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A PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E SUA AÇÃO COMO ELEMENTO DE VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

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A PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS E SUA AÇÃO COMO ELEMENTO DE VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Manuela Ilha Silva

Universidade Federal de Santa Maria misilha@hotmail.com

André Luis Ramos Soares

Universidade Federal de Santa Maria alrsoaressan@gmail.com

Resumo: O trabalho propõe pensar a Educação Patrimonial como subsídio a novos

posicionamentos sociais e fomento de novas rotinas e relações com o patrimônio, em qualquer de suas expressões. Assim, é viável discutir e problematizar as atividades promovidas em 2011 pelo Núcleo de Estudos do Patrimônio e Memória (NEP/UFSM) que, adotando a produção de documentários, propõe um suporte diferenciado à prática em Educação Patrimonial. O trabalho encerra atividades desenvolvidas na localidade de Santo Amaro do Sul, comunidade no interior do município de General Câmara, no estado do Rio Grande do Sul. Desde 2006, o núcleo desenvolve ações na localidade, em parceira com o Centro de Ensino e Pesquisa Arqueológicas (CEPA/UNISC).

Palavras-Chave: Educação Patrimonial; Documentário; Santo Amaro do Sul. Considerações Iniciais

Em 2006, o Núcleo de Memória de Venâncio Aires (NUCVA) promoveu a restauração do prédio da Igreja Matriz de Santo Amaro. Através de contato com o Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (CEPA), da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), o prédio da Igreja foi alvo de pesquisas e salvamento arqueológico em seu interior. Paralelamente ao salvamento, o Núcleo de Estudos do Patrimônio e Memória (NEP/UFSM) realizou atividades de valorização do imóvel enquanto bem imaterial. Sobre a ação do NEP/UFSM em Santo Amaro do Sul, é possível destacar o desenvolvimento de projetos de levantamento do patrimônio material e imaterial da localidade, registrando as manifestações culturais, artísticas e religiosas.

Santo Amaro do Sul, pequena comunidade de 687 habitantes, é distrito de General Câmara/RS e abriga um conjunto arquitetônico que ilustra claramente a forte presença açoriana no Rio Grande do Sul (séculos XVIII e XIX). A ocupação da área começou

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em 1752, com a edificação de um fortim, seguido da criação da vila e da construção da igreja, em 1787. Estas edificações foram tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1998, totalizando 14 edificações da localidade que foram tombadas pelo Instituto. Porém, o trabalho realizado ao longo de 2009 permite constatar que a Vila possui riquezas que vão muito além desses elementos edificados, como suas técnicas e saberes.

A localidade abriga um conjunto arquitetônico ímpar, que ilustra claramente a forte presença açoriana no Rio Grande do Sul. Os prédios foram tombados pelo IPHAN como patrimônios da localidade, no entanto, o trabalho realizado pelo NEP/UFSM e Cepa/ Unisc permite constatar que a Vila possui riquezas que vão muito além desses elementos edificados, como suas técnicas e saberes. A partir do reconhecimento da necessidade de um programa de Educação Patrimonial, surgiu a questão do conhecimento da história do município, bem como realizar um levantamento dos patrimônios materiais e imateriais da região.

FIGURA 1

A Igreja local é uma das edificações tombadas pelo INPHAN em Santo Amaro do Sul. Créditos: Núcleo de Estudos do Patrimônio e Memória (NEP/UFSM).

A partir do reconhecimento da necessidade de um programa de Educação Patrimonial, surgiu a questão do conhecimento da história do município e de patrimônios imateriais. O trabalho dividiu-se em levantamento, divulgação dos patrimônios culturais, capacitação de professores, ações educativas e produção de material paradidático. Foram levantados os patrimônios materiais e imateriais do distrito de Santo Amaro do Sul, assim como as festividades locais (com destaque para os traços da colonização açoriana). Entrevistas com os moradores da localidade e o registro magnético (fitas) e digital (fotografias e vídeos) foram produzidas e, agora, o trabalho está em finalização.

O trabalho promoveu atividades de levantamento, de divulgação dos patrimônios culturais, de capacitação de professores, de ações educativas com alunos e produção de material paradidático. Além da produção do audiovisual, busca-se, através da promoção

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de tal produto, fomentar a discussão acerca do pertencimento e identificação que os grupos sociais estabelecem com o registro de seu patrimônio.

A ação escolhida para finalizar as atividades foi articular os registros audiovisuais produzidos pelo NEP/UFSM em Santo Amaro do Sul em forma de documentários. O objetivo principal é organizar as informações em material acessível ao público e, especialmente, estimular uma postura diferenciada perante os bens culturais. Durante o ano de 2011, o material foi decupado, organizado em ideias-chave, editado e finalizado. Cinco documentários foram produzidos e hoje são produtos que objetivam salientar e valorizar os patrimônios culturais de Santo Amaro.

Produtos Audiovisuais e Práticas em Educação Patrimonial

O desenvolvimento do trabalho e o produto dele resultante coadunam com os pressupostos da prática em Educação Patrimonial. Objetivando uma nova relação entre comunidade e bens culturais, esta ação vai ao encontro de Machado (2004: 28), ao afirmar que a metodologia que alicerça a Educação Patrimonial “tem como princípio a experiência direta sobre os bens culturais, ou seja, a investigação de qualquer elemento do patrimônio cultural deve ser efetivada em seu ambiente”.

Horta defende que

O patrimônio cultural se manifesta, assim, como um conjunto de bens e valores, tangíveis e intangíveis, expressos em palavras, imagens, objetos, monumentos e sítios, ritos e celebrações, hábitos e atitudes, suja manifestação é percebida por uma coletividade como uma ‘marca’ que a identifica, que adquire sentido ‘comum’ e compartilhado por toda uma ‘comunidade’: um grupo de pessoas que tem em comum o sentido de identidade, de identificação uns com outros, o que gera o sentimento de solidariedade, de agregação, de pertencimento a um grupo de pessoas (2000: 29).

A ideia de Educação Patrimonial aqui discutida não anula ou desvaloriza as ideias e crenças comunitárias, já que pensa-se em processo de aprendizado que leve a novas posturas e novas relações com patrimônio cultural, com o propósito de valorização e pertencimento. Através do aprendizado e organização do conhecimento, o indivíduo conscientiza-se de seu papel como sujeito e como parte integrante da sociedade.

A Educação Patrimonial, então, mostra-se a serviços daqueles que vislumbram “a percepção de si próprios como fazendo parte de um sistema que os exclui e que os faz reproduzir valores, discursos e práticas de um grupo ou de uma classe” (Soares e Rempel, 2010: 87). Pensa-se, então, como subsídio a uma mudança de postura – uma

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recuperação da memória social, capaz de estimular afetividades bloqueadas e apropriações de heranças culturais (Horta, 2000: 35). Assim, um dos propósitos da organização do material audiovisual e sua montagem em pequenos documentários é o estímulo de posturas diferenciadas perante o bem cultural. Deste modo, o critério para organização e categorização dos registros aponta para as falas dos entrevistados – corroborando, então, com as expressões da memória coletiva.

Ações Metodológicas

A produção dos materiais audiovisuais foi dividida em momentos distintos – a gravação das entrevistas e a pós-produção, composta por edição, montagem e finalização. A definição de temas e divisão do material em pequenos documentários foi feita após as gravações, em processo de decupagem e organização dos registros. Assim, foi possível definir os eixos temáticos através da recorrência e importância das informações citadas pelos entrevistados. As entrevistas foram produzidas concomitantemente às ações de Educação Patrimonial executadas na localidade, destacadamente com moradores mais antigos.

A base metodológica do trabalho é a entrevista, que pode ser conceituada por Medina como “técnica de interação social, de interpenetração interpretativa, quebrando assim isolamentos grupais, individuais, sociais; [...] serve à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação” (2000: 8). Ao buscar informações sobre o tema, no qual o entrevistado possui bagagem informativa, a entrevista pode ser definida como “Entrevista Conceitual”, segundo classificações de Edgar Morin (apud MEDINA, 2000: 16). Neste formato, a entrevista busca ser esclarecedora, e o entrevistador ratifica seu papel como intermediador, buscando conceitos para construir seu trabalho.

As informações foram complementadas com dados levantados anteriormente pela equipe do NEP/UFSM, sendo estas incluídas nos vídeos através de textos explicativos. Assim, uma introdução foi necessária às imagens para contextualizar o espectador quanto ao tema e ao desenvolvimento das discussões. O objetivo, também, era de atingir uma linguagem simplificada e de fácil compreensão para diferentes públicos. O presente trabalho, então, vem para concluir o levantamento feito anteriormente. Sua organização metodológica localiza-se no instante da pós-produção de materiais audiovisuais.

Assim, aponta-se para o conceito de documentário, formato adotado para articular ideias e conceitos resgatados em entrevistas. Combinar a organização em produtos de acontecimentos ou fatos de forma a mostrar a realidade da maneira mais ampla e o caráter interpretativo alicerça a opção pelo documentário. A bibliografia que trata sobre o gênero documentário situa-se entre o telejornalismo e o cinema, abarcando características de

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ambos, seja no suporte técnico, seja na abordagem interpretativa/opinativa. Penafria (1999: 5) aponta que a principal função do gênero é estimular “o diálogo sobre diferentes experiências [...] apresentar novos modos de ver o mundo ou de mostrar aquilo que [...] muitos não veem ou lhes escapa”.

FIGURA 2

Capa do DVD com os cinco documentários produzidos pelo NEP/UFSM. Créditos: Manuela Ilha Silva

A possibilidade de organização dos registros audiovisuais das atividades promovidas em uma parceria entre a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc/RS) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS) em Santo Amaro do Sul surge em 2011, objetivando a obtenção de um produto organizado por eixos temáticos e capaz de promover as ações lá empreendidas. A comunidade também ganha através desta ação, visto que o produto torna-se um elemento que retorna à localidade e ratifica/formaliza tais experiências. As ideias-chave que norteiam a produção do material audiovisual versam sobre a realidade cultural, histórica e patrimonial da comunidade – histórias e “causos” locais, festividades religiosas (Santo Amaro, Nossa Senhora dos Navegantes e Nossa Senhora do Rosário), pesca no Rio Jacuí e impactos locais, artesanato local e as ações em Arqueologia e Educação Patrimonial desenvolvidas na localidade.

A decupagem do material produzido é o primeiro momento da produção dos vídeos, que seguem os eixos temáticos elencados nas pesquisas feitas na localidade. A partir de tal momento, é possível construir os roteiros e criar as conexões entre os pequenos vídeos que, em conjunto, formam um registro audiovisual e expressão simbólica do patrimônio cultural, material e imaterial de Santo Amaro do Sul.

O produto final reúne cinco documentários – Tombamentos e Escavações, Rio Jacuí, Festividades Religiosas, Vida em Santo Amaro e Atuação do NEP. O produto audiovisual divide-se em pequenos vídeos que, em sua totalidade, ratificam a dimensão social do presente trabalho. O sentido de apropriação, para além do produto em si, é mote para a concepção deste retrato cultural, social, histórico e patrimonial.

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O primeiro deles – Tombamentos e Escavações – traz diferentes posicionamentos da comunidade frente às edificações tombadas na localidade. Alguns entrevistados mostram-se contrários a esta situação, especialmente pela dificuldade de relacionamento entre IPHAN e comunidade. Outros, no entanto, pensam que o patrimônio tombado é positivo à localidade, estimulando o turismo e investimentos para a economia local. Outro ponto discutido neste documentário são as escavações arqueológicas feitas pelo CEPA/ Unisc.

O segundo documentário tem como tema o Rio Jacuí, elemento de destaque para a comunidade. Para além das vantagens econômicas obtidas com a pesca, o rio é ponto cultural expressivo na localidade. Ele solidifica representações sociais e culturais daquela comunidade, através da pesca, do artesanato de escama de peixe e da praia. Há, no entanto, um ponto controverso entre moradores e o rio Jacuí – a Usina de Amarópolis, cuja instalação divide as opiniões da comunidade.

As Festividades Religiosas norteiam o terceiro documentário, que levanta histórias das festas de Santo Amaro, Nossa Senhora dos Navegantes e Nossa Senhora do Rosário. Apenas a Festa de Nossa Senhora do Rosário não acontece mais, enquanto as duas primeiras mobilizam a comunidade nos meses de janeiro e fevereiro. Uma lembrança citada por vários entrevistados é a divisão de bailes e cerimônias em espaços destinados para negros e brancos, visto que cada grupo contava com uma comemoração própria. Os bailes, por exemplo, eram divididos para separar negros de brancos, ou ainda, aconteciam em salões separados, exclusivos para brancos ou negros.

A comunidade negra organizava-se em uma comunidade que, consequentemente, mantinha crenças e hábitos comuns. A fé em Nossa Senhora do Rosário e as festividades em homenagem a santa eram mantidas na “aldeia”, e a após a morte do líder local, a festa perdeu forças. Os moradores mais antigos de Santo Amaro lembram-se da festa e destacam o papel do antigo líder, Cafuncho. A comunidade ainda guarda a lembrança do morador, que era líder de uma comunidade que contava com salão de festas e capela, além de exercer as funções de sineiro, sacristão-mor e coveiro.

Esta comunidade negra, denominada comumente como “aldeia”, é um dos pontos citados no quarto documentário – Vida em Santo Amaro. Também lendas e histórias da cidade ganham espaço e delineiam-se desde o passado até hoje. Histórias que circundam as edificações tombadas e a igreja da comunidade, assim como figuras míticas como lobisomens e fantasmas são confirmadas por moradores. Já retratando o cotidiano da vila, destaca-se o artesanato em escama de peixe e a vida tranquila da pequena comunidade. O último documentário ilustra as ações desenvolvidas pelo NEP/UFSM e Cepa/Unisc, confirmando o papel da Universidade dentro daquele grupo social e sua importância, especialmente dentre as novas gerações.

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Todos os documentários ratificam a proposta de reconhecimento mútuo entre produto e espectador. Assim, para além de simplesmente o produto final em si, o objetivo é também o desenvolvimento de um processo de relação.

Como ação ligada intimamente à reflexão, o agir humano é o que o difere dos demais seres – ele é premeditado, relacionado com o refletir e o pensar de forma crítica. Há uma ação, uma prática – mas, ao mesmo tempo, constituiu-se um campo de entendimento e espaço discursivo, espaço de pertencimento.

Patrimônio Cultural e suas Relações Identitárias

As relações da comunidade com seus elementos culturais, patrimoniais, religiosos e históricos cristalizam-se no produto audiovisual aqui debatido. A comunidade consegue se reconhecer no produto que expressa os valores simbólicos e culturais deste determinado grupo social. Acena-se a questão de pertença e relação de memória coletiva, que ratifica valores e significados. Hall pensa a identidade como

O ponto de encontro, o ponto de sutura, entre [...] os discursos e as práticas que nos tentam ‘interpelar’, nos falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades (2009: 111-112).

A conceituação da identidade perpassa uma discussão plural, visto que são diferentes as formas de explanar acerca da relação sujeito, cultura e sociedade. A representação do homem é intimamente marcada por questões simbólicas e sociais que reúne diferentes fatores. Hall complementa afirmando que

A identidade é uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas. A identidade está ligada a sistemas de representação. A identidade tem estreitas conexões com relações de poder (2009: 96-97).

A produção do produto transcende a necessidade de organização dos registros e alcança a lógica do pertencimento e da construção identitária do sujeito e do grupo social. Isto é possível porque a organização da identidade é processo relacional, marcado simbólica e socialmente e ligado diretamente a outras identidades. Então, pensar a identidade como um ponto fixo dentro do discurso social, resultante do equilíbrio entre práticas e posicionamentos subjetivos, é considerar seu caráter relacional. Para Woodward (2009: 17), “a representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos

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por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito”.

A conexão dos habitantes entre si e com seu patrimônio histórico, cultural e religioso é relacional e mostra a apropriação destes sentidos. É possível constituir-se como sujeito dentro de um espaço onde se é atuante ou não se é, ao menos, indiferente. Ao identificar-se , é possível para o sujeito relacionar-se com os demais, reconhecendo-os também como sujeitreconhecendo-os. A alteridade é ponto crucial neste momento – através dela, o sujeito reconhece a si mesmo e ao outro, inseridos no contexto social. Segundo Silva,

A presença do outro se encontra nos cruzamentos dos limites da linha do ‘eu’, no sentido de nos vermos presentes no ‘outro’, e do ‘outro’ em ‘nós’, através de influências voluntárias ou involuntárias dessas interações simbólicas da alteridade (2009: 48).

Os sujeitos compartilham elementos que alicerçam sua cultura e patrimônio. A relação entre estas significações e as construções de uma comunidade aponta para a memória coletiva e valores que, embora inacessíveis fisicamente, podem ser expressos de forma material. Para Donini (2006, p. 12), patrimônios, valores e significações “não podem expressar-se por si mesmos, mas podem ‘encarnar-se’ através de manifestações e signos tangíveis, como imagens, livros, pinturas, poemas e outras formas culturais de expressão”. O material em questão reúne e representa a memória daquela comunidade.

A relação de pertencimento se destaca através pelo intermédio de elementos como o produto audiovisual em questão. Assim, conforme Brumman, a “cultura não requer proximidade física [...], apenas interação social, mesmo que mediada pelos meios de comunicação [...] mesmo ver, ouvir ou ler uns aos outros pode ser o suficiente” (apud PELEGRINI; FUNARI, 2008: 18). Deste modo, o material produzido em conjunto unificado de informações gera referência e é capaz de empoderar os membros da comunidade para buscar a promoção de sua bagagem cultural.

Deste modo, é possível ver que o empoderamento proposto coaduna com a proposta de Peruzzo (2006: 10), quando a autora afirma que os entes sociais participam ativamente das decisões e ações de sua comunidade. A comunidade identifica-se, em processo teorizado por Hall (2009: 106) como algo que resulta “[...] do reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal”.

O resultado é um processo individual, onde cada sujeito consegue tomar consciência de si e de seu lugar dentro do grupo social. Esta relação se opera através da diferença, envolvendo produtos e ações discursivas, onde se pode incluir o produto audiovisual aqui discutido.

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dentro do grupo social. O objetivo da prática extensionista acaba sendo alcançado pela ação social do produto em questão, estimulando novas posturas sociais. Há transformação da realidade pelo subsídio dado a novas posturas da comunidade perante suas crenças, patrimônios culturais e, especialmente, frente ao patrimônio tombado na localidade. Tal processo opera através da diferença, envolvendo trabalhos discursivos (cabendo aqui o exemplo do produto audiovisual em questão), a delimitação e a marcação de fronteiras, que são simbólicas e criam/ampliam/rompem limites.

A relação entre identidade e diferença é fundamental neste processo formativo – é ao mesmo tempo a falsa unidade que o espelho reflete, mas também sua moldura, frágil e mutante. A identidade carrega em si a ideia de articulação, aproximando e sendo o ponto de equilíbrio entre o “que é” e o “que não é”, ou seja, entre individualidade e alteridade. Ela é relação, sempre subordinada a différance, conceito cunhado por Derrida (1982) e resgatado por Hall (2009: 81), ao afirmar que “filosoficamente, a lógica da différance significa que o significado/identidade de cada conceito é constituído(a) em relação a todos os demais conceitos do sistema em cujos termos ele significa”.

Neste momento, as repetições de preconceitos e pré-conceitos somente interessam quando estimulam novos pensamentos e construções, ou seja, o objetivo final é desconstruir o senso comum. Questionamentos e proposições diferenciadas estimulam novas posturas, com reflexos de autonomia, e novos discursos, carregados de significados diferenciados. Da promoção do produto audiovisual, estima-se que ele estimule a reflexão e a tomada de consciência da realidade atual dentro do grupo social, permitindo aspirações quanto ao futuro e crescimento.

Considerações Finais

Refletir a escolha pela articulação dos registros em documentários voltados ao suporte da Educação Patrimonial foi o objetivo do trabalho em questão. Através dos produtos aqui discutidos, dá-se meios para uma prática acessível e compreensível para diferentes públicos e que, pelo caráter interpretativo do gênero documentário, aproxima e relaciona entes sociais e comunidade como um todo.

Ao pensar as atividades pelo aporte dialógico freiriano, por exemplo, podemos observar que o objetivo proposto torna-se possível – fomentar novas posturas e práticas cidadãs. Assim, localizar o sujeito dentro de seu grupo social e, então, estimulá-lo ao pensamento crítico e livre de amarras – seja sobre sua comunidade, expressões, valores, bens culturais e patrimônio.

A comunidade, cuja história é marcada pela perda de posição privilegiada e central na região, na década de 1940, hoje convive com um rico sítio de bens culturais.

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A proposta não abarca apenas aqueles já reconhecidos pelo IPHAN – as 14 edificações tombadas na década de 1990 – mas também expressões culturais e bens imateriais valorados pelos moradores da localidade. A articulação dos produtos converge com o mote proposto pela Educação Patrimonial – estimula a relação entre sujeitos e bens culturais através de práticas que valorizem a formação da identidade e consolidem a ideia de cidadania.

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Referências

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