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Conceitos e mecanismos de distribuição das drogas e interações medicamentosas

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Academic year: 2021

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de distribuição das drogas e

interações medicamentosas

Karthik Venkatakrishnan Richard I. Shader David J. Greenblatt

As reações adversas são uma causa significativa de óbitos nos Estados Unidos, e as interações medicamentosas são os principais contribuintes. No cenário regulador, científico, clínico e de marketing atual as desvanta-gens das interações medicamentosas associadas aos fármacos são conside-radas um risco significativo para a segurança, e motivaram a Food and Drug Administration (FDA) a retirar do mercado vários medicamentos, na última década, devido ao fator segurança. Alguns exemplos desses fármacos retirados do mercado são os medicamentos anti-histamínicos não-sedati-vos, como a terfenadina (Seldene) e a astemizol (Hismanal), a cisaprida (Propulsid), agente procinético, assim como o mibefradil (Posicor), medi-camento cardiovascular bloqueador dos canais de cálcio. Vários agentes psicoterápicos apresentam baixo índice terapêutico (p. ex., os antidepressivos tricíclicos, o lítio, os inibidores da monoaminoxidase e os anticonvulsivantes estabilizadores do humor) e por isso são presas fáceis das interações farmacocinéticas e/ou farmacodinâmicas. Além disso, o metabolismo (e, assim, a exposição sistêmica, a farmacodinâmica e os efeitos tóxicos) de vários desses medicamentos está sujeito à variação ge-nética e a grande variação entre os indivíduos, por causa da contribuição predominante das enzimas polimórficas metabolizadoras de fármacos (p. ex., o fato de o metabolismo da nortriptilina e do zuclopentixol ser inicial-mente mediado pela CYP2D6, que está ausente em aproximadainicial-mente 7 a 10% dos indivíduos brancos). Além disso, muitos agentes psicofarma-cológicos são reconhecidamente moduladores das enzimas CYP meta-bolizadoras de drogas (p. ex., a fluvoxamina inibe o metabolismo da teo-filina, que é mediada pela CYP1A2, fármaco de baixo índice terapêutico). Em particular, o aumento do uso dos inúmeros medicamentos her-báceos e produtos naturais produzem aumento significativo do risco clí-nico que vai além daquele associado aos agentes de prescrição. Infeliz-mente, esses riscos muitas vezes não estão aparentes e podem não ser

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observados pelo cuidador da saúde, a menos que a história do paciente seja cuidadosamente construída, com perguntas específicas para regis-trar o uso de produtos não-prescritos. Por exemplo, a erva-de-são-joão, um antidepressivo herbáceo aparentemente inócuo, que é vendida sem receita médica, sabidamente interage com a ciclosporina-A, medicação imunossupressora, podendo causar a rejeição do órgão transplantado, com potencial resultado fatal.

Considerando o impacto das interações medicamentosas sobre a segurança do paciente e sobre custos médicos, o reconhecimento de tais interações como uma causa evitável de reações medicamentosas adver-sas, e a nossa capacidade de prever e evitar (ou controlar) as interações sem comprometer a eficácia farmacológica na maioria dos casos, não se deve exagerar o compromisso dos médicos de estar cientes das suas res-ponsabilidades em relação à interação medicamentosa associada aos me-dicamentos que prescrevem. A identificação e o controle estratégico dos riscos da interação medicamentosa e a orientação adequada do paciente se tornam, portanto, um componente integrante do sucesso e da prática médica psiquiátrica responsável no século XXI.

ABORDAGEM DAS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS NO SÉCULO XXI

A questão das interações medicamentosas no cenário científico e farma-cológico clínico atual é basicamente mecanicista e se apóia na compre-ensão dos processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos medicamentos; nas determinantes moleculares desses processos; na variabilidade genética dessas determinantes moleculares e nos diversos mecanismos da sua modulação pelos agentes co-administrados, cada um deles apresentando conseqüências clínicas distintas. Com a rápida intro-dução de novos agentes psicofarmacológicos (bem como de medicamen-tos em outras áreas terapêuticas) que apresentam novos mecanismos de ação e depuração, os médicos e seus pacientes não apenas têm mais opções de tratamento, mas também um aumento concomitante na inci-dência da polifarmácia e no risco associado das interações medica-mentosas. Independentemente da sua importância na moderna prática da farmácia, o controle clínico das interações medicamentosas não pode apenas contar com o uso de bancos de dados informatizados de interações medicamentosas para evitar as combinações contra-indicadas. Os médi-cos devem determinar um regime personalizado de tratamento para os seus pacientes, baseado não apenas na precisão do diagnóstico, mas le-vando em consideração as condições médicas co-mórbidas e os medica-mentos concomitantes. Exemplos selecionados de quadros clínicos, que enfatizam a importância da seleção individualizada do medicamento psicotrópico e/ou da orientação do paciente em relação aos riscos da interação medicamentosa, estão resumidos na Tabela 1.1.

Deve ficar claro, a partir desses exemplos, que as bases subjacentes às interações medicamentosas podem ser diversas. Essa informação

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Tabela 1.1

SELEÇÃO ESTRATÉGICA DO AGENTE CO-ADMINISTRADO PARA REDUZIR O RISCO DE INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA Situação clínica Seleção da terapia Mecanismo

Paroxetina é um inativador com base no mecanismo da CYP2D6, e a depuração do metoprolol será substancialmente prejudicada no paciente que recebe este ISRS, resultando no aumento dos níveis plasmáticos e em efeitos aumentados do metoprolol, quando administrado nas doses terapêuticas habituais. O mecanismo mais importante do atenolol é a excreção renal da droga não-metabolizada; como resultado, seus efeitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos não serão afetados pela paroxetina. A erva-de-são-joão contém hiperforina, um potente agonista do receptor pregnano X; ela produz indução da CYP3A. A depuração do etinil estradiol pode ser acelerada, resultando na redução da exposição e comprometendo a eficácia do anticoncepcional.

A depuração da desipramina é amplamente mediada pela CYP2D6, e a terbinafina é um potente inibidor CYP2D6. A co-administração pode resultar em níveis elevados de desipramina (exceto se uma redução na dosagem de compensação de desipramina for realizada antes do início do tratamento com terbinafina) e toxicidade. O itraconazol não é um inibidor CYP2D6 de importância clínica e pode ser seguramente co-administrado com desipramina, sem o risco de interação medicamentosa. Preferência pela escolha de atenolol, em vez de metropolol como anti-hiper-tensivo. Aconselhar contra o uso de agentes anticoncepcionais orais como a única maneira de contra-cepção. Preferência pela escolha de itracona-zol, em vez de terbinafina, como antimicótico. Paciente sob o uso de paroxetina que necessita de tratamento anti-hipertensivo. Paciente sob automedicação, com erva-de-são-joão. Paciente sob titulação para uma dose estável de desipramina* no tratamento de depressão, necessi-tando de tratamento antifúngico sistêmico para onicomicose.

* N. do R.T. Atualmente, a desipramina não é comercializada no Brasil.

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Tabela 1.1

SELEÇÃO ESTRATÉGICA DO AGENTE CO-ADMINISTRADO PARA REDUZIR O RISCO DE INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA (continuação)

Situação clínica Seleção da terapia Mecanismo

Paciente sob dose estável de metoprolol para o controle da hipertensão, necessitando de terapia antidepressiva. Paciente com transtorno bipolar que recebe uma dose estável de lítio e necessita de agente anti-hipertensivo. Transplantado em imunossupressão com ciclosporina-A ou tacrolimus, que apresenta sintomas sugestivos de depressão. Preferência pela escolha de citalopram, em vez de paroxetina ou fluoxetina, como antidepressivo do tipo ISRS Preferência pela escolha do β−β−β−β−β− bloqueador, em vez do inibidor da ECA, como agente anti-hipertensivo. Aconselhar contra a automedicação com erva-de-são-joão e, se necessário, iniciar tratamento com um antidepressivo do tipo ISRS, mas não a nefazodona.

A depuração do metoprolol é amplamente mediada pela CYP2D6, e tanto a paroxetina quanto fluoxetina são potentes inibidores desta enzima. De modo inverso, o citalopram não inibe o metabolismo mediado pela CYP.

Os inibidores da ECA impedem a depuração renal do lítio e podem elevar os níveis de lítio, levando à toxicidade por lítio. Os β−bloqueadores não prejudicam a depuração do lítio e são preferidos no tratamento da hipertensão nos pacientes que recebem lítio.

A indução da CYP3A e P-glico-proteína pela erva-de-são-joão pode reduzir a exposição da ciclosporina-A ou tacrolimus abaixo dos níveis terapêuticos e potencial-mente resultar na rejeição do órgão transplantado. Os antidepressivos do tipo ISRS podem ser seguramen-te empregados, porque eles não induzem a CYP3A ou a P-gli-coproteína. Entretanto, a nefazo-dona é um potente inibidor CYP3A e seu uso é evitado em pacientes que recebem ciclosporina-A ou tacrolimus, devido ao potencial para aumento dos níveis imunos-supressores e toxicidade.

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enfatiza ainda mais a necessidade de os médicos possuírem um conheci-mento básico sobre os mecanismos das interações medicaconheci-mentosas, por-que é quase impossível lembrar de cada um dos pares contra-indicados Paciente que recebe

itraconazol para onicomicose que necessita de sedativo-hipnótico para insônia.

Paciente que recebe buspirona para transtorno de ansiedade e que necessita de tratamento antibac-teriano com um antibiótico macrolideo. Preferência pela escolha de lorazepam, temazepam ou zolpidem, em vez de triazolam como sedativo-hipnótico. Preferência pela escolha de azitromicina, em vez de eritromicina ou claritromicina, como antibiótico.

O itraconazol é um potente inibidor da CYP3A, a enzima que medeia apenas a depuração do triazolam. A co-administração pode resultar no aumento da exposição do triazolam e efeitos farmacodinâmicos exagerados. De forma inversa, lorazepam e temazepam são diretamente glucuronizados e não são vítimas da inibição CYP3A mediada pelo itraconazol; zolpidem sofre metabolismo oxidativo, mas através de múltiplas isoformas CYP, reduzindo a contribuição da CYP3A e a magnitude das interações com os inibidores seletivos CYP3A, como itraconazol.

A farmacocinética da buspirona é caracterizada pelo extenso metabolismo de primeira passagem quase totalmente mediado pela CYP3A. Tanto a eritromicina quanto a claritromicina são inativadores baseados no mecanismo da CYP3A e podem prejudicar a depuração da buspirona, considerando que a azitromicina não prejudica a depuração dos substratos CYP3A e pode ser seguramente co-adminis-trada com buspirona.

Tabela 1.1

SELEÇÃO ESTRATÉGICA DO AGENTE CO-ADMINISTRADO PARA REDUZIR O RISCO DE INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA (continuação)

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sem algum conhecimento sobre os fundamentos bioquímicos dos riscos de interação medicamentosa. Também deve ser enfatizado que é incor-reto pensar em termos de “efeitos clássicos” durante a avaliação dos riscos de interação medicamentosa. Conforme ficará evidente nas dis-cussões a seguir neste capítulo, os mecanismos moleculares das interações farmacocinéticas produzidas por um medicamento não estão relaciona-dos aos mecanismos farmacológicos subjacentes aos seus efeitos tera-pêuticos. Sendo assim, embora a fluoxetina, a paroxetina, a sertralina, a fluvoxamina e o citalopram sejam todos antidepressivos do tipo inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs), suas tendências para rea-lizar interações medicamentosas farmacocinéticas são claramente dife-rentes. Enquanto a fluoxetina e a paroxetina são inibidores clinicamente importantes da CYP2D6 e causam aumentos elevados nas exposições dos medicamentos que necessitam da atividade dessa enzima para sua depuração, esse fato não é verdadeiro para a sertralina ou o citalopram, que não têm interações clinicamente significativas com os substratos CYP2D6. Similarmente, a fluoxetina impede a depuração dos substratos CYP3A, enquanto a paroxetina, a sertralina e o citalopram não apresen-tam efeitos clinicamente significativos. Dos antidepressivos do tipo ISRS anteriormente mencionados, a fluvoxamina é a única droga que inibe a CYP1A2 de forma significativa. Por isso, os termos “inibidor CYP” e “ini-bidor da oxidação de função mista”, que têm sido usados historicamente para descrever os efeitos das drogas sobre o metabolismo oxidativo, não têm sentido no século XXI. O sistema CYP é um conjunto heterogêneo de enzimas com seletividades distintas, ainda que sobrepostas. A menos que os efeitos de cada droga de interesse sejam sistematicamente avalia-dos quanto à atividade de cada isoforma da enzima, as implicações clíni-cas não poderão ser deduzidas.

Na última década, as abordagens in vitro foram amplamente uti-lizadas para avaliar o risco das interações medicamentosas metabóli-cas. Em muitos casos, essas avaliações formaram a base da conduta dos estudos de interação medicamentosa controlados clinicamente, que objetivavam determinar a relevância clínica. Por isso, um conhecimen-to básico dos modelos disponíveis in vitro, para avaliar a inibição me-tabólica, a indução enzimática e a inibição do transportador e outros, em conjunto com a apreciação dos pressupostos básicos e de potenciais advertências podem ser úteis para os médicos do século XXI. Esses mo-delos e as informações que fornecem possibilitarão o julgamento fun-damentado e a reação adequada aos dados experimentais (in vitro) que são publicados rotineiramente na literatura psicofarmacológica clí-nica revisada (p. ex., Journal of Cliclí-nical Psychopharmacology e British Journal of Clinical Pharmacology). As abordagens experimentais dispo-níveis para o estudo in vitro das interações medicamentosas são discu-tidas de forma resumida mais adiante neste capítulo, com ênfase nos princípios e desafios associados à extrapolação in vivo.

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Algumas definições e uma classificação mecanicista das interações medicamentosas

Admite-se que ocorre interação clinicamente significativa entre duas drogas quando os efeitos terapêuticos e/ou tóxicos de uma droga são alterados em conseqüência da co-administração de outra. A droga cujos efeitos são alterados (reduzidos, com perda da eficácia terapêutica; ou aumentados, com resultante toxicidade) é, geralmente, referida como a vítima da interação, e o agente co-administrado, responsável pela interação, é referido como a droga causadora.

Os efeitos farmacológicos ou tóxicos de uma droga depois da sua administração estão, geralmente, relacionados à sua exposição (concen-tração) na área de atividade (o cérebro, para os agentes psicofarma-cológicos) ou de toxicidade (p. ex., o músculo cardíaco, para os efeitos cardiotóxicos da tioridazina). Isso, por sua vez, normalmente está rela-cionado à exposição na circulação sistêmica (sangue ou concentrações plasmáticas, conforme determinado pelo perfil farmacocinético da dro-ga). A farmacocinética de uma droga, por sua vez, é uma função de vários fatores, que incluem, mas não se limitam, à taxa e abrangência de absorção no intestino depois de uma dose oral, aos processos passivos e/ ou ativos de distribuição para vários tecidos, ao catabolismo enzimático (metabolismo) pelo fígado e à taxa de excreção na urina pelos rins, via filtração glomerular e secreção tubular ativa. Quando uma droga altera o desempenho de quaisquer um desses processos que governam a absor-ção, distribuiabsor-ção, metabolismo ou excreção de outra substância, a farmacocinética da segunda será alterada quando os dois agentes forem co-administrados, o que resultará na interação medicamentosa farmaco-cinética. Deve ser enfatizado que uma interação farmacocinética nem sempre implica uma interação medicamentosa clinicamente significati-va; a conseqüência clínica de uma interação farmacocinética não depen-de apenas da magnitudepen-de da interação (alteração da exposição sistêmica), mas também da janela terapêutica (ou índice) da droga cuja farmaco-cinética foi alterada. Quando um fármaco tem uma janela terapêutica estreita (baixo índice terapêutico), as conseqüências clínicas do prejuízo (redução da capacidade) na sua depuração por outra droga e aumento nas concentrações sistêmicas, são, normalmente, significativas; nesses casos, a interação medicamentosa poderá resultar em toxicidade, exceto se for feito um ajuste de dosagem da droga vítima. Por exemplo, o lítio tem uma janela terapêutica estreita, e mesmo uma redução de 50% na depuração do lítio produzida pelos diuréticos tiazídicos é clinicamente significativa, necessitando da redução correspondente na dosagem do lítio quando co-administrado, por exemplo, com hidroclorotiazida. Por outro lado, os antidepressivos do tipo ISRS (citalopram, sertralina, paroxetina e fluvoxamina) têm um índice terapêutico relativamente alto e, como classe, normalmente, não são vitimizados pelas interações medicamentosas que resultam no prejuízo da sua depuração e no au-mento dos seus níveis plasmáticos.

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Quando a co-administração de duas drogas resulta na modulação dos efeitos terapêuticos e/ou tóxicos de uma delas, sem uma imediata alteração aparente na farmacocinética de cada agente, diz-se que ocor-reu uma interação medicamentosa farmacodinâmica. Os tipos mais sim-ples de interações farmacodinâmicas são aqueles de aditividade e de anta-gonismo, que, geralmente, são de rápido diagnóstico a partir dos meca-nismos de ação de cada agente, no nível do receptor-alvo ou enzima. Por exemplo, a co-administração de duas drogas com efeitos sedativo-hip-nóticos (ou seja, um benzodiazepínico e um anti-histamínico sedativo), obviamente levaria ao aumento da sedação e depressão do sistema ner-voso central (SNC), em um grau maior do que o esperado com a adminis-tração de apenas uma delas, simplesmente por causa do efeito adicional da ocupação do receptor e farmacodinâmica downstream*. Em alguns casos, o aumento de tais efeitos farmacodinâmicos são mais acentuados quando os mecanismos de ação dos dois agentes são distintos; isso re-sulta em um efeito livre que excede a soma de cada efeito individual-mente – um fenômeno referido como sinergismo. As interações sinér-gicas podem produzir efeitos benéficos em alguns casos, embora os ris-cos de eventos adversos, no uso da combinação, também possam ser maiores, quando comparados com àqueles associados a cada agente iso-ladamente. Esse aumento do risco pode necessitar de um escalonamento gradual de dosagem da segunda droga, agente adicionado e titulação para o efeito. Por exemplo, embora seja normalmente considerada uma combinação contra-indicada devido aos riscos da síndrome serotonérgica, a adição cuidadosa de um inibidor da monoaminoxidase (IMAO), objetivando a continuação da terapia com antidepressivos tricíclicos (ADT), poderá resultar em benefícios significativos para alguns pacien-tes com depressão resistente.

Diz-se que ocorreu um antagonismo farmacodinâmico quando os efeitos farmacológicos de uma droga são reduzidos ou anulados com a co-administração de outra, sem a redução na exposição sistêmica da droga vítima (isto é, com o mecanismo subjacente não sendo de natureza far-macocinética). O mecanismo mais simples do antagonismo farma-codinâmico é o que envolve a administração de um antagonista do re-ceptor. (Um antagonista do receptor é uma droga que se liga a um recep-tor, mas falha na indução da farmacodinâmica downstream; ele impede tanto um agonista endógeno como um agonista co-administrado da indução do seu efeito máximo farmacodinâmico, interferindo com aque-la atividade do agente e resultado terapêutico). O antagonismo pode ser útil no tratamento de superdosagens. Os exemplos que ilustram a apli-cação do antagonismo na psiquiatria incluem o uso de naloxona na re-versão da depressão respiratória secundária a uma superdosagem aguda de opióide, o uso de fentolamina, antagonista α-adrenérgico no controle

*N. de T. Downstream – estágio que emprega o insumo do processo imediata-mente anterior.

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emergencial de uma reação hipertensiva em pacientes que recebem IMAOs, e o uso de ciproeptadina, antagonista do receptor 5HT1A, no

tratamento da síndrome serotoninérgica induzida pela droga. Um exem-plo mais complexo de antagonismo é a interação entre ADTs e gua-netidina, agente anti-hipertensivo, que resulta na redução da eficácia terapêutica. O mecanismo de ação dos ADTs envolve a inibição parcial da recaptação do neurotransmissor na sinapse noradrenérgica. A área de ação da guanetidina está no neurônio adrenérgico pré-sináptico, onde ela age como um “substituto” ou falso neurotransmissor e esvazia as vesículas dos seus neurotransmissores nativos, que contêm catecolaminas, produzindo um efeito anti-hipertensivo. É interessante notar que a guanetidina alcança sua área de ação dentro do neurônio pela captação ativa através do mesmo transportador que medeia a recaptação da norepinefrina, que é inibida pelos ADTs. Como resultado, nos pacientes que recebem ADTs, a guanetidina não pode alcançar sua área de ação, tornando-se ineficaz como agente anti-hipertensivo. Outro exemplo é o atenolol (um antagonista adrenérgico seletivo subtipo-β1) que, em pre-ferência ao propranolol (um β-bloqueador não-seletivo), deverá ser es-colhido para reduzir os sintomas autônomos (taquicardia, tremor, etc.) nos transtornos de ansiedade, ou para controlar a ansiedade de desem-penho nos pacientes com asma. O uso de propranolol piora o broncoes-pasmo e interfere com os efeitos broncodilatadores dos agonistas adre-nérgicos-β2, como o albuterol, comprometendo sua eficácia no controle de um episódio agudo de asma. Esse exemplo ilustra a importância de compreender a seletividade do subtipo do receptor dos agentes tera-pêuticos e os riscos das interações farmacodinâmicas para garantir uma adequada seleção do fármaco, considerando as condições co-mórbidas e os medicamentos co-administrados.

Devido à natureza específica dos mecanismos das interações medi-camentosas farmacodinâmicas, eles são abordados detalhadamente nos próximos capítulos deste livro, como parte integrante da discussão de cada classe dos agentes neuropsicofarmacológicos. O restante deste ca-pítulo enfoca os mecanismos subjacentes comuns das interações medi-camentosas farmacocinéticas, exemplos selecionados e implicações para os terapeutas psiquiatras.

PROCESSOS DE ABSORÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E MODULAÇÃO DO MEDICAMENTO

Interações medicamentosas resultantes da modulação da absorção oral

Exceto se administrados de forma intravenosa, os medicamentos alcan-çam a circulação por meio de algum tipo de processo de absorção. Na administração oral, geralmente usada, a absorção é vista como um pro-cesso psicoquímico determinado pela dissolução do medicamento no

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es-tômago, seguido da absorção do medicamento dissolvido no intestino delgado pela difusão passiva através da bicamada lipídica da membrana enterocítica. Sendo assim, a absorção é influenciada por vários fatores, incluindo a solubilidade aquosa, lipofilicidade, nível do pH gástrico (que pode influenciar a dissolução no estômago), taxa de esvaziamento gás-trico, nível do pH intestinal (que determina a carga livre sobre o medica-mento durante a absorção, dependendo do pKa da molécula), secreção

biliar (mecanismo comum que explica o aumento da absorção de medi-camentos lipofílicos de baixa solubilidade no estado pós-prandial) e a motilidade gastrintestinal. Em virtude de os medicamentos co-adminis-trados poderem, potencialmente, alterar um ou mais desses fatores, as interações medicamentosas podem resultar de uma modulação (aumen-to ou redução) da taxa e/ou grandeza da absorção oral. Quando uma interação medicamentosa reduz a taxa de absorção oral, a conseqüência farmacocinética é a alteração no curso temporal das concentrações da droga na circulação, com prolongamento (aumento) no tempo em que as concentrações plasmáticas máximas são alcançadas (Tmáx), e

modera-ção (redumodera-ção) na concentramodera-ção máxima (Cmáx). Se a taxa de absorção for

o único parâmetro alterado, a exposição livre (área sob a curva do tem-po de concentração plasmática, AUC) não será alterada, e as concentra-ções plasmáticas médias do estado estável não serão afetadas pela interação. No entanto, se a interação resultar em redução na magnitude da absorção oral, a AUC será reduzida, resultando na redução das con-centrações médias do estado estável e comprometendo, potencialmente, a eficácia farmacológica e o resultado terapêutico. Os aumentos na taxa e/ou magnitude da absorção oral resultarão em efeitos farmacocinéticos opostos àqueles descritos.

As interações psicoquímicas diretas representam o tipo mais sim-ples das interações medicamentosas na absorção. Por exemplo, cátions divalentes, como o Ca2+ (p. ex., suplementos nutricionais de cálcio,

lei-te) inibem a absorção da tetraciclina devido à complexidade química. O carvão vegetal, o hidróxido de alumínio (um ingrediente comum nos antiácidos), a colestiramina e a caulim-pectina podem absorver ou ligar algumas drogas, reduzindo a magnitude de sua absorção.

Alternativamente, uma alteração no nível do pH estomacal causa-da por um fármaco poderá influenciar a dissolução e, por conseqüência, a absorção de outro. Por exemplo, o agente antifúngico cetoconazol re-quer um nível ácido de pH estomacal para sua dissolução. Sendo assim, a absorção do cetoconazol é prejudicada pelos antiácidos, incluindo os antagonistas do receptor-H2 (p. ex., cimetidina) e os inibidores da

bom-ba de próton (p. ex., omeprazol), e sua eficácia antifúngica comprometi-da. Os antiácidos mostram reduzir a taxa de absorção de certos benzo-diazepínicos (p. ex., clordiazepóxido), devido à elevação dos níveis do pH gástrico acima do pKa do benzodiazepínico (4,8 para clordiazepóxido),

afetando a dissolução no estômago.

Em relação aos efeitos ansiolíticos do clordiazepóxido, apenas uma redução na taxa de absorção, sem alteração na magnitude da absorção,

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não é clinicamente significativa no contexto da administração de múlti-plas doses, porque os efeitos farmacológicos e o resultado terapêutico são controlados pelas concentrações médias da concentração terapêuti-ca. Algumas exceções são os agentes sedativo-hipnóticos, para os quais a taxa de aumento das concentrações plasmáticas é uma determinante importante para o início rápido do sono. Quando existe a possibilidade de um efeito antiácido na farmacocinética de uma droga, recomenda-se que esta seja dosada, pelo menos, duas horas antes da administração do antiácido, para diminuir o risco de interação. No entanto, normalmente, o valor desta abordagem é limitado aos antiácidos de ação direta (neutralizantes) e não é genérico para os agentes anti-secretórios de ação sistêmica (antagonistas do receptor H2 e inibidores da bomba de

próton). É de especial importância recomendar aos pacientes que sem-pre tomem os medicamentos sem-prescritos com um copo cheio de água, para reduzir os efeitos das interações na absorção e garantir a absorção oral consistente.

As interações medicamentosas na absorção também podem resul-tar de efeitos na motilidade gastrintestinal. Por exemplo, os níveis do lítio podem ficar bastante elevados pelo uso concomitante da maconha, podendo resultar em toxicidade. Esse efeito pode ser devido à atividade anticolinérgica da maconha, o que reduz a motilidade do intestino e permite o prolongamento da duração do contato do íon do lítio com a superfície de absorção do intestino. Em contraste, o agente antiemético metoclopramida melhora a motilidade gastrintestinal e mostra-se redu-tor da absorção da digoxina, devido à diminuição da permanência da digoxina no intestino delgado. Embora a redução na exposição da digoxina seja relativamente pequena (~20%), a interação pode ser cli-nicamente significativa em virtude da faixa terapêutica estreita da digoxina. É interessante notar o efeito da metoclopramida no trato gastrintestinal, que também é caracterizado pelo aumento na taxa de esvaziamento gástrico, o que pode, realmente, aumentar a taxa de ab-sorção de certas drogas, especialmente em condições de redução da taxa de esvaziamento gástrico (como a gastroparesia, que normalmente é encontrada nos pacientes com enxaqueca). Este efeito forma a base da sua co-administração com agentes usados no tratamento de eliminação da enxaqueca.

Embora vistos tradicionalmente como um processo passivo, os trans-portadores ativos das drogas estão sendo cada vez mais identificados como determinantes na absorção oral. Alguns fármacos (p. ex., antibió-ticos da família das cefalosporinas) são substratos para os transportado-res ativos do influxo, como o transportador peptídeo pepT1, portanto, sua absorção intestinal é dependente da atividade desse transportador. Muito comumente, vários fármacos são substratos dos transportadores ativos do efluxo, como a P-glicoproteína (P-gp) do MDR1e a proteína de resistência ao câncer de mama (BCRP). Esses transportadores são ex-pressos na membrana apical dos enterócitos que revestem o lúmen do intestino delgado; em virtude desses transportadores bombearem as

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dro-gas para o exterior do enterócito e de volta para o lúmen, eles efetiva-mente agem como uma barreira e reduzem a abrangência da absorção oral. A incompleta biodisponibilidade oral de vários fármacos de impor-tância terapêutica, como a ciclosporina-A e o saquinavir, é explicada, ao menos, em parte, pelo efluxo mediado pela P-gp no intestino delgado. Por isso, a inibição da atividade desse transportador pelos agentes co-administrados (p. ex., itraconazol, ritonavir), representa um mecanismo das interações medicamentosas no nível da absorção. É importante re-conhecer que a contribuição da P-gp, como um fator que limita a absor-ção medicamentosa, é determinada não apenas pelo fato de a droga ser um substrato, mas também por sua permeabilidade transmembrana in-trínseca e sua concentração no lúmen intestinal (determinada pela do-sagem clínica) em relação ao Km (concentração do substrato, na qual

metade do fluxo do transporte ativo máximo é obtido) para a atividade de transporte.

Como o transporte do tipo efluxo realizado pela P-gp é um proces-so saturável, as potenciais concentrações locais elevadas da droga no lúmen intestinal, no caso de um excesso de Km para o processo de

trans-porte, podem saturar o transportador, tornando seu impacto na absor-ção oral da droga insignificante. Não existe nenhum exemplo de psicofármaco cuja absorção seja limitada pela P-gp com abrangência cli-nicamente significativa. Além disso, não existem exemplos de interações explicadas pela modulação da P-gp em que um agente psicofarmacológico, identificado e provado, seja o causador. Por isso, as interações medica-mentosas geradas por este mecanismo são relativamente raras na psico-farmacologia. A exceção é a erva-de-são-joão, antidepressivo vendido sem receita médica, que é um inibidor muito bem-caracterizado e indutor deste transportador, e, portanto, causa interações medicamentosas de importância clínica.

O intestino é apenas um dos vários sítios anatômicos que expres-sam a P-gp. Outros sítios de expressão incluem a barreira hematoence-fálica (BHE), rins e fígado. Como resultado, a P-glicoproteína é uma determinante não apenas da absorção oral, mas, também, da distribui-ção da droga (p. ex., penetradistribui-ção na BHE) e da depuradistribui-ção (p. ex., renal e biliar), sendo todos alvos potenciais para as interações medicamentosas. Essas questões são abordadas nas seções seguintes sobre distribuição e depuração.

Interações medicamentosas resultantes da modulação da distribuição do medicamento

Os medicamentos são distribuídos para os tecidos através da circulação sistêmica. A entrada no SNC exige a penetração na BHE. Os tecidos de alta perfusão (cérebro, coração, fígado e rins) apresentam um rápido equilíbrio dos fármacos no sangue tecidual. Após essa transferência ini-cial, a droga é redistribuída para os tecidos de baixo fluxo sangüíneo

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mas de altíssima afinidade com a droga, como o tecido adiposo. Um exemplo desse processo é o rápido início de ação anestésica após a inje-ção intravenosa de tiopental. O tiopental é um fármaco lipofílico com alta permeabilidade através das membranas celulares compostas de uma dupla camada lipídica. Assim, o tiopental apresenta distribuição limita-da pela taxa de perfusão, e é rapilimita-damente distribuído no cérebro, um tecido de altíssima perfusão. No entanto, o tiopental tem curta duração, porque é redistribuído no músculo e na gordura rápida e extensivamen-te. Os efeitos de uma dose única de benzodiazepínicos são mais influen-ciados pelos fatores de distribuição do que pela meia-vida terminal (eli-minação). De fato, o efeito de uma única dose de lorazepam pode durar mais do que o do diazepam, embora a depuração da meia-vida da última droga seja mais prolongada. Isso se deve ao fato de uma maior hiposso-lubilidade e maior alcance na distribuição do diazepam. O alcance da distribuição da droga é determinado por sua capacidade de ligação sele-tiva com as proteínas plasmáticas e com as macromoléculas teciduais; isso é quantitativamente definido pela farmacocinética como o volume de distribuição (Vd). Junto com a depuração, o Vd de uma substância

determina sua meia-vida, a qual, por sua vez, é um parâmetro far-macocinético clinicamente útil, que determina a freqüência da dosagem e o tempo de alcance do estado estável, depois da administração de do-ses múltiplas. Quanto menor o Vd, menor a meia-vida, desde que a

depu-ração seja constante. Os fármacos que são altamente ligantes às proteí-nas plasmáticas relacionadas com as macromoléculas teciduais tendem a ser “mantidos” na circulação sistêmica (o compartimento central, em termos farmacocinéticos), exibem distribuição mais baixa para os teci-dos (o compartimento periférico, em termos farmacocinéticos) e, como resultado final, apresentam um Vd baixo. O contrário é verdadeiro para

os fármacos que são extremamente ligantes às macromoléculas teciduais relacionadas às proteínas plasmáticas. Duas importantes proteínas ligantes a drogas estão presentes no plasma: a albumina sérica e a α1-glicoproteína ácida. Os fármacos ácidos (p. ex., ácido valpróico, varfarina) ligam-se primariamente à albumina sérica, e os fármacos básicos (p. ex., clorpromazina, propranolol) ligam-se primariamente à α1-glicoproteína. A ligação tecidual é quase totalmente determinada pelos fatores físico-químicos, incluindo a lipofilicidade e a carga, embora a captação ativa e/ou processo de efluxo possam ser operacionais para certas drogas, em determinados tecidos. O mecanismo mais comum da distribuição altera-da em uma interação medicamentosa é a substituição de uma droga, nos seus sítios de ligação com as proteínas plamáticas, por outra, resultando no aumento, no plasma, da fração livre da droga vítima, com conse-qüente distribuição alterada. Como as alterações na ligação protéica plasmática não apenas resultam em alterações no Vd, mas também

influen-ciam a depuração, as interações por substituição são abordadas separa-damente, após a discussão da depuração.

Um mecanismo potencial de interação medicamentosa com agen-tes psicoativos é a alteração na taxa e/ou alcance da distribuição no SNC

(14)

no nível da BHE. A BHE consiste de uma única camada de células endoteliais que reveste a rede capilar do cérebro. Além da rigidez física das junções entre as células endoteliais adjacentes, que contribui para a alta resistência ao transporte das drogas para o interior do cérebro, a BHE expressa uma variedade de transportadores ativos de drogas que ajudam a manter os produtos químicos estranhos fora do cérebro. Al-guns deles são a P-gp, proteínas associadas à resistência a polifármacos (PAPMs), os BCRPs, transportadores de ânions orgânicos (TAOs) e os polipeptídeos transportadores de ânions orgânicos (PTAOs), entre ou-tros. A P-gp é o transportador melhor estudado na BHE; no entanto, tem uma capacidade reconhecida de restringir a distribuição no SNC de seus substratos. Não é surpresa que a maioria das drogas ativas no SNC, ge-ralmente, não seja eficientemente transportada por este transportador do tipo efluxo, visto que se o fossem, elas seriam excluídas do seu órgão-alvo. Então, embora a P-gp na BHE não seja uma determinante impor-tante das interações medicamentosas na psicofarmacologia, em princí-pio, é possível que uma potente droga inibidora da P-pg possa aumentar a exposição cerebral aos substratos deste transportador, que são tipica-mente excluídos do SNC. Isso pode produzir neurotoxicidade, simulan-do sinais de supersimulan-dosagem da droga vítima, e apresentar-se como uma emergência neurológica e/ou psiquiátrica. Um estudo clínico experimen-tal da interação medicamentosa demonstrou que o tratamento com quinidina em alta dosagem (um inibidor da P-gp) permitiu que a lo-peramida, agente antidiarréico e substrato da P-gp (administrado em uma dose suprafarmacológica), induzisse depressão ventilatória por meio de sua atividade nos receptores centrais opióides. É interessante obser-var que os efeitos centrais da loperamida na co-administração da qui-nidina foram observados precocemente, mesmo na ausência da ocorrên-cia de qualquer alteração significativa observável na farmacocinética sistêmica da loperamida, sugerindo que o mecanismo primário da interação era no nível da distribuição da droga para o cérebro. Embora o exemplo anterior forneça uma “prova conceitual” de que a inibição da P-gp na BHE possa resultar em interações medicamentosas secundárias à distribuição no SNC, a relevância clínica de tais interações ainda não foi estabelecida. Poucas drogas, nas concentrações séricas obtidas com seu uso em doses usuais, são inibidores potentes o suficiente da P-gp para causar a inibição completa do transporte através da BHE. Além disso, o índice terapêutico da droga vítima deverá ser suficientemente pequeno para induzir uma interação clinicamente significativa. Uma candidata a vítima de uma interação no nível BHE é a domperidona, um agente pro-cinético, antiemético, usado por sua atividade periférica no trato gastrin-testinal e mantido fora do cérebro pelo efluxo mediado pela P-gp. A domperidona possui as propriedades antagonistas ao receptor D2 da dopamina. Inibidores potentes da P-gp aumentam a distribuição no cé-rebro com altas doses de domperidona administradas em camundongos e induzem um efeito semelhante à catalepsia produzida pelos agentes antipsicóticos típicos.

(15)

Ainda não é sabido se uma interação similar poderá ocorrer em humanos, mas, se puder, é bem provável que a seqüela clínica da interação seja caracterizada pelos sintomas extrapiramidais do excesso de bloqueio do D2, os quais não serão diferentes daqueles observados com os agen-tes antipsicóticos convencionais.

Conceitos de depuração e mecanismos de modulação

A depuração é o parâmetro farmacocinético mais importante. O conhe-cimento dos fatores que determinam esse parâmetro e as conseqüências de sua modulação são essenciais para a compreensão da maioria das interações medicamentosas encontradas tanto na psiquiatria quanto na prática médica como um todo. A depuração é um fator proporcional-mente relacionado com a taxa de excreção da droga (massa da droga excretada por unidade de tempo) para a concentração plasmática (mas-sa da droga por unidade de volume de (mas-sangue ou plasma) (Equação 1.1). A depuração é expressa como unidades de volume divididas pelo tempo (p. ex., mL/min, L/hr). Ela pode ser considerada como o volume de sangue ou plasma do qual a droga é completamente eliminada na unidade de tempo.

Taxa de excreção = CL ⋅ C (1.1)

Reorganizando os termos na equação acima e integrando a partir do tempo de dosagem da droga para infinito (isto é, até que a excreção de toda a dose [quantidade da droga A] seja completa), derivamos uma equação operacional para a depuração (Equação 1.2). Normalmente, essa equação é empregada para calcular esse parâmetro nos estudos farmacocinéticos clínicos em que uma dose intravenosa da droga é ad-ministrada e a área sob a curva do tempo da concentração plasmática é medida e extrapolada para o tempo infinito (AUC0-8).

A Equação 1.2 é de grande utilidade porque estabelece que a exposição à droga (concentração integrada ao longo do tempo, ou AUC) depois de uma dose intravenosa é determinada apenas por dois fato-res: dose e depuração. Ela, portanto, enfatiza a importância da depu-(1.2)

(16)

ração como determinante mais importante da exposição à droga e da resposta farmacológica resultante da sua liberação na circulação sistêmica. Junto com o Vd, a depuração determina a excreção da

meia-vida de uma droga:

A depuração pode ser definida para todo o corpo ou especifica-mente para um órgão excretor (p. ex., depuração hepática, depuração renal). Quando a depuração é definida para um órgão, uma abordagem fisiológica para sua definição é útil e permite a apreciação dos fatores que influenciam seu valor e os efeitos da sua modulação. A eliminação (extração) da droga por um órgão, quando da sua apresentação no sangue de perfusão (taxa de fluxo Q), normalmente é representada por uma proporção de extração (E), que é definida como a proporção da taxa de extração para a taxa de liberação da droga (Equação 1.4).

Nessa equação, Cin e Cout são as concentrações da droga no sangue

que entra no órgão e no sangue que sai do órgão, respectivamente. Cin

será maior do Cout se a droga for removida pelo órgão. Como a

depura-ção é a propordepura-ção da taxa de extradepura-ção para a concentradepura-ção (Equadepura-ção 1.1), conclui-se que a depuração é simplesmente o produto da taxa de perfusão do órgão pela taxa de extração do órgão (Equação 1.5).

Deduz-se, intuitivamente, que o valor máximo da depuração do órgão é simplesmente a taxa do fluxo sangüíneo para o órgão (p. ex., fluxo sangüíneo hepático para o fígado), e que a depuração do órgão ocorre quando a droga é totalmente excretada pelo órgão (E=1). A de-puração do órgão é definida em sua mais simples forma pela Equação 1.6, conhecida como o modelo bem-simplificado:

(1.3)

(1.4)

(1.5)

(17)

A depuração do órgão é uma função de duas variáveis independen-tes: fluxo sangüíneo para o órgão (Q) e a máxima eficiência intrínseca da remoção da droga pelo órgão, na ausência das limitações do fluxo (depu-ração intrínseca). A última é determinada pela depu(depu-ração intrínseca livre (CLint) e a fração livre da droga na circulação (fu). A partir das Equações

1.5 e 1.6, a proporção de extração é determinada na Equação 1.7:

Um estudo mais atencioso das Equações 1.6 e 1.7 indica que as drogas com depurações intrínsecas muito maiores do que o fluxo sangüíneo para o órgão de depuração (fu. CLint>> Q) apresentarão uma

alta proporção de extração, e sua depuração se aproximará do fluxo sangüíneo para o órgão de depuração (Q). A situação é referida como depuração limitada pelo fluxo, e as alterações na depuração intrínseca (como a inibição ou indução metabólica) não alteram de forma signifi-cativa a depuração. Assim, a meia-vida (Equação 1.3) e a exposição intravenosa (Equação 1.2) também não serão alteradas de forma signifi-cativa. Por exemplo, o fentanil, analgésico opióide, é amplamente metabolizado pela CYP3A4. Entretanto, o itraconazol, potente inibidor da CYP3A, não tem efeito sobre a farmacocinética do fentanil adminis-trado intravenosamente, uma observação que é explicada pela alta pro-porção de extração do fentanil nos humanos. Por outro lado, para as drogas que são dificilmente extraídas (fu. CLint << Q), a depuração é

apro-ximadamente igual à sua depuração intrínseca (fu. CLint), e as alterações

neste parâmetro se traduzem diretamente nas alterações na depuração, e, conseqüentemente, na eliminação da meia-vida e na exposição intravenosa.

Quando uma droga é administrada oralmente, é importante saber que apenas uma fração da dose administrada alcança a circulação sistê-mica, devido a vários fatores, incluindo a absorção oral incompleta, a ex-tração pré-sistêmica pelo fígado pelo metabolismo de primeira passagem e, em alguns casos, também pelo metabolismo no intestino delgado. Sen-do assim, para uma Sen-dose extravascular, a Equação 1.2 é modificada (Equa-ção 1.8), com o termo F (biodisponibilidade oral) representando a fra(Equa-ção da dose que alcança a circulação sistêmica íntegra. “F” é simplesmente o produto da fração absorvida (fa), pela fração de saída do intestino íntegro

(FG), e pela fração que sobrevive à metabolização de primeira passagem

pelo fígado (FH, igual a 1 menos a proporção de extração hepática EH):

Para uma droga que sofre absorção oral quase completa e não está sujeita ao significativo metabolismo intestinal ou a outros meca-(1.7)

(18)

nismos de depuração extra-hepáticos (isto é, fa ≈ 1 e FG ≈ 1), a

biodisponibilidade oral (F) pode ser aproximada por FH, e é definida

na Equação 1.9:

Embora não seja possível determinar a depuração sem a adminis-tração intravenosa, é possível determinar a proporção CL/F de forma análoga à determinação da depuração depois da administração intravenosa. A proporção CL/F, calculada conforme a dose dividida pela AUC depois da administração oral (Equação 1.8), é também referida como depuração oral aparente (CLpo). A depuração oral aparente é um

parâmetro muito útil na farmacocinética clínica, porque ela é numerica-mente igual à depuração intrínseca (fu. CLint) da droga na hipótese

razo-avelmente válida de absorção completa e ausência de mecanismos de depuração extra-hepática (podendo ser verificada pela divisão da Equa-ção 1.6 pela EquaEqua-ção 1.9). Por isso, uma alteraEqua-ção na depuraEqua-ção intrín-seca (como ocorreria em interação medicamentosa metabólica) resulta em alteração correspondente na depuração oral aparente; isso se reflete como uma alteração na AUC depois da administração oral, independen-temente da proporção de extração da droga (ao contrário do que acon-tece com a administração intravenosa, na qual a exposição não é consi-deravelmente alterada nas drogas altamente excretadas). Embora os efei-tos de uma alteração da depuração intrínseca na depuração oral aparen-te (AUC sistêmica) de uma droga sejam independenaparen-tes da proporção de extração, os efeitos na biodisponibilidade oral e eliminação da meia-vida não o são. A observação da Equação 1.9 sugere que para drogas insatisfatoriamente excretadas (fu. CLint << Q), a biodisponibilidade oral

é quase completa (F ≈ 1), e uma alteração na depuração intrínseca, de-vido a interações medicamentosas, não deverão alterar o valor de F sig-nificativamente. Por outro lado, F será sensível a alterações na depura-ção intrínseca daquelas drogas cuja farmacocinética basal seja caracteri-zada por uma alta proporção de extração. Assim como para a adminis-tração intravenosa, após a adminisadminis-tração oral, a eliminação da meia-vida de drogas de alta excreção não será alterada quando a depuração intrínseca for modulada (porque a depuração é dependente do fluxo), já que a meia-vida de drogas insatisfatoriamente excretadas será inversa-mente sensível a alterações na depuração intrínseca (porque a depura-ção é quase igual à depuradepura-ção intrínseca para tais drogas).

As conclusões gerais são as seguintes: em drogas de alta proporção de extração, alterações da depuração intrínseca não afetam significati-vamente a farmacocinética intravenosa. Em drogas de baixa proporção de extração, uma redução (aumento) na depuração intrínseca devido a inibição metabólica enzimática (indução) resultará em aumento (redu-ção) na exposição sistêmica e um período de tempo maior (menor) para (1.9)

(19)

eliminação da meia-vida. Independentemente da proporção de extração basal, a exposição sistêmica (AUC), depois da administração oral, au-mentará (diminuirá) como resultado de uma redução (aumento) na depu-ração intrínseca. Em drogas de alta proporção de extdepu-ração, entretanto, essas alterações na AUC oral se devem em grande parte a um aumento (redução) na Cmáx e F, sem alteração na meia-vida; o contrário é

verda-deiro para drogas de baixa proporção de extração, cuja meia-vida é au-mentada (diminuída), sem alteração na Cmáx ou F, para produzir uma

alteração na AUC de magnitude similar. Os perfis farmacocinéticos si-mulados que ilustram esses conceitos estão apresentados na Figura 1.1. Embora não sejam discutidas aqui, as alterações no fluxo sangüíneo hepático (QH) representam outro mecanismo de modulação da depuração.

As interações medicamentosas resultantes de tal mecanismo são relati-vamente raras.

Figura 1.1 Efeitos contrastantes da inibição ou indução da depuração hepática, com administração intravenosa (painéis A e C) e oral (pai-néis B e D), na farmacocinética de uma droga com baixa proporção de extração hepática (painéis A e B) e de uma droga com uma alta pro-porção de extração hepática (painéis C e D). As linhas contínuas re-presentam os perfis do estado de controle, e os perfis induzidos e ini-bidos estão representados como linhas pontilhadas e tracejadas, res-pectivamente. As simulações admitiram absorção completa e propor-ções de extração hepática de 0,05 para a droga de baixa extração e 0,95 para a de alta extração.

A Concentração plasmática B C Concentração plasmática Tempo D Tempo

(20)

Até aqui, fizemos referência repetidamente ao termo depuração intrínseca e aludimos ao fato de que esse parâmetro é modulado nas interações medicamentosas que resultam em inibição ou indução meta-bólica. É importante observar melhor a cinética, a bioquímica e as de-terminantes moleculares da depuração intrínseca, bem como os meca-nismos essenciais da sua modulação. Do ponto de vista bioquímico, os processos de extração da droga são simplesmente reações metabólicas que envolvem as enzimas metabolizadoras da mesma (depuração meta-bólica), ou processos de transporte ativo que envolvem os transportado-res no fígado (depuração biliar ativa) ou rins (depuração renal através da excreção tubular ativa), por exemplo. Todos esses processos apresen-tam uma característica comum: a taxa do processo depende da concen-tração do substrato (droga) e é saturável, com capacidade máxima. Na sua forma mais simples, a cinética do metabolismo da droga e transporte ativo são definidos usando-se a equação de Michaelis-Menten (Equação 1.10), como a seguir:

Vmáx.S

Taxa = v = ———— (1.10)

Km + S

Nessa equação, Vmáx é a velocidade máxima do processo

metabóli-co ou de transporte (um indicador da capacidade do processo); S é a concentração livre do substrato no nível da enzima ou transportador; e Km, a constante Michaelis, uma função inversa da afinidade entre a

dro-ga e a enzima (quanto menor o Km, maior a afinidade), empiricamente

definida como a concentração do substrato na qual metade da velocida-de máxima é obtida. Aplicando-se a velocida-definição anterior velocida-de velocida-depuração (Equação 1.1), a depuração intrínseca pode ser descrita como ilustrada na Equação 1.11, e é simplesmente igual à proporção Vmáx: Km, quando a

concentração livre da droga no sítio metabólico está bem abaixo de Km

(uma suposição geralmente verdadeira para a maioria das drogas):

Taxa v Vmáx CLint = ———————— = — = ————— Concentração S Km + S (1.11) Vmáx ≈ ——— quando S << Km Km

Quando uma enzima metabólica é induzida (isto é, seu conteúdo intracelular é aumentado devido ao aumento na expressão genética ou por meio da estabilização da proteína pela proteção da degradação), o resultado é o aumento na Vmáx e o correspondente aumento na CLint. Por

exemplo, a carbamazepina é indutor da CYP3A. Nos pacientes que rece-bem carbamazepina, a concentração dessa enzima metabólica é aumen-tada, resultando em aumento na Vmáx do metabolismo de seus substratos

(21)

metabólicos, e, conseqüentemente, em uma redução na exposição sistêmica das drogas do substrato da CYP3A co-administradas, como triazolam ou etinil estradiol. Vários mecanismos de indução enzimática são possíveis, conforme serão discutidos individualmente adiante, as enzimas metabolizadoras de drogas, na seção sobre os determinantes moleculares da depuração medicamentosa.

A inibição enzimática, no entanto, reduz a CLint, e isso pode resultar

em vários aspectos: tanto devido apenas ao aumento na Vmáx, quanto ao

aumento apenas na Km, como à combinação dos dois, dependendo do

mecanismo de inibição. A inibição enzimática pode ser genericamente clas-sificada em duas categorias: inibição reversível e irreversível ou inibição pseudo-irreversível. A inibição reversível pode ser ainda classificada como competitiva, não-competitiva e sem-competição, embora seja freqüente a observação de mecanismos mistos que apresentam características de interações competitivas e não-competitivas. Do ponto de vista das enzimas metabolizadoras de drogas e interações medicamentosas, a inibição com-petitiva é o mecanismo de inibição reversível mais comumente encontra-do, sendo a inibição não-competitiva menos comum, e a inibição sem com-petição extremamente rara. Enquanto que um inibidor competitivo reduz a CLint por meio de um aumento na Km, um inibidor não-competitivo o faz

pela redução da Vmáx. O parâmetro cinético, que é essencial para

descre-ver quantitativamente a potência de um inibidor (e, portanto, a magnitu-de do risco magnitu-de interação associado com a droga como um realizador), é a constante de inibição Ki. Para a inibição reversível, que é competitiva ou

não-competitiva, sendo S << Km, a Equação 1.12 define o efeito do inibidor

(concentração I) na depuração intrínseca:

Em virtude de a depuração intrínseca ser numericamente igual à depuração oral aparente, se a absorção for completa e se o fígado for o único órgão de depuração para a droga vítima, a exposição sistêmica desta, na presença do inibidor, poderá ser definida pela Equação 1.13:

A observação da Equação 1.13 sugere que a proporção I:Ki é a

determinante mais importante da magnitude do aumento da exposição da droga vítima, depois da inibição metabólica. Portanto, a potência do inibidor e a exposição, coletivamente, determinam a magnitude da inte-(1.12)

(22)

ração medicamentosa, que se multiplica na exposição da droga vítima, estando diretamente relacionada à proporção I:Ki, conforme ilustrado

na Figura 1.2.

Ao contrário da inibição reversível, a inativação de uma enzima baseada no seu mecanismo (p. ex., a inativação da CYP2D6 pela paroxe-tina, ou a inativação da CYP3A pela eritromicina) resulta de uma inati-vação suicida dependente do metabolismo de uma enzima e da redução na quantidade de enzima ativa. Isso leva a uma redução na depuração intrínseca, por meio da redução na Vmáx (o oposto da indução enzimática,

do ponto de vista da conseqüência farmacocinética). Em virtude da inativação enzimática ser praticamente irreversível, o retorno da depu-ração da droga vítima à linha basal somente ocorrerá depois da síntese da enzima ativa, resultando em interações medicamentosas complexas dependentes do tempo. Por isso, o curso do tempo de reversão de uma interação medicamentosa resultante de inativação baseada no mecanis-mo não é apenas uma dependente da meia-vida da droga causadora, mas é determinada por fatores bioquímicos fisiológicos, incluindo a biossíntese e a taxa de degradação da enzima específica. Por exemplo, depois da cessação da administração de múltiplas doses de paroxetina, a

Figura 1.2 A relação entre a proporção I:Ki de um inibidor de depuração metabólica, o aumento multiplicado na exposição da droga vítima, e uma classificação resultante do risco de interação medicamentosa.

(23)

atividade da CYP2D6 retorna à linha basal muito mais lentamente (meia-vida de ~70 horas) do que o previsto com base na meia-(meia-vida do estado estável da paroxetina (~18 horas). Isto é consistente com a inibição praticamente irreversível da CYP2D6 pela paroxetina, por meio da inativação baseada no mecanismo.

Interações por substituição resultantes

da modulação da ligação com as proteínas plasmáticas

Conforme foi discutido, a ligação com as proteínas plasmáticas é uma determinante da Vd assim como da depuração; no entanto, as alterações

na ligação com a proteína (tanto devido a uma doença quanto a uma interação medicamentosa) podem influenciar a farmacocinética. Entre-tanto, a significância clínica de tais interações por substituição, na maio-ria dos casos, é remota e depende das propriedades farmacocinéticas da droga – e, principalmente, da sua proporção de extração. Em um recente comentário na Clinical Pharmacology and Therapeutics, Benet e Hoener apresentaram uma análise sistemática do impacto de uma interação por substituição na exposição da fração livre da droga (que direciona o efei-to farmacológico), desde os primeiros princípios farmacocinéticos. Com base em sua análise, os autores desse comentário demonstram de forma soberana que a interação por substituição será de relevância clínica ape-nas se a droga vítima (cuja fração livre está aumentada) tiver alta pro-porção de extração e for administrada intravenosamente, ou se ela for administrada oralmente e sujeita à depuração por meio de mecanismos extra-hepáticos, apresentando alta proporção de extração. Uma farma-codinâmica ou toxicidade temporariamente exagerada poderá ocorrer se a droga substituída apresentar baixo índice terapêutico e tempo mui-to curmui-to de equilíbrio farmacocinético-farmacodinâmico (ismui-to é, os efei-tos são controlados diretamente pelas concentrações plasmáticas sem um prolongamento de tempo para a distribuição na biofase para o com-partimento do efeito que contém o receptor-alvo). Pouquíssimas dro-gas (p. ex., lidocaína intravenosa) satisfazem o critério mencionado para qualificar-se como vítimas das interações por substituição de relevância clínica. Fármacos de baixo índice terapêutico, como a varfarina, a tolbutamida, a fenitoína, a carbamazepina e o ácido valpróico, têm sido tradicionalmente considerados como prováveis vítimas das interações por substituição. Em parte, isso se deve à observação das interações clini-camente significativas, nas quais a extensão da sua ligação às proteínas plasmáticas estava reduzida. Agora entendemos, em retrospecto, que os mecanismos subjacentes a muitas dessas interações (p. ex., varfarina – fenilbutazona, tolbutamida – sulfafenazol), é, de fato, a inibição meta-bólica pelo agente causador. É interessante observar que todas as drogas citadas apresentam baixas proporções de extração, menores do que 0,1, fazendo com que uma alteração na ligação às proteínas plasmáticas seja irrelevante do ponto de vista clínico.

(24)

Depuração renal e sua modulação

A excreção da droga não-metabolizada na urina pode ser um me-canismo de depuração bastante importante para alguns fármacos. Entre os exemplos citamos o lítio, a digoxina e as penicilinas. A Equação 1.14 para a depuração renal (CLr), resulta da Equação 1.1:

A depuração renal pode ser determinada a partir da quantidade total da droga não-alterada excretada na urina (Ae), depois de uma

úni-ca dose da droga (por qualquer via de administração) e pela área corres-pondente sob a curva do tempo da concentração plasmática (AUC0-∞). Os

processos ao nível do néfron, que governam o alcance da excreção da droga na urina, não são diferentes daqueles aplicados para as substân-cias endógenas. A excreção livre de uma droga na urina é determinada pela filtragem glomerular da droga livre no plasma, secreção ativa no túbulo proximal e reabsorção (passiva e/ou ativa) nos túbulos distal e proximal. A filtragem é determinada pela taxa de filtragem glomerular (TFG, 120 mL/min em um homem saudável de 20 anos de idade, pesan-do 70 kg) e a fração livre da droga no plasma. Quanpesan-do a depuração renal da fração livre excede a TFG, pode-se concluir que uma secreção tubular da droga na urina está presente, um processo que ocorre com freqüência no túbulo proximal do néfron. Por outro lado, se a depuração renal da fração livre de uma droga for mais baixa do que a TFG, a obser-vação é consistente com a reabsorção tubular, que normalmente ocorre nos túbulos distais e proximais do néfron. Na realidade, tanto a secreção quanto a reabsorção ocorrem e, dependendo do processo que predomi-na quantitativamente para influenciar a extensão da excreção urinária da droga, ocorre secreção ou reabsorção. As células epiteliais do túbulo renal proximal expressam uma série de transportadores de drogas (p. ex., P-gp, transportadores de cátions orgânicos, transportadores de ânions orgânicos e polipeptídeos transportadores de ânions orgânicos) que po-dem mediar a secreção ativa, bem como a reabsorção ativa. Por exem-plo, a digoxina glicosídeo cardíaco é um substrato para a P-gp, e o efluxo realizado por este transportador, no nível das células epiteliais do túbulo proximal dos rins, é um mecanismo quantitativamente importante na depuração da digoxina. A depuração renal do lítio é caracterizada pela reabsorção tubular, ocorrendo basicamente no túbulo proximal, por meio de mecanismos que são similares àqueles que se aplicam ao íon de sódio endógeno. Assim, a depuração renal do lítio está bem abaixo da GFR e é influenciada pelas condições fisiológicas que modulam a homeostase do (1.14)

(25)

sódio, bem como pelas drogas que modulam a reabsorção renal do sódio. Por exemplo, os diuréticos tiazídicos aumentam os níveis séricos do lítio, devido ao aumento da retenção do lítio pelo néfron, secundário ao au-mento da excreção de sódio. A reabsorção passiva no túbulo distal é, geralmente, uma função das propriedades físico-químicas da droga, in-cluindo lipofilicidade e carga conforme os níveis do pH urinário, sendo a reabsorção significativa apenas para aquelas drogas que são apolares e sem cargas nos níveis do pH urinário. Então, a reabsorção das drogas pode ser variável conforme as mudanças do pH urinário, dependendo do pKa da droga. Isso tem implicações importantes na toxicologia clíni-ca, em que as interações medicamentosas, no nível da reabsorção, po-dem ser utilizadas favoravelmente para auxiliar a desintoxicação. Para os ácidos fracos (p. ex., fenobarbital, cujo nível é de pKa de ~7,3), a alcalinização urinária, via administração intravenosa de bicarbonato de sódio para obter um nível de pH urinário de 7,5, resulta em uma “arma-dilha” para a droga ácida em sua forma ionizada nos túbulos renais, minimizando a reabsorção e melhorando a excreção renal. O contrário é verdadeiro para as drogas levemente básicas, como a metanfetamina, cuja excreção renal é melhorada pela acidificação urinária, embora a abordagem não seja mais recomendada devido à desfavorável propor-ção de risco-benefício. Os antidepressivos e antipsicóticos são excretados principalmente pelo metabolismo hepático, apresentando interações de excreção clinicamente insignificantes.

DETERMINANTES BIOQUÍMICAS E MOLECULARES DA DISTRIBUIÇÃO DO MEDICAMENTO

Conceitos de biotransformação

A biotransformação (ou metabolismo) é um componente integrante do processo de quatro etapas: absorção-distribuição-metabolismo-excreção (ADME), que determina a farmacocinética. Geralmente, a biotrans-formação converte as moléculas da droga apolares, lipofílicas e farmacologicamente ativas em metabólitos polares inativos ou atóxicos, que são prontamente excretados pelos rins. O fígado é o maior sítio de metabolismo de drogas, e a extração intestinal desempenha um papel secundário mas importante na extração pré-sistêmica de vários agentes administrados por via oral. Tradicionalmente, as vias da biotransformação são classificadas em dois grupos: reações da Fase I, que envolvem o pro-cessamento dos substratos da droga para produzir mais derivados pola-res, como alcoóis, fenóis ou ácidos carboxílicos; e reações da Fase II, que envolvem a conjugação bimolecular com partes hidrofílicas para gerar produtos como glicuronidas e sulfatos, que são prontamente excretados pelos rins. Embora os produtos de reações oxidativas da Fase I sejam geralmente substratos para a subseqüente conjugação da Fase II, antes da sua excreção na urina ou bile, a conjugação direta de uma droga

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através da formação de glicuronida ou sulfato também pode ocorrer, embora seja menos comum. Alguns exemplos das biotransformações oxidativas da Fase I são as hidroxilações dos centros alifáticos ou do carbono aromático, O-dealquitinizações, dealquitinizações, N-oxigenações (formação de N-óxido e hidroxilamina), S-N-oxigenações (for-mação de sulfóxido e sulfona), epoxidações e semelhantes. Embora me-nos comuns, as biotransformações redutivas da Fase I também são ob-servadas em algumas drogas. Um exemplo encontrado na psicofarma-cologia é a nitro-redução da benzodiazepina nitratada, clonazepam. A maioria das reações metabólicas da Fase I é catalizada por uma superfamília de enzimas conhecida como citocromos P450 (CYP), em-bora outros sistemas enzimáticos, incluindo a monoxigenase contendo flavina (FMO), a aldeído-oxidase (AO), a aldeído-desidrogenase, a monoaminoxidase (MAO) e as carbonil-redutase e esterase, também sejam importantes para o metabolismo de certas drogas. As enzimas metabolizadoras de fármacos mais importantes e de maior relevância para a psicofarmacologia são revisadas nas seções a seguir.

Citocromos P450

Os citocromos P450 (CYPs) constituem uma superfamília de hemo-proteínas que catalizam a biotransformação da Fase I de numerosos agen-tes terapêuticos. Essas enzimas são consideradas responsáveis pela biotransformação de aproximadamente 60% dos medicamentos normal-mente prescritos nos Estados Unidos.

Embora expressas em vários tecidos, as CYPs metabolizadoras de drogas em humanos estão concentradas no retículo endoplasmático liso do hepatócito da Zona III no fígado, com níveis mais baixos de expressão no intestino, pulmões, rins e cérebro. As múltiplas enzimas CYPs estão classificadas em famílias, subfamílias e isoformas, com base em uma no-menclatura sistemática. O primeiro número designa a família (> 40% de identidade de seqüência dentro dos membros da família); a letra a seguir designa a subfamília (> 59% de identidade de seqüência), que é seguida de um número que indica uma determinada isoforma CYP. As mais importantes CYPs metabolizadoras de drogas em humanos perten-cem às famílias 1, 2 e 3, sendo as isoformas específicas 1A1, 1A2, 2A6, 2B6, 2C8, 2C9, 2C19, 2D6, 2E1, 2J2, 3A4, 3A5 e 3A7.

A seguir, uma visão geral resumida das isoformas CYP metabo-lizadoras de fármacos em humanos e substratos, inibidores, indutores e polimorfismos genéticos clinicamente relevantes.

Subfamília CYP1A

CYP1A1 é predominantemente extra-hepática em humanos e não é ex-pressa no fígado humano de forma não-induzida. A alta expressão e

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indutilidade da CYP1A1 têm sido associadas ao aumento do risco de carcinoma pulmonar broncogênico em fumantes, provavelmente relaci-onado ao aumento da ativação de carcinógenos no tabagismo. A indução da expressão do gene CYP1A1 pelos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos ocorre através da ativação do receptor dos hidrocarbonetos aromáticos. Os níveis mais elevados da expressão CYP1A1 e das ativida-des enzimáticas associadas podem ser resultado do aumento do tabagis-mo, exercício físico e ingestão de carnes grelhadas. A CYP1A1 é poli-morficamente expressa no intestino humano. In vitro, a atividade da enzima CYP1A1 no intestino delgado do ser humano é inibida pelo cetoconazol, agente antifúngico azótico, mas é resistente à inibição pela fluvoxamina, antidepressivo do tipo ISRS, que inibe energicamente a CYP1A2. No entanto, uma significativa contribuição quantitativa da CYP1A1 à depuração oral de qualquer substrato de drogas em humanos ainda não foi demonstrada.

A CYP1A2 é universalmente expressa no fígado humano e é reporta-da como responsável, em média, por ~13% do total dos níveis imuno-quantificados da CYP hepática humana. A CYP1A2 é a enzima primária responsável pelo metabolismo hepático humano da fenacetina, tacrina, cafeína e teofilina, e também desempenha um papel no metabolismo da clozapina, olanzapina e imipramina. Devido ao importante papel da CYP1A2 no metabolismo da clozapina, a indução enzimática, via ativação do receptor Ah (conforme tabagismo ou terapia crônica com a droga antiúlcera inibitória da bomba de próton, omeprazol), é um fator que con-tribui para a redução nas exposições da clozapina no estado estável. Os inibidores da CYP1A2 clinicamente significativos incluem o agente antide-pressivo fluvoxamina e os fluoroquinalonas ciprafloxacino e enoxacino.

CYP2A6

A CYP2A6 tem um papel relativamente menor na biotransformação das drogas e é responsável por apenas ~4% do total dos níveis imunoquanti-ficados da CYP hepática humana. Esta enzima é caracterizada como uma cumarina 7-hidroxilase; ela é uma importante determinante molecular do metabolismo da nicotina em humanos, e participa no metabolismo redutor do anestésico halotano. Os polimorfismos genéticos na CYP2A6 foram identificados com a descoberta de diversas variantes inativas e/ ou deficientes em expressão (alelos *2, *3, *4, *5 e *10). Esses polimorfismos resultam em um fenótipo metabolizador precário, como fazem as variantes que codificam uma enzima com atividade mais baixa (alelos *6, *7 e *12), quando comparadas com a enzima do tipo selva-gem. Estudos farmacocinéticos sugerem que as pessoas portadoras des-ses alelos defeituosos apresentam uma capacidade diminuída para metabolizar a nicotina e, por isso, apresentam um risco menor de de-pendência ao tabagismo. Essa descoberta leva à elaboração de uma abor-dagem farmacológica para o tratamento da dependência ao tabagismo

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em humanos pela co-administração do metoxsalen, droga inibidora da CYP2A6, mas sua utilidade terapêutica requer mais investigações.

CYP2B6

Normalmente, a CYP2B6 é considerada uma isoforma em menor abun-dância no fígado humano e, inicialmente, foi descrita como responsável pela média de apenas 0,2% do total dos níveis imunoquantificados da CYP hepática humana. No entanto, estudos recentes sugerem que pos-sam existir grandes variações entre os indivíduos no nível de expressão dessa isoforma, sendo a proteína responsável por 24% do total CYP microssomal do fígado humano em alguns fígados. A CYP2B6 é o único mediador da hidroxilação do antidepressivo bupropiona, e contribui sig-nificativamente para o metabolismo do efavirenz, agente anti-retroviral, do anticonvulsivante S-mefenitoína, do barbitúrico S-mefobarbital, da inibidora da MAO-B selegilina, do agente anticancerígeno ciclofosfamida e dos anestésicos propofol e quetamina. A terapia de reposição hormonal e os tratamentos contraceptivos que contêm etinilestradiol prejudicam a depuração da bupropiona via inibição da hidroxilação mediada pela CYP2B6. Os dados in vitro indicam que a atividade CYP2B6 é fortemen-te inibida pelos agenfortemen-tes trombolíticos ticlopidina e clopidogrel (via inativação irreversível baseada no mecanismo), pelo antidepressivo do tipo ISRS, paroxetina, e pelo agente anti-retroviral ritonavir, embora ainda sejam necessários estudos farmacocinéticos controlados para pesquisar a magnitude e as implicações clínicas dessas interações. As implicações da inibição da atividade CYP2B6 no perfil de segurança da bupropiona carece de investigação clínica.

Subfamília CYP2C

A subfamília CYP2C dos humanos consiste de quatro isoformas: 2C8, 2C9, 2C18 e 2C19. CYP2C9 e 2C19 catalisam a biotransformação de várias drogas de importância terapêutica, incluindo os antiinflamatórios não-esteróides (AINEs), agentes hipoglicemiantes orais, S-varfarina, anticon-sulsivantes, o grupo antibiótico das sulfonamidas e antidepressivos. As isoformas CYP2C são encontradas em abundância no fígado humano (mé-dia de ~18% do total dos níveis imunoquantificados da CYP hepática hu-mana), perdendo apenas para a CYP3A. A CYP2C9 é a isoforma CYP2C hepática humana mais abundante, seguida da CYP2C8 e CYP2C19. A CYP2C18 é a isoforma de menor importância, sem qualquer papel identifi-cado de significância clínica no metabolismo de drogas. CYP2C9 e 2C19 apresentam uma identidade de 91% na seqüência de aminoácidos. A maio-ria dos substratos da CYP2C9 é metabolizada pela CYP2C19, embora com valores menores de depuração intrínseca, atribuíveis à uma menor afinida-de e menor nível afinida-de expressão no fígado humano da última isoforma citada.

Referências

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