que envolve ainda aspectos jurídicos, econômicos e sociais. Sem sombra de dúvidas, a discussão tem caráter multidiciplinar, o que torna o tema ainda mais complexo e dificulta o estabelecimento de verdades absolutas, mesmo porque cada um dos sujeitos com ele envolvido interpreta esse cenário com as suas convicções e interesses pessoais. Enfim, longe de se pretender trazer uma posição definitiva para essa celeuma, procura-se com o presente artigo não propriamente discutir se realmente se deve ou não erradicar as queimadas nos canaviais do Estado de São Paulo, até porque estamos convencidos da necessidade da eliminação desta vetusta prática agrícola. Pretende-se sim, após abordar, em linhas gerais, a queimada de cana-de-açúcar, a legislação estadual que dispõe sofre ela, a inédita decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre o assunto2, as conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata. 1 Proferimos palestras sobre esse assunto nas Faculdades de Direito da UNAR, em Araras/SP, e da UNIMEP, em Piracicaba/SP, da FAQUI, em Quirinpólis/GO, respectivamente, em 08 de março de 2006, 20 de setembro de 2006 e 26 de outubro de 2006. 2 O Órgão Especial do TJSP, nos autos ADIN nº. 129.132.0/3, ajuizada pelo SIFAESP/SIAESP contra o Prefeito do Município de Limeira e o Presidente da Câmara do mesmo município, julgou, em 21.03.07, por maioria de votos (15x6),. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

(3) Rogério Alessandre de Oliveira Castro. das queimadas, estabelecer um novo prazo para eliminação do emprego do fogo na despalha da cana-de-açúcar.. 2.. LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE PREVÊ O FIM DA QUEIMADA E A POSIÇÃO ATUAL DO GOVERNADOR JOSÉ SERRA Oportuno trazer uma síntese da legislação federal e estadual envolvendo a queimada. Em âmbito Federal, o Código Florestal (Lei nº. 4.771/65), regulamentado pelo Decreto Federal nº. 2.661/98, em seu artigo 27, trata da questão de forma genérica, restringindo o uso do fogo em florestas e outras formas de vegetação. Não faz referência expressa à queimada em canavial. Em complemento, o parágrafo único do referido artigo 27 outorga ao Poder Público a competência para autorizar o emprego do fogo em práticas agropastoris, como é o caso da cultura da cana-de-açúcar. Com base nesse permissivo legal e se utilizando de sua competência concorrente em matéria ambiental, estabelecida pelo artigo 24 da Constituição Federal, o Estado de São Paulo tentou, na última década, adequar a queima da cana-de-açúcar às particularidades encontradas em sua região e, ainda, estabelecer um equilíbrio entre a preservação ambiental e a atividade econômica. Assim, após inúmeros debates e discussões, leis e decretos editados e depois revogados, foi promulgada pelo Governador Geraldo Alckmin, em 18 de setembro de 2002, a Lei Estadual nº. 11.241, que passou a dispor sobre a eliminação gradativa da queima da palha de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Em função da nova Lei Estadual nº. 11.241/02, foram revogados apenas e tão somente o § 2º, do artigo 1º e os artigos 16 e 17 da Lei Estadual nº. 10.547, de 02 de maio de 2000 (Lei Arnaldo Jardim, quando ainda o Governador do Estado era Mário Covas).3 Vale dizer o seguinte: a Lei Estadual nº. 10.547/00 ainda está em vigor para todas as práticas agrícolas, à exceção da cultura da cana-de-açúcar, que passou a ter legislação própria (Lei Estadual nº. 11.241/02) e que, por isso, somente dela se valerá subsidiariamente.. improcedente esta ação e, por via reflexa, acabou reconhecendo a constitucionalidade do dispositivo da lei municipal (art. 1º, L. 3.963, de 22.11.2005), ou seja, que o município também tem competência para legislar sobre meio ambiente, em especial sobre a proibição imediata da queima da cana-de-açúcar em seu território. 3 Oportuno esclarecer que a Lei Estadual nº. 11.547/2000 é mais abrangente do que a Lei Estadual nº. 11.241/2002, na medida em que define regras não só quanto ao emprego do fogo na despalha da cana-de-açúcar, mas em práticas agrícolas, pastoris e florestais em geral.. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104. 89.

(4) 90. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. Cumpre destacar ainda que referida Lei nº. 11.241/02 foi regulamentada pelo Decreto nº. 47.700, de 11 de março de 2003, de autoria Governador Geraldo Alckmin. Para a Lei Estadual nº. 11.241/02, a queimada deve ser eliminada de forma gradativa, ou seja, para áreas mecanizáveis, na ordem de 20% no 1º ano (2002), 30% no 5º ano (2006), 50% no 10º ano (2011), 80% no 15º ano (2016) e 100% no 20º ano (2021) e, para áreas não mecanizáveis, na ordem de 10% no 10º ano (2011), 20% no 15º ano (2016), 30% no 20º ano (2021), 50% no 25º ano (2026) e 100% no 30º ano (2031). Se comparado com as áreas mecanizáveis, os plantadores de cana-de-açúcar ganharam um prazo de 10 (anos) a mais para eliminar totalmente a queimada em áreas não mecanizáveis. A título de comparação, o revogado art. 16 da Lei nº. 10.547/00 (Lei Arnaldo Jardim) falava em redução não inferior a um quarto (25%) da área mecanizável a cada período de 5 (cinco) anos, o que valia dizer que, em áreas mecanizáveis, a queima estaria totalmente proibida a partir de maio de 2020. Se comparado com as áreas mecanizáveis, os plantadores de cana-de-açúcar ganharam um prazo de mais 10 (anos) para eliminar totalmente a queimada em áreas não mecanizáveis (declividade superior a 12%, propriedade com área inferior a 150 ha. e solo pedregoso). Contudo, apesar de existir uma lei dispondo sobre o fim das queimadas nos canaviais paulistas, o Ministério Público Estadual tem defendido a sua inconstitucionalidade (art. 229 CF) desde a sua promulgação, enquanto o atual governador de São Paulo (Sr. José Serra), por meio de seu Secretário do Meio Ambiente (Sr. Francisco Graziano), vem defendendo a redução do prazo para sua eliminação em protocolo agroambiental apresentado ao setor sucroalcooleiro em março de 2007, que traz, dentre outros pontos, os seguintes: a) antecipação para 2010 para erradicação de 70% da queima nas áreas com cultura já implantadas e declividade inferior a 12% e para 2015 a erradicação total da queima nestas áreas; b) antecipação para 2012 para erradicação de 50% da queima nas áreas com cultura já implantadas e declividade superior a 12% e para 2021 a erradicação total da queima nestas áreas; c) não praticar a queima nas áreas em expansão e evitar terras com declividade superior a 12%. Interessante verificar a mudança de postura do governo estadual nessa questão, pois, apesar de ser do mesmo partido político do governador anterior Geraldo Alckmin (PSDB), o atual inclui o “fumaça preta zero” como um dos 21 projetos estratégicos de sua gestão. Deveras, a alteração de rumo para essa questão é nítida, a qual tem encontrado, como já era de se esperar, forte resistência do setor sucroalcooleiro. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

(5) Rogério Alessandre de Oliveira Castro. paulista, que não concordou, inicialmente, em assinar o indigitado protocolo (COSTA, 2007, p. 7). E não é apenas o Poder Executivo paulista que vem tratando essa questão de forma diferente, o Poder Judiciário paulista também alterou recentemente sua posição e, assim, entendeu que o município tem competência para editar lei proibindo imediatamente a queimada em seu território, mesmo existindo lei estadual trazendo prazo para a sua erradicação. A decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo será abordada no item seguinte.. 3.. DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO QUE AFASTA A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DO MUNICÍPIO DE LIMEIRA QUE PROÍBE DE IMEDIATO A QUEIMADA Conforme já registrado anteriormente nesse artigo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), de forma inédita, veio a julgar, em março de 2007, improcedente a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) ajuizada, em conjunto, pelo Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo (SIFAESP) e Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo (SIAESP) contra o artigo 1º da Lei do Município de Limeira nº. 3.963, de 22 de novembro de 2005, que proíbe, de imediato, o emprego do fogo para a despalha dos canaviais localizados em seu território.4 O Órgão Especial do TJSP finalizou o julgamento da citada ADIN em 21 de março de 2007, sendo que quinze desembargadores votaram pela improcedência e seis pela procedência.5 Importante lembrar que, até então, o TJSP tinha firmado posição inversa, como no julgamento da Lei do Município de Americana (L. 3.812/2003) e da Lei do Município de Ribeirão Preto (LC 1.616/2004), quando entendeu que as mesmas afrontavam a Constituição Estadual (arts. 23, parágrafo único, n. 14, 144, 192 e § 1º e 193, e incisos XX e XXI) e, de forma reflexa, a Constituição Federal (arts. 24, VI, 30, II), uma vez que os municípios, ao legislar sobre o fim das queimadas em canavial, acabavam por invadir a competência legislativa concorrente da União e dos Estados, que aliás já tinham regulamentado a matéria. Oportuno também destacar que não fora outra a posição do TJSP em julgamentos anteriores, como no caso da Lei do Município de Pindamonhangaba (L. 3.830/2001) e da Lei Orgânica do Município de Jacareí (art. 182).6. 4. Referido processo foi distribuído no TJSP sob nº 129.132.0/3. Presenciamos esse julgamento pelo Órgão Especial do TJSP. 6 Cf. ADIN 110.606.0/3, TJSP. 5. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104. 91.

(6) 92. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. Com efeito, com a atual posição do Órgão Especial do TJSP, entendeu-se que o município pode proibir o emprego do fogo em canaviais localizados em seu território, mesmo existindo lei estadual dispondo de forma diversa sobre a matéria. Alguns dos votos dos desembargadores que julgaram pela improcedência da ADIN consideraram, além da questão estritamente jurídica (competência do município para legislar sobre essa questão), outros aspectos, como: a) a queima necessariamente faz mal à saúde; b) a queima contribui para o efeito estufa; c) a mecanização da colheita pode ser implantada de imediato, superando os impedimentos técnicos do solo, da declividade acima de 12%, e da forma de plantação da cana que exige espaçamento diverso daquela destinada ao corte manual; d) a proibição da queima não contribui para a queda da produtividade e os trabalhadores não sofreriam prejuízos em sua remuneração; e) a de que a segurança pessoal do trabalhador na colheita, não estaria comprometida. Um dos desembargadores que capitaneou a mudança do entendimento do Órgão Especial do TJSP nessa questão foi o Desembargador José Renato Nalini, cuja posição, de forma bastante sintética, pode ser encontrada no artigo que escreveu sob o título “Leniência Letal” e que foi publicado na Revista Jurídica Consulex nº. 247, de 30 de abril de 2007.7 Mesmo sem o trânsito em julgado, merece destaque a inovadora decisão tomada pelo Poder Judiciário paulista sobre a possibilidade de o município proibir o emprego do fogo na despalha da cana-de-açúcar plantada em propriedades agrícolas localizadas em seu território.. 4.. CONSEQÜÊNCIAS ECONÔMICAS E SOCIAIS DA ERRADICAÇÃO IMEDIATA DAS QUEIMADAS NOS CANAVIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO Em função da referida decisão do Órgão Especial do TJSP nos autos da ADIN nº. 129.132.0/3, que permitiu ao município de Limeira proibir a queimada da cana em seu. 7 Alguns excertos extraídos do artigo: “É urgente a revisão dos prazos concedidos para eliminação da queimada de palha de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Inexplicável ter aceitado o termo final do ano 2031 para a definitiva cessação dessa prática nefasta. (...) Ainda é crível afirmar que a poluição, a destruição da mata, a morte precoce e a queda do nível da saúde das populações envolvidas é o preço inevitável a pagar pelo progresso? Há um peso específico até para a argumentação jurídica dos desenvolvimentistas, confrontada com a dos ambientalistas. Hoje, a urgência dos resultados na balança comercial oculta as advertências ecológicas. A posteridade haverá de considerar bizarro que a queimada – perceptível mediante o simples uso natural dos sentidos humanos – tenha sido absolvida pelo direito. A cegueira epistemológica advém do dogma indiscutível de que o progresso econômico é o único a interessar à egoísta sociedade contemporânea. (...) Problemas respiratórios de crianças e idosos não foram considerados. (...) Também se mostra essencial levar a sério os princípios do direito ambiental, sobretudo os da prevenção e da precaução. Embora eu não tenha dúvida de que as queimadas são nefastas, não compensam o lucro que geram, a alegada incerteza científica, tão invocada por seus defensores, deveria levá-los a uma abstenção. (NALINI, 2007, p. 24-25).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

(7) Rogério Alessandre de Oliveira Castro. território, torna-se oportuno analisar, não a correção dessa decisão, mas sim as conseqüências econômicas e sociais que dela podem advir, principalmente em função do efeito multiplicador que pode ser desencadeado para os outros municípios canavieiros do Estado. Para que não restem dúvidas, torna-se oportuno registrar novamente que o autor desse artigo é favorável à erradicação das queimadas nos canaviais paulistas, como também entende que o valor econômico não pode, simplesmente, se sobrepor ao ambiental. Porém, não há como ignorar as conseqüências econômicas e, também, sociais que resultarão da decisão de eliminar imediatamente, sem a concessão de um prazo para o setor sucroalcooleiro, o emprego do fogo para a despalha da cana-de-açúcar, razão pela qual se faz necessário tentar construir uma opção intermediária entre os dois extremos desse cenário, ou seja, entre aqueles que defendem o fim da queimada somente em 2021/2031 e outros que lutam para o fim desta prática imediatamente. Enfim o exercício da harmonização, pautada na busca dos menores traumas possíveis de lado a lado, apresenta-se como o instrumento mais sensato nesse momento. Guardadas as devidas proporções, o clássico intitulado The economic consequence of the peace (“As conseqüências econômicas da paz”), escrito por John Maynard Keynes em 1919, pode ajudar a reflexão a que se propõe. Nessa obra, o citado economista inglês, considerado mais tarde como o pai da macroeconomia, aborda o ônus excessivo imposto pelo Tratado de Versalhes ao perdedor da I Guerra Mundial, no caso, à Alemanha. Sua crítica se volta ao fato de que esse ônus acabaria por se voltar contra os próprios interesses de quem articulou essa imposição, no caso a França e, por via reflexa, alcançaria também boa parte da Europa. Enfim, Keynes alertava para as conseqüências da guerra mal resolvida, que certamente contribuíram para o desencadeamento, anos mais tarde, da II Guerra Mundial (1939).8 “Mutatis mutandis”, poder-se-ia dizer que se corre o risco de se repetir a imposição de um ônus excessivo a um sujeito que perdeu a guerra ambiental, ou seja, ao setor sucroalcooleiro (usineiros, fornecedores de cana, parceiros agrícolas etc.), cujos. 8. Oportuno transcrever a advertência que Keynes fez no prefácio da edição francesa desse mesmo livro: “A política que defendo é, portanto, mais interessante para a França do que as ilusões vazias de Versalhes. Mas advogo que sejam apoiadas mais ainda porque ele significa a solidariedade européia, a segurança efetiva para todos nós. Estaria a França em segurança devido aos sentinelas postados no Reno se suas finanças estivessem em desordem e ruína, se estivesse isolada espiritualmente dos seus amigos, se a miséria, o fanatismo e o derramamento de sangue prevalecessem o rio Reno para o Oriente, através de dois continentes? Não se pende que estou imputando à França a responsabilidade pelo Tratado desastroso – responsabilidade que com efeito deve ser compartilhada por todos os seus signatários” (KEYNES, 2002, p. XXXV).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104. 93.

(8) 94. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. efeitos da derrota poderá retornar à própria sociedade como um todo, desencadeando conflitos ainda mais indesejados, se não for dado um prazo mínimo para ajustes. Apesar da primariedade do raciocínio, é possível colacionar algumas conseqüências econômicas e sociais que poderiam advir da eliminação imediata das queimadas nos canaviais paulistas. Apesar da restrição que se possa atribuir à idéia de Levitt, nos dias atuais cada vez mais parece prevalecer que “o moralismo representa a forma como as pessoas gostariam que o mundo funcionasse, enquanto a economia representa a forma como ele realmente funciona.” (2005, p. 15). É preciso registrar que o Estado de São Paulo é o maior produtor de açúcar e de álcool do país, como também o maior exportador destes produtos e maior empregador de trabalhadores rurais. Para a safra 2006/2007, foram produzidos neste Estado 10,91 bilhões de litros de álcool, sendo 5,64 bilhões de litros de hidratado e 5,26 bilhões de litros de anidro. Para a mesma safra, estima-se no Estado de São Paulo a produção de 19,55 milhões de toneladas de açúcar. O Estado apresenta 148 usinas que processaram cana.9 A agroindústria canavieira no país emprega diretamente mais de 1 milhão de pessoas; 80% da colheita é manual; a produção total é de 340 milhões de toneladas, com faturamento de 22 bilhões de reais e com tendência de aumento nos próximos anos em função do mercado externo, especialmente do álcool; o Estado de São Paulo é responsável por 60% da produção nacional.10 Oportuno lembrar também que o setor sucroalcooleiro é composto por usinas (de grande, médio e pequeno porte), empresas agrícolas, fornecedores de cana pessoas físicas e autônomas, dentre outros agentes. Assim, influenciada pela decisão do TJSP na ADIN nº. 129.132.0/3, imaginem, em hipótese, que a Assembléia Legislativa Paulista aprovasse lei, e o Governador do Estado a sancionasse, proibindo, imediatamente, as queimadas em canaviais, ou, ainda, que a maioria dos municípios deste estado viesse a editar lei com o mesmo comando da do município de Limeira, e o setor sucroalcooleiro como um todo decidisse cumpri-la, sem qualquer contestação judicial. Assim, com a erradicação imediata das queimadas, o corte da cana-de-açúcar passaria a depender quase que exclusivamente de máquinas, na medida em que se torna inviável o corte da cana crua (sem a despalha pelo fogo) e manual (por meio de cortadores).. 9. Informação UNICA, Ano 9, n. 75, mar/abr. 2007. Revista Desafios do Desenvolvimento/IPEA, n. 7, fev/2005, p.33.. 10. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

(9) Rogério Alessandre de Oliveira Castro. Importante esclarecer que o corte manual da cana crua se torna inviável por várias razões. Primeiramente, para o próprio trabalhador rural, que não consegue cortar o mesmo volume se a cana estivesse queimada (sem a palhada) e, por conseqüência, tem perda expressiva em sua remuneração mensal, já que ela é proporcional à sua produção diária, sem contar o significativo aumento do esforço físico (que já é expressivo) e a potencialização do risco de acidentes do trabalho (cortes nos braços e pernas com o “facão”, picadas de cobra, escorpião e aranha, dentre outros infortúnios). Mesmo que fosse alterada a forma de pagamento da remuneração do trabalhador, ou seja, pactuado um salário fixo e não por produção, é certo que existe um período máximo para a usina processar a cana cortada, o que vale dizer, como o corte cru e manual da cana contribuirá para o aumento do tempo para retirá-la do campo, podemos dizer que, dependendo da distância entre o canavial e a indústria, haverá perda da concentração de açúcar na matéria-prima a ser processada pela usina, perda esta que, dependendo de sua extensão, inviabilizará a continuidade da utilização de determinadas áreas agrícolas. Enfim, o corte cru e manual da cana-de-açúcar, a princípio, se torna inviável, restando assim como alternativa a mecanização deste processo, ou seja, a substituição dos trabalhadores rurais por máquinas agrícolas. Em outras palavras, a demissão em massa dos cortadores de cana seria inevitável. A demissão da maior parte dos cortadores de cana no Estado de São Paulo leva, indubitavelmente, a um grave problema social. Além da perda imediata de suas fontes de renda, os cortadores de cana, com raras exceções, são pessoas com baixa escolaridade (muitas vezes mal sabem escrever o nome) e sem qualificação profissional. Assim, é natural que terão extrema dificuldade em conseguir uma recolocação no mercado de trabalho atual, cada vez mais exigente. Essa questão preocupa sobremaneira, principalmente porque a atenção das autoridades e da sociedade têm se voltado quase que exclusivamente para o fim da queimada, deixando de lado o efeito social, ou seja, o desemprego em massa que será desencadeado e a dificuldade se sua recolocação no mercado. Por mais que se acredite que boa parte dessa mão-de-obra migrará para os outros estados canavieiros, em que a queimada ainda não tenha sido proibida, o problema social restará de qualquer forma, mesmo que seja parcial. Assim, é preciso que o Estado paulista, com a colaboração de seus Municípios, cumpra, ao menos, o que determina o artigo 10 da Lei nº. 11.241/02, ou seja, criem e implantem programas visando à requalificação profissional dos cortadores de cana. Defende-se que o mesmo entusiasmo encontrado para determinar o fim das queimadas deve ser encontrado também. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104. 95.

(10) 96. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. para a questão do que se fazer com milhares de trabalhadores rurais que ficarão desempregados. Às vezes, temos a sensação de que a sociedade resigna-se, inexplicavelmente, com o cenário do homem miserável debaixo da sombra de um jatobá, quando o desejado seria encontrar um homem próspero se relacionando harmoniosamente com a floresta. E o processo de mecanização do corte da cana-de-açúcar não determina apenas o desemprego em massa, implica também em investimentos de grandes cifras. Apenas para conhecimento, a mecanização envolve: a) compra de colhedeiras11, no valor aproximado de R$ 1 milhão cada (US$ 500 mil, em 17.05.07); b) veículos de transbordo, no valor aproximado de R$ 70 mil cada (US$ 35 mil, em 17.05.07); c) tratores, no valor aproximado de R$ 200 mil cada (US$ 100 mil, em 17.05.07); d) caminhões, no valor aproximado de R$ 200 mil cada (US$ 100 mil, em 17.05.07). Considerando uma usina com quatro frentes de corte mecanizado, com um total de 19 colhedeiras, 82 veículos de transbordo, 40 tratores e 40 treminhões, e uma área de 24,5 mil hectares, da qual serão colhidas 2,4 milhões de toneladas, o custo de investimento seria na ordem de R$ 42 milhões (US$ 21 milhões, em 17.05.07), ou seja, o equivalente a R$ 1,7 mil (US$ 850 dólares) por hectare.12 Em função dos valores expressivos dos investimentos, resta agora a seguinte interrogante: o setor sucroalcooleiro teria recurso financeiro suficiente para tanto? Boa parte dele sim, tendo em vista os bons resultados das últimas safras (2004, 2005 e 2006). Porém, o cenário não é satisfatório para as futuras safras, mesmo com a possibilidade de exportação do etanol também para alguns países do primeiro mundo.13 Contudo, não se pode deixar de lembrar que o setor não é apenas formado por usinas de açúcar e álcool de grande porte e capitalizadas, pelo contrário, existem muitas em situações inversas, sem contar que, a maioria dos fornecedores de cana (pessoas físicas autônomas), como também alguns condomínios agrícolas e figuras semelhantes, que assumem o corte da cana-de-açúcar em suas propriedades, terão extrema dificuldade, ou mesmo estarão impossibilitados, de fazer aporte financeiro dessa monta, o que poderá resultar na inviabilidade da atividade econômica dos mesmos, ao menos para a lavoura da cana-de-açúcar mecanizada. Alguns diriam porque as usinas não assumem o corte? Simplesmente porque, se assumissem o corte mecanizado, o contrato de forneci-. 11. Colhedeira é sinônimo de colheitadeira (Dicionário Eletrônico Aurélio). Números trazidos na entrevista que o gerente de manutenção da Usina Açucareira Guairá, Sr. Ricardo José de Abreu Costa, deu para o jornalista Edson Álvares da Costa, publicada na Gazeta Mercantil, em 16.04.07, Caderno C, p. 7. 13 O preço do açúcar o mercado interno e externo está bem abaixo do preço médio das safras anteriores (2004 e 2005), sem contar que o etanol ainda não é uma commodity agrícola, o que dificulta a sua comercialização do mercado externo. 12. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

(11) Rogério Alessandre de Oliveira Castro. mento daria lugar obrigatoriamente ao contrato de parceria-agrícola, o que vale dizer, eliminaria a possibilidade de outras pessoas, que não as próprias usinas, assumirem o seu negócio e, por conseqüência, receberem ao final da safra valores muito maiores do que os de uma parceria agrícola. Dependendo de outras circunstâncias, corre-se o risco inclusive de se ter uma maior concentração de terras e, por conseqüência, de rendas, na medida em que algumas pequenas usinas e boa parte dos fornecedores de cana fatalmente seriam incorporadas pelas grandes usinas. Enfim, a concentração de riqueza seria ainda maior e a distribuição de renda ainda menor, ao menos com relação aos sujeitos ora citados. Esse problema, de qualquer forma, precisa ser melhor analisado e debatido, principalmente pelo Estado, responsável pelas políticas públicas voltadas ao desempregado. Deixando de lado o desemprego e imaginando que o setor, como um todo, tivesse recursos para o processo de mecanização do corte da cana, outro problema surge: não existem colhedeiras, transbordos, tratores e caminhões suficientes para atender de imediato a demanda determinada pelo fim das queimadas. Talvez, haveria necessidade de alguns anos para que todo esse maquinário fosse produzido e disponibilizado para o setor sucroalcooleiro. Aí resta outra interrogante: se não é possível colher a cana crua e manual e se não há maquinário disponível no mercado para atender a demanda, como seria então retirada a matéria-prima do campo? De duas uma, ou não seria, ou seria com muito prejuízo para o setor e, por via reflexa, para a sociedade como um todo, pois, os preços do açúcar e do álcool fatalmente disparariam em função da menor oferta dos mesmos no mercado. A indústria alimentícia, as distribuidores de álcool, os postos de combustíveis, dentre outras empresas inseridas nesta cadeia, certamente teriam prejuízos com o aumento do custo dos produtos que adquirem do setor sucroalcooleiro. Porém, não há dúvida de que as usinas de açúcar e álcool, especialmente, seriam afetadas tanto em seu mercado interno como em seu mercado externo, pois não só não teriam produto suficiente para atender a demanda externa, como também não teriam preço e, portanto, competitividade. Por conseqüência, os reflexos seriam desastrosos na balança comercial do país, principalmente porque boa parte do seu saldo positivo nos últimos anos tem sido determinada pela exportação do açúcar. Não se pode esquecer ainda que as perspectivas de incremento da exportação do álcool também ficariam comprometidas nesse cenário adverso. Mesmo que a indústria de máquinas conseguisse atender imediatamente, ou num curto espaço de tempo, a demanda do setor, o que se admite apenas em hipótese, outro ponto merece ser registrado. Com efeito, é certo que a grande maioria das usinas. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104. 97.

(12) 98. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. vem seguindo os prazos concedidos pela Lei Estadual nº. 11.241/02 para eliminar por completo as queimadas (2021 e 2031, dependendo da topografia da área). Por isso, a maior parte dos canaviais paulistas ainda foi fundada para ser colhida com emprego do fogo e manualmente. Vale lembrar que o espaçamento entre uma linha de cana e outra, dentre outros pontos técnicos e agronômicos, são diferentes entre um canavial fundado para ser colhido com emprego do fogo e manualmente e um canavial a ser colhido cru e mecanicamente. Ou seja, se um canavial preparado para ser colhido com emprego do fogo e manualmente vier a ser colhido cru e mecanicamente, haverá perda de eficiência na colheita, ou seja, perda para os fornecedores e para as usinas. Dependendo da extensão desta perda, a produção de açúcar e álcool do Estado poderia ser afetada, o que implicaria novamente num ciclo multiplicador negativo na cadeia produtiva já apresentada anteriormente e, por conseqüência, afetaria a sociedade como um todo. De forma bem sucinta, seriam esses os problemas econômicos e sociais que o Estado de São Paulo enfrentaria se a queimada fosse eliminada imediatamente e sem a concessão de um prazo para tal adaptação. Registramos mais uma vez que se não podemos sobrepor o aspecto econômico ao ambiental, com o que concordamos, também não podemos desconsiderá-lo em nossa análise, sob pena de desencadearmos um cenário ainda pior daquele que já temos hoje. A palavra mágica para isso é harmonizar os prazos à realidade social atual, questão que será abordada no item seguinte desse artigo.. 5.. A REDUÇÃO DOS PRAZOS DA LEI ESTADUAL Nº. 11.241/02 SE FAZ NECESSÁRIO O fim da queimada da cana já foi definido na Lei Estadual nº. 11.241/02. Mas em que ponto reside então o conflito? O conflito está em definir o momento em que se dará a eliminação desta controvertida prática agrícola: imediatamente, ou, num determinado espaço de tempo? Assim, o foco dessa discussão se resume em saber qual o momento mais correto para se proibir por completo esta prática: final de 2021/2031, como consta da lei estadual, ou final de 2015/2021, como consta da proposta atual do governo paulista? Enfim, utilizando-se de uma expressão comum para os americanos, é uma questão de. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

(13) Rogério Alessandre de Oliveira Castro. “timing”, ou seja, é uma questão de escolher qual o momento mais oportuno, sob todos os aspectos, para se erradicar em definitivo a queimada de cana. Registre-se, desde logo, que os prazos estabelecidos pela referida legislação estadual (2021 e 2031, dependendo da topografia do terreno) são por demais elastecidos. Na verdade, é inaceitável, mesmo com o efeito multiplicador negativo que a eliminação imediata da queimada traz para o Estado, pensar em mais 14 ou 24 anos, dependendo se a área é ou não mecanizável, para o fim desta prática agrícola. Resta então a questão: qual o prazo que seria aceitável para se proceder à eliminação total das queimadas no Estado de São Paulo? Para responder a essa questão, além do enfoque econômico já apresentado, utilizar-se também da argumentação jurídica para defender a redução dos prazos atuais. Assim, inevitável procurar a resposta, primeiramente, na própria Constituição Federal. Dentre outros, volta-se ao artigo 170 e seus incisos, como também ao artigo 225. De um lado, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, na livre iniciativa e que deve ela observar os princípios da livre concorrência e da busca do pleno emprego. De outro lado, a mesma ordem econômica deve observar os princípios da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente, corroborado este último pelo art. 225 da Constituição Federal que outorga ao povo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como condição essencial de sua qualidade de vida. Com efeito, o emprego da prática da queima da palha da cana de açúcar parece violar frontalmente tal comando, ao mesmo passo que a sua continuidade implica na manutenção de milhares de empregos. É realmente um paradoxo, ao menos, a princípio. Existe sim esse aparente choque de valores e princípios constitucionais e que, à primeira vista, se tem uma contradição e a difícil tarefa de saber qual deles deve prevalecer: a proteção ao meio ambiente, a proteção ao trabalho, ou, proteção econômica? Se a proteção ao meio ambiente deve prevalecer a qualquer custo, a eliminação da queimada deve ser feita imediatamente; do contrário, é possível entender que a concessão do prazo se faz necessária. Oportuna a conclusão a que chegou Miguel Reale, ao analisar tal questão: “não é demais assinalar que a proteção ao meio ambiente não pode redundar em dano aos valores do trabalho, da produção e da ordem financeira, estando a Ecologia subordinada eticamente a Antropologia enquanto cuida dos valores fundamentais da criatura humana”.14 Contudo, é possível discordar em parte dessa assertiva. Com efeito, nem a Ecologia está subordinada à Antropologia, como também 14. Parecer jurídico emitido pelo autor em 03.06.2002, a pedido da UNICA.. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104. 99.

(14) 100. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. está não está subordinada àquela, pois são círculos concêntricos, que encerram valores e princípios próprios, mas que devem se relacionar e se harmonizar sob o fundamento do interesse coletivo. Assim, defende-se nesse artigo a tese de que há necessidade de se harmonizar esse conflito de princípios e valores constitucionais, tarefa que não é fácil, mas que precisa ser enfrentada. Primeiramente, se faz necessário desenvolver uma análise macro e não micro desse cenário complexo. Nesse contexto, torna-se oportuno registrar novamente o seguinte: (a) não há como fugir de alguns dados econômicos: a agroindústria canavieira emprega diretamente mais de 1 milhão de pessoas; 80% da colheita é manual; a produção total é de 340 milhões de toneladas, com faturamento de 22 bilhões de reais e com tendência de aumento nos próximos anos em função do mercado externo, especialmente do álcool; o Estado de São Paulo é responsável por 60% da produção nacional; isso pesa em qualquer decisão (VASCONCELOS, 2005, p. 33); (b) o setor sucroacooleiro é composto de usinas (capitalizadas e não capitalizadas) e de pequenos, médios e grandes fornecedores; aí surgem algumas interrogantes: será que o setor como um todo, principalmente os pequenos e médios fornecedores teriam condição de substituir de imediato, ou num curto espaço de tempo, o corte manual pelo corte mecanizado? o corte mecanizado levaria a uma concentração ainda maior de terras e de rendas? É justamente em função de todas essas dificuldades que há necessidade de estabelecer um prazo para se proibir em definitivo as queimadas. Mas esse prazo não seria o estabelecido pela Lei Estadual nº. 11.241/02 (2021 e 2031, dependendo da topografia da área). Diríamos que o legislador paulista não se valeu do princípio da razoabilidade para harmonizar tal conflito. Da mesma forma que não se parece razoável aceitar a eliminação imediata da queimada, também não se parece razoável estabelecer o prazo para erradicação desta prática até 2021/2031. Oportuno o fundamento bíblico, registrado no Livro do Eclesiastes, capítulo 7, versículo 16, que parece nortear o referido princípio da razoabilidade: “Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio: por que te destruirias a ti mesmo?”.15 De certa forma, essa sabedoria bíblica pode levar ao encontro de uma proposta que. 15 “Palavras do Eclesiastes – em hebraico Qohelet, isto é, pregador – filho de Davi, rei de Jerusalém. Assim, se intitula o livro, para o qual a tradição judaico-cristã atribuiu a Salomão, do qual o nome de Eclesiastes seria um pseudônimo. Mas, pelo estilo e linguagem do livro, parece dever atribuir-se a um autor da época decadente, talvez do séc. III antes de Cristo” (In: Bíblia Sagrada, 5 ed., Aparecida, Ed. Santuário, 1984, p. 925). Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

(15) Rogério Alessandre de Oliveira Castro. harmonize as duas posições extremadas sobre essa questão (eliminação imediata x eliminação com prazos elastecidos). Em busca da harmonização dos interesses em conflito com base no princípio da razoabilidade, é possível afirmar que os novos prazos sugeridos pelo Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Sr. Francisco Graziano Neto, em seu protocolo agro-ambiental apresentado ao setor sucroalcooleiro em abril de 2007, são bem próximos do que se reputa ser possível e razoável para o interesse coletivo (sociedade + setor sucroalcooleiro), senão vejamos: (a) antecipação para 2010 a erradicação de 70% da queima nas áreas com cultura já implantadas e declividade inferior a 12% e para 2015 a erradicação total da queima nestas áreas; (b) antecipação para 2012 a erradicação de 50% da queima nas áreas com cultura já implantadas e declividade superior a 12% e para 2021 a erradicação total da queima nestas áreas; (c) não praticar a queima nas áreas em expansão e evitar terras com declividade superior a 12%. Se forem comparados os prazos dessa proposta do governo paulista com os fixados atualmente pela Lei nº. 11.241/02, encontraremos uma redução de 6 anos para erradicação total da queima nas áreas com declividade inferior a 12% (2021 para 2015) e 10 anos para as áreas com declividade superior a 12% (2031 para 2021). Para incentivar o setor sucroalcooleiro a fazer os investimentos para a mecanização do corte num curto espaço de tempo, seria bastante oportuno que o mesmo governo paulista lhe concedesse isenção ou redução da alíquota de ICMS para adquirir as máquinas que se fizerem necessárias para tanto, como também disponibilizar, principalmente aos pequenos e médios produtores, linhas de financiamento com juros subsidiados em banco estadual. Acredita-se ainda que, além dos já apresentados, inclusive a decisão do TJSP na ADIN 129.132.0/3, alguns outros fatores poderão contribuir para justificar a redução antecipada da mecanização e, por conseqüência, a eliminação das queimadas em prazos inferiores aos estabelecidos pela Lei Estadual nº. 11.241/02: (a) a NR 31, que traz inúmeras exigências para os empregadores rurais em relação aos cortadores de cana; enfim, é mais um aumento do custo da mão-de-obra, muito embora a proteção e a segurança do trabalhador no campo sejam indispensáveis; (b) o movimento encampado pelos Procuradores do Ministério Público do Trabalho no Estado de São Paulo para acabar com a remuneração por produção do cortador de cana-de-açúcar; em tese, é mais um aumento do custo da mão-de-obra; (c) o movimento também desenvolvido pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra o emprego do fogo na despalha. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104. 101.

(16) 102. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. da cana-de-açúcar, prática que entende nefasta para o meio ambiente; (d) a possibilidade de se utilizar a palha da cana de açúcar na geração de energia (biomassa), ou seja, para movimentar as caldeiras das usinas que se utilizam atualmente do próprio bagaço da cana; (d) a exigência que alguns países estrangeiros irão impor para comprar o álcool brasileiro, principalmente no que tange às condições de trabalho e os aspectos ambientais de sua produção. (ZAFALON, 2007). Diante desse árido cenário, a arte pode também contribuir na reflexão. Com efeito, vale lembrar da tela da Escola de Atenas, pintada pelo renascentista Raphael, que traz em seu centro dois dos maiores filósofos que a humanidade já conheceu: Platão apontando para o alto, representando o céu; e Aristóteles, para frente, representando o equilíbrio. Quer parecer que os que defendem a imediata eliminação das queimadas sejam mais platônicos, lutem mais para o que entendam seja o ideal. Contudo, a melhor solução talvez não seja nem o céu nem a terra, isto é, nem os prazos fixados pela Lei Estadual nº. 11.241/02, nem a paralisação imediata das queimadas. Deve prevalecer sim a eliminação das queimadas, mas de forma progressiva, num prazo menor do que aquele previsto pela citada lei estadual, enfim, deve prevalecer uma solução intermediária, mais aristotélica para o presente caso, que é encontrada na proposta apresentada em abril de 2007 pelo Governo do Estado de São Paulo.16. 6.. CONCLUSÃO Enfim, mostra-se irreversível o cenário de que as queimadas no Estado de São Paulo estão com os dias contados pela própria lei atualmente em vigor (Lei nº. 11.241/02), de que os prazos desta legislação precisam ser reduzidos, de que a mecanização da colheita é inevitável, como também que o desemprego o será e, portanto, políticas públicas terão de ser desenvolvidas o mais rápido possível pelas autoridades competentes, com o auxílio do setor sucroalcooleiro.. 16. Para conhecimento, o entendimento defendido nesse artigo, de se reduzir os prazos para a eliminação da queimada e de se harmonizar interesses conflitantes, foi acolhida. O setor sucroalcooleiro, representando pela União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (ÚNICA), veio a assinar com o Governo do Estado de São Paulo, em 04 de junho de 2007, protocolo de cooperação para adoção de ações destinadas a consolidar o desenvolvimento sustentável da indústria da cana-de-açúcar no Estado, dentre elas a de antecipar o prazo final para a eliminação da queimada de 2021 para 2014, nos terrenos com declividade até 12%, e de 2031 para 2017, naqueles com declividade acima de 12%. E, conforme matéria publicada no site do Estadão On Line, “o governo paulista já recebeu a adesão de 125 usinas de açúcar e álcool ao protocolo agroambiental do setor” (PORTO, 2007).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

(17) Rogério Alessandre de Oliveira Castro. REFERÊNCIAS ARRIGONI, Enrico De Beni. Defensivos (pesticidas e outros). In: A energia da cana-de-açúcar – doze estudos sobre a agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil e a sua sustentabilidade. Isaias de Carvalho Macedo (Org.). São Paulo: Berlendis & Vertecchia: ÚNICA, 2005, p. 145-152. BIBLIA SAGRADA. Livro do Eclesiastes: Introdução. 5. ed. Aparecida/SP: Ed. Santuário, 925 p. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 09 dez. 2007. BRASIL. Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o Código Florestal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em: 09 dez. 2007. BRASIL. Decreto Federal n. 2.661, de 08 de julho de 1998. Regulamenta o parágrafo único do art. 27 da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (código florestal), mediante o estabelecimento de normas de precaução relativas ao emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2661.htm>. Acesso em: 09 dez. 2007. COSTA, Edson Álvares da. Usineiros paulistas rejeitam conduta ambiental. Gazeta Mercantil, São Paulo, 16 abr. 2007, Caderno C, p. 7. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Eletrônico Aurélio. Versão 3.0. 1999, 1 CDROM. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 16. ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1979, p. 54-60. IPEA (Instituto de Pesquisas Avançadas). Revista Desafios, n. 7, fev. 2005. LEVITT, Steven; DUBNER, Stephen. Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta: as revelações de uma economista original e politicamente incorreto. Tradução Regina Lyra. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier/Editora Campus, 2005. KEYNES, John Maynard. As conseqüências econômicas da paz. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Brasília: Editora UnB, 2002. KIRCHOFF, V. W. J. H. As queimadas de cana-de-açúcar. São José dos Campos-SP: Transtec Editorial, 1991. NALINI, José Renato. Leniência letal. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n. 247, p. 24-25, abr. 2007. PORTO, Gustavo. Usinas aderem ao protocolo agroambiental de SP. Estadaoonline. Economia. São Paulo, nov. 2007. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/economia/not_eco84990,0.htm>. Acesso em: 09 dez. 2007. REALE, Miguel. Parecer emitido a pedido da UNICA. São Paulo, jun. 2002. SÃO PAULO (Estado). Lei n. 10.547, de 02 de maio de 2000. Define procedimentos, proibições, estabelece regras de execução e medidas de precaução a serem obedecidas quando do emprego do fogo em práticas agrícolas, pastoris e florestais, e dá outras providências correlatas. Disponível em: <http://www.legislacao.sp.gov.br/legislacao/index.htm>. Acesso em: 09 dez. 2007. SÃO PAULO (Estado). Lei n. 11.241, de 11 de setembro de 2002. Dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá providências correlatas. Disponível em: <http://www.legislacao.sp.gov.br/legislacao/index.htm>. Acesso em: 09 dez. 2007. SÃO PAULO (Estado). Decreto n. 47.700, de 11 de março de 2003. Regulamenta a Lei nº 11.241, de 19 de setembro de 2002, que dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá providências correlatas. Disponível em: <http://www.legislacao.sp.gov.br/legislacao/index.htm>. Acesso em: 09 dez. 2007.. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104. 103.

(18) 104. Queimadas em canaviais paulistas: conseqüências econômicas e sociais da erradicação imediata e uma proposta alternativa. UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). Informação Ano 9, n. 75, mar/abr. 2007. Disponível em: <http:/www.portalunica.com.br>. Acesso em: 20 maio 2007. VASCONCELOS, Lia. O combustível do futuro. Revista Desafios do Desenvolvimento (IPEA). Brasília, n. 7, Ano 2, fev. 2005, p. 30-36. ZAFALON, Mauro. Pressão externa força certificação do álcool: UE deve avaliar condições de trabalho e aspectos ambientais da produção no país; Inmetro estuda parâmetros para atestado. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 maio 2007, Dinheiro, B9.. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 87-104.

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