CAICÓ - RN
2018
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
DEPARTAMENTO DO CURSO DE DIREITO
MARIA GABRIELA ISABELA ARAÚJO DE MEDEIROS
RESPONSABILIDADE CIVIL: a natureza preventiva das tutelas
provisórias e a responsabilidade processual adquirida pela sua
efetivação.
CAICÓ - RN
2018
RESPONSABILIDADE CIVIL: a natureza preventiva das tutelas provisórias e a
responsabilidade processual adquirida pela sua efetivação.
Monografia apresentada ao Curso de
Direito, do Centro de Ensino Superior do
Seridó, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito para
obtenção do grau de Bacharel em Direito.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Carlos Francisco
do Nascimento.
Medeiros, Maria Gabriela Isabela Araújo de.
Responsabilidade Civil: a natureza preventiva das tutelas provisórias e a responsabilidade processual adquirida pela sua efetivação / Maria Gabriela Isabela Araújo de Medeiros. - Caicó: UFRN, 2018.
38f.: il.
Monografia (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó -Campus Caicó. Departamento de Direito. Curso de Direito. Orientador: Dr. Carlos Francisco do Nascimento.
1. Responsabilidade Civil. 2. Tutelas Provisórias. 3.
Responsabilidade Processual. I. Nascimento, Carlos Francisco do. II. Título.
RN/UF/BS-CAICÓ CDU 347.51
Dedico este trabalho a todos que de forma direita ou
indireta me ajudaram em sua conclusão.
De forma especial a minha família pela compreensão
e apoio e ao meu professor Dr. Carlos Francisco do
Nascimento.
AGRADECIMENTOS
A Deus que me deu energia para concluir esse trabalho.
A minha família especialmente pelo apoio ao longo desses cinco anos de curso.
Ao meu orientador pela grande ajuda na elaboração do trabalho, este não teria
sido possível sem sua colaboração e compreensão.
Você é livre para fazer suas escolhas,
mas é prisioneiro das consequências.
RESUMO
A responsabilidade civil na qualidade de fenômeno jurídico encontra como conceito
fundante o campo semântico do verbo imputar. Imputa-se ao causador do dano uma
obrigação de reparar as lesões advindas da sua conduta. Inconteste a importância do
instituto da responsabilidade para vida cotidiana, cujas dimensões de reparação,
punição e prevenção, assumem relevante papel como mantenedor das relações
sociais. Assim, o presente trabalho se dispõe a analisar, para além das funções da
responsabilidade, a natureza preventiva da tutela provisória como importante
ferramenta dos operadores do direito na sua essência preventiva e proibitiva das
lesões ao direito do indivíduo dentro de uma relação jurídica processual, abordando a
responsabilidade adquirida pelos sujeitos processuais após a efetivação da tutela, em
especial, aquela adquirida pela sua efetivação.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; tutelas provisórias; responsabilidade
processual.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 10
1 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO ... 13
2 AS DIMENÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ... 17
3 TUTELAS PROVISÓRIAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ... 23
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 33
INTRODUÇÃO
Derivando da prática de uma atividade danosa de alguém que, de início, viola
uma norma jurídica preexistente contratual ou não, a reponsabilidade civil sujeita o
infrator à obrigação de reparar o dano causado. Caso não se possa repor in natura o
estado anterior das coisas, fica a compensação vinculada a prestação em pecúnia à
vítima.
Nas primeiras formas organizadas de sociedade, o instituto da
responsabilidade civil tem sua origem calcada na concepção de vingança privada,
que, embora constitua uma forma rudimentar de atribuir ao outro as consequências
pelos seus atos danosos, apresenta-se como um esboço da construção de
responsabilidade do indivíduo pelas suas ações.
Nesse ponto de vista, Alvino Lima (1999, p. 26,27) informa:
Partimos, como diz Ihering, do período em que o sentimento de paixão predomina no direito; a reação violenta perde de vista a culpabilidade, para alcançar tão somente a satisfação do dano e infligir um castigo ao autor do ato lesivo. Pena e reparação se confundem; responsabilidade penal e civil não se distinguem. A evolução operou-se, consequentemente, no sentido de se introduzir o elemento subjetivo da culpa e diferençar a responsabilidade civil da penal. E muito embora não tivesse conseguido o direito romano libertar-se inteiramente da ideia da pena, no fixar a responsabilidade aquiliana, a verdade é que a ideia de delito privado, engendrando uma ação penal, viu o domínio da sua aplicação diminuir, à vista da admissão, cada vez mais crescente, de obrigações delituais, criando uma ação mista ou simplesmente reipersecutória. A função da pena transformou-se, tendo por fim indenizar, como nas ações reipersecutórias, embora o modo de calcular a pena ainda fosse inspirado na função primitiva da vingança; o caráter penal da ação da lei Aquília, no direito clássico, não passa de uma sobrevivência.
No direito pátrio, a responsabilidade civil compreende os elementos tradicionais
do instituto. Influenciado pela doutrina clássica francesa, consagra como regra a
reponsabilidade civil subjetiva, ou seja, a obrigação de reparar tem como pressuposto
necessário o dolo ou a culpa. Conduto, tal fato não obsta a existência da obrigação
de reparar o dano quando exista apenas o nexo de casualidade.
Por força normativa do texto constitucional, a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito, assim como é a todos, no âmbito judicial
e administrativo, assegurado a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação. Assim, fica ao Estado o dever de, dentro de
um prazo razoável, dizer o direito, em especial, quando provocado a exercer sua
função jurisdicional.
Nesse contexto, ante a morosidade do trâmite processual e a iminente lesão
ao direito dos sujeitos envolvidos na relação jurídica, a antecipação dos efeitos da
tutela surge como medida capaz de assegurar as partes a efetiva aplicação do direito.
Nesse sentido, o objetivo geral do presente trabalho é apresentar uma análise sobre
a responsabilidade civil no direito pátrio, comparando suas dimensões e as
disposições no atual Código Civil e no Código de Processo Civil, a fim de delimitar o
tipo de responsabilidade civil adquirida pelos sujeitos processuais após o deferimento
de uma tutela provisória. Especificamente, tem o escopo de analisar a
responsabilidade civil adquirida após a concessão de tutela provisória antecipada da
tutela jurisdicional no curso do processo judicial.
Embora alguns juristas entendam que a parte não deve responder por aqueles
danos advindos da efetivação de uma tutela jurisdicional não requerida, a legislação
pátria rejeita as hipóteses de enriquecimento ilícito, bem como coaduna com a ideia
de que aquele que lesar ou causar dano a outro comete um ilícito, razão pela qual
deverá a parte ressarcir aquele que foi lesado pela efetivação da medida provisória.
O tema apresenta-se atual e relevante juridicamente, em razão de propor uma
análise com foco não apenas no sentido de afastar um contrassenso quanto a
natureza da responsabilidade civil, mas também para que não se banalize o instituto
da tutela provisória, evidenciando-se, acertadamente, a aplicação da teoria do
risco-proveito que norteia a efetivação na responsabilidade civil em foco.
O presente trabalho encontra base metodológica, na revisão bibliográfica de
juristas nacionais, legislação e na jurisprudência pátria acerca da matéria,
considerando as controvérsias presentes na doutrina sobre estruturação da culpa e
consequente definição da natureza da responsabilidade da parte integrante da relação
processual beneficiada pela análise sumária do mérito da questão discutida em juízo.
Para alcançar o escopo proposto está estruturado em quatro capítulos. O
primeiro capítulo apresenta de forma sintética a evolução da responsabilidade civil no
direito brasileiro. O segundo capítulo é destinado a apresentar as dimensões da
responsabilidade civil. No terceiro capítulo são abordadas as tutelas provisórias no
Código de Processo Civil. O quarto capítulo, traz a abordagem específica acerca
temática, a partir da identificado e análise da responsabilidade civil dos agentes
processuais após a concessão da tutela provisória, tomando em consideração que o
sujeito que requer a tutela responde objetivamente pelos danos causados,
tratando-se, acertadamente, da aplicação teoria do risco-proveito.
1 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO
A responsabilidade civil
1, segundo a teoria clássica, advém de um dano, de
uma culpa e uma relação de casualidade entre o dano e o fato culposo.
Para o professor José de Aguiar Dias (1994, p.1) “toda manifestação humana
traz em si o problema da responsabilidade”. Para Carlos Roberto Gonçalves (2011. p.
19), “toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o
problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e
patrimonial provocado pelo autor do dano.”.
Como bem pontua Flávio Tartuce (2017, p.372):
A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Neste sentido, fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual
ou negocial e em responsabilidade civil extracontratual, também denominada
responsabilidade civil aquiliana, diante da Lex Aquilia de Damno, do final do século III a.C. e que fixou os parâmetros da responsabilidade civil extracontratual, “(…) ao conferir à vítima de um dano injusto o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro do seu causador (e não mais a retribuição do mesmo mal causado), independentemente de relação obrigacional preexistente” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil…, 2005, p. 27).
Assim, a noção jurídica de reponsabilidade pressupõe um dano a alguém ou
algo, por um sujeito que, atuando de início ilicitamente, viola uma norma existente,
seja legal ou contratual, subordinando-se a obrigação de reparar. Na atual lei
codificada brasileira, a ideia de lesão de direitos vem expressa no artigo 186, do
Código Civil, que dispõe que o ato ilícito resta configurado quando a lesão estiver
presente, podendo ser cumulada com danos de outra categoria, como o dano material,
estético ou moral.
No direito brasileiro a responsabilidade civil se viu intimamente ligada ao código
criminal de 1830 que, atendendo determinação da Constituição do Império,
transformou-se em um código civil e criminal. Em sua estrutura normativa estavam
previstos, por exemplo, a reparação natural e a indenização, os juros reparatórios, a
solidariedade e a transmissibilidade da reparação.
1 A noção de responsabilidade ultrapassa a esfera do jurídico, ligando-se também ao campo moral, da religião e das regras do trato social. Em análise ao significante da palavra responsabilidade, a ideia de dever é inerente.
O dever de reparação, nessa primeira etapa, estava condicionado à
condenação criminal. Após esse período preliminar, adentrou ao direito pátrio o
princípio da independência da jurisdição civil e criminal, forçando a separação
jurisdicional entre ambas as matérias.
2O Código Civil de 1916, filiando-se à teoria subjetiva
3, condicionou a reparação
civil à prova de dolo ou culpa do agente causador do dano, consistindo esta, para
Sílvio Venosa (2017, p.406), na inobservância de um dever que o agente devia
conhecer e observar, trazendo poucos casos de culpa presumida.
Inegável que a responsabilidade civil deriva de uma agressão a um interesse
jurídico em virtude do descumprimento de uma norma jurídica pré-existente, contratual
ou não. Desse modo, o desenvolvimento industrial e a evolução das relações socais
acabaram por fomentar os danos e, consequentemente, o surgimento de novas
teorias com o fim de ressarcir a vítima, proporcionando-lhe justiça e restaurando o
equilíbrio das relações sociais. Vê-se, assim, a responsabilidade como um fenômeno
social.
Como bem pontua Paulo Nader (2016, p.4):
À medida que a sociedade se torna mais complexa, ampliando-se as relações e a interdependência das pessoas, a probabilidade de danos cresce. A experiência revela: onde o homem, a possibilidade de danos a outrem. Nem é preciso a convivência para que estes se materializem. Como o Direito deve acompanhar paripassu a civilização, as formas originais de danos ao patrimônio e à personalidade exigem critérios próprios de aplicação dos princípios e normas da responsabilidade civil, cabendo à doutrina e à jurisprudência, em primeiro lugar, a definição dos danos indenizáveis, seus pressupostos e a medida da satisfação às vítimas ou seus herdeiros.
Neste cenário de multiplicação dos danos, no qual as concepções tradicionais
se revelam insuficientes para a proteção das vítimas, o instituto da responsabilidade
civil é, como bem destaca Rui Berford Dias (2006,p.25):
Essencialmente dinâmico, tem de adaptar-se, transformar-se na mesma proporção em que envolve a civilização, há de ser dotado de flexibilidade
2 Sobre a independência da jurisdição, aduz o artigo 935, do Código Civil: A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
3 A responsabilidade civil subjetiva, também denominada de culposa, consiste na obrigação de reparar os danos ocasionados por ações, omissões intencionais, negligentes ou imprudentes do sujeito que pratica a ação. A obrigação de indenizar tem como pressuposto necessário o dolo ou a culpa. Elaborado no século XIX, onde prevalecia as concepções individualistas e liberais, o Código Civil de 1916 em seu artigo 159, condicionava a obrigação de reparar o dano apenas para “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem’’.
suficiente para oferecer, em qualquer época, o meio ou processo pelo qual, em face de nova técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividade, assegure a finalidade de restabelecer o equilíbrio desfeito por ocasião do dano, considerado, em cada tempo, em função das condições sociais então vigentes.
Nesta perspectiva, surge, coexistindo com a teoria da culpa, a teoria do risco.
Para a teoria do risco, o agente que exerce uma atividade perigosa, apenas se
exonera da responsabilidade de ressarcir os danos que tenha causado a terceiros em
virtude do exercício dessa atividade, caso se prove que seguiu todas as medidas para
evitar o dano (ubi emolumentun, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda).
A teoria do risco tem como precursores Raymond Saleilles e Louis Josserand,
conforme nos esclarece Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto (2017,
p.458,459):
O desenvolvimento da teoria do risco não se deu de modo linear e unívoco. Tal como toda concepção quem irrompe com o propósito de abalar as bases sólidas de um sistema há muito constituído, os pais da doutrina do risco conduziram as suas ideias com fervor, em uma declaração de guerra aos próceres da culpa como fundamento da responsabilidade civil.
Conforme já observado, Raymond Saleilles e Louis Josserand aparecem simultaneamente como defensores e divulgadores da teoria objetiva. Ambos foram percursores da teoria do risco.
A doutrina de Saleilles é mais radical do que o sistema proposto por Josserand, pois prega, sem rodeios, a necessidade de substituir a culpa pela casualidade, classificando como humilhante a ideia de culpa, considerando ser mais equitativo e conforme a dignidade humana que cada qual assuma os riscos de sua atividade voluntária e livre. Eis aqui uma síntese de seu pensamento: “A lei deixa a cada um a liberdade de seus atos; ela não proíbe senão aqueles que se conhecem como causa direta do dano. Não poderia proibir aqueles que apenas trazem em si a virtualidade de atos danosos, uma vez que se possa crer fundamentalmente que tais perigos possam ser evitados, à base de prudência e habilidade. Mas, se a lei os permite, impõe àqueles que tomam risco a seu cargo a obrigação de pagar os gastos respectivos, sejam não resultados de culpa. Entre eles e as vítimas não há equiparação, ocorrido dano, é preciso que alguém no suporte. Não há culpa positiva de nenhum deles. Qual seria então o critério de imputação do risco? A prática exige que aquele que obtém proveito da iniciativa lhe suporte os encargos, pelo menos a título de sua causa material, uma vez que essa iniciativa constitui um fato que, em si e por si, encerra perigos potenciais contra os quais os terceiros não dispõe de defesa eficaz. É um balanceamento a fazer. A justiça que se faça inclinar o prato da responsabilidade para o lado do iniciador do dano.”
A teoria do risco se apresenta, juntamente com a teoria do dano objetivo, como
as faces da responsabilidade objetiva. Esta, diferentemente da subjetiva, para sobrevir
a obrigação de reparação sobre o agente que lesa outrem, carece apenas do nexo de
casualidade entre o fato e a lesão.
Pela teoria do dano objetivo, existindo um dano este deverá ser ressarcido,
independente da ideia de culpa, exige-se apenas que haja um nexo adequado de
casualidade. Como exposto por Carlos Roberto Gonçalves (2016, p. 29), para Ripert,
citado por Washington Barros Monteiro, em sua obra "O regime democrático e o direito
civil moderno", pode-se considerar que existe uma tendência da responsabilidade
objetiva caminhar no sentido de substituir a ideia de responsabilidade por reparação,
da culpa pelo risco, e subjetiva por objetiva. A realidade no direito civil brasileiro,
entretanto, é que, sendo insuficiente a ideia da culpa para atender a necessidade de
reparar, o legislador tem fixado os casos especiais que independem dela. É o que
remete a redação dos artigos 931, 936, 938, do Código Civil, transcritos abaixo, em
mostra nítida da adoção da teoria de responsabilidade objetiva.
Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.
A hipótese de culpa exclusiva da vítima, prevista no texto do artigo 936, do
Código Civil, não é uma hipótese de exclusão de ilicitude, isto porque, concorrem os
elementos necessários para configurar o ilícito. Aqui, ocorre a inexistência de
casualidade entre a conduta do agente e o resultado lesivo. O artigo refere-se ainda
a hipótese de força maior, que também implica na exclusão do nexo de casualidade
tanto em face da responsabilidade objetiva quanto subjetiva.
A responsabilidade civil subjetiva aparece como regra geral em nosso
ordenamento jurídico. Como bem expõe Flávio Tartuce (2017, p.580-581):
Não se pode filiar, em reforço, ao entendimento de que a regra do Código Civil de 2002 é a responsabilidade objetiva, sem culpa.
[...]
Como primeiro argumento para a conclusão de que a regra é a responsabilidade subjetiva, veja-se a própria organização do Código Civil, uma vez que a Parte Geral traz como regra, em seu art. 186, a responsabilização somente nos casos em que a culpa em sentido amplo estiver presente. Desse modo, para que o agente indenize o prejudicado é necessária a prova do elemento culpa, ônus que cabe, como regra geral, ao autor da demanda, pelo que prevê o art. 373, I, do CPC/2015, repetição do art. 333, I, do CPC/1973. Em reforço, cumpre lembrar que, de acordo com a ordem natural das coisas, a regra vem sempre antes da exceção. Percebe-se que o art. 927, caput, traz primeiro a responsabilidade com culpa, estando a responsabilização objetiva prevista em seu parágrafo único, nos casos ali
taxados, justamente nas hipóteses em que não se aplica a primeira regra legal.
Segundo, porque entendemos que adotar a responsabilidade objetiva como regra pode trazer abusos, beneficiando inclusive o enriquecimento sem causa, ato unilateral vedado pela codificação material em vigor entre os artigos 884 a 886.
Terceiro, apontando razão histórica, anote-se que interpretação da Lex
Aquilia de Damno, do século III antes de Cristo, previa como regra geral a
responsabilidade subjetiva, tendo surgido justamente em época em que se tinha como regra a responsabilização independentemente de culpa, não aprovada pelos pragmáticos romanos. Se a responsabilidade objetiva não foi aprovada em uma sociedade rudimentar como a da época, imagine-se o estrago que poderia gerar se fosse adotada como regra na sociedade atual, tão complexa e massificada.
Quarto, e por último, sobre o argumento de que o Código Civil de 2002 traz mais hipóteses de responsabilidade objetiva do que subjetiva, é interessante lembrar que é da técnica legislativa positivar as exceções, e não a regra.
Os elementos tradicionais da responsabilidade civil, conduta comissiva ou
omissiva do agente, nexo de casualidade e dano causado, construídos pela clássica
doutrina francesa, continuam sendo consagrados pelo Direito Civil pátrio e
influenciando a produção e aplicação da lei.
2 AS DIMENSÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Como assentado, a responsabilidade civil
4decorre do descumprimento de
dever jurídico básico. A sua finalidade, conforme correntes doutrinárias, pode ser
disposta nas dimensões: punição, reparação e prevenção de danos.
Precipuamente, a obrigação de reparação, sempre que possível, considerando
o princípio da restitutio in integrum, objetiva o retorno ao status quo ante. Quando o
tipo de dano não comportar o retorno ao estado anterior do bem lesado, justifica-se a
indenização em pecúnia, a saber, no caso da violação dos direitos de natureza moral
ou quando o objeto é destruído.
A reparação deve comportar todos os danos, materiais ou morais, sofridos pela
vítima, possível de cumulação. Neste sentido já se posicionou o Superior Tribunal de
Justiça, cujo entendimento fora concretizado nas súmulas de n.º 37 e n.º 387, que
possuem respectivamente as seguintes redações: "São cumuláveis as indenizações
4 Doutrinariamente, a responsabilidade pode ser simples, quando o sujeito, após a ação que gerou dano a algo ou alguém, é responsabilizado por sua conduta, ou complexa, que advém de ato de terceiro, devendo nesta situação existir um vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal ou coisa inanimada sob a guarda.
por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato"; "É lícita a cumulação das
indenizações de dano estético e dano moral".
A Carta Magna em seu artigo 5°, inciso V, dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
O valor a ser estipulado como quantum da indenização ou compensação,
influenciando nesta fase o grau de culpa do agente causador do dano, para além de
abranger o que foi sofrido pela vítima deve considerar as forças do patrimônio do
agente. Isto porque existe, além do caráter educativo, o fato de ser incabível prisão
civil por inadimplemento de obrigação de indenizar. A própria Constituição já assegura
em seu texto, artigo 5. °, inciso LXVII que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a
do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia
e a do depositário infiel”. A prisão do depositário infiel, apesar de prevista na redação
deste inciso, conforme súmula n.º 25 do Supremo Tribunal Federal, tornou-se ilícita.
Aduz a súmula nº 25: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a
modalidade de depósito."
55 Precedentes representativos:
(...) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na CF/1988, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da CF/1988 sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada (...), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (...). Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (...) Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao PIDCP (art. 11) e à CADH — Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da CF/1988, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel. [RE 466.343, voto do rel. min. Cezar Peluso, P, j. 3-12-2008, DJE 104 de 5-6-2009, Tema 60.] A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do PIDCP (art. 11) e da CADH — Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da CF/1988, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na
Apesar de previsto no texto da Constituição, a prisão civil no direito brasileiro é
uma situação excepcional e ocorrerá apenas como medida coativa para aquele
alimentante que deixar de cumprir voluntariamente ou por motivo inescusável a
obrigação de prestar alimentos. Neste sentido, o posicionamento dos Tribunais
Nacionais:
EMENTA CIVIL E PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RITO. PRISÃO CIVIL IMPOSSIBILIDADE. DÍVIDAS PRETÉRITAS. SÚMULA 309 STJ. 1. A prisão civil, medida drástica que é, só deverá ser decretada se houver inadimplemento voluntário e inescusável do responsável em relação ao pagamento das parcelas referentes aos três meses anteriores ao ajuizamento da ação ou àquelas que vierem a vencer no curso do processo. Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Recurso desprovido.
(Acórdão n.1088566, 07170859320178070000, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO 8ª Turma Cível, Data de Julgamento: 12/04/2018, Publicado no PJe: 18/04/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. WRIT UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO CABÍVEL.
IMPOSSIBILIDADE. AFERIÇÃO DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. INSTRUÇÃO DEFICIENTE DO WRIT E AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA
ILEGALIDADE APONTADA. CONSTATAÇÃO DA CAPACIDADE
FINANCEIRA DO ALIMENTANTE.
IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. PRECEDENTES. DESEMPREGO, POR SI, NÃO É SUFICIENTES PARA JUSTIFICAR O INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. PRECEDENTES.
INADIMPLEMENTO DAS TRÊS PARCELAS ANTERIORES AO
AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E DAS QUE VENCERAM NO CURSO DA AÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 309 DO STJ. FATOS INDICATIVOS DA DESÍDIA E DA OMISSÃO EM RELAÇÃO AO BEM ESTAR DO ALIMENTADO. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. Não é admissível a utilização de habeas corpus como sucedâneo ou substitutivo de recurso ordinário cabível. Precedentes.
2. A deficiência da instrução do writ e a inexistência de provas pré-constituídas de que não tem condições financeiras de adimplir a obrigação alimentícia para com o filho e de que sobrevive apenas de "bicos", impossibilitam a aferição da ilegalidade apontada do decreto de prisão. 3. A teor da jurisprudência desta eg. Corte Superior, a real capacidade financeira do paciente não pode ser verificada em habeas corpus que, por possuir cognição sumária, não comporta dilação probatória e não admite a análise aprofundada de provas e fatos controvertidos. Precedentes.
4. O STJ já consolidou o entendimento de que a ocorrência de desemprego do alimentante não é motivo suficiente, por si, para justificar o inadimplemento
atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, consequentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido.
da obrigação alimentar, devendo tal circunstância ser examinada em ação revisional ou exoneratória de alimentos.
5. O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral das três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que vencerem no seu curso não será ela ilegal. Inteligência da Súmula nº 309 do STJ e precedentes.
6. A existência de fatos indicativos da omissão e da desídia do paciente em relação a obrigação alimentar do filho, da qual tinha plena ciência antes de sumir e deixá-lo desamparado por 5 (cinco) anos, não pode ser chancelada pelo Poder Judiciário.
7. Habeas corpus denegado.
(HC 465.321/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2018, DJe 18/10/2018)
A edição da súmula n.° 25, do Supremo Tribunal Federal encontra fundamento
de validade na própria Carta Magna que assegura em seu artigo 5º, § 2°,
que “os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.” Por sua vez, há dois tratados internacionais
ratificados pela República Federativa do Brasil que são contrários a prisão civil, a
saber, o Pacto de São José da Costa Rica, que dispõe sobre o direito à liberdade no
artigo 7, e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Político, que legisla a matéria
no artigo 11, que seguem, respectivamente, transcritos:
Artigo 7. Direito à liberdade pessoal
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela.
5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Político: ARTIGO 11
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Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.A dimensão reparatória é tida pela doutrina como uma função clássica e
dominante da responsabilidade civil, assim, como bem pontua os autores Cristiano
Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto (2017, p.63)
Quando cogitamos do fundamento reparatório da responsabilidade civil, remetemo-nos as razões jurídicas pelas quais alguém será responsabilizado por um dano, patrimonial ou extrapatrimonial. Um dano qualificado no caso concreto como dano injusto. Isto é, injusto no sentido de uma valoração comparativa dos interesses em conflito, afinal, a esfera jurídica do sujeito não é protegida tout court contra a ocorrência de qualquer lesão que não se submete a um juízo de controle de merecimento. A injustiça do dano provocado se prende uma cláusula Geral de responsabilidade civil, cuja especificação e conversão a uma precisa fattispecie terá lugar no momento em que se concretize o juízo de responsabilidade pela ruptura das regras de coexistência. Em suma, uma função de mediação entre interesses em conflito, como reação a um juízo de desvalor previamente tido como relevante pelo ordenamento.
A dimensão da prevenção de danos, inequivocamente, quanto à previsão legal
ou contratual de reparação, compreende a ideia da importância de não lesar o outro.
Para alguns autores, a função preventiva da responsabilidade pode ser examinada a
partir de uma análise econômica do direito
6, de fundo materialista.
Sobre a função de prevenção da responsabilidade, Margareth Brazier e John
Murphy, apud Paulo Nader (2016,14-15), ensinam que
“a imposição de
responsabilidade civil não opera simplesmente para transferir os prejuízos relevantes
da vítima para o ofensor, mas também para impedir a conduta ilícita em questão...”.
A previsão contratual ou legal da reparação por vezes não se mostra suficiente
para desestimular o inadimplemento de obrigação ou prática do ilícito civil, sendo,
desse modo, indispensável a ação do judiciário. A função judicial, ao prevenir os
danos, mostra-se mais relevante, sobretudo porque impede a sua materialização.
Neste sentido, o Direito Processual tem por dever fornecer aos operadores do direito
as ferramentas capazes de neutralizar os possíveis prejuízos. É o que se vislumbra,
na área cível, com os processos cautelares.
Os processos cautelares, que podem ser ajuizados durante o curso de um
processo principal ou antes deste, essencialmente possuem um fim preventivo em
especial por permitirem a concessão de medidas liminares. Conforme preceitua o
6 A análise econômica do direito compreende uma reinterpretação das normas jurídicas através de ferramentas próprias da economia. Sob esta ótica econômica, as normas jurídicas são aplicadas conforme escolhas racionais, considerando os efeitos práticos da aplicação normativa, bem como as consequências indesejáveis ou involuntárias que possam acontecer. Como bem pontua Richard Posner (2011. p. 8), por esta análise, busca-se: “explicar e prever o comportamento dos grupos que participam do sistema jurídico, além de explicar a estrutura doutrinal, procedimental e institucional do sistema”.
artigo 297, do Código de Processo Civil, “O juiz poderá determinar as medidas que
considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.”
Para além da finalidade de reparação e de prevenção, esta decorrente daquela
função, a responsabilidade civil possui ainda a dimensão da punição.
Não é incorrer em erro considerar que esta dimensão possui raízes na esfera
criminal. Massimo Bianca, apud Paulo Nader (2016, p.16), nos esclarece:
Uma opinião generalizada atribui à indenização por danos não patrimoniais uma função punitiva total ou parcial. Esta opinião não pode ser compartilhada porque a referência normativa a ressarcimento significa que o remédio é estranho ao tema das punições, reservado ao Direito Penal.
A função punitiva atua precipuamente com o fim de desestimular à prática de
ilícitos civis. No direito norte-americano, que comporta a figura do punitive damages,
esta função induz ao enriquecimento sem causa.
A doutrina do punitive damages, apesar de alguns autores apontarem que o
instituto teria raízes na antiguidade clássica, num período aproximado de 1.700 antes
de Cristo, com o Código de Hamurabi, o punitive damagens, de modo geral, é
assemelhado as aplicações realizadas na Inglaterra do Common Law.
Nos termos da doutrina do Punitive Damages, essa bastante aplicada e
desenvolvida pelas cortes norte-americanas, a reparação decorrente do dano moral
objetiva alcançar a compensação da ofensa causada à vítima e punir
substancialmente o agente causador da lesão, de modo que este não venha mais a
praticar a conduta lesiva e sirva de exemplo para a sociedade. Como bem expõe
Salomão Rosendá (2009, p.225), podemos conceituar o instituto como sendo:
Um acréscimo econômico na condenação imposta ao sujeito ativo do ato ilícito, em razão da sua gravidade e reiteração que vai além do que se estipula como necessário para satisfazer o ofendido, no intuito de desestimulá-lo à prática de novos atos, além de mitigar a prática de comportamentos semelhantes por parte de potenciais ofensores, assegurando a paz social e conseqüente função social da responsabilidade civil.
Nesse seguimento, Sérgio Pinheiro Marchal, apud Raul Araújo Filho (2015, p.8)
preleciona:
A nosso ver, a teoria em questão também poderia ser chamada de teoria do valor do estímulo, só que tendo como referencial a suposta vítima. Nos parece que a tentativa de se punir alguém pela fixação de indenização em valor extremamente elevado pode gerar uma total distorção do sistema de
reparação dos danos morais, estimulando que pessoas venham a se utilizar do Poder Judiciário para buscar o enriquecimento às custas de fatos ligados à dor e ao sofrimento. Não que esses eventos não mereçam ser indenizados. Simplesmente, não devem gerar riqueza. (...) Quando se fixa a indenização tendo por referência a capacidade financeira do ofensor, há um total desvirtuamento do nosso sistema de responsabilidade civil. Deixa-se de ter em consideração o dano, para se considerar a punição pretendida. Devemos ter em mente, entretanto, que a punição e o exemplo à sociedade, no nosso ordenamento, é privilégio do Direito criminal, não cabendo à jurisprudência criar um sistema civil que não tenha embasamento legal. É princípio consagrado no Direito brasileiro que não há pena sem lei prévia que a estabeleça.
Sabidamente, o sistema jurídico brasileiro condena o enriquecimento sem
causa, não comportando consequentemente punitive damagens
7. Entretanto, permite,
na esfera cível, as astreintes
– mecanismo que consiste em uma penalidade
estipulada pelo juiz para coagir o sujeito ao cumprimento de uma obrigação,
geralmente fixado em dias-multa – que, por comportar a possibilidade de elevação da
pecúnia em razão do descumprimento reiterado, possuem efeito preventivo ante a
inadimplência.
3 TUTELAS PROVISÓRIAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Constitui garantias constitucionais a razoável duração do processo judicial e
administrativo, assim como os meios que assegurem a celeridade da sua tramitação.
Estas garantias, consagradas explicitamente pela Carta Magna após a emenda
constitucional nº 45, já estavam previstas no Pacto de San José da Costa Rica
(Convenção Interamericana de Direitos Humanos) e implicitamente compreendida no
artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, ao assegurar que "a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", garantindo uma tutela
efetiva, tempestiva e adequada.
O objetivo de razoável duração do processo acaba por exigir do legislador e
dos juízes diversas providências, a saber: o fomento de procedimentos simplificados;
formas processuais compatíveis com os tipos de lide a solucionar; adequada
estruturação e preparo dos agentes dos órgãos judiciais.
7 Também chamado de smart Money, o punitive damages, fruto do direito consuetudinário, compreende um adicional a condenação, uma penalidade que ultrapassa aquilo que de fato é devido pelo dano causado. O principal intuito é desestimular a prática de condutas danosas, em especial, na esfera moral. Tendo como base jurídica o sistema Common Law, esta forma de punição ganhou bastante força no direito norte-americano, onde somas vultuosas são impostas, por exemplo, em caso de danos físicos.
Na prática, para além de acelerar o processo como um todo, se faz mister, em
alguns casos, fazer uso de mecanismos aptos a prever provisoriamente o resultado
concreto que geralmente se teria apenas ao final do processo, in casu, a tutela
provisória. Em outras palavras, faz-se um juízo sobre fatos passados e sobre fatos
futuros para avaliação do perigo de dano e definição dos mecanismos para afastá-lo.
A tutela provisória se insere no contexto do ordenamento jurídico brasileiro para
situações de perigo na demora do julgamento da lide ou para redistribuir o ônus do
tempo na tramitação processual.
Como bem expõe Cândido Rangel Dimanarco (2004, p. 63-64):
[...] da finalidade de neutralizar os males do tempo, como elemento comum às medidas cautelares e às antecipatórias, passa-se com naturalidade a outro elemento que também irmana e que é a suficiência de uma cognição sumária, de menor profundidade do que a exigida para a tutela definitiva – porque, obviamente, se se exigissem todos os trâmites de uma cognição exauriente, isso tomaria tempo e as medidas de urgência deixariam de ser urgentes. Para fazer logo, embora com o risco de não fazer tão bem (Calamandrei), é preciso que o juiz se contente com uma cognição da qual lhe resulte apenas a sensação de uma probabilidade suficiente, não necessariamente uma certeza tranqüila e definitiva.
Reformulando o sistema de tutela judicial, o Código de Processo Civil em
vigência unificou sob no mesmo regime procedimental a tutela antecipada e a tutela
cautelar, que antes com a lei 5.869 de janeiro de 1973 eram submetidas a disciplinas
distintas.
A tutela provisória, conforme atual disposição legal, poderá ter seu fundamento
na evidência ou urgência (cautelar ou antecipada)
8, sendo concedida quando
demonstrado elementos que indiquem o perigo de dano na demora da prestação
jurisdicional e probabilidade do direito. Neste sentido dispõe o artigo 300, do Código
de Processo Civil. Vejamos.
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
8 A tutela cautelar e antecipada são subdivisões da tutela de urgência, podendo ser concedidas em caráter incidental ou antecipado, aplicando-se a ambas o mesmo regime jurídico. (Artigo 294, parágrafo único, do Código de Processo Civil)
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Prevista no artigo 311, I a IV, do Código supracitado, deferir-se-á a tutela de
evidência, dispensada a demonstração do periculum in mora, quando houver uma
considerável probabilidade de procedência da pretensão autoral.
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
Manifesto o caráter preventivo, assim como a importância da dimensão da
prevenção da responsabilidade civil ao nortear as ações do judiciário, é inconteste que
as tutelas compreendem uma importante ferramenta aos operadores do direito quanto
a reestruturação da ordem social e prevenção das lesões aos direitos.
Como esclarece Luiz Guilherme Marinoni (2017, p.37):
Contrapondo-se à teoria clássica – que, repita-se, não relacionava a função jurisdicional com a tutela do direito material –, surgiu a teoria que atribuiu à função cautelar a proteção de um direito aparente submetido a perigo de dano iminente. Nesta direção, a tutela cautelar não protege o processo, mas sim o direito. Ovídio Baptista da Silva conseguiu demonstrar a superioridade desta teoria ao evidenciar que a tutela marcada pela característica da “provisoriedade” – qualidade que advém da sumariedade da cognição e significa a contradição da “definitividade” da tutela prestada ao final do processo – nem sempre é uma tutela cautelar.37 O que define a cautelaridade
não é a provisoriedade ou a circunstância de a tutela ser concedida no curso do processo de conhecimento, mas sim a sua função diante do direito material. A tutela que satisfaz o direito material, ainda que no curso do processo – tutela antecipada –, não pode ser confundida com a tutela cautelar, pois esta última não tem o escopo de realizar ou satisfazer o direito,
mas apenas o de assegurá-lo.
No Estado contemporâneo, a função jurisdicional é uma consequência natural do dever estatal de proteger os direitos. Sem a jurisdição não seria possível garantir as formas de tutela do direito material.38 Ademais, a ação atípica e
direito material, deixando de ser uma mera proclamação retórica, caso permita ao autor a utilização das técnicas processuais adequadas à obtenção das tutelas prometidas pelo direito material.
Sobre a tutela cautelar, o citado autor (2017, p.38) ainda nos esclarece:
A tutela cautelar é direito da parte, correlacionado com o próprio direito à tutela do direito. Em razão deste direito, a jurisdição tem o dever de dar tutela cautelar à parte que tem o seu direito à tutela do direito submetido a perigo de dano. O titular do direito ao ressarcimento, que vê o infrator se desfazer dos seus bens para futuramente não poder ser alcançado pela execução, tem ameaçado o seu direito à tutela ressarcitória e, por isso, tem direito à tutela de segurança (cautelar) da tutela ressarcitória. Ora, da mesma forma que tem dever de prestar tutela ressarcitória, a jurisdição tem dever de conceder tutela que seja capaz de garantir a efetividade da tutela ressarcitória. Em outros termos, a jurisdição tem o dever de tutelar o direito provável – ameaçado por dano – à tutela do direito (p. ex., tutela ressarcitória).
O instituto da tutela cautelar tem por objetivo assegurar a efetividade e a
segurança daquele direito reclamado junto ao Poder Judiciário. A tutela cautelar não
nasce do processo e tampouco se destina a assegurar a sua estabilidade.
A responsabilidade é inerente as ações do homem, mostrando-se como uma
consequência. Assim, quanto a tutela provisória, para além da responsabilidade do
requerido, esta delimitada previamente pelo juiz, subsiste a responsabilidade daquele
que, sentindo-se lesado ou ameaçado em seu direito, provoca a função jurisdicional
do Estado.
Por disposição normativa, concedida a tutela provisória, a parte solicitante
responde pelo prejuízo que a efetivação desta causar à parte adversa. Ou seja, o
requerente possui responsabilidade objetiva quanto aos danos causados ao
requerido, desde que se aprecie que este não tinha o direito que afirmou ter, sendo
cessada a eficácia da tutela. Neste sentido, aduz o artigo 302, do Código de Processo
Civil, in verbis:
Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I - a sentença lhe for desfavorável;
II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.
Embora expressamente prevista para a tutela provisória de urgência, a regra
do artigo acima citado é aplicável a todas as espécies. Isto é, a regra da
responsabilidade objetiva aplica-se a todas as tutelas provisórias. O que significa que,
aquele que pede em juízo a tutela assume o risco de reparar todos os prejuízos
causados pela concessão e execução da providência, sendo irrelevante a boa ou
má-fé, o dolo ou a culpa.
De maneira acertada pelo legislador, trata-se da aplicação da teoria do
risco-proveito. A aplicação dessa teoria se justifica pois obtenção e a efetivação de
uma tutela cautelar, concedida mediante cognição sumária, são proveitosas para a
parte requerente, de modo que, os prejuízos advindos da sua execução e ainda
concessão constitui encargo daquele que dela se aproveitou.
Nesse sentido Neves (2016, p. 839) esclarece que:
Trata-se da de aplicação da teoria do risco-proveito, considerando-se que, se de um lado a obtenção e a efetivação de uma tutela cautelar são altamente proveitosas para a parte, por outro lado, os riscos pela concessão dessa tutela provisória concedida mediante cognição sumária são exclusivamente daquele que ela se aproveitou.
Entendimento pacífico na doutrina aponta para a natureza objetiva dessa responsabilidade, de forma que o elemento culpa é totalmente estranho e irrelevante para a sua configuração.
Ainda sobre a aplicação da responsabilidade objetiva, Humberto Theodoro
Júnior (2002), comentando a matéria ainda na vigência do antigo Código de Processo
Civil
9, explica:
A responsabilidade civil do promovente de medida provisória de urgência decorre, pois, de disposição legal que prescinde da culpa e se contenta com o risco criado pela parte que se beneficia da tutela preventiva.
Fundamenta-se a responsabilidade objetiva do exeqüente de medida provisória cautelar na necessidade de distribuição justa dos danos decorrentes da atividade judicial, que embora legítima e necessária, pode acarretar prejuízos injustos aos que a ela se submetem.
Destaca, ainda, GALENO LACERDA que o CPC brasileiro, adotou também a responsabilidade objetiva para a execução provisória de sentença, derivada do art. 588, já que se trata de medida de igual natureza. Explica o respeitado professor que:
"Vincula-se à idéia objetiva de ônus ou de risco processual, comum não apenas às ações cautelares, como à execução provisória da sentença. Neste
9 As alterações realizadas no Código de Processo Civil não descaracterizaram os institutos da tutela cautelar ou da responsabilidade civil, ou seja, a ideia, o direito material tradado nos artigos referente aos institutos não sofreram mudanças significativas. Desse modo, os comentários realizados por alguns dos autores aqui citados, mesmo que se refiram aos artigos do Código Civil de 1973, enquadram-se na realidade atual do direito civil e do direito processual civil brasileiro.
sentido, a responsabilidade decorrente do art. 811 é da mesma natureza da derivada do art. 588, I" [13].
PONTES DE MIRANDA já vislumbrava, mesmo antes da criação do instituto genérico da antecipação de tutela, a aplicabilidade da responsabilidade objetiva fundada no art. 588, CPC, a toda e qualquer execução provisória fundada em "outros títulos que a sentença" [15].
Daí se poder concluir que todos os atos executivos provisórios admitidos e tutelados pelo direito processual sujeitam o promovente à responsabilidade objetiva, sejam elas medidas cautelares (art. 811), medidas de antecipação de tutela (art. 273), ou medidas promovidas no processo de execução provisória de sentença (art. 588).
As medidas de antecipação de tutela hão de receber igual tratamento das medidas cautelares não só porque pertencem ao mesmo gênero das medidas cautelares - tutela provisória de urgência - como porque o legislador, ao regulá-las, fez expressa referência ao art. 588, submetendo-as ao disposto nos incisos II e III do citado dispositivo legal.
A jurisprudência também não diverge quanto a aplicação da teoria do risco
proveito, sendo válido fazer referência alguns julgados recentes:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL.
EXECUÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 811, I, DO CPC/73. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA. REPUTAÇÃO E BOM NOME. PROVA. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DIREITO DE RECORRER.
1. Cinge-se a controvérsia a determinar: a) se a alegação de exercício regular do direito de ação é capaz de afastar o dever de indenizar os danos supostamente sofridos pela parte requerida em ação cautelar; b) se o cumprimento de busca e apreensão é capaz de gerar abalo moral à pessoa jurídica recorrida; e c) se o exercício do direito de recorrer configura litigância de má-fé.
2. A responsabilidade civil do requerente pelos danos sofridos pelo requerido, decorrentes da execução de medidas cautelares, é objetiva e depende unicamente do posterior julgamento de improcedência do pedido.
3. Por se tratar de responsabilidade objetiva, as alegações de exercício regular do direito de ação ou de que o ajuizamento foi realizado de boa-fé, com convicção acerca do cabimento da medida, não são capazes de afastar o dever de indenizar.
4. Para que a execução da medida cautelar de busca e apreensão seja capaz de causar dano moral indenizável à pessoa jurídica é preciso que existam comprovadas ofensas à sua reputação, seu bom nome, no meio comercial e social em que atua, ou seja, à sua honra objetiva, o que foi verificado pelo Tribunal de origem, na espécie.
5. Rever as conclusões do acórdão recorrido a respeito da existência de provas da ofensa à reputação do empreendimento comercial demandaria o reexame dos fatos e provas dos autos, vedado pela Súmula 7/STJ.
6. A interposição do recurso cabível, ainda que com argumentos reiteradamente refutados pelo Tribunal ou sem a alegação de qualquer fundamento novo, apto a rebater a decisão recorrida, mas sem evidente intuito protelatório, não traduz má-fé nem justifica a aplicação de multa, a qual deve ser afastada, na espécie.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1428493/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017)
RESPONSABILIDADE CIVIL. MEDIDA LIMINAR REVOGADA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CAMINHÃO. LUCROS CESSANTES. DANO MORAL.
A parte requerente da medida liminar responde pelo prejuízo causado à parte adversa (CPC de 1973, art. 811, novo CPC, art. 302). No caso, o caminhão ficou depositado por vários anos. O dano material está demonstrado, consistente na perda do lucro líquido obtido com o uso do bem. O valor deve ser apurado em liquidação de sentença. O dano moral não deve ser afirmado. Ausência de dano à honra objetiva da empresa. Apelo provido em parte.
(Apelação Cível Nº 70073898835, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 29/06/2017).
Há na doutrina pátria divergências sobre a aplicação da responsabilidade
objetiva nas tutelas deferidas de ofício. Para Galeno Lacerda (1999, p. 314) não
caberia a responsabilidade objetiva nesse tipo de tutela considerando o poder geral
de cautela, expõe o autor:
“Se o juiz entende de seu dever decretar diretamente a
medida, os danos daí advindos não podem ser suportados por quem não a requereu,
salvo se este perder a demanda principal, condenado genericamente a perdas e
danos, ou repor o status quo.”
Contudo, visto que o direito pátrio rejeita as hipóteses de enriquecimento sem
causa, nada mais coerente que aquele que teve concedida tal providencia cautelar
responda pelas lesões causadas na proporção do seu ganho.
Importante pontuar que o escopo principal da tutela cautelar é evitar lesões de
difícil reparação e não provocar novo dano. Conforme disposto no artigo 300, § 3°, do
Código de Processo Civil, “A tutela de urgência de natureza antecipada não será
concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.
Resultando em dano à parte, a medida cautelar poderá ser revista, por
inteligência do artigo 296, do Código de Processo Civil, que apresenta o seguinte teor:
“A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a
qualquer tempo, ser revogada ou modificada.” Razão pela qual, excepcionado os
casos em que o juiz haja com dolo ou fraude
10, não há que se falar em
responsabilidade do magistrado pelos danos recorrentes das medidas jurisdicionais,
considerando que esse pratica os atos na defesa da jurisdição.
10 Sobre a responsabilidade civil do magistrado, dispõe o artigo 143, do Código de Processo Civil, in
verbis: Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: I – no exercício
de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias.
Embora o artigo 37, § 6º,
11da Constituição da República disponha sobre a
responsabilidade objetiva do Estado, o Supremo Tribunal Federal, sob o argumento
de preservar a independência do Judiciário, entendeu que essa responsabilidade não
se aplica aos atos do Poder Judiciário e de seus agentes.
12Ainda que alguns doutrinadores entendam como erro aplicar a teria do
risco-proveito, filiando-se a teoria de responsabilidade híbrida, ou mesmo considerando que
o pedido formulado não surtiria efeitos jurídicos sem a decisão do magistrado
deferindo o pleito, se mostra inconteste que, não aplicar a responsabilidade civil
objetiva ao beneficiado pela tutela, ou seja, desconsiderando a culpa ou o dolo quanto
ao dever de reparar os danos causados pela efetivação da medida cautelar, seria
incorrer em contrassenso, isto porque, a finalidade do procedimento é essencialmente
prevenir e ou evitar lesões ao direito do indivíduo.
Sobre a responsabilidade híbrida, Bruno Augusto Sampaio Fuga e Magno
Alexandre Silveira Batista (2014) destacam:
Daniel Mitidiero expõe que no decorrer da história o problema da responsabilidade pela fruição da antecipação da tutela sempre resultou em controvérsias e buscando subsídios no direito comparado explica que: (...) as soluções ora pendem para a responsabilidade subjetiva (como é o caso do direito italiano, art.96, Codice Di Procedura Civile), e do direito português, art. 390, n.1, Código de Processo Civil, que reclamam a ausência de ‘normale prudenza’ para a configuração do dever de indenizar), ora para a responsabilidade objetiva (como é o caso do direito alemão, §945, Zivilprozessordnung, e do direito espacinho, art. 742, Ley de Enjuiciamiento Civil). De seu turno, o direito brasileiro disciplinou o assunto nos arts. 273, § 3º, 475-O e 811 do CPC. A doutrina em geral observa a sua filiação ao sistema de responsabilidade objetiva.
Mitidiero entende que no tocante às medidas cautelares há responsabilidade objetiva “(...) no caso de não promoção da citação, uma vez obtida a liminar cautelar (art. 811, II), e em determinados casos de cessação da eficácia da medida (arts. 808 e 811, III). Nesses casos, a parte interessada não tem que alegar e provar dolo ou culpa da parte que deu azo ao dano injusto por ela experimentado.”
11 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
12 EMENTA: - Responsabilidade objetiva do Estado. Ato do Poder Judiciário. - A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do S.T.F. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 111609, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 11/12/1992, DJ 19-03-1993 PP-04281 EMENT VOL-01696-02 PP-00346)