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Um olhar para dentro : o movimento feminista no Rio de Janeiro

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Academic year: 2021

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UM OLHAR PARA DENTRO:

O MOVIMENTO FEMINISTA NO RIO DE JANEIRO

Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de' Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina, para a obtenção do Grau de Mestre ent Ciências Sociais - Op ção Sociologia.

Sônia Malheiros Miguel

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são eternas até certo ponto. TDüram o infinito variãvel

no limite de nosso poder de respirar a eternidade

Pensã-las ê pensar que não acabam nunca dar-lhes moldura de granito.

De outra matéria se tornam, absoluta, numa outra (jnaior) realidade.

Carlos Drummond de Andrade

Para Zecâ e Felipe Sempre Para Eglê e Salim Meus pais

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I N D I C E pãg. AGRADECIMENTOS ... ... ... ... iv R E S U M O ... ... ... ... ..vi INTRODUÇÃO - A EXPERIÊNCIA R E F L E T I D A ... ... .. 1 CAPÍTULO I - A P E S Q U I S A ... ... 7

CAPÍTULO II - A REFLEXÃO TEÓRICA ... ... .. 15

CAPÍTULO III - OS GRUPOS E AS ENTREVISTADAS ... 39

CAPÍTULO IV - AS FEMINISTAS E SEUS FEMINISMOS ... .... .. 47

CAPÍTULO V - A ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO: A QUEBRA DE UTO­ PIAS ... .. 56

CAPÍTULO VI - AUTONOMIA - AUTONOMIAS: NOVOS RUMOS DE ATUA ÇÂO NO MOVIMENTO . . ... . ... .. 7 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS - A (.RE) CONSTRUÇÃO DE UTOPIAS ... .. 97

A N E X O . ... ... ... ... .. 103

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A G R A D E C 1 M E N T 0 S

Não se faz uma dissertação sozinha. Na caminhada v o ­ cê envolve a todos (direta ou indiretamente). Gostaria de regis trar aqui meus agradecimentos.

à Ilse Scherer-Warren, pela Orientação e Amizade. Aos professores da Pós-Graduação, pelo estímulo inte­ lectual e pela afeição.

 Fundação Carlos Chagas, por ter financiado parte da pesquisa.

Âs entrevistadas, companheiras de feminismo, que me abriram suas casas, cabeças e corações.

 equipe do Museu Histórico de Santa Catarina, pelo apoio.

X Albertina Buss, pela eficiente (e rápida) datilo­ grafia.

à Graciana, Lucinha e Regininha, pelo carinho e for­ ça.

Enfim, âs minhas amigas e amigos guardados "debaixo de sete chaves, dentro do coração".

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R E S U M O

A presente pesquisa busca pensar sobre o movimento f£ minista^hoje^no Rio de Janeiro.

O eixo central da analise volta-se para uma avaliação do discurso de feministas de diversos grupos, buscando compreen der de que forma definem autonomia e a importância que esta tem para o movimento.

Proponho-me a fazer uma reflexão crítica, com base em entrevistas, sobre o movimento feminista no Rio de Janeiro e os rumos que este está tomando. Por um lado^discuto a diminui­ ção do número de grupos feministas no Rio, ligando este fato à tendência a um trabalho mais institucional e ao desencanto com o movimento, advindo da percepção de relações autoritárias e hierárquicas em seu interior. Por outro^discuto o conceito de autonomia, sua alteração no decorrer dos anos e a atual tendên­ cia do movimento feminista de uma maior atuação junto ao Esta­ do e outras instituições. Num primeiro momento o feminismo liga ria autonomia a uma defesa contra manipulação de partidos polí­ ticos (o Estado era francamente inimigo), num segundo, com o processo de maior "abertura" e a possibilidade de uma relação institucional, autonomia seria definida em relação ao Estado, aos õrgãos públicos e a outros movimentos sociais.

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The present enquiry has the purpose of making a refletion on the today's feminist movement in Rio de Janeiro, Brasil..

The central analysis focus is an avaliation of feminist women/s discourse from different groups, seeking to understand they define autonomy and the value, they describe to it into the moviment.

It is my intention, based in the interviews, to make a criticai refletion on the feminist movement in Rio de Janeiro and the direction it's taking.

On one hand, I discuss the decreasing number of feminist groups in Rio de Janeiro proposing a link between this fact and both tendence to a more institucional work and the desenchantment with the movement, resultant of the perception of authoritarian and hierarchic relation into it.

On the other hand, I discuss the concèpt of autonomy, its changing in time and the present tendence into the feminist movement to come to terms with the State and other institutions.

At first autonomy would have, to feminist movement, the meaning of a defense against the manipulation by, political parties at this

time the State was openly an enemy, at length in the curse of greater political opening and with a concret possibility of an institucional relation, the autonomy concept would be defined as a defense against the manipulaton by the State, the public agencies and other social movements.

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A EXPERIÊNCIA REFLETIDA

Eu já estou com o pé nessa estrada Qualquer dia a gente se vê

Sei que nada serã como antes amanhã Num domingo qualquer

Qualquer hora

Ventania em qualquer direção

Sei que nada serã como antes amanhã Que notícias me dão dos amigos? Que notícias me dão de você?

Sei que nada será como está, amanhã Ou depois de amanhã

Resistindo na bôca da noite um gosto de sol (Nada serã como antes - Milton Nas­

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A escolha de um tema de pesquisa percorre vários cami nhos.Assim foi também com o tema que escolhi.

A motivação central para estudar o feminismo, e mais especificamente o movimento feminista no Rio de Janeiro, está diretamente ligada à vivência que tive do mesmo, durante alguns anos.

Ao realizar as entrevistas, em vários momentos me identifiquei com o que as entrevistadas diziam, com a experiên­ cia de vida que relatavam e com a trajetória narrada de envolvi^ mento com o feminismo.

Esta identificação que me fazia, de certa forma, pes­ quisadora e pesquisada, sujeito e objeto da pesquisa trouxe al­ gumas vantagens e algum risco. Entre as vantagens, cito o conhe cimento direto da dinâmica do movimento no R i o , das diferentes visões existentes em seu interior e, na maioria dos casos, das próprias feministas entrevistadas. 0 risco que corri foi o de não conseguir estabelecer o distanciamento necessário, durante a elaboração e realização da pesquisa. A consciência desta si­ tuação fez com que me mantivesse atenta e crítica desde a elabo ração do projeto.

A partir deste envolvimento e do estudo que dele re - sultou, foi me ficando cada vez mais clara a importância de se aprofundar os estudos sobre a mulher. Pois, mesmo representando a metade da população, a análise e o estudo de sua participa - ção (em casa, na educação dos filhos, na política, etc.) foram normalmente relegados a um segundo plano, quando não ignora - dos.

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A bibliografia existente até o momento no Brasil de_i xa claro o aumento de interesse, nos últimos anos, pelo estudo sobre a mulher.* Uma ampla gama de assuntos relacionados â m u ­ lher passa a ser pesquisada, mas ainda muito há que fazer. Não se tem uma recuperação sistemática da participação das mulheres em nosso país (seja em que nível for: político, ideológico ou social) e muito pouco se análisoü da história, propostas e orga nização deste movimento.^

No meu entender, este aumento de interesse pelos estu dos sobre a mulher está ligado ao desenvolvimento e/ou intensi­ ficação dos movimentos feministas na década de 60, o que fez com que algumas mulheres passassem a ter consciência do seu p a ­ pel na sociedade e da necessidade de recuperar e recriar sua história. Parece evidente que houve benefícios também decorren­ tes de uma nova posturajque se toma nas Ciências Sociais em ge­ ral, buscando dar voz a quem até hoje não a tinha. Nesse senti­ do, passa-se a estudar os grupos marginalizados tanto do poder como da luta pelo poder (como é o caso das minorias, sejam elas quantitativas ou qualitativas).

A primeira intenção, ao discutir o tema de minha dis­ sertação de mestrado^era trabalhar com a Imprensa Feminista

(Nós Mulheres, Brasil Mulher e Mulherio) , verificando de que forma estes jornais definiam o movimento feminista, discutiam sua prática e sua organização. Qual não foi minha surpresa,quan do fiz uma primeira leitura do material, ao observar que prati­ camente não se discutia estas questões de uma forma sistemáti^ ca. Isto é, na verdade a imprensa não tinha^e não têm até o m o ­ mento, uma preocupação em aprofundar as questões chave do movi­

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m e n t o , discutir suas diferentes posturas e propostas. Isto fi­ ca bem claro ao se constatar q u e , em períodos de turbulência interna, quando o movimento estava passando por discussões bas­ tante acirradas e ocorriam uma série de "rachas" no Rio e em São Paulo, os jornais da imprensa feminista poucas linhas davam ao assunto.

Com base neste quadro, resolvi centrar a minha anali­ se numa crítica interna do movimento feminista. Isto porque, no meu entender, a imprensa feminista reflete uma postura do pró­ prio movimento, que ê não aprofundar e clarear as diferentes posições e visões, existentes em relação ao feminismo, e a di­ ficuldade que se tem, na pratica, de se trabalhar a diversida de (mesmo que o discurso a enalteça).

Considero importante que se comece a fazer uma refl£ xão crítica sobre o movimento feminista, de forma mais organiza da e sistemática. Este trabalho procurara ser uma constribui - ção neste sentido, pois terá como objetivo explicitar algumas das diferentes formas de ver e viver o feminismo, através da discussão de um dos conceitos fundamentais para a sua sobrevi - vencia: autonomia.

Na verdade esta palavra - autonomia - está sendo mu i ­ to utilizada pelos movimentos sociais em geral, mas sua defini­ ção é bastante confusa. No movimento feminista também. Todas falam e defendem a autonomia do movimento, mas esta defesa m u i ­ tas vezes reflete diferentes posturas e esta ligada a formas di. ferentes de encarar a luta feminista e de organizar esta mesma luta.

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Este trabalho se propõe explicitar o que algumas femi^ nistas definem como autonomia, bem como a avaliação que fazem do movimento feminista hoje, no Rio de Janeiro.

0 presente estudo estã estruturado da seguinte forma: no Capítulo I - "A Pesquisa" - descrevo os caminhos que percor­ ri na coleta e analise do material pesquisado. No Capítulo II - "A Reflexão Teõrica" - recupero as idéias de alguns autores que desenvolvem, em seus trabalhos, conceitos sobre autonomia, poder, etc., que darão a base para minha analise das entrevis - tas- No Capítulo III - "Os Grupos e as Entrevistadas" - procu­ ro traçar um perfil dos grupos feministas existentes hoje no Rio e das feministas entrevistadas. No Capítulo IV - "As Femi - nistas e seus Feminismos" - traço a trajetória das mulheres en­ trevistadas até o seu encontro com o feminismo, bem como suas definições do mesmo. No Capítulo V - "A Organização do Movimen­ to: a quebra das utopias" - tendo por base o discurso das entre vistadas, discuto a organização do movimento feminista hoje no Rio de Janeiro. No Capítulo VI - "Autonomia - Autonpmias: novos rumos de atuação no movimento" - recupero e analiso as defini - ções das entrevistadas acerca de autonomia e a atual tendência ã institucionalização dos grupos autônomos. Finalmente na "A (RE)construção de utopias", teço as Considerações Finais acerca do trabalho.

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NOTAS

*Este estudo, num primeiro momento, se concentrou nos temas m u ­ lher e trabalho, mulher e família, mulher e direito, etc. A es te respeito ver, entre outros, os levantamentos realizados p e ­ la Fundação Carlos Chagas:

a) Fundação Carlos Chagas. Mulher Brasileira: bibliografia a- notada. São Paulo, Brasiliense, 1979. V. 1.

b) Fundação Carlos Chagas. Mulher Brasileira: bibliografia a- notada. São Paulo, Brasiliense, 1981. V. 2.

2

Nos últimos anoSycomeçam a ser escritos trabalhos que procuram refletir sobre o feminismo e a historia e experiência deste mo vimento no Brasil. Entre estes podemos citar Goldberg (1987), Gutiérrez (1985). Outros textos, mesmo não tendo como eixo cen trai o estudo do movimento feministajprocuram verificar de que maneira a "cultura feminista" foi incorporada pelos movimentos sociais, partidos, sindicatos, etc. Martins (1987), Scherer- Warren (1987), Giuliani (1987), entre outros.

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A PESQUISA

Começo a ver no escuro um novo tom

de escuro

Começo a ver o visto e me incluo no muro Começo a distinguir um sonilho, se tanto, de ruga. E a esmerilhar a graça da vida, em sua fuga

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As entrevistas são a principal fonte da presente pes­ quisa. Foram realizadas com feministas do Rio de Janeiro, esco­ lhidas através de uma amostra intencional.

A perspectiva de se trabalhar com uma amostra inten - cional e entrevistas em profundidade esta ligada â necessidade de se centrar a discussão em mulheres que tinham uma vivência do feminismo e experiências acumuladas de militância no movimen to. Isso lhes permitia avaliar retrospectivamente as experiên­ cias por que passaram e analisar tanto as transformações do fe­ minismo como suas próprias concepções acerca do mesmo.

Alguns critérios permearam a escolha das entrevista - das. Feito um rápido levantamento com feministas do Rio de Ja­ neiro - os nomes consultados foram conseguidos através do meu conhecimento do movimento no Rio - seguiu-se a proposta de uma rede. Por exemplo: eu conhecia três pessoas que participavam do movimento, estas três indicavam mais três, que por sua vez me

indicavam mais nomes e assim por diante.

Com um numero razoável de feministas e seus respecti­ vos telefones para contato, passamos â etapa seguinte: após con versar com estas mulheres e explicar-lhes os objetivos cen - trais da pesquisa^pedi-lnes que indicassem três nomes entre as feministas do Rio de Janeiro que, segundo elas, deviam ser en­ trevistadas. Ao explicar os objetivos da pesquisa e da amostra que pretendia formar, esclarecia que não estãvamos trabalhando com a noção de quantidade e sim de qualidade. Eu estava pois in teressada em entrevistar pessoas que tivessem atuação significa tiva dentro do movimento, bem como experiência de reflexão e

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discussão do mesmo e do feminismo.

De posse desses nomes, verifiquei os que apareciam com mais frequência e inseri um outro critério, também fundamen tal para o desenvolvimento dâ pesquisa, as entrevistadas deviam cobrir os grupos feministas então existentes no Rio de Janeiro. Nesse sentido, se muitas das indicadas com mais "votos" perten­ cessem a uns poucos grupos, eu não entrevistaria todas essas, pois cruzaria com o critério de pertencerem a grupos diferen­ tes.

Posso então afirmar que nossa amostra é uma amostra qualitativa e intencional, na medida em que, mesmo não tendo sido escolhida exclusivamente por mim, foi claramente dirigida segundo critérios que me interessavam e que foram devidamente explicitados na pequena enquete que realizei,

E importante esclarecer que, ao realizar a enquete, não tive o objetivo de interrogar todas as feministas do Rio de Janeiro ou um numero muito significativo. Na verdade a enquete serviu como uma informação a mais para que eu definisse as en­ trevistadas. Em ultima instância, esta definição foi feita por mim, tendo por base o tipo de pesquisa que me propunha, o co­ nhecimento que tinha e tenho do movimento feminista (em espe­ cial o do Rio de Janeiro por ter dele participado alguns anos) e a necessidade de entrevistar pessoas, de diferentes grupos, com alguma "vivência" de movimento.

Todas as entrevistas foram realizadas com feministas do Rio de Janeiro. A escolha do Rio se deu, de um lado por faci^ lidades pessoais (infra-estrutura - casa e comida - para reali­

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zar as entrevistas, conhecimento das participantes do movimen­ to, etc.); e por outro pela importância do Rio de Janeiro no ce nãrio político nacional e na formação e transformação do movi - mento feminista no Brasil.

0 Rio de Janeiro sempre foi, ao lado de São Paulo, Belo Horizonte e Recife, um dos polos do movimento.

Foram realizadas 11 entrevistas com feministas do Rio (uma parte em agosto de 86 e outra em janeiro de 87).

As entrevistas foram gravadas, durando em média 1 ho­ ra e 30 minutos e seguiram um roteiro básico (Ver anexo).

Como fontes de pesquisa utilizei, além das entrevis­ tas que foram o principal material da pesquisa, algumas grava - ções de oficinas do 89 Encontro Nacional Feminista, realizado em 86, em Petrõpolis - RJ. Neste Encontro gravei parte da ofic^ na sobre "Feminismo e Poder" e uma discussão com algumas inte grantes e ex-integrantes do Centro da Mulher Brasileira - R J ,que procuravam analisar a crise pela qual este passava.

Um outro material gravado que utilizei foram discus­ sões ocorridas durante o l9 Encontro Nacional de Investigação Sobre a Mulher, que aconteceu em Porto Alegre, de 4 a 7 de n o ­ vembro de 1985. Deste encontro tenho gravada uma discussão so­ bre "Autonomia", uma sobre "0 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher" e uma mesa redonda sobre "Partidos Políticos". Este m a ­

terial contribuiu para a pesquisa na medida em que os assuntos debatidos diziam respeito ao tema da mesma (autonomia, relação movimento X conselho e relação movimento X partidos políticos)

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nei r o .

Além destas gravações, utilizo também artigos publica­ dos na imprensa feminista. Pesquisei mais detalhadamente três jornais: Jtós Mulheres , Brasil Mulher e Mulherio, me detendo em artigos que abordassem a questão organizativa, o significado do movimento e avaliassem o mesmo.

Por fim, incluo também entre minhas fontes de pesqui­ sa artigos produzidos por integrantes do movimento feminista, que procuram fazer uma reflexão sobre este. Bastante enriquece- dores são os artigos produzidos por feministas latino-america- n a s , aos quais tive acesso através da participação no 39 Encon­ tro Feminista Latino Americano e do Caribe, que aconteceu em São Paulo, em 1984.

Nesta pesquisa trabalhei basicamente com analise de conteúdo, método que tem sido utilizado em perspectivas diver­ sas e por diferentes áreas de estudo.

A conceituação de análise de conteúdo evoluiu: de inií cio considerada uma técnica para descrição sistemática, objeti­ va e quantitativa de conteúdo manifesto da comunicação, chega mais tarde â conceituação ampla e complexa de Bardin (1977) .

Para Bardin, a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicação que visa obter índices e in­ dicadores, por meio da descrição sistemática e precisa do con­ teúdo das mensagens, que permitam inferências relativas âs con­ dições de produção/ recepção das mesmas.

Segundo Flávia Sant'Ana (1979:90) a análise de con­ teúdo :

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"Enquanto conjunto de técnicas ou procedimentos siste máticos e precisos é um método: (1) empírico de descrição analítica e (2) de interpretação inferencial, ou interpre­ tação baseada em inferências, de vez que ao descrever ana- liticamente uma mensagem (o conteúdo ou material) , o inve_s tigador tenta ir além ou saber mais acerca do conteúdo m a ­ nifesto".

Procurei trabalhar, fundamentalmente}com a visão de a nãlise de conteúdo no seu sentido mais amplo e qualitativo.

As entrevistas foram dirigidas principalmente para a verificação de "fatos" e as razoes conscientes de crenças, opi­ niões, sentimentos, orientações ou comportamentos.

Optei por entrevistas, pois estas permitem uma maior flexibilidade para a obtenção de informações, além da oportuni­ dade que o entrevistador tem de observar a pessoa e a situação

total a que responde,

Selltiz (1967:272), ao discutir as vantagens da entre vista afirma:

"(...) o entrevistador pode observar não apenas o que diz o entrevistado, mas também como o diz. Pode, se dese­ jar, verificar afirmações contraditórias. Se necessário, o entrevistador pode discutir diretamente a descrição da pe_s soa, a fim de verificar qual a coerência de suas respos­ tas".

Trabalhei basicamente com o que Merton, Fiske e Ken- dall chamam de entrevista focalizada. Neste tipo de entrevista, o entrevistador focaliza a atenção em determinada experiênica e seus efeitos, já tendo claro quais os tõpicos e os aspectos de uma questão que deseja abranger. Merton, Fiske e Kendall assim

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descrevera este tipo de entrevista (citado por Selltiz - 1967: 296):

"Em primeiro lugar sabe-se que as pessoas entrevista­ das estiveram envolvidas em .determinada Situação: viram uma fita de cinema, ouviram um programa de radio, leram um panfleto ou livro, tomaram parte num experimento psicolôgi^ co, ou numa situação social não controlada, mas observada (por exemplo uma concentração política, um ritual ou um distúrbio). Em segundo lugar, os elementos hipoteticamente significativos, os processos, os padrões e a estrutura to­ tal dessa situação foram provisoriamente analisados pelo cientista social. Através dessa análise de conteúdo ou si- tuacional, o cientista chegou a um conjunto de hipóteses sobre as conseqüências de determinados aspectos da situa­ ção para aqueles que dela participam. A partir dessa anál^ se, dá o terceiro passo, isto é, cria um guia de entrevis­ ta , onde estabelece as principais áreas de pesquisa e as hipóteses que apresentam critérios significativos para os dados a serem obtidos na entrevista. Finalmente, em quar­ to lugar, a entrevista ê focalizada nas experiências subje tivas das pessoas expostas à situação pre-analisada, num esforço para verificar suas definições da si t.üaçãt). 0 con­ junto de resposta a situação, que foram descritas, ajuda a verificar as hipóteses e, na medida em que inclui respo^ tas não previstas, provoca o aparecimento de hipóteses n o ­ vas para pesquisa mais sistemática e rigorosa".

Selltiz amplia a definição de entrevista focalizada, pro posta por Merton, Fiske e Kendall. Inclui nela qualquer entre - vista em que o entrevistador conhece antecipadamente os aspec^ tos de uma experiência que deseja que o entrevistado aborde em sua discussão, não sendo necessário para isso que o pesquisador tenha observado e analisado a situação específica de que o en­ trevistado participou.

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Ao procurar explicitar, nesta parte do trabalho, co­ mo realizei a coleta e análise dos dados, não posso deixar de

apontar um fato que viabilizou o uso da metodologia e técnicas descritas: o meu envolvimento com o feminismo, a minha militân­ cia, durante alguns anos, no movimento feminista, e mais especi^ ficamente, no movimento feminista do Rio de Janeiro.

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A REFLEXÃO TEÕRICA

Quero eu quero tudo que eu posso e tudo que é resposta

a todos os meus sentidos o movimento da vida

eu quero é abrir as portas que o coração possa ter

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Nesta parte do trabalho, procedo à definição de al­ guns conceitos com os quais trabalharei. Recupero também a v i ­ são de diferentes autores, empenhados em aprofundar o entendi - mento sobre o movimento feminista e o feminismo, ou sobre ques­

tões mais gerais suscitadas pela redefinição da sociedade con­ temporânea.

Num primeiro momento, acho oportuno fazer uma distin­ ção entre movimento feminino, movimento feminista e movimento de mulheres. 0 primeiro entendo como mulheres organizadas para juntas reivindicar alguma coisa; contudo, essa reivindicação não estã diretamente ligada a problemas específicos que atingem a mulher enquanto sexo/gênero. Serviriam de exemplo os clubes de mães, departamentos femininos de sindicatos, de associações de bairro, etc., que em sua esmagadora maioria têm como reivin­ dicações fundamentais melhoria nas condições de vida (água,luz, esgoto, etc.). Um outro exemplo seriam as mulheres organizadas em torno das chamadas "questões gerais", como o foi o Movimen­ to Feminino pela Anistia.

0 segundo entendo como mulheres organizadas em torno de "questões específicas", neste sentido essas mulheres questio nariam a forma pela qual estão inseridas na sociedade, a discri. minação que sofrem, e refletiriam sobre seus problemas enquan­

to sexo/gênero. Dentro do movimento feminista propriamente dito encontraremos vãrias concepções, e mais adiante chego a elas.

Quando me refiro ao movimento de mulheres englobo os dois movimentos (feminino e feminista).

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podem ser utilizadas de forma fechada, na medida em que, ao ana lisar um determinado movimento, podemos encontrar algumas des­ sas características misturadas, mas o que vai definí-lo (no meu entender) é a ênfase que é dada a um ou outro aspecto. Não p o s ­ so deixar também de apontar que um dos objetivos do movimento feminista (ou pelo menos de algumas de suas correntes) é fazer com que os movimentos ditos femininos incorporem visões e con - cepções do feminismo.

Varias têm sido as tentativas de se definir as conce£ ções existentes acerca do que ê feminismo e suas propostas. Não pretendo, nesta parte do trabalho, fazer um levantamento exaus­ tivo desses diferentes estudos, mas sim apontar algumas das classificações que considero pertinentes para uma análise do feminismo no Brasil.

Creio ser importante salientar que as definições, que recupero neste texto, foram elaboradas em sua grande maioria tendo por base o feminismo na Europa e Estados Unidos. Isso torna imprescindível alguns ajustes, pois nossas especificida- d e s , que necessariamente devem ser levadas em conta, não p e r m i ­ tem a aplicação mecânica desses conceitos quando se procede à análise das várias concepções, correntes e enfoques do feminis­ mo no Brasil.

Existe uma série de estudos que procuram caracterizar e explicitar as diferentes concepções sobre feminismo e movimern to feminista. Vou destacar alguns destes, que podem posterior - mente me ajudar a analisar o material coletado.

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Rosiska Darcy de Oliveira e Mireille Calame (1976). Nele, as autoras consideram que a rebelião das mulheres representa uma das críticas mais radicais à sociedade atual, pondo em questão as relações entre as pessoas. E é pela profundidade de suas crí ticas que o feminismo vai ser, num primeiro momento, ridiculari zado - como forma de descréditã-lo - e passa depois a ser comba tido, tanto pela esquerda quanto pela direita. Para os primei­ ros, o movimento vem para dividir e desperdiçar espaços na luta geral e, para os segundos, a mulher não deveria tentar modifi­ car o seu papel "natural", definido biologicamente.

Rosiska e Mireille apontam três tendências bãsicas no movimento feminista. Um primeiro grupo, chamado de "existen­ cial", que ressalta a importância da experimentação de novas relações não autoritárias:

"Numa palavra, o movimento é o centro da elaboração de uma crítica das relações humanas impostas pela socieda­ de repressiva e o lugar de sua reivindicação libertadora. Esta tendência considera que este processo de transforma - ção pessoal e afirmação de relações que negam a sociedade repressiva é de fato, por ele prõprio, revolucionário". (0 liveira e Calame, 1976:16).

Esta tendência se estruturaria basicamente através de pequenos grupos organizados horizontalmente, denominados de "grupos de auto-consciência" ou "grupos de reflexão"*, nos quais as mulheres, a partir da troca de experiências e vivên­ cias, refletiriam sobre sua sexualidade, forma de socializa - ção, etc., e buscariam uma identidade prõpria, rompendo com o sentimento de inferioridade internalizado.

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videm-se em tendência "igualitarista" e tendência "anticapita - lista” .

A chamada tendência "igualitarista" vai procurar su­ perar a discriminação para obter um estatuto de igualdade com os homens, lutando contra as manifestações desta desigualdade em nossa sociedade (salário desigual para a mesma função, não acesso a postos de comando, falta de creches, etc.). Para isso vai procurar se estruturar enquanto grupo de pressão e conquis­ tar alterações imediatas na vida das mulheres. Um dado a apon - tar é que esta tendência não chega a questionar o sistema em que a mulher está inserida, não contesta a prõpria estrutura da sociedade capitalista. (Oliveira e Calame, 1976:16).

Para a tendência "anticapitalista" ê inútil lu£ar pe­ la igualdade dentro deste sistema, seria o fim da sociedade ca­ pitalista que libertaria a mulher. 0 estatuto inferior da m u ­ lher em nossa sociedade seria conseqüência das estruturas econô micas e sociais capitalistas. Nesse sentido, a luta da mulher em nossa sociedade seria um aspecto da luta de classes e esta­ ria subordinada a ela, devendo portanto as mulheres operárias assumirem a vanguarda do movimento de libertação da mulher. (0- liveira e Calame, 1976:12).

Um outro texto, que acho importante destacar (e pre - tendo trabalhar fundamentalmente com os conceitos que esta au­ tora elabora) ê o de Norma Stolz Chinchilla (1982).

Norma Chinchilla parte do princípio que, sendo o fe­ minismo uma ideologia parcial, está ligado necessariamente a

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o marxismo. Dentro desta visão a autora caracteriza quatro con­ cepções básicas de feminismo: um feminismo liberal, um radical, um marxista e um socialista.

0 feminismo liberal aponta para uma concepção de femjL nismo que trabalha fundamentalmente com a noção de igualdade entre os sexos. Nesse sentido sua postura seria a de reivindi­ car direitos iguais aos homens em nossa sociedade, não questio­ nando a estrutura desta sociedade e nem tampouco o tipo de rela ção entre os sexos que nela se estabelece. Teria como proposta uma igualdade política e maiores oportunidades para as mulhe­ res. (Chinchilla, 1982:218).

0 jÇeminismo radical centra sua crítica na sociedade industrial, fora do controle popular, e critica as posturas tradicionais da esquerda, que relega a um segundo plano as que_s tões do indivíduo e suas especificidades. 0 feminismo radical teria como proposta entender (e superar) a raiz da opressão fe­ minina que, segundo sua análise, estaria ligada ã estrutura p a ­ triarcal da sociedade. Nesse sentido, seria o fim da sociedade patriarcal que poria fim â opressão das mulheres. Para esta con cepçao é fundamental que as mulheres repensem o seu cotidiano, compreendendo de que forma,no dia a dia, foram socializadas en­ quanto seres inferiores e submetidas inicialmente â autoridade do pai, do irmão e depois do marido. Para as feministas radi­ cais vão ser fundamentais no processo de libertação das mulhe­ res a formação de grupos de consciência, no qual estas mulheres possam exercer livremente a palavra, ou aprender a exercer li­ vremente a palavra, falando do seu dia a dia, sua sexualidade e seus desejos. Para as feministas radicais, as mulheres seriam

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oprimidas enquanto gênero, chegando a serem vistas enquanto cias se.

0 feminismo marxista se preocupa com a questão das origens da desigualdade sexual, tendo como perspectiva fundairien tal a organização e defesa dos interesses da maioria das mulhe­ res^ que são pobres e trabalhadoras. Neste caso haveria uma li­ gação bastante forte entre gênero e classe.

0 feminismo socialista propõe a construção de novas teorias e estratégias sobre a condição da mulher. Critica a v i ­ são de "sexo-como classe" das feministas radicais e também a visão de "sexo como contradição secundaria" das feministas m a r ­ xistas. Segundo esta concepção:

"Cualquier comprension de la vida social, y por conse guiente cualquier plan para transformaria, debe comenzar con un anãlisis de la vida cotidiana y la experiencia que está dentro de nosotras mismas (una perspectiva derivada dei feminismo radical). Las estrategias pera el cambio deben estar dirigidas hacia esta totalidad (publica y pr i ­ vada, familia y trabajo, economia y cultura) en vez de tan

solo una parte de ella" (Chinchilla, 1982:232).

Esclarecedoras, também, são as colocações de Judith Astelarra (1986) em seu trabalho "El feminismo como perspecti­ va teõrica y como prãctica política". A autora destaca duas v i ­ sões de feminismo que teriam desenvolvido, de forma mais profun da, uma elaboração teórica: o feminismo radical e o feminismo socialista. As concepções do feminismo radical ter-se-iam es­ truturado em resposta às concepções rígidas sobre a questão da mulher^ que predominavam na maioria das organizações de esquer­

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plurali-dade e a diversiplurali-dade dos grupos e a construção de relações não autoritárias entre as pessoas. Questionaria também a dupla m o ­ ral da sociedade patriarcal e a relação de dominação entre os sexos.

Já o feminismo socialista assinalaria e procuraria superar a debilidade da análise marxista em relação â opressão da mulher, acreditando que se deva lutar simultaneamente pela transformação do sistema capitalista e do sistema patriarcal.

Uma visão mais aprofundada das concepções do femini_s mo socialista é propiciada pela leitura do livro Além dos Frag­ mentos: 0 Feminismo e a Construção do Socialismo, de Sheila Row

botham, Lynne Segai e Hilary Wainwright (1981). Nele as auto - ras discutem a relação, bastante conflituosa, entre feminismo e marxismo, tomando por base a experiência na Inglaterra.

Para elas, o feminismo apontou a fraca formulação do marxismo no que se refere ãs relações entre os sexos, criticou o modelo de vanguarda e a noção de revolucionário profissional, desligado das outras pessoas. 0 feminismo, por sua vez, vai in­ cluir na política as esferas micro e outras formas de práticas femininas, ampliando o conceito de política até então utiliza­ do.

"Uma complexa compreensão evoluiu através da prática do movimento de mulheres de interconectar as diferentes formas de relações de poder. Por exemplo, a campanha pelo direito de uma mulher escolher livremente entre abortar ou gerar o filho desperta imediatamente a questão do contro­ le sobre sua própria fertilidade e maternidade, que leva aos temas mais gerais do domínio sexual masculino sobre a mulher, das relações do ser humano com seu corpo e da im­

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portância do prazer sexual. Todas os quatro aspectos da questão foram desprezados pelo marxismo. Mas a campanha também envolve uma discussão das leis e do parlamento, de um atendimento médico social e democrático, de um vasto sistema de meiqSpara o cuidado com os filhos, de poder do Estado de determinar a política populacional, de modo como se fazem as decisões a respeito do investimento na tecno­ logia, e no interesse de quem, e de pesquisa médica para o controle da natalidade. Isto implica uma discussão sobre a estratégia de uma campanha tanto para pressionar o par­ lamento quanto para transformar o relacionamento com o corpo". (Rowbotham, 1981:124).

Em livro publicado no começo de 1987, Lynne Segai faz uma avaliação do movimento feminista contemporâneo. Para ela es. taria acontecendo uma modificação na postura e visão das femi - nistas. Em seu início, o movimento feminista tinha como preocu­ pação fundamental questionar as desigualdades existentes . entre homens e mulheres, criticando ferozmente a visão "natural" das diferenças como determinismo biolõgico. Hoje o feminismo radi - cal popular (no sentido mais difundido) nos EUA procura cele­ brar as diferenças, afirmando a superioridade da mulher.

Segundo a A. existiria hoje em dia, além da proposta de um feminismo socialista, dois projetos de feminismo:

"0 primeiro (...) é um que ressalta diferenças bási­ cas entre mulheres e homens, e afirma a superioridade m o ­ ral e espiritual da experiência, valores, características e cultura femininas. A opressão das mulheres, deste ponto de vista, resulta da supressão desta visão centrada nas mulheres, ou 'mundo' feminino separado. 0 segundo projeto (...) é um que ressalta as desvantagens sociais e econômi­ cas das mulheres e busca mudar e melhorar as circunstân cias imediatas das mulheres, não apenas na área do traba

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-lho remunerado e vida familiar, mas em provendo fundos pa­ ra projetos culturais de mulheres, aumentando a segurança das mulheres nas ruas, ou satisfazendo as necessidades es­ peciais de grupos particulares de mulheres” (Segai, 1987:

213).

Segai expressa sua preocupação com essa visão dualis- ta, que coloca homens como maus e mulheres como boas, critican­ do também o excessivo psicologismo de algumas correntes feminis tas, bem como o "endeusamento" da mulher e o "reducionismo se­ xista".

Pelo quadro exposto, podemos perceber que o feminismo, ou melhor, as concepções acerca do feminismo se diversificam, sendo necessário que estudemos cada êpoca e cada situação espe­ cífica, para podermos caracterizá-lo e definí^lo de uma manei­ ra mais adequada.

1. Feminismo: um movimento social

Acho relevante o estudo do movimento feminista enquan to um movimento social, entendido aqui como movimento que se organiza de forma independente, representando interesses co­ muns de determinados grupos de pessoas e que tem por princípio a sua não partidarização ou instrumentalização por partidos po­ líticos, sindicatos, etc., ou seja, a sua não submissão a uma

^ - - 2

instância superior, política ou ideologica.

Um autor que nos aponta caminhos fecundos é Touraine (1981). Ao tratar dos novos movimentos, Touraine inclui, como

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um dos três domínios principais, o movimento de mulheres. Os ou tros dois seriam os movimentos regionais e o movimento de ecolo gia política.

Segundo Touraine (1981:125), os movimentos passam ba­ sicamente por dois momentos. Um primeiro, caracterizando-o co­ mo movimento cultural, em que se luta, antes de mais nada, pela

transformação dos valores. Esse seria como que uma pré-condição da formação dé um novo movimento social. E um segundo, caracte­ rizando-o como movimento social, em que se tem claro contra o que, contra quem, por que e por quem se luta. Nesse caso, alem de existir uma componente defensiva, associa-se-lhe uma ação contra-ofensiva. Para o A . , na sociedade contemporânea, em con­ traposição â sociedade industrial (onde o movimento operário era o centro das lutas sociais)

*'(...) os movimentos sociais, que aparecem em diferen­ tes domínios, jã não são formas de defesa dos trabalhado - res contra os senhores da indústria, mas de defesa do p ú ­ blico contra os aparelhos de gestão que têm o poder de mo­ delar a procura dos seus interesses; jã não invocam a in­ tervenção do Estado, pelo contrario, reivindicam a auto­ nomia e a autogestão das unidades sociais de base; final - mente, jã não falam em progresso e futuro radioso, mas pre tendem organizar, a partir de hoje, uma vida diferente, a- gindo sobre as escolhas sociais e políticas que comandam a produção da organização social" (Touraine, 1981:211).

Para Touraine, os movimentos sociais seriam o núcleo da analise do social, e não mais as classes sociais e o poder. Segundo Ilse Scherer-Warren (1984) , em trabalho onde analisa a contribuição de autores clássicos e contemporâneos para a com­ preensão e análise dos novos movimentos sociais:

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"Com Touraine, a categoria 'movimento social' passa ao coração da vida em sociedade. A sociedade se produz por ela mesma, e o homem faz a sua própria história através de seus movimentos sociais. Estes movimentos podem ser respon sáveis por transformações maiores, mas também estão presen tes no cotidiano, sendo responsáveis pelos fluxos permanen tes do social" (Scherer-Warren, 1984:138).

Um outro autor que procura aprofundar bastante a ca - racterização dos chamados novos movimentos sociais é Tilman Evers (1984). Na sua concepção é fundamental, para uma correta compreensão dos novos movimentos sociais, o repensar de uma sé­ rie de conceitos ou categorias existentes nas Ciências Sociais. Para ele, os hoje existentes não dão conta das transformações que ocorreram e estão ocorrendo no social. Seria necessário re­ pensar o poder político (limitado a sua esfera institucional)j como categoria central das Ciências Sociais, por ser uma concej) ção muito limitada para o entendimento dos novos movimentos so­ ciais, pois estes fazem surgir novos campos de ação política, novas formas de "fazer política" e novos agentes políticos. E afirma:

"Minha impressão é que o elemento 'novo' dos novos movimentos sociais consiste exatamente na criação de peque nos espaços de prática social nos quais o poder não é fun­ damental; e não conseguiremos entender esta potencialida­ de enquanto a encararmos do ângulo de um poder apriorísti- co" (Tilman Evers, 1984:14).

Rafael de la Cruz (1987) também aponta pistas para o entendimento dos movimentos sociais. Para este A. passamos hoje por alterações significativas no modelo social existente. Em primeiro lugar, se produz uma ruptura cultural, sendo estas

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transformações de valores culturais realizadas fundamentalmente pelo movimento feminista e pelo movimento de jovens. Em segundo lugar, se produz a ruptura do modelo estatal, tendo por base a ineficiência administrativa, a incapacidade de prestar serviços e a deterioração de sua legitimidade. Esta ruptura do modelo es tatal estaria diretamente associada aos movimentos de bairros. E finalmente, em terceiro lugar, se produziria a ruptura do m o ­ delo de desenvolvimento, com o movimento ecologista propondo al^ ternativas.

"Essa série de rupturas, que se traduzem nos novos movimentos sociais, sugere duas coisas: primeiro, que a sociedade do futuro serã ainda mais complexa do que aque­ la que está atualmente se extinguindo; em segundo lugar,os padrões, que utilizamos normalmente para entender o funcio namento tradicional dos fatos políticos, não são adequados para entender as novas formas de organização. Esta claro, por exemplo, que a organização escassa e frágil do movimen to feminista não guarda nenhuma proporção com a extraordi­ nária influência ideológica que exerce em todas as esfe­ ras da sociedade" (Cruz, 1987:95).

~ 3

Mais recentemente, tem surgido textos elaborados por feministas da América Latina, que procuram pensar a relação movimento social - feminismo.

Nestes textos, as autoras recuperam alguns princípios que podem ser identificados nos movimentos sociais contemporâ - neos e, por conseguinte, no movimento feminista, como por exem­ plo: o princípio de identidade, o princípio de definição de seu adversário, a formulação de um projeto global alternativo, a busca de uma organização mais informal e a tentativa de não es­ tabelecer formas autoritárias de liderança.

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"Consideramos que el feminismo es una toma de concien cia, un método de reflexiõn y de acciõn, una filosofia de la vida de la que se deriva una actitud crítica frente a 'la sociedad patriarcal. Y este que es la esencia, se con­

creta en dos niveles: uno teórico, en donde surgen las di­ versas explicaciones dei como y el por quê de la problemática de la mujer, y otro nivel que es de la acción coletiva, el de la lucha, que dá lugar al movimiento social, al movi - miento feminista" (Iserra e Luna, 1985:71).

0 movimento feminista estaria então, no meu entender, incluído no que se está chamando de novos movimentos sociais, trazendo em seu bojo - junto com alguns movimentos de morado­ res, movimentos ecologistas, pacifista, etc. - uma proposta de repensar radicalmente o social, questionando desde a relação ho mem-mulher, até os modelos de desenvolvimento. Faço minhas as palavras de Cristina, em artigo publicado na revista Fúria, do Chile:

"Los movimientos sociales y el feminismo en particu - lar, a diferencia de los partidos, no se proponen cambiar la sociedad a través de la destrucción dei Estado y la toma dei poder, sino que a través de la búsqueda de legiti midad y concenso en la sociedad civil en torno a una pro- puesta alternativa de sociedad gestada por ella misma"

(Cristina, 1984:15).

Alguns autores procuram relacionar as idéias do pensa mento libertário ou da esquerda libertária com a dos movimentos

sociais contemporâneos, entre eles o feminismo.

Lynne Segai (.1984) aponta alguns dos grandes temas do pensamento da esquerda libertária, também presentes de forma central nas concepções feministas ,* a necessidade da autonomia para os movimentos, a importância do pessoal e do subjetivo, a

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organização em torno da sua própria opressão, a recusa de todas as formas de liderança; e de mudanças por etapas.

Não se teria hoje um ressurgimento do movimento anar­ quista, mas sim uma reapropriação e reelaboração de uma série de idéias por ele levantadas, que vão resultar no que hoje se denomina autogestão, democracia direta ou participativa, etc., formulas estas que, se não levam a uma sociedade sem governo (como desejariam os anarquistas), pelo menos vão aumentar de ma neira bastante significativa a possibilidade de participação e de decisão dos indivíduos em suas vidas. George Woodoock chama estes movimentos contemporâneos de "neo-anarquismo” . Para ele

"A recente popularidade de que desfruta o anarquismo acontece, em parte, devido a uma reação generalizada con­ tra o atual sistema monolítico de poder. Algumas das pro­ postas libertárias, tais como a participação direta dos

trabalhadores no controle da indústria, o poder de deci­ são do indivíduo sobre questões que o afetam diretamente a nível local ou em maior escala, começaram a tomar forma nos anos sessenta, como parte de uma virada em direção a uma democracia participante" (Woodcock, 1981:52).

0 movimento feminista estaria inserido, então, nesta visão libertária do século XX, repensando fundamentalmente os valores da sociedade contemporânea.

2. A Autonomia e o Feminismo

Os movimentos sociais em geral, ou mais especificamen te os novos movimentos sociais, definem-se fundamentalmente ten

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do por base e como proposta política uma organização e uma polí^ tica autônomas. Nesta parte, vou trabalhar o conceito de autono m i a .

No meu entender, um autor fundamental para uma compre ensão do conceito de autonomia ê Cornelius Castoriadis (1982) . Este autor elabora a noção de autonomia tendo por base dois po- los. De um lado, a autonomia em sua relação com o indivíduo e de outro, a autonomia relacionada ao social, ou coletiva.

Para Castoriadis, um indivíduo autônomo seria aquele que conseguisse o domínio do consciente sobre o inconsciente, instaurando uma relação diferente entre o discurso do Outro e o discurso do sujeito:

"Portanto, não se pode tratar dentro dessa relação também de eliminação total do discurso do Outro - não so­ mente por ser uma tarefa interminável, mas porque o outro

sempre está presente na atividade que o ^elimina'. E eis porque não pode também existir 'verdade própria' do sujei­

to num sentido absoluto. A verdade própria do sujeito é sempre participação em uma verdade que o ultrapassa, que se enraiza finalmente na sociedade e na história, mesmo quando o sujeito realiza sua autonomia" (Castoriadis,1982: 129).

Segundo Castoriadis, não se pode pensar a autonomia de um indivíduo isolado, pois só tendo uma coletividade autôno­ ma poderemos ter indivíduos autônomos e, neste sentido, o proje

to de transformação radical da sociedade contemporânea pressu - põe a conquista da autonomia nestes dois planos: individual e

coletivo.

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"Para Castoriadis, o movimento social caminha na bus- ca de autonomias crescentes, no plano individual e coleti­ vo. £ através da conquista de autonomia que se geram as possibilidades de auto-instituição da sociedade, isto ê,de autocriação do social. Um projeto socialista é um projeto contra as formas de heteronomia e alienação social, em prol da autonomia, e que para sua realização necessita da articulação das prãxis dos vários movimentos sociais que lutam nesta direção" (Scherer-Warren, 1984: 138-139).

No meu entender, de acordo com o exposto, a noção de autonomia não pode ser compreendida de forma absoluta, isto é, um indivíduo totalmente autônomo. Procuro aqui fazer um parale lo com a discussão que se estabelece sobre o poder. Tanto em r£ lação ao poder, quanto em relação â autonomia, o que se procura é estabelecer níveis mais democráticos nas relações (no caso do poder) e indivíduos e coletividade cada vez mais autônomos, mas continuarão existindo relações de poder desiguais e relações heterônimas entre as pessoas e grupos, em diferentes graus. Is­ to é , em determinados momentos, ou sociedades, teremos relações mais igualitárias e mais autônomas, em outros menos. 0 que se deve ê trabalhar para que estes momentos positivos sejam cada vez mais freqüentes e profundos.

r A autonomia seria exercida e exercitada no dia a dia, no confronto dos indivíduos ou grupos. E é neste confronto que ) ela é definida e redefinida permanentemente.

Ao pensar em autonomia - seja individual ou coletiva - \ temos que necessariamente refletir sobre o poder, e, no caso, não apenas o poder central e centralizador, mas sobretudo o que está disseminado nos sujeitos e no social, Estou me referindo

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a visão de Michel Foucault (1982) desenvolvida em seus traba­ lhos, que analisa o poder a um nível micro de exercício. Para Foucault:

” (...) o importante não é fazer uma espécie de dedu­ ção do poder, que partindo do centro procuraria ver até on de se prolonga para baixo, em que medida se reproduz até chegar aos elementos moleculares da sociedade. Deve-se,an­ tes , fazer uma analise ascendente do poder: partir dos m e ­ canismos infinitesimais que têm uma historia, um caminho, técnicas e táticas e depois examinar como estes mecanismos de poder foram e ainda são investidos, colonizados, utili­

zados, subjugados, transformados, deslocados, desdobrados, e t c . , por mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global" (Foucault, 1982:184).

Para Foucault, não se pode reduzir as relações de p o ­ der ao Estado, mas sim perceber estas relações ao nível molecü lar.

Questionamos também, ao pensar em autonomia, o indiví^ duo no seu cotidiano. Neste sentido, a construção de um sujei­ to autônomo está ligada a mudanças ou revoluções no dia-a-dia das pessoas, nas relações face-a-face. Seria através do que Guattari (1981) denomina de "Revolução molecular" que se conse­ guiria a liberação dos desejos e nesse sentido a criação de uma nova revolução social. Para Guattari:

"A luta revolucionária não poderia ser circunscrita somente ao nível das relações de forças aparentes. Ela de­ ve desenvolver-em em todos os níveis da economia desejante contaminados pelo capitalismo (ao nível do indivíduo, do c a s a l , da família, da escola, do grupo militante, da loucu ra, das prisões, da homossexualidade, etc.)" (Guattari,

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Resumindo, poderia afirmar que uma sociedade autôno­ ma implica em umá outra cultura, no sentido de se questionar as "necessidades" impostas pelo sistema capitalista, a socieda de voltada para o consumo, as relações autoritárias e de domina ção, entre os sexos e as pessoas em geral.

Alguns textos produzidos por feministas e grupos fend nistas procuram pensar sobre a autonomia.

A noção de autonomia colocada nestes textos está liga da a dois pontos básicos. Em primeiro lugar, â construção de uma nova identidade, através de uma reflexão contínua e perma - nente sobre as condições e formas pelas quais são socializadas as mulheres. Neste sentido, a proposta seria uma mudança de ima g^em, de dentro para fora, a partir das diferentes individualida des. Esta construção de uma nova identidade se daria fundamen - talmente através dos "grupos de consciência". Em segundo lugar, e tendo como proposta uma nova identidade, se dá a generaliza ção destas discussões que foram realizadas em pequenos grupos , e das reivindicações que dela possam ter surgido. Esta general^ zação pode se dar através de manifestações, grupos de apoio (co mo por exemplo SOS, Casas da Mulher, etc., campanhas, denun­

cias , e t c .).

Muito esclarecedora é a defesa da autonomia feita poTy uma militante feminista espanhola, publicada na revista Donne y

Política

"A nossa posição com respeito à autonomia é ditada pe la consideração de que nos mulheres, enquanto grupos opri­ mido de forma específica, devemos assumir a direção de nos

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so de um grupo oprimido que tenha conseguido emancipar-se sem ter conduzido a luta em seu próprio nome. Nós não con­ sideramos a autonomia como um elemento de divisão entre as forças de esquerda. A divisão ê mais o fruto da constan te negligência dos partidos, em relação aos nossos intere_s ses" fCadernos da Associação de Mulheres. 1979:33).

Reflexões enriquecedoras são realizadas por Maria Lui^ sa Marino Iserra e Lola G. Luna, em artigo publicado na revis­ ta Brujas, sobre "Feminismo y Poder". Após caracterizarem o seu conceito de patriarcado e luta feminista, as autoras levantam alguns aspectos que seriam importantes para a conquista do po­ der (entendido aí num sentido amplo, não se restringindo ao po­ der político). Os três aspectos que apontam seriam: conquistar a independência e autonomia pessoal; recuperar o nosso corpo, e reivindicar nossa cultura. Para Maria Luisa e Lola, a conquis^ ta da independência e autonomia seria o eixo principal:

"Este seria para nosotras el eje principal di nues- tra lücha, pues solo a partir dei momento en que voy toman do el poder sobre mi misma, en que voy pasando de ser ob­ jeto al servicio de los demãs a ser sujeto de mi vida, es- toy imponiendo un cambio de las relaciones de poder pa- triarcales en todo el âmbito social en que me desenvuelvo, pero muy principalmente en la familia, principal institu- cion utilizada por el sistema patriarcal para colonizar nos" (Iserna e Luna, 1985:77-78).

Um texto que tem a preocupação de definir o que se­ ria autonomia ê o elaborado pela "Equipo de Trabajo Casa de la Mujer", da Colômbia. Nele as autoras afirmam:

"La autonomia no es aislamento, ni desvinculación de otros movimientos sociales y políticos, la autonomia es un derecho que nos hemos ganado contra anos de sumision,

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sub-valoración, utilización. La autonomia es para autodetermi- narnos en lo político, en lo individual, en lo afectivo.lo sexual, lo teórico, lo organizativo, la creación, la repro dución, es decir, en todas las instancias de lo humano, au tonomia para definir estratégias, alianzas reivindicacio- nes, en una palabra, autonomia para SER y dejar de ser en razón de los otros (as)" (Equipo de Trabajo Casa de la Mu- jer, 1985:18).

Ao analisar as conseqüências de uma política autôno­ ma, as Autoras apontam: a redefinição do indivíduo, do social e da cultura, levando à desestabilização da submissão e da pas­ sividade; a expressão de múltiplas individualidades; a constru­ ção de um espaço solidário de apropriação e produção de conheciL mento; a necessidade de reconstrução de nossa história coleti­ va e individual, entre outras.

Um outro texto que discute a noção de autonomia é o "Documento presentado por el comite de coordinación de organiza- ciones feministas al Encuentro Feminista Latinoamericano de Co- lombia", nele é colocado o porque de um movimento autônomo:

"Postulamos un movimento de mujeres autônomo, enten - diendo la autonomia como la no dependencia de ninguna orga nización que considere la lucha por la liberación de las mujeres como un aspecto secundário. Creemos firmemente en la necesidad de preservar un espacio propio para el en­ cuentro de mujeres con mujeres que nos permita intercam- biar experiencias y analizar coletivamente nuestra situa - ción de opresión sin olvidar la dimensíon social. Subraya mos la necesidad de reconocer los ritmos temporales dife - renciados de la lucha feminista y la büsqueda de su in- terrelación con el proceso histórico social. En este senti^ do, la autonomia dei movimiento no se define como autono­ mia dei acontecer social ni de las ideologias, sino como

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un momento indispensable de la lucha social" (Revista M u - jer y Sociedad, 1981:24).

Este documento apresenta também algumas visões que surgiram no debate sobré autonomia: 1. A autonomia se dá em re­ ferência a algo ou alguém; 2. As organizações feministas devem ter autonomia orgânica, mâs seus objetivos estão relacionados com os interesses da classe operária, pela supressão da opres - são. Segundo o documento, no painel as feministas francesas fi­ zeram menção à necessidade de se ter quatro tipos de independên cia: econômica, política, ideológica e erótica.

Luz Helena Sanchez, em seu artido "Vamos haciendo ca- mino" aborda pontos fundamentais para uma reflexão crítica so­ bre o movimento feminista. Segundo a Autora, o que geraria, em última instância estes indicadores nada satisfatórios da condi­ ção da mulher e seria a base da ordem presente, ê a ideologia patriarcal machista. Neste sentido, as feministas reivindica - riam urgentemente uma ruptura no interior desta ordem social.Pa. ra Helena Sanchez, este processo de ruptura tem necessariamente de ser feito de forma independente, através de organizações não hierárquicas, sendo um trabalho lento de construção de uma nova

identidade individual e coletiva:

"Pretender nosotras buscar la protección de cualquie- ra de estas instituciones de poder es perpetuar un 'yo' feminino subyugado a las condiciones que impone la ideolo­ gia patriarcal agenciada, en lo más concreto, por el poder dei hombre, el partido, el estado. No veo posible en este momento que sea el mismo poder que queremos destruir el que nos elabore un discurso-practica que nos permita la recreación de nustra identidad, a nivel de la percepción

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de niestro cuerpo-mente-sexo, y la posibilidad de relacio­ n a m o s con otra dimensión. Considero absolutamente necesa- rio un momento de autonomia, mediado por una ruptura, por un alejamiento témporal-espacial de cualquier estructura de poder, llamese como se llame" (Sanchez, s .d . : 83).

A autora justifica a necessidade de autonomia baseada nos seguintes fatos: romper com todo o processo de socializa - ção autoritário e dominador que se exerce sobre a mulher, bus­ cando uma nova identidade baseada em indivíduos livres e rela­ ções sociais igualitárias.

Os diferentes enfoques que o movimento feminista deu â noção de autonomia e a crítica das formas de poder (que tran­ sitam do macro ao micro e vice-versa) são elementos inerentes à construção de algumas das utopias feministas de transformação mais radical, objeto desta pesquisa.

Ao analisar o discurso das entrevistadas, vou pois procurar explicitar sua visão de feminismo, identificando de que forma definem autonomia, poder, etc. Terei assim elementos para traçar alguns perfis que norteiam as práticas e concepções deste movimento, hoje, no Rio de Janeiro, bem como as transfor­ mações em sua trajetória.

Por outro lado, pelo quadro exposto neste capítulo, podemos perceber que o feminismo, e as concepções acerca do mes mo, se diversifica, sendo necessário estudar cada época e cada situação específica para podermos caracterizá-lo e definí-lo de maneira mais adequada.

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NOTAS

*Acerca da dènoniinaçãp "grupos de autoconsciência" ou "grupos de reflexão" ver a discussão que Anette Goldberg (1987) desenvol ve em sua tese, explicando o porque da opção, no Brasil, do nome "grupo de reflexão" - justificadas por mulheres que acha vam que a palavra autoconsciência poderia ser confundida com militância política.

2 -

Quando falo aqui em nao partidarizaçao ou instrumentalização , isto não significa negar a participação de membros destes m o ­ vimentos em partidos políticos, sindicatos, etc., ou mesmo que estes movimentos procurem influenciar estas outras instâncias de participação. Segundo este ponto de vista, esta participa­ ção não deve significar a desistência ou secundarização da de­ fesa dos seus interesses específicos.

3

Ver, entre outros, as revistas: Brujas, las mujeres escriben (Medellín, Colombia); Furia (Santiago, Chile); Que hacemos? (Santiago, Chile); Mujer y sociedad (Lima, Peru); Que pasa m u - j_er? (Bogotã, Colombia).

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OS GRUPOS E AS ENTREVISTADAS

Uma parte de mim é todo mundo

outra parte ê ninguém: fundo sem fundo

Uma parte de mim é multidão:

outra parte estranheza e solidão

Traduzir uma parte na outra parte

- que ê uma questão de vida ou morte -

serã arte?

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A avaliação, que se faz do movimento feminista no Rio de Janeiro, aponta claramente para uma mudança de característi­ ca na forma de organização: estão diminuindo os grupos de refle xão e também os grupos que, além da reflexão, têm uma proposta de atuação mais direta e imediata no social.'*"

Os grupos, existentes na época da pesquisa, eram p e ­ quenos e alguns deles, apesar de existirem nominalmente, na prá tica não estavam estruturados e em funcionamento. Como exemplo podemos citar o Centro da Mulher Brasileira (CMB), que se res­ tringia a quatro pessoas que não mais se reuniam (mas que tam­ bém não conseguiam assumir o "fim" do grupo); o grupo CERES, que apesar de ainda existir enquanto sigla, não se reunia há me ses e, segundo uma de suas participantes, se tornou um "grupo de amigas" que se encontravam para festejar aniversários ou ba- te-papos.

"Quer dizer, esse grupo que eu vivi essa experiência de reflexão, foi um grupo que se propôs a um regime fecha­ do, não era um grupo aberto à entrada de outras mulheres, foi um grupo que teve um momento muito rico de reflexão que se sucedeu a um momento de produção, foi produzido um livro, uma pesquisa. E de repente o grupo parou de produ­ zir também. O que é esse grupo hoje? £ um grupo de amigas, nos somos amigas, e a própria regularidade das reuniões que originariamente eram semanais e depois quinzenais e ul timamente começaram a ser encontros mais ocasionais, por comemoração de aniversário, de almoço, jantar de final do ano. Então isso não é um grupo de reflexão feminista, não é mais o chamado grupo autônomo" (C.).

Com uma atuação mais concreta no Rio de -Janeiro tínhamos o SOS-Mulher, que contava com seis mulheres; o NÕS MULHERES,que num primeiro momento se estruturou em torno do mandato da

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