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As diferentes formas de expressão da homofobia e as variações nas vivências de gays e lésbicas de Natal/RN

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. RAYANE DAYSE DA S. OLIVEIRA. AS DIFERENTES FORMAS DE EXPRESSÃO DA HOMOFOBIA E AS VARIAÇÕES NAS VIVÊNCIAS DE GAYS E LÉSBICAS DE NATAL/RN. ORIENTADORA: Profª. Drª. LORE FORTES. NATAL/RN 2017.

(2) RAYANE DAYSE DA SILVA OLIVEIRA. AS DIFERENTES FORMAS DE EXPRESSÃO DA HOMOFOBIA E AS NUANCES NAS VIVÊNCIAS DE GAYS E LÉSBICAS DE NATAL/RN. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - PPGCS/CCHLA/UFRN, como requisito final para a obtenção do título de Mestra. Orientadora: Profª. Drª. Lore Fortes.. NATAL/RN 2017.

(3) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes CCHLA Oliveira, Rayane Dayse da Silva. As diferentes formas de expressão da homofobia e as variações nas vivências de gays e lésbicas de Natal/RN / Rayane Dayse da Silva Oliveira. - 2017. 126f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais. Orientador: Prof.ª Dr.ª Lore Fortes.. 1. Homofobia - Natal (Rio Grande do Norte). 2. Gênero e violência. 3. Violência. I. Fortes, Lore. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 316.48-055.34(813.2).

(4) RAYANE DAYSE DA SILVA OLIVEIRA. AS DIFERENTES FORMAS DE EXPRESSÃO DA HOMOFOBIA E AS NUANCES NAS VIVÊNCIAS DE GAYS E LÉSBICAS DE NATAL/RN. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - PPGCS/CCHLA/UFRN, como requisito final para a obtenção do título de Mestra. Orientadora: Profª. Dra. Lore Fortes.. Aprovada em _____/_____/_____. BANCA EXAMINADORA. _________________________________________________________ Profª. Drª. Lore Fortes – PPGCS-UFRN Orientadora. _________________________________________________________ Prof. Dr. Homero de Oliveira Costa – PPGCS-UFRN Examinador Interno. _________________________________________________________ Profª. Drª. Anna Christina Freire Barbosa – UNEB Examinadora Externa.

(5) DEDICATÓRIA. A todas as vítimas de homofobia, de qualquer uma de suas formas de expressão, que lutam diariamente para se manterem vivas e psicologicamente saudáveis. Em especial às pessoas que tiveram suas vidas interrompidas pela expressão letal dessa violência..

(6) AGRADECIMENTOS “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído” canta o vocalista da banda Titãs, Paulo Miklos, na canção de composição do seu colega de banda Sérgio Brito que leva o título de Epitáfio. Ouvindo essa canção sempre me ocorreu que, ao invés do acaso, são, na verdade, as pessoas que nos amam as responsáveis por preparar o terreno, enquanto estamos distraídos ou ainda não conhecemos o trajeto que iremos percorrer, para que o nosso percurso aqui na terra possa se completar com o menor índice de tropeços possível. É, justamente, a essas pessoas a quem venho hoje agradecer pela conclusão, com êxito e lucidez, de mais uma etapa da minha trajetória pessoal e acadêmica. Em primeiro lugar agradeço à minha família, sem ela poucas coisas em minha vida teriam sido possíveis, por isso dedico este trabalho aos familiares que sempre estiveram ao meu lado me proporcionando condições materiais e emocionais para que eu pudesse realizar os meus sonhos e evoluir enquanto profissional e ser humano. Agradeço à minha mãe Rita de Cássia que é a mulher mais forte e batalhadora que conheço e que é a principal responsável por todas as minhas conquistas. Ao meu pai Carlos Antônio que, apesar de ser uma pessoa fechada e de poucas palavras, sempre cuidou de mim e tentou demonstrar o seu amor através de atitudes de cuidado e provisão. Agradeço também ao meu irmão, Carlos Moisés, que é um grande amigo e incentivador da minha vida acadêmica. À minha companheira e grande amiga Marta Nóbrega que há anos é minha base emocional e me auxilia em todos os âmbitos da vida trazendo sempre palavras de carinho e de compreensão, ela é a pessoa que sempre me deu força e apoio e que mesmo nos momentos mais difíceis demonstrou admiração e confiança em minhas capacidades. À minha orientadora Lore Fortes que se fez presente durante esses mais de dois anos de mestrado e que, além das orientações, trouxe sempre palavras de amizade, conforto, incentivo e sabedoria para nós, seus orientandos. Ao professor Alípio de Sousa Filho que me acolheu sempre que precisei e que também se mostra compreensivo e disposto a ajudar, apesar da agenda cheia, se fazendo muito presente e sempre encontrando tempo para me aconselhar e me orientar em todos os segmentos da vida. À CAPES por financiar esta pesquisa através da bolsa de mestrado, sem a qual este trabalho não teria sido possível..

(7) Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), Otânio e Jefferson, pela eficiência e disposição a sempre nos ajudar a resolver as pendências. Às minhas grandes amigas Erika Batalha, Marlla Suéllen e Jacqueline Tavares, mulheres incríveis que conheci durante o curso de mestrado e que levarei para toda a vida. Aos amigos Kenia Almeida e Nilsinho Azevedo, colegas de curso e companheiros de viagem. Pessoas com quem dividi muitos momentos alegres e divertidos. Ao meu amigo de longa data Nicholas Saraiva e à sua filha e minha afilhada Nicoly Saraiva. A ele por ter sido sempre um amigo e conselheiro tão companheiro e à Nicoly que, apesar de tão pequena, já nos ensina uma forma de amor puro e desinteressado que não teríamos conhecido se não fosse por ela. Agradeço ainda aos colegas das bases de pesquisa NUECS_DH e SAGMA que me proporcionaram muitos momentos de reflexão e conversas agradáveis e divertidas. Por fim, de todos os que me ajudaram nessa trajetória, classifico e reitero os agradecimentos à minha família, pessoas fortes e especiais que sempre deram apoio irrestrito à minha trajetória acadêmica, sem o qual nada disso teria sido possível. Além disso, a todas as pessoas citadas deixo o meu muito obrigada e confirmo ciência de que nem todos os agradecimentos do mundo seriam suficientes para externar a importância que elas têm em minha vida. Que a força esteja com vocês!.

(8) RESUMO. Este trabalho consiste em um estudo teórico-empírico acerca das formas de expressão da homofobia e tem como objetivo central analisar as distinções e as nuances entre os tipos de violência mais praticados contra gays e lésbicas. No que se refere à parte teórica, utilizamos como referencial, principalmente, obras de autores dos estudos críticos de gênero e sexualidade e estudos referentes à questão da violência; quanto ao nosso campo empírico, temos a cidade de Natal/RN como lócus de pesquisa onde realizamos entrevistas estruturadas com gays e lésbicas. Para atingir os objetivos propostos percorremos os seguintes caminhos: primeiro tratamos de contextualizar o conceito de homofobia considerando a sua gênese e as ressignificações ocorridas, nesse momento, propomos também a definição com que iremos trabalhar. Segundo, abordamos a temática da produção social dos gêneros e das sexualidades, uma vez que essa questão está na base constitutiva do fenômeno da homofobia, na sequência, trabalhamos a temática da violência no plano geral e também a partir do recorte de gênero, apresentando, inclusive, os seus diferentes modos de expressão e as maneiras como as violências são expressas e vivenciadas a partir dos gêneros. Finalmente, em terceiro lugar, apresentamos e analisamos os resultados das entrevistas e propomos a partir do que foi levantado em campo, associado ao nosso referencial teórico, a apresentação das nuances e gradações das violências que mais incidem sobre gays e lésbicas, além disso, tecemos análises explicativas referentes às causas que resultam nessas particularidades que singularizam os tipos de violência que mais incidem sobre cada um desses dois grupos. Palavras-Chave: Gêneros. Heteronormatividade. Homofobia. Violências..

(9) ABSTRACT This work consists of a theoretical-empirical study about the homophobia expressions forms and its central objective is to analyze the distinctions and nuances between the violence types which are most practiced against gays and lesbians. Regarding the theoretical part, we use as reference, mainly, books of authors of the critical studies of gender and sexuality and studies on the issue of violence; about to our empirical field, we have the city of Natal/RN as the research's locus where we conduct structured interviews with gays and lesbians. In order to reach the proposed objectives we go through the following steps: At first we try to contextualize the concept of homophobia considering its genesis and the resignifications that happened, at this point, we also propose the definition which we will work with. Second, we address the social production theme of gender and sexuality, since this question is the constitutional basis of the homophobia phenomenon; in the sequence we work the theme of violence in the general plan and also from the gender snip, presenting, including, its different expression modes and the ways in which the violences are expressed and experienced starting the genders. Finally, in third place, we present and analyze the interview results and we propose, from what was raised in the field, associated with our theoretical reference, the presentation of the violence's nuances and gradations which more affect gays and lesbians, moreover, we write explanatory analyzes referring to the causes which result in these particularities which singularize the violence types that most affect each of these two groups.. Keywords: Genders. Heteronormativity. Homophobia. Violence..

(10) LISTA DE GRÁFICOS. GRÁFICO 1 - VOCÊ JÁ SOFREU (NA RUA) ALGUM TIPO DE VIOLÊNCIA EM FUNÇÃO DA SUA SEXUALIDADE? ..................................................................................69 GRÁFICO 2 - TIPO DE VIOLÊNCIA NA RUA E O GÊNERO DA VÍTIMA ...................70 GRÁFICO 3 - EXPRESSA AFETO PELO/A PARCEIRO/A EM PÚBLICO? ....................71 GRÁFICO 4 - VOCÊ JÁ SOFREU VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA NA FAMÍLIA? ...........73 GRÁFICO 5 - VOCÊ JÁ SOFREU ALGUM TIPO DE AMEAÇA NA FAMÍLIA? .......... 74 GRÁFICO 6 - VOCÊ SOFRE MAIS PRECONCEITO NA RUA OU NA FAMÍLIA? .......75 GRÁFICO 7 - VOCÊ JÁ SOFREU ASSÉDIO EM FUNÇÃO DA SUA SEXUALIDADE?....................................................................................................................76. LISTA DE TABELAS. TABELA 1 – NÚMERO DE HOMICÍDIOS CONTRA HOMOSSEXUAIS E TRAVESTIS NO BRASIL DE 2010 A 2013 ..............................................................................................110. LISTA DE QUADROS. QUADRO 1 - MULHERES ENTREVISTADAS .................................................................66 QUADRO 2 - HOMENS ENTREVISTADOS ......................................................................67.

(11) SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 CAPÍTULO I – INICIANDO A DISCUSSÃO .................................................................... 16 1.1 Afinal o que é homofobia? contextualização e problematização de um conceito em meio a uma multiplicidade de significações......................................................................................... 16 1.2. A produção social da homofobia e o binarismo de gênero na base da sua constituição: a construção do masculino e feminino ........................................................................................ 28 1.3 A produção social das sexualidades a partir do binarismo de gênero e alguns problemas que dela decorrem ..................................................................................................................... 33 1.4. A assimetria naturalizante do masculino e do feminino e a homofobia como resultante da construção social dos gêneros e sexualidades .......................................................................... 38 CAPÍTULO II – AS DIVERSAS FACES DA VIOLÊNCIA E OS SEUS MODOS DE EXPRESSÃO .......................................................................................................................... 44 2.1. uma breve análise da constituição e da expressão de violências a partir dos gêneros ...... 46 2.2. Tipos de violência homofóbica – das formas mais sutis às mais explícitas ...................... 54 CAPÍTULO III - ALGUMAS VIVÊNCIAS DE GAYS E LÉSBICAS DE NATAL/RN: VARIAÇÕES E NUANCES NAS EXPERIÊNCIAS COM A VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA ..................................................................................................................... 64 3.1. Explanações sobre a pesquisa empírica: campo, metodologia e entrevistados ................. 64 3.2. Síntese geral dos resultados das entrevistas ...................................................................... 67 3.2.1. Bloco 1 - violência na rua ............................................................................................... 68 3.2.2. Bloco 2 - violência na família ........................................................................................ 72 3.2.3. Bloco 3 - violência sexual .............................................................................................. 76 3.2.4. Bloco 4 - opiniões sobre homofobia ............................................................................... 77 3.3. Analisando os dados: aproximações e distanciamentos das violências homofóbicas contra gays e lésbicas .......................................................................................................................... 77 3.3.1. Violência na rua .............................................................................................................. 79 3.3.2. Violência em casa e/ou na família .................................................................................. 86 3.3.3. Comparativo entre a casa e a rua: o lócus de violência a partir do gênero ..................... 94 3.3.4. Assédio, importunação e outras violências sexuais ........................................................ 99 3.4. Síntese das particularidades, distinções e nuances das violências contra gays e lésbicas ................................................................................................................................................ 108 CONCLUSÕES..................................................................................................................... 117 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 120.

(12) ANEXOS ............................................................................................................................... 124 APÊNDICES ......................................................................................................................... 125.

(13) 12. INTRODUÇÃO. Tendo como ponto de partida os estudos e as reflexões produzidas na nossa monografia da graduação em Ciências Sociais, que versava sobre os crimes de homicídio por homofobia no Brasil considerando como principal problemática a expressiva diferença entre o número de assassinatos de gays e lésbicas, este trabalho tem, portanto, a intenção de propor um aprofundamento dessas reflexões forjadas ao longo da produção do trabalho monográfico. A proposta é dar continuidade a esses estudos, bem como alargar os horizontes da pesquisa trazendo novas problematizações e incorporando novos desdobramentos a ela. Para isso, nosso principal objetivo é elaborar uma análise sociológica acerca das diferentes formas de expressão da homofobia, trabalhando tanto no plano teórico quanto no empírico. No campo teórico, nós utilizamos, como principal base referencial, obras de autores dos estudos críticos de gênero e sexualidade, tais como: Judith Butler, Guacira Louro, Elizabeth Badinter, Daniel Borillo, Michael Kimmel, Sócrates Nolasco, Adrienne Rich e outros/as, assim como adotamos também referências ligadas a estudos sobre violência. Quanto ao campo empírico, trabalhamos com entrevistas estruturadas, tendo como lugar de pesquisa a cidade de Natal/RN e como público entrevistado gays e lésbicas da referida cidade. Diante disso, nossa problemática de estudo pode ser sintetizada no seguinte questionamento: No que se refere às violências homofóbicas que incidem sobre gays e lésbicas, considerando que há a possibilidade de chegarem até o homicídio, mas que também se expressam de muitos outros modos, de que maneira podemos analisar as diferentes formas e os diferentes níveis de expressão dessa violência? No que ela se assemelha ou se diferencia em relação a gays e lésbicas? Segundo demonstra a literatura, existe um amplo leque de modos de expressão da violência homofóbica que vai desde formas mais sutis e invisibilizadas a formas que aparecem de modo bastante contundente. Se pensarmos essa questão na forma de uma linha crescente que vai desde modos mais sutis como piadas homofóbicas, apagamento e fetichização da homossexualidade feminina, por exemplo, até modos mais explícitos como ameaças, espancamentos e homicídios, observaremos, nessa perspectiva, que existem pontos (tipos de violência) mais comuns para determinado gênero, isto é, podemos observar que existem alguns tipos de violência homofóbica que atingem, em maior medida homens gays,.

(14) 13. bem como existem outros que são mais comumente cometidos contra mulheres lésbicas, assim como existem aqueles que atingem ambos sem distinção significativa do gênero. Para que seja possível concretizar a nossa proposta de pesquisa, o trabalho irá se dividir em três momentos - dispostos em três capítulos. No primeiro damos início à discussão sobre homofobia, partindo da contextualização e problematização do conceito e levantando questões importantes acerca da sua constituição e das ressignificações sofridas pelo termo desde o seu surgimento até o presente, uma vez que, compreender o que significa a homofobia hoje, passa por compreender a sua constituição histórica. Encaminhamos, em seguida, a discussão relativa aos gêneros trabalhando a construção social do masculino e do feminino sob a ótica da perspectiva binária e valorativa através da qual eles são socialmente construídos. Por fim, abordamos a construção das sexualidades a partir da matriz heterossexual e do peso da “ordem compulsória” (BUTLER, 2010) nessa produção. Cabe mencionar que nós tomamos as questões de gênero como ponto de partida porque elas estão fortemente presentes nos quadros de violência homofóbica de modo que não é possível dissociá-las dos modos de expressão dessa violência. Isso porque os gêneros e as sexualidades são construídos e percebidos a partir de uma “ordem compulsória sexo/gênero/desejo” (BUTLER, 2010) a partir da qual esses elementos são vistos como coisas inseparáveis e considerados como determinantes um do outro. Por esse motivo, para que nossa análise das formas de expressão da violência homofóbica seja possível, iniciamos o trabalho com a discussão teórica acerca da produção dos gêneros em nossa sociedade, observando e analisando, a partir de uma perspectiva crítica da realidade, o modo como são socialmente construídos o masculino e o feminino, o que nos leva, em seguida, para a análise da produção das sexualidades. Essa observação é estruturante para que possamos analisar, na sequência, as questões referentes à homofobia e à violência. No segundo capítulo abordamos o tema da violência tanto em um plano geral como a partir do recorte de gênero, uma vez que este recorte configura-se como questão central para a compreensão das manifestações da violência homofóbica e das suas nuances. Nesse momento também apresentamos e detalhamos a diversidade das suas formas de expressão, indo dos modos mais sutis até os mais explícitos, além disso, damos destaque também à perspectiva abrangente da violência com a qual trabalhamos e pontuamos, ainda, as suas diversas faces de expressão dividindo-as em três grupos: 1) Simbólicas (sutis), 2) Psicológicas (explícitas) e 3) Sexuais e Físicas (explícitas). Por fim, introduzimos a questão dos modos de expressão das.

(15) 14. violências homofóbicas mais comuns a partir do recorte dos gêneros e trabalhamos a maneira como, a partir de sua construção social, as expectativas e papeis com base nos gêneros influenciam os modos como as violências serão exercidas e vivenciadas por homens e mulheres, respectivamente. No terceiro capítulo entramos no âmbito da pesquisa empírica, é nesse momento em que apresentamos o percurso de execução e resultados das entrevistas e tecemos as análises das formas de violência homofóbica que mais incidem sobre gays e lésbicas, analisando-as tanto a partir do plano teórico apresentado até então, quanto a partir dos resultados das entrevistas, isto é, do nosso campo empírico. A pesquisa, de cunho qualitativo, contou com um total de vinte entrevistados, sendo dez mulheres lésbicas e dez homens gays, todos residentes da cidade de Natal/RN. Utilizamos um roteiro baseado no modelo de entrevistas estruturadas que, segundo Gil: “desenvolve-se a partir de uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e redação permanece invariável para todos os entrevistados” (GIL, 2007, p. 121). Optamos por este modelo por considerarmos que ele se adequa bem aos nossos objetivos. É no terceiro capítulo que apresentamos e analisamos os tipos de violências homofóbicas que se mostraram mais comuns contra cada um dos gêneros, atentando, principalmente para as aproximações e os distanciamentos entre eles, ou seja, para as nuances e gradações dos tipos de violência que mais incidem sobre gays e lésbicas. Em meio a essa discussão conseguimos analisar tanto o modo como o gênero pesa quanto a essas vivências com a homofobia, como as maneiras pelas quais se dá esse peso, isto é, observamos e discutimos quais as formas de violência que mais incidem sobre homens gays e mulheres lésbicas e no que elas se singularizam. Observamos ainda os lugares de maior ou menor incidência dessas violências e o modo como não só a sexualidade, mas, sobretudo, o gênero está diretamente relacionado aos padrões que irão se delinear acerca das vivências de gays e lésbicas com a violência homofóbica. Sumariamente, o nosso trabalho consiste em um estudo teórico e empírico acerca das diferentes formas de expressão da homofobia, considerando o recorte de gênero como elemento estruturante para refletir sobre os tipos e as singularidades das violências às quais gays e lésbicas são submetidos ao longo da vida. Diante disso, analisamos as nuances dessas expressões de violência, considerando como objeto central as semelhanças e diferenças no que concerne aos tipos que mais atingem cada um destes grupos. Para o desenvolvimento deste estudo, iniciamos debatendo a produção social dos gêneros e das sexualidades, tomando.

(16) 15. a ideia do modelo binário e da sequência compulsória como centrais para a análise, bem como consideramos a questão da violência e sua constituição a partir do recorte de gênero como estruturantes para compreender a homofobia (entendendo este fenômeno não só como resultado dessa produção, mas como elemento presente na sua constituição) e suas expressões violentas, assim como as gradações presentes nas violências direcionadas a gays e lésbicas..

(17) 16. CAPÍTULO I – INICIANDO A DISCUSSÃO 1.1 Afinal o que é homofobia? contextualização e problematização de um conceito em meio a uma multiplicidade de significações “Os ódios também têm sua história” (Étienne Balibar) Antes de iniciarmos propriamente o debate acerca do amplo leque de expressão da homofobia é estruturante não apenas contextualizar o surgimento do termo, evidenciando com ênfase a longa metamorfose que sofreu desde que foi cunhado até o presente momento, como observá-lo a partir de uma perspectiva crítica e analisar, inclusive, as problematizações que ocorreram em torno da eficácia de sua utilização. Esses fatores são importantes, uma vez que a discussão referente ao surgimento e desenvolvimento do termo homofobia irá culminar na sua atual definição, bem como irá se mostrar presente em diferentes campos de aplicação, considerando a amplitude que esse conceito possui hoje. Para compreender a significação e as ressignificações que se deram acerca desse termo, desde o seu surgimento até o presente, devemos observar a conjuntura em que ele surge e como vão sendo propostas as mudanças, que se mostram, cabe salientar, estruturantes. O sentido que a homofobia possui hoje (ou, no plural, os sentidos que possui, pois, como veremos mais adiante, a sua atual significação opera em um contexto amplo) contrasta fortemente com o modo como era concebida na década de 1970 quando o conceito surgiu. É por essa razão que existem, inclusive, questionamentos referentes à sua eficácia frente às finalidades às quais é designado atualmente, uma vez que tais concepções destoam quase que completamente do sentido que possuía em seu contexto de surgimento. O termo surge em 1972 em um contexto clínico e totalmente alheio a concepções de ordem sociológica; criado pelo psicólogo George Weinberg, consiste na junção de dois radicais gregos (homo e fobia), como menciona Junqueira: “o termo “homofobia” é um neologismo cunhado pelo psicólogo clínico George Weinberg (1972), que agrupou dois radicais gregos – homo (semelhante) e fobia (medo) – para definir sentimentos negativos em relação a homossexuais e às homossexualidades” (JUNQUEIRA, 2007, p. 148). Inicialmente ele foi utilizado para se referir a uma condição psicológica de ordem individual e de medo irracional ou irrefletido (fobia) de homossexuais ou da homossexualidade, um medo e repulsa.

(18) 17. que poderiam até traduzir-se em ódio (também de ordem patológica). Grosso modo o termo foi cunhado para definir sentimentos negativos, particulares e de ordem psicológica a homossexuais e à homossexualidade. A respeito da origem do termo, sempre houve e ainda há uma confusão com relação à sua origem, os questionamentos giram em torno de saber se a palavra é derivada do grego ou do latim. Ou seja, existem questionamentos fincados na dúvida sobre se o criador do termo buscou sua representação originária no grego, onde homo significa “semelhante”, ou no latim onde homo significa “homem”. Tanto por essa confusão que, por vezes, o termo não é considerado representativo de outras violências como a lesbofobia (que é uma discussão que retomaremos depois, mas que a princípio, em nível de informação, deve ser mencionada), por se pensar na tradução estritamente literal, porém equivocada. Mas Junqueira nos esclarece: A dificuldade de se perceber a homofobia como um fenômeno intrinsecamente relacionado a questões e relações de gênero parece manter forte nexo com as repetidas críticas de que o conceito de homofobia se refere apenas a casos de discriminação contra homossexuais masculinos. Essa dificuldade é alimentada pelo equívoco em se pensar que seu radical homo tenha sido tomado do latim (língua na qual corresponde a “homem”) e não do grego (JUNQUEIRA, 2007, p. 152).. Esta primeira acepção do conceito tem raízes clínicas e foi alvo de muitas críticas tão logo foi concebida, isto porque se mostrava problemática, pelo fato de classificar a homofobia apenas como fenômeno de ordem individual (um medo particular) e ignorar completamente os aspectos sociais e culturais do fato. Por esta razão, tão logo o termo surge com tal significado, já é iniciado um processo de expansão e ressignificação que acaba por metamorfosear o termo e alargar o seu horizonte de significado. Esse desenvolvimento do conceito de homofobia ocorreu de modo tão intenso que hoje, pouco mais de quarenta anos depois do seu surgimento, carrega uma definição bastante ampla e demasiado diferente da sua concepção inicial. A homofobia hoje é pensada em uma perspectiva social, enquanto fenômeno da vida em sociedade e como um elemento fortemente presente na constituição dos gêneros e das sexualidades, além, é claro, de ser compreendida também como uma forma de violência que pode se expressar de diferentes modos e com diferentes intensidades, esta última concepção é também o modo como a homofobia é pensada não só por esses estudos, mas de maneira geral em nossa sociedade..

(19) 18. A definição inicial de homofobia já perdeu quase ou completamente seu espaço e sentido, não só por ser limitada, mas por ser limitante. Uma definição que considerava a homofobia como uma questão de ordem psicológica e individual, deu lugar a um novo modo de se perceber tal fenômeno, que é totalmente de ordem social e cultural. Entretanto, para chegarmos aos significados que temos atualmente, o termo passou por um longo processo de desenvolvimento. Quando George Weinberg definiu a homofobia como um sentimento patológico responsável por gerar emoções negativas (medo, repulsa, ódio) contra homossexuais e a homossexualidade, logo em seguida outros estudiosos mostraram discordância desta definição por compreenderem o fenômeno a partir de uma perspectiva diferente. Apesar da crítica, aquela concepção não foi, de início, completamente negada, uma vez que eles também consideravam que a homofobia estava ligada a emoções negativas referentes à homossexualidade e aos homossexuais, entretanto, ela não teria, de modo algum, relação com uma condição psicológica de patologia. Sem se prender a aspectos de ordem individual e psicológica, mas contradizendo fortemente as acepções de ordem patologizante, estes estudiosos associaram o fenômeno a situações de ordem social que envolvem discriminação e violência contra pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros). O foco saiu do caráter psicológico e o conceito começou a ser pensado em uma perspectiva crítica, sendo considerado a partir de um ponto de vista social. A saber: A homofobia passa a ser vista como fator de restrição de direitos de cidadania, como impedimento à educação, à saúde, ao trabalho, à segurança, aos direitos humanos e, por isso, chega-se a propor a criminalização da homofobia. Abrem-se aí novas frentes de batalhas, fogos cruzados, possibilidades e paradoxos políticos (JUNQUEIRA, 2007, p. 151).. Mas o desenvolvimento do termo não parou por aí, os entendimentos que se seguiram a essa primeira percepção crítica a respeito da homofobia vieram, em larga medida, para se somar mais do que para substituir esse novo significado dado até então ao termo, isto é, significando ainda, naquele momento, tão somente, situações que envolvessem discriminação e violência contra pessoas LGBT. No entanto, logo em seguida a esta reformulação houve um salto que ampliou o seu sentido trazendo novas questões que fizeram da homofobia um conceito com múltiplas significações. A homofobia passou a ser considerada também como resultado do processo de construção das diferenças sociais entre os gêneros, considerando-se as relações de poder e de.

(20) 19. dominância presentes no universo de produção dos gêneros e sexualidades. Foi observado que havia "indissociáveis vínculos entre homofobia e processos de construção de padrões relacionais, preconceitos e mecanismos discriminatórios relativos a questões de gênero" (JUNQUEIRA, 2007, p. 152), assim foi se percebendo, aos poucos, que as discriminações e violências perpetradas contra homossexuais não se justificavam por questões psicológicas, mas por questões sociais, que emanavam do modo como os gêneros e as sexualidades são produzidos socialmente. Assim foi percebido que "a matriz a partir da qual se constroem preconceitos e se desencadeiam discriminações homofóbicas é a mesma em que se estruturam o campo de disputas nas quais se definem socialmente o masculino (e as masculinidades), o feminino (e as feminilidades) e também o neutro" (JUNQUEIRA, 2007, p. 152). Desse modo, não só a violência expressa contra homossexuais passou a ser considerada manifestação da homofobia, como as próprias raízes dessa violência foram consideradas enquanto práticas homofóbicas. Dessa ampliação do conceito decorreram ainda mais desdobramentos, mas todos eles somando-se ao invés de substituírem-se ou anularem-se. Todas as incorporações adicionadas ao conceito desde a superação da sua acepção clínica de origem tiveram como tendência a ampliação do seu horizonte de significado relacionando-se a questões de ordem social resultantes de relações de poder e de dominância que classificam comportamentos em um arranjo normativo, verticalizado e hierárquico. Desse modo, sendo o campo social a sua origem, ele é também o seu campo de expressão. A relação compulsória entre sexo/gênero/desejo, considerada socialmente como legítima, é responsável por criar naturalizações, hierarquizações e dominâncias ligadas aos gêneros e às sexualidades. Esta sequência é ainda invocada para afirmar que a sexualidade de uma pessoa é resultante do seu gênero, ou seja, que o objeto do seu desejo é eleito em decorrência do gênero. Disso resultam, pois, discriminações contra aqueles que subvertem esta ordem que é tida como natural, vivenciando possibilidades de gênero e de sexualidade que vão além do modelo heteronormativo vigente. Assim podemos observar que: Quando não problematizadas, as afirmações “ser” mulher e “ser” heterossexual seriam sintomáticas dessa metafísica das substâncias do gênero. Tanto no caso de “homens” como no de “mulheres”, tal afirmação tende a subordinar a noção de gênero àquela de identidade, e a levar à conclusão de que uma pessoa é um gênero e o é em virtude do seu sexo (BUTLER, 2010, p. 51),.

(21) 20. A suposta coerência atribuída a essa sequência cria uma espécie de lugar de onde eman5a a homofobia. Esta resulta, em grande medida, dessa maneira através da qual gênero e sexualidade são pensados como atrelados naturalmente, o que acaba por fixar uma hierarquização que dita o que é normal e o que é desvio. Acaba-se por acreditar que "a determinado sexo deva corresponder, de modo bi-unívoco, um determinado gênero, o qual, por sua vez, implicaria um determinado direcionamento do desejo sexual" (JUNQUEIRA, 2007, p. 154). Em decorrência disso, qualquer ruptura é tida como anormal, e em virtude da suposta naturalidade sequencial entre gênero e sexualidade, ocorre também que a sexualidade desviante é vista como uma falha ou deserção do suposto gênero natural, ao passo que romper de algum modo com as normas de gênero é algo compreendido como um sinal de transgressão da heterossexualidade. Esta foi considerada uma das formas pelas quais a homofobia opera, ou seja, a "homofobia geralmente opera através da atribuição de um gênero defeituoso, falho, ou até mesmo abjeto a homossexuais, isto é, chamando homens gays de "femininos" ou chamando mulheres lésbicas de "masculinas"" (BUTLER, 1993, p. 238, tradução nossa) 1 . Esta é, portanto, mais uma das significações atribuídas à homofobia, resultante da naturalização dos gêneros e sexualidades, que ocasiona a crença na ideia de que a homossexualidade significa uma falha no gênero. Desse modo, passou a se considerar que a homofobia opera, no mais das vezes, como um terror em relação à perda do suposto gênero natural, um medo de "não ser mais um homem real e autêntico ou não ser mais uma mulher real e autêntica" (BUTLER, 1993, p. 238, tradução nossa)2, por esse motivo a "sexualidade é regulada através do policiamento e da censura do gênero" (BUTLER, 1993, p. 238, tradução nossa)3. Assim, podemos observar que o desenvolvimento do conceito de homofobia extrapola cada vez mais os limites do seu contexto de surgimento, sendo considerada não somente enquanto violência contra homossexuais (apesar de essa ser sua forma mais forte de expressão) e passa a ser vista como todas as atitudes que decorrem da concordância com o modelo heteronormativo, da sequência compulsória e dos gêneros binários, hierarquizados e. 1. Homophobia often operates through the attribution of a damaged, failed, or otherwise abject gender to homosexuals, that is, calling gay men "feminine" or calling lesbians "masculine” (BUTLER, 1993, p. 238). 2 "no longer being a real or proper man" or "no longer being a real and proper woman" (BUTLER, 1993, p. 238). 3 Sexuality is regulated through the policing and the shaming of gender (BUTLER, 1993, p. 238)..

(22) 21. oposicionais, atingindo, portanto, todos os indivíduos que não se adequam aos padrões hegemônicos, independentemente da sua sexualidade. Em síntese isso significa que: A íntima relação entre homofobia e normas de gênero tanto se traduz em noções, crenças e valores, expectativas, quanto em atitudes, edificação de hierarquias opressivas e mecanismos reguladores discriminatórios. (...) A noção de homofobia pode ser estendida para se referir a situações de preconceito, discriminação e violência contra pessoas (homossexuais ou não) cujas performances e/ou expressões de gênero (gostos, estilos, comportamentos etc.) que não se adequam aos modelos hegemônicos (JUNQUEIRA, 2007, p. 153).. Em suma, após abandonada a ideia de homofobia enquanto uma questão individual, e, passando a se pensá-la enquanto algo de ordem social, logo ela foi considerada também como um elemento constituinte dos gêneros e das sexualidades, resultante da "matriz heterossexual". 4. (BUTLER, 2010). O termo, após passar por uma ampla carga de. ressignificações, sobretudo, por novas incorporações que se somam ao invés de se anular, tornou-se um conceito complexo. Hoje, a homofobia é pensada, após esse processo de desenvolvimento, como um fenômeno claramente de origem e expressão social e coletiva e, que, para além de ser um modo de expressão de violência com base na sexualidade é, sobretudo, um elemento presente na própria produção dos gêneros e que, por esse motivo, funciona como um “dispositivo de vigilância das fronteiras de gênero que atinge todas as pessoas” (BORILLO, 2010, p. 08). Em resumo dessa discussão podemos citar a definição referente à homofobia que Junqueira, com notável clareza de ideias, propôs, considerando todo esse percurso de ressignificações sofridas pelo conceito, a saber: A homofobia, nesse sentido, transcende tanto aspectos de ordem psicológica quanto a hostilidade e a violência contra pessoas homossexuais (gays e lésbicas), bissexuais, transgêneros (especialmente travestis e transexuais) etc. Ela, inclusive, diz respeito a valores, mecanismos de exclusão, disposições e estruturas hierarquizantes, relações de poder, sistemas de crenças e de representação, padrões relacionais e identitários, todos eles voltados a naturalizar, impor, sancionar e legitimar uma única sequência sexo-gênero-sexualidade, centrada na heterossexualidade e rigorosamente regulada pelas normas de gênero. O que vemos, então, é um sistema binário, disciplinador, normatizador e normalizador graças ao qual a heterossexualidade só poderia ganhar expressão social mediante o gênero considerado naturalmente correspondente a determinado sexo (genitalizado, tido como “natural”, “dado”, “pré-discursivo” e, portanto, “evidente” e 4. Segundo Rich, a matriz heterossexual é um “modelo discursivo hegemônico que apregoa sexo estável e gênero estável, com âncora na coerência entre o gênero e o sexo. Ou seja: um discurso sobre o sexo que vincula, estreitamente, gênero, sexualidade e heterossexualidade” (RICH, 2010, p. 60)..

(23) 22 anterior à cultura - como se existisse um corpo avant la lettre) (JUNQUEIRA, 2007, p. 153).. A propósito dessa definição, é possível ir ainda um pouco mais além e observar que o conceito de homofobia “hoje carrega um sem-número de sentidos e fenômenos que ultrapassam a sua descrição conceitual primeira” (PRADO, 2010, p. 07 in BORRILLO) e como isso funciona, para além de todos esses modos citados, como uma prática de infringir medo e desconforto a homossexuais, ou aos sujeitos que não se adequam ao modelo heteronormativo. Todas as suas expressões, sejam de hostilidade, disposição hierarquizante das sexualidades, representações depreciativas, tentativas de normalização, sanções sociais e físicas, heteronormatividade 5 , giram em torno de infringir desconforto aos sujeitos nãoheteronormativos e, de certo modo, colocando esse universo das sexualidades dissidentes como algo abjeto, para evitar que mais sujeitos rompam com a heteronorma compulsória. A homofobia é um dispositivo de impor medo, ao eleger uma normatividade e fixar uma hierarquização das sexualidades ela cria representações depreciativas e com elas sanções sociais aos dissidentes, tentativas de normalização, estigmas, hostilidades e diversos tipos de violência que acabam impondo medo, desconforto e sofrimento aos homossexuais. Essas pessoas sentem medo não só de serem descobertas, como também de não serem mais reconhecidas enquanto sujeitos normais, enquanto homens e mulheres reais, que merecem respeito. A homofobia confere um nível de medo e desconforto à pessoa LGBT causando-lhe sofrimento e aprisionamento dentro da sua própria identidade. Ela tem medo de falar sobre si, de revelar-se gay, de ser vítima de violência, de não ser vista como era antes, de perder o respeito das pessoas, de não ser aceita, de perder o amor de amigos e de familiares. A homofobia, portanto, em todas as suas representações, age violentando homossexuais não só. 5. A preeminência legitimada da heterossexualidade e das práticas que estejam em coerência com os preceitos da sequência compulsória foram denominadas de heteronormatividade pelo estudioso Michael Warner (1993), para se referir tanto a esse aspecto como outros elementos de expressão identitária, legitimados socialmente, associados à heterossexualidade, como os gêneros binários, por exemplo. Por heteronormatividade ele descreveu o modo como “a heterossexualidade (e acrescente-se: pensada invariavelmente no singular, embora seja um fenômeno plural) é instituída e vivenciada como única possibilidade legítima (e natural) de expressão identitária e sexual” (JUNQUEIRA, 2007, p. 154). Diante disso podemos notar que, com a heteronormatividade não está imposta somente a legitimação de tudo o que envolve a heterossexualidade, mas também, como consequência previsível, a estigmatização e secundarização de quaisquer comportamentos sexuais (e de gênero), que sob sua ótica, não sejam legítimos, por serem dissidentes. Em uma sociedade de preeminência heteronormativa o que acontece é que a heterossexualidade é “generalizada e naturalizada e funciona como referência para todo o campo e para os sujeitos. A heterossexualidade é concebida como ‘natural’ e também como universal e normal” (LOURO, 2000, p. 17)..

(24) 23. física, mas psicologicamente, impondo-lhes medo de viverem plenamente a sua própria identidade. Kimmel sintetizando o tema da homofobia com relação somente aos gays, menciona algo bem parecido com o nosso raciocínio, de pensar a homofobia como um medo infringido deliberadamente aos homossexuais e que é responsável por causar desconforto e sofrimento. A saber: A homofobia é um princípio central e organizador da nossa definição cultural de masculinidade. Homofobia é mais do que o medo irracional de homens gays, mais do que o medo de poder ser percebido como gay. (...) Homofobia é o medo de que outros homens nos desmascararem, nos emasculem, revelem a nós e ao mundo que não estamos à altura, que não somos homens de verdade (KIMMEL, 1996, p. 147, tradução nossa)6.. Nessa discussão sobre homofobia, além da conceituação, existem ainda outras duas questões importantes de serem trabalhadas. A primeira delas refere-se à eficácia do emprego do termo para as significações às quais ele é proposto, após ter passado por tantas ressignificações. Junqueira (2007) conduz muito bem esse debate referente à problemática da eficácia do uso do termo frente a sua atual significação. Este autor chega à conclusão, com a qual concordamos, de que apesar das modificações em sua definição o termo homofobia é um conceito, que, indubitavelmente, firmou-se e possui forte peso social. Apesar da definição que possuía no seu contexto de surgimento, definida como medo ou aversão de ordem psicológica a homossexuais, ela logo transcendeu essa acepção, passando a ser compreendida enquanto problema de ordem social, desde então se desenvolveu sempre nesse sentido e se tornou, inclusive, referência para derivações criadas para representar os diversos grupos, a exemplo destes temos: lesbofobia, transfobia e bifobia, cunhados para designar violências específicas, consideradas muitas vezes invisibilizadas diante da amplitude do termo homofobia e, ainda, o termo LGBTfobia, considerado sinônimo de homofobia, porém com um caráter estrutural que considera-se que confere maior visibilidade e, em muitos casos, maior representatividade a todos, ou a maior parte, dos grupos aos quais se propõe a referir. A potencialidade de mobilização política inerente ao que circunda o conceito de homofobia é facilmente observável. Este conceito possui um forte peso no tocante às lutas por “Homophobia is a central organizing principle of our cultural definition of manhood. Homophobia is more than the irrational fear of gay men, more than the fear that we might be perceived as gay. (...) Homophobia is the fear that other men will unmask us, emasculate us, reveal to us and the world that we do not measure up, that we are not real men” (KIMMEL, 1996, p. 147). 6.

(25) 24. maior igualdade e combate às violências, as quais ele mesmo designa em sua definição ampla. Apesar do surgimento desses novos termos, ainda se considera que o termo homofobia é a referência mais conhecida e de maior alcance, foi isso o que levou Junqueira (2007), ao trabalhar sobre os limites do termo, a reconhecer que, ainda que com tantas modificações e ampliações do seu sentido, a homofobia é um conceito que não pode ser perdido, sob pena de se jogar fora anos de estudos e de legitimação do termo. Segundo ele, “abandonar o conceito de homofobia pode comportar o risco de jogarmos fora a criança junto com a água do banho, mas empregá-lo de modo acrítico pode certamente comprometer a produção dos efeitos que dele se espera” (JUNQUEIRA, 2007, p. 161). A segunda questão a ser mencionada é a de que tendo sempre em mente, e na prática em todos os momentos da nossa produção, a desnaturalização e o olhar crítico sobre os fatos sociais são fatos estruturantes da produção científica, não podemos esquecer-nos de também voltar esse olhar crítico para o nosso objeto de estudo e, com isso, evitar cair nas armadilhas da naturalização da realidade. Cuidamos para sempre procurar propor uma perspectiva crítica e desnaturalizante acerca de todos os conceitos com que trabalhamos. Dessa maneira, problematizar o conceito de homofobia é um aspecto estruturante do qual não podemos esquecer, por essa razão, consideramos relevante refletir sobre as suas potencialidades heurísticas, além da sua potencialidade enquanto elemento de mobilização política. Inclusive, o panorama que traçamos do desenvolvimento e metamorfose do termo, para mostrar a sua trajetória dentro dos estudos críticos de gênero e sexualidade, configura-se enquanto elemento importante para problematizar o conceito. O surgimento do termo é significativo e possui caráter positivo por servir tanto como instrumento de mobilização política (gerador de maiores possibilidades de organização e lutas políticas de pautas LGBT). Mas não podemos esquecer de citar que, refere à produção de conhecimento e de pesquisas no campo dos estudos de gênero e sexualidade, ele aparece como um importante conceito para esta área do conhecimento, ganhando significado e conquistando espaço enquanto elemento importante na análise das produções dos gêneros (masculinidades e feminilidades) e das sexualidades. Pensar a homofobia em um plano crítico é considerar e propô-la enquanto categoria com potencialidade heurística, é importante notar que “não obstante tenha um bom rendimento no campo da afirmação política, desde a década de 1970, está também inscrita em outras tantas polêmicas presentes nos diálogos acadêmicos.

(26) 25. que fomentaram a reflexão feminista naquele período e que continuam a alimentá-la em contextos atuais” (SCHWADE, 2010, p. 59). Portanto é importante considerar a relevância que o conceito de homofobia possui em ambos os espaços, isto é, tanto na teoria quanto na prática. Esse conceito traz, além da amplitude da sua conceituação, uma função que não pode ser esquecida, a de que, nos estudos críticos de gênero e sexualidade, possui uma função combativa à naturalização, isso é importante uma vez que ainda existem, no imaginário e no cotidiano dos sujeitos, resquícios da sua primeira definição que remontam a uma naturalização e individualização deste fenômeno que é, na realidade, social. É nesse sentido que essa importância deve ser reiterada e considerada em uma perspectiva teórica e até mesmo política isso porque a naturalização dos fenômenos da vida social, no caso da homofobia especificamente, não está presente somente na prática de sujeitos comuns, mas é encontrada também no “senso comum teórico” (SOUSA FILHO, 2003, p. 03), principalmente na área da psicologia e da medicina, às quais não compete levantar conclusões sobre fenômenos sociais, mas que, valendo-se do status social que possuem enquanto áreas consideradas produtoras de discursos de verdade (não sabemos se mal intencionadas ou por falta de conhecimento), empreendem pesquisas ditas científicas para tentar manter a homofobia no campo da individualidade, supostamente provando que ela é um fenômeno de origem patológica, assim como fora proposto em sua primeira definição que tinha essas raízes psicologizantes. Pesquisas feitas com algumas dezenas de pessoas e que se pretendem generalizáveis transformam-se, em seguida, em matérias e material sensacionalista que são um verdadeiro desserviço à sociedade e aos estudos realmente científicos e sérios a respeito da temática. Não é difícil de se deparar com matérias com títulos como “A ciência constatou que homofóbicos são gays enrustidos”; “Estudos provam que homofobia é um desejo retraído pelo mesmo sexo”7, dentre outras que prometem resolver definitivamente o que se passa no “misterioso cérebro do homofóbico” e explicar, de uma vez por todas, o que é a tal homofobia. Essas pesquisas são problemáticas desde a sua raiz até a sua repercussão, na sua raiz porque são calcadas em uma acepção de homofobia que é arcaica e não faz sentido, ou seja, da homofobia enquanto um problema individual e não social, na sua repercussão porque são aceitas como pesquisas rigorosas por serem executadas nas áreas médicas, assim acabam. 7. http://www.psicologiamsn.com/2014/10/estudo-indica-homofobicos-podem-ser-gays-enrustidos.html.

(27) 26. tendo legitimidade na aceitação por partes dos indivíduos que entram em contato com essas matérias, pelo fato de que o que é dito sob a prerrogativa da medicina é aceito como verdade, uma vez que o discurso médico se estabeleceu como a ciência legítima e produtora de verdade em nossa sociedade. Colocar a homofobia como algo intrínseco aos próprios gays é uma tentativa de culpabilização da vítima pela violência que sofre, é também a naturalização de fenômenos sociais que tanto combatemos, ou seja, é atribuir um caráter fóbico de origem individual ao problema e reduzir a homofobia apenas à expressão física ou verbal de violência e pior, é acusar as próprias vítimas de serem seus algozes, reduzindo um problema gigantesco a uma suposta não aceitação dos próprios gays com relação a sua homossexualidade. Mas ora, por que motivo os gays não se aceitariam, se não por viverem em uma sociedade que é em toda a sua extensão homofóbica? O argumento da homofobia como resultado de uma não aceitação da sua própria sexualidade é falho desde o início, porque se existe homofobia fora do indivíduo para que ele possa absorver e reproduzi-la, o problema está na sociedade e não nele. Esse tipo de ideia tenta descaracterizar e deslegitimar a existência da homofobia como problema social resultante da heteronormatividade, culpabilizando os próprios sujeitos LGBT, colocando-os como transtornados. Essa ideia tenta legitimar o argumento de que a homossexualidade é em si própria a causa dos problemas e das violências de que o sujeito é vítima, dessa maneira, é possível observar que ao basear pesquisas nesse tipo de premissa, elas próprias podem ser definidas como homofóbicas, por se fundamentarem em princípios violentos e resultantes de visões preconcebidas a respeito da homossexualidade. É uma maneira de negar a violência e mascarar as práticas e incentivos heteronormativos que estão por todos os lados em nossa sociedade e despistar o papel da heteronormatividade na constituição da homofobia. As próprias pesquisas desenvolvidas nessa linha são desde o início baseadas em erros, o primeiro é o de considerar que a homofobia é um problema psicológico do campo individual. O segundo é achar que a homofobia refere-se apenas a práticas de violência verbal e física, sem considerar as suas demais formas de expressão, sobretudo o fomento das violências explícitas através da depreciação e representações negativas relacionadas à homossexualidade, diluídas em toda a extensão da sociedade e que são resultados da naturalização e hierarquização e das sexualidades. Outro erro envolve toda a tese que defende, da homofobia enquanto unicamente expressão violenta de um ódio que tem origem numa.

(28) 27. suposta retração do agressor por pessoas do mesmo sexo. Ora, se há retração desse desejo e isso se torna um problema na vida de algumas pessoas, esse próprio fato já refuta toda a pesquisa, visto que se há que se retrair um desejo é porque ele não é tratado com naturalidade na sociedade em decorrência da legitimação da heterossexualidade e, portanto, hierarquização das práticas sexuais, esse fato por si só já é uma expressão da homofobia, ou seja, ela está fora do sujeito, está na sociedade, portanto, é um problema social e não de indivíduos pontuais. Convém ainda ressaltar que não estamos negando a possibilidade de interiorização da homofobia e reprodução de discursos homofóbicos também por pessoas LGBT, isso pode ocorrer, afinal todos os sujeitos, não somente heterossexuais, são socializados sob a batuta heteronormativa que institui representações negativas sobre a homossexualidade, o que por si só já é uma expressão da homofobia. A questão é que para que haja interiorização e reprodução desse discurso, é preciso que ele esteja presente na sociedade, que seja um fenômeno social, se isso ocorre é porque fatalmente o problema é social e estava presente na sociedade antes do sujeito que a aprende e expressa e, possivelmente, continuará existindo depois dele. Dessa maneira, se existem homossexuais que expressam um mal estar com relação à sua própria identidade isso é resultado de um processo de socialização homofóbico ao qual somos expostos em nossa educação. Entretanto, nem de longe esse fato pode ser considerado como a expressão única e substancial da homofobia, ela não é senão apenas um dos seus tantos resultados. Ao contrário do que propõem essas matérias apelativas, homofobia não é coisa de “gay enrustido”, ela é uma “filha saudável” da sociedade heteronormativa e expressa-se de múltiplos modos. E se há espaço para que existam “gays enrustidos” isso se deve ao fato de vivermos em uma sociedade que só expõe e reforça representações negativas da homossexualidade, impingindo medo aos sujeitos de sexualidades dissidentes e conseguindo assim com que eles precisem esconder esse aspecto da sua identidade. O próprio fato de haver pessoas que não podem viver plenamente sua sexualidade e precisam se esconder é mais uma prova de como a nossa sociedade pensa a homossexualidade e como educa os seus membros. Isso posto, é preciso considerar a homofobia nas suas múltiplas expressões e enquanto um problema social. Devemos pensar tanto o conceito quanto a sua prática de maneira crítica e desnaturalizante e nunca perder de vista que: Está bem claro que a homofobia é uma prática social e política de preconceituosos convictos, que desejam perpetuar a crença segundo a qual a.

(29) 28 homossexualidade é algo negativo e que se deve evitar a sua institucionalização. (...) a assimilação, por meio da educação que nossas sociedades oferecem, do preconceito em torno da homossexualidade e suas práticas de discriminação correspondentes, profundamente espalhadas na sociedade (SOUSA FILHO, 2007, p. 12).. Assim, fica posto que a homofobia enquanto problema social se origina e se expressa nesse campo, não havendo, portanto, embasamento para classifica-la como problema psicológico de ordem individual.. 1.2. A produção social da homofobia e o binarismo de gênero na base da sua constituição: a construção do masculino e feminino Como foi possível apresentar no tópico anterior, a homofobia possui fortes raízes na construção social dos gêneros, por essa razão precisamos observar com mais atenção como se dá esta produção, para que, a partir disso, possamos compreender os problemas que dela decorrem, como, por exemplo, o caso da homofobia. Tendo em vista esta proposta, iremos abordar o modo como ocorre a designação dos gêneros em nossa sociedade, que é dada a partir da consideração desses elementos enquanto dados naturais e partes de uma ordem supostamente sequencial e coesa entre sexo/gênero/desejo, ao mesmo tempo analisaremos esta questão a partir de uma perspectiva crítica, visando desconstruir a ideia de naturalidade deste processo, demonstrando que os gêneros, na realidade, são um construto social, cultural e histórico e, em seguida, trabalharemos a questão da homofobia enquanto resultante desse processo que se inicia na construção dos gêneros, para evidenciar os lugares de onde ela emana e como se manifesta. A ideia que se tem dos gêneros, em nossa sociedade, é a de que as diferenças entre homens e mulheres se baseiam na natureza, eles são pensados como decorrentes do sexo anatômico e determinantes da sexualidade. O gênero (e também a sexualidade) é visto como a confirmação de um dado que está contido nos indivíduos de forma supostamente natural, assim as diferenças biológicas são vistas como produtoras das diferenças sociais e responsáveis pelos papeis de homens e mulheres na sociedade. Podemos observar que o ocorre é que “entre tantas marcas, ao longo dos séculos, a maioria das sociedades vem estabelecendo a divisão masculino/feminino como uma divisão primordial. Uma divisão.

(30) 29. usualmente compreendida como primeira, originária ou essencial e, quase sempre, relacionada ao corpo” (LOURO, 2013, p. 78). O órgão genital, que está impresso no corpo, é visto como o ponto de partida de uma ordem sequencial, que foi denominada por Butler (2010) de “ordem compulsória do sexo/gênero/desejo”, esta sequência opera legitimando a ideia de que o sexo (e entenda-se por sexo, nesse momento, o órgão genital presente no corpo) determina o gênero e este, supostamente, direciona o desejo para o seu pólo oposto, imputa-se, dessa maneira, uma heterossexualidade compulsória que está fortemente aliada ao sistema binário dos gêneros. Basicamente, o que ocorre resume-se no seguinte fato: “o ato de nomear um corpo acontece no interior da lógica que supõe o sexo como um “dado” anterior à cultura e lhe atribui um caráter imutável, a-histórico e binário. Tal lógica implica que esse “dado” sexo vai determinar o gênero e induzir a uma única forma de desejo” (LOURO, 2013, p. 15-16). No imaginário social está posto, portanto, que cada um dos sexos determina um gênero que deve fixar-se dentro dos limites impostos (no modelo binário) a ele, fazendo uso unicamente dos papeis que lhes foram atribuídos como legítimos do seu gênero. O modelo binário opera classificando os gêneros (e também os sexos), em dois grupos distintos e opostos, isto é, masculino e feminino (homem-mulher; macho-fêmea), de modo que a cada um destes grupos são designados papeis, valores e limites sociais que não podem se misturar, este modelo age operando com vistas a desencorajar homens e mulheres a atravessarem os limites impostos para o seu gênero, resignando-se a aceitar e reproduzir os papeis designados a eles. Construídos a partir desse modelo binário, os indivíduos são direcionados a aderir e aceitar essa ordem, conformando-se ao que cabe ao seu gênero. Apesar de isso acontecer em regra, existem ainda aqueles casos de indivíduos que não se adequam, parcial ou totalmente, ao modelo, como colocaremos e avaliaremos mais adiante, e que são a prova viva do caráter de construto desse sistema. A produção dos gêneros se constitui de um processo de fabricação de corpos masculinos e femininos que parte dos atributos físicos inscritos na objetividade dos corpos (tomados como verdade aparente e irrefutável) e desencadeia todo um processo que lhes atribui significados culturais, mas como são naturalizados, passam a ser vistos socialmente enquanto uma sequência compulsória de caráter causal e linear. Como bem propõe Nolasco: “A anatomia tem servido como um porto seguro para referendar algumas certezas culturais para definir homem e mulher. A socialização de meninos e meninas é realizada a partir daí.

(31) 30. (...) Há um corpo a ser determinado e nele uma inscrição de homem e mulher” (NOLASCO, 1995, p. 25). Os corpos somente recebem significado na cultura e são, continuamente, por ela alterados (LOURO, 2000, p. 14), é ela que constrói e distingue o que são corpos masculinos e femininos. O gênero é, portanto, um processo que culmina no reconhecimento por parte dos indivíduos que aprendem a se reconhecer como homens e mulheres. Entretanto, apesar de consistir em uma construção, sendo, os papeis e lugares sociais determinados no interior da cultura, o modo como são vistos baseia-se na naturalização e essencialização desses papeis, tendo como base a leitura que se faz dos corpos. Os gêneros (e as sexualidades) são pensados e produzidos, em nossa sociedade, no sentido de uma suposta sequência natural, de modo que desde o início do processo o sexo é visto como gênero e este como determinante da sexualidade. “A divisão entre os sexos parece estar “na ordem natural das coisas”, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável” (BOURDIEU, 2011, p. 17), no entanto, tais categorias pertencem à ordem social, ora, “marcadores identitários relativos a “sexo”, “gênero”, “orientação sexual”, não se constroem separadamente e sem fortes pressões sociais” (JUNQUEIRA, 2007, p. 155). Para sintetizar esta discussão de forma elucidativa, faremos uso do que ficou conhecido como a “metáfora da viagem”, proposta por Louro (2013), que pontua de modo bem simples como se desencadeia o processo de construção dos gêneros, este seria, segundo a autora, bastante semelhante ao percurso de uma viagem. O seu início seria a ocasião do nascimento, na qual a constatação de que sexo está impresso naquele corpo, expresso na sentença "é menino" ou "é menina", dá início há um trajeto que é (im)posto para a criança, direcionando-a por uma determinada estrada a partir, simplesmente, da leitura feita do seu corpo, sendo o destino dessa viagem aquele gênero considerado correspondente ao seu sexo e à sexualidade considerada correspondente ao seu gênero. O trajeto é proposto sem a possibilidade de escolha do "viajante" e irá funcionar no sentido de masculinizar ou feminilizar aquele novo membro da sociedade, ou seja, fazê-lo chegar ao seu destino. Importante mencionar também que o trajeto implica não só na construção do gênero, mas ainda na arbitrariedade da "definição" da sexualidade da criança. É feito todo um “trabalho pedagógico contínuo, repetitivo e interminável posto em ação para inscrever nos corpos o gênero e a sexualidade “legítimos”. Isso é próprio da viagem na direção planejada” (LOURO, 2013, p. 17)..

Referências

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