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A vida sõ é possível reinventada (Cecília Meireles)

"Neste século, aos 50 anos você realmente está grávida de si mesma, você está começando a dar tudo de si,

sem medo, sem vergonha, sem inibi­ ções, sem bloqueios. E eu jã fiz anã lise, uma serie de coisas. Então eu tenho a impressão que hoje eu sou a- quela menina que eu queria ser aos quinze anos, entende? Eu estou come­ çando a ser a artista, a escritora,a poeta. Tudo que eu pensei ser, essa utopia da minha infância, está se realizando na minha maturidade. E eu acho isso fantástico, e isso graças ao movimento feminista, inclusi­ ve" (R.)*

Ao redigir as considerações finais, acho importante chamar a atenção para alguns pontos que foram abordados no cor­ po do trabalho.

Uma primeira questão, que ficou bastante presente na analise das entrevistas, é a constatação de que hã "movimento” no feminismo. Isto é, as visões e concepções acerca do mesmo não são estáticas, se modificam conforme a época e a situação estudada. Porém, ao mesmo tempo em que essas alterações são a- pontadas, muitas vezes podemos detectar, nas entrevistas, uma certa "saudade" do movimento nos seus primeiros anos. Existe a dificuldade de se aceitar e absorver as mudanças do feminismo

(mesmo que muitas vezes as estejamos propondo).

Uma segunda questão é a ampliação das possibilidades de atuação das feministas. No início do movimento feminista no Brasil, a atuação possível dizia respeito, mais diretamente, aos poucos grupos feministas existentes. Hoje esta possibilidade se diversifica: são feministas autônomas, que não participam de grupos ou que, jã tendo participado, deles de desvinculam (por motivos que vão desde opções individuais até desencanto com os mesmos), mas que continuam sendo feministas e atuando como tal no seu cotidiano; são grupos autônomos (de reflexão e/ou ação) que ainda se mantêm estruturados e em funcionamento; são gru - pos ligados âs instituições, partidos, etc., que atuam na ques­

tão da mulher; são conselhos e delegacias da mulher, onde as fe ministas militam, com uma ligação direta com o Estado. A atua -

ção no feminismo não se restringe a uma militância organizada: "Também não quer dizer que, por ser feminista, é obr^ gada a fazer militância organizada. Eu acho que hoje

no Brasil existem muitas mulheres feministas na prática, na vida, que nunca ergueram um pirulito no meio da rua,que nunca procuraram outras mulheres prã fazer algum tipo de organização. Tem muito desse tipo de mulher, e eu acho que isso não deixa de ser uma resposta ao próprio movimento, uma resposta positiva ao próprio movimento" (C.).

Esta ampliação de possibilidades estã ligada a um crescimento do movimento feminista. Hã uma inserção das chama­ das "questões da mulher" em outras camadas sociais e faixas etã rias. A cultura feminista penetra com maior rapidez e profundi­ dade na vida das pessoas e na sociedade em geral.

Todos esses fatores fazem com que se tenha a possibi­ lidade, na prãtica, de exercitar o respeito â diferença (de idéias, posturas, visões, etc.), não sõ em relação aos outros movimentos sociais, porém mais diretamente em relação às diver

sas formas de ver e viver o feminismo. Começa-se a entender o feminismo como um processo de construção permanente, a nível in dividual e coletivo.

"Todo o processo histórico, toda a transformação, é assim dolorosa, angustiante, você tem recaídas, você faz coisas que acha que não devia ter feito, mas isso na sua vida toda. Então ser socialista, ser democrata, ser femi - nista, é uma luta constante. Não é você um dia pegar o ró­ tulo, enfiar na cabeça e dizer que é. Não, você estã se transformando" (R.).

Uma terceira questão diz respeito ao aprofundamento da discussão teórica do e sobre o movimento e um reforço à m u ­ dança de mentalidade em relação ao conflito. Ser solidária não deve significar necessariamente a concordância em tudo e por tu do, exigir o abandono da defesa de idéias e pontos de vista pró

prios, nem o encobrimento das diferenças e divergências. Mesmo porque, uma tal atitude conformista, em lugar de fortalecer, en fraquece o movimento.

"A solidariedade entre as mulheres não implica em que você jamais tenha conflito com outras mulheres, não é is­

so aí que quer dizer. A solidariedade prã mim hoje é uma coisa muito clara. A solidariedade entre as mulheres signi^ fica o seguinte: qualquer mulher, independente de eu gos - tar ou não dela, dela ser minha amiga ou inimiga em outras questões, no momento em que ela for vítima do machismo de qualquer forma que for, que ela for discriminada nessa so­ ciedade, eu vou estar do lado dela" (L.).

No meu entender o movimento feminista estã num momento crí tico. Isto porque, embora se possa constatar um crescimento do mesmo (vide Bertioga, Petrôpolis e Garanhuns), crescimento este que, com certeza, refletiu o trabalho de formiga de uma série de grupos feministas (muitos deles jã não existem mais^o movimento corre o risco de ser diluído em campanhas governamentais que não têm como preocupação bãsica aprofundar as propostas feministas.

Percebo a absorção, por parte do Estado,de uma série de bandeiras que o feminismo ou uma parte do movimento feminista levantou, em decorrência de um trabalho bem realizado. 0 que acontece é que não vejo^a par disso, uma reestruturação do m o ­ vimento, que faça com que estes avanços não sejam paralisados. Como exemplo posso citar os Conselhos Nacional, Estaduais e M u ­ nicipais, da Condição Feminina. A partir do momento em que o Estado passou a assumir o controle da criação destes Conselhos, o movimento perdeu, ou não conseguiu manter, uma estrutura de pressão ou uma maior articulação com as feministas que deles

participam, com o intuito de imprimir uma postura mais radical â atuação dos mesmos.

£ claro que não ignoro que a construção de uma nova pratica política é lenta, e que o movimento feminista passa ho­ je por um momento importante de reflexão interna.

Até bem pouco tempo atrás, o discurso do feminismo a- pontava e criticava as posturas autoritárias dos partidos polí­ ticos, dos sindicatos, as relações de dominação e poder que- existiam nos movimentos sociais como um todo, a hierarquização e verticalização dos grupos e organizações, a falta de solida­ riedade, a tendência ã homogeinização das idéias, etc. Em con­ trapartida, propunha uma forma de se organizar descentralizada, que convivesse democraticamente com a diversidade, que fosse ho rizontal e sem hierarquias, trabalhando com base na solidarieda de entre as mulheres. E, durante algum tempo, as feministas a- creditaram serem assim. Hoje, começam a olhar para dentro, a ver que tudo aquilo que se criticava nos partidos e nos outros movimentos sociais ou grupos, também existe, em maior ou menor grau, no movimento feminista. Que na verdade, os grupos femini^ tas não são tão democráticos assim, que existem estruturas e relações de poder bastante fortes dentro dos grupos, que a soli^ dariedade tão falada, nem sempre é posta em prática, etc. Isto leva a uma certa paralisação do movimento, ã desestruturação de grupos e, no meu entender, esta paralisação tem aspectos p o ­ sitivos. Positivos, na medida em que podem possibilitar um apro fundamento das propostas do movimento feminista nestes eixos fundamentais.

£ necessário, além de propor a quebra do autoritaris­ mo dos outros, praticar a quebra do nosso proprio autoritaris­ mo, e isso não é tarefa fácil pois põe à prova, no dia a dia,

todas as falas do movimento: aceitar a diversidade, praticar a solidariedade e o respeito à diferença entre nos mesmas.

Com suas diferentes visões e posturas, com seus erros e acertos, o movimento feminista pode criar novas perspectivas de vida para muitas pessoas. E isto, por si so, já garantiria sua importância entre os movimentos sociais que hoje procuram repensar e redefinir os rumos da sociedade contemporânea.

A quebra de algumas das utopias do movimento femini^ ta, hoje, no Rio de Janeiro, pode e deve trazer consigo a cons­ trução/reconstrução de novas utopias, que irão aprofundar as propostas e práticas de transformação individual e coletiva, na busca de uma sociedade justa, alegre e prazeirosa - para to­ dos .

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