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Leandro Marcos de Meira LIBERDADE NEGOCIADA: A PRÁTICA DA ALFORRIA EM ITAPETININGA-SP ( )

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Leandro Marcos de Meira

LIBERDADE NEGOCIADA: A PRÁTICA DA ALFORRIA EM ITAPETININGA-SP (1820-1850)

CURITIBA 2008

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Leandro Marcos de Meira

LIBERDADE NEGOCIADA: A PRÁTICA DA ALFORRIA EM ITAPETININGA-SP (1820-1850)

Monografia de conclusão de curso apresentada ao Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná, para obtenção do grau de Bacharel em História.

Orientador: Professor Doutor Luiz Geraldo Silva

CURITIBA 2008

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SUMÁRIO

RESUMO...iv

INTRODUÇÃO...5

1 A SOCIEDADE ESCRAVISTA DEITAPETININGA...11

1.1. Itapetininga: uma povoação no caminho das tropas...11

1.2. A comunidade escrava de Itapetininga...16

2 O PADRÃO DO ESCRAVO ALFORRIADO EM ITAPETINGA...24

1.1. A Carta de Alforria...24

1.2. Sexo...25

1.3. Idade...27

1.4. Procedência...30

1.5. Modalidade...32

1.6. O perfil dos senhores que alforriavam...35

3 UM OUTRO OLHAR SOBRE A PRÁTICADA ALFORRIA...38

CONSIDERAÇÕES FINAIS...43

FONTES...45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA...45

(4)

RESUMO

O costume de libertar escravos através da carta de alforria foi uma prática recorrente durante toda a existência da ordem escravista no Brasil. Cabe frisar, ainda, que essa prática foi observada em diversas localidades das Américas onde foi utilizada a mão-de-obra escrava, valendo, inclusive, para todas as regiões do Brasil. Em nosso trabalho, analisamos a prática da alforria em Itapetininga, província de São Paulo, no período compreendido entre 1820 e 1850. Itapetininga apresentou, durante todo o período estudado, uma economia voltada para a criação e comércio de animais e para a produção de gêneros alimentícios para subsistência e abastecimento interno. Nesse contexto, verificamos que o padrão do escravo alforriado era: adulto, homem ou mulher, nascido no Brasil e que conseguia a alforria mediante alguma forma de pagamento (dinheiro ou obrigação de serviço). Ainda verificamos que a maior parte dos alforriados saíram de pequenos e médios grupos de escravos, que eram utilizados enquanto cativos na produção de gêneros para o abastecimento interno. Logo, neste trabalho, concebemos a carta de alforria como sendo o momento final de uma negociação cotidiana estabelecida entre senhores e escravos. Negociação esta que poderia perpassar “boa parte” da vida dos sujeitos envolvidos.

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Introdução

O costume de libertar escravos foi uma prática recorrente durante toda a existência da ordem escravista no Brasil - desde a sua implantação no século XVI até sua extinção por decreto em 1888. Destarte, o ato de alforriar figurou entre as práticas sociais mais comentadas nos ensaios sobre a escravidão. Viajantes e grandes proprietários, que testemunharam o dia a dia dos escravos, não raro, deixaram crônicas e relatos sobre a prática da alforria1.

Rompendo com o pensamento de etnocentrismo europeu vigente no século XIX, onde apontava o elemento negro como sendo um mal biológico e social na formulação de uma “nação brasileira”, aparece o trabalho de Gilberto Freire, Casa Grande e Senzala2

. Neste trabalho, Freire vai entender a alforria como sendo uma concessão paternalista, fruto da “harmoniosa” relação entre senhor e escravos. Não raro, na obra de Freyre, passagens onde cativos alcançavam a liberdade graças a benevolência e ao reconhecimento por parte dos senhores, como por exemplo: casamentos comemorados com a libertação de alguns cativos; mães-pretas que, graças a proximidade com a família, eram alforriadas e incorporadas a esta; além de Sinhás-moças, que imbuídas do mesmo espírito paternalista de seus pais, alforriavam suas mucamas.3

A partir da década de 1950, as produções brasileiras em torno do tema voltaram-se para uma revisão sistemática das teses sobre a democracia racial e a benevolência da escravidão brasileira4. Destacaram-se então os estudos realizados pela chamada escola sociológica paulista5. Estes trabalhos apontaram para o caráter capitalista e mercantil do sistema escravista brasileira, sistema este, pautado na exploração e na violência do escravo africano - assim como de seus descendentes. Dentro desta análise, sobressaiu a idéia de "coisificação" do escravo, colocando este novamente numa condição de sujeito passivo da história. O entendimento a respeito da prática da alforria acompanhou as transformações quanto ao entendimento do próprio sistema escravista no Brasil. No modelo freyreano, negras amantes de senhores e, conseqüentemente os filhos, formavam o grupo favorecido no momento de receber a liberdade das graças de seu senhor. Com essa nova mudança de paradigma quanto ao entendimento do sistema escravista brasileiro, o grupo

1

Cf. entre outros, KOSTER, Henry. Viagens ao nordeste do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942 (1ª ed. 1816).

2

Cf. FREYRE, Gilberto. Casa grande & Senzala : formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 30. ed. Rio de Janeiro : Record, 1991

3Cf. FREYRE (1991) Op. Cit. p. 368-371. 4

LARA, Silvia H. Campos da violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 100.

5 Entre outros, podemos citar: CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional.

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antes citado deixou de ser visto como principal beneficiário no momento da alforria. Em seu lugar, essa nova geração de estudiosos da escravidão no Brasil identificou cativos idosos muito doentes e crianças recém nascidas como preferidos no momento de se tornarem libertos. Ambos os casos demonstravam as alforrias como uma forma de obter lucros, ao mesmo tempo em que se eliminava o “problema“ de ter que manter escravos improdutivos. Dessa forma, estabeleceu-se o fator econômico como determinante na decisão do senhor de libertar seu escravo.

Apesar da mudança de perspectiva quanto ao entendimento do sistema escravista, e da conseqüente transformação na forma de se conceber a manumissão no Brasil, essa prática continuou a ser explicada a partir de apenas um elemento envolvido nesse processo: o senhor. A alforria era resultado de interesses de cunho econômico exclusivo dos senhores. O elemento escravo novamente era excluído, como agente ativo, da sua própria história.

Apesar da prática da alforria figurar em diversos trabalhos até então, é a partir da década de 1970, que este se torna um tema de interesse específico dentro da historiografia brasileira. Importante ressaltar que até este momento, não eram utilizadas nestes trabalhos “fontes primárias” para tratar das alforrias, concentrando as análises em relatos de viajantes e cronistas, gerando desta forma, “especulações” que generalizavam as explicações para todo o Brasil. Os estudos sobre a prática da alforria passam a ser trabalhados a partir de “grandes séries de fontes primárias” – registros cartoriais, inventários, testamentos post-mortem, processos crimes, etc. - nesta década. Logo, as explicações passam a ser direcionadas para locais específicos.

O primeiro dessa “nova onda” de trabalhos é o de Kátia Mattoso, A propósito das cartas de alforria – Bahia, 1779-18506, publicado em 1872. Neste trabalho, Mattoso relaciona a prática da alforria com questões econômicas, principalmente no tocante a rentabilidade e aos custos que os senhores tinham com a mão de obra. Dessa maneira, a autora, tendo como fontes, documentos cartoriais (registros de alforria), inventários e testamentos post-mortem, dedicou-se ao estudo das alforrias e do preço dos escravos. Junto com o trabalho de Stuart Schwartz7, Mattoso quantificou as variáveis contidas nas cartas de alforria e nos testamentos, o que possibilitou traçar, solidamente, o perfil do escravo alforriado. Os perfis apontados por estudiosos nos momentos anteriores tiveram que ser revistos. Não deixando de considerar as especificidades de cada região, estes estudos apontaram como sendo o alforriado padrão: mulheres, adultas, nascidas no Brasil e que pagavam (com prestação de serviços ou com dinheiro) por sua liberdade.

6

MATTOSO, Katia M. de Queirós. A propósito de cartas de alforria – Bahia, 1779-1850. Anais de História. Assis, IV : 23-52, 1972

7 SCHWARTZ, Stuart B. A manumissão dos escravos no Brasil colonial (Bahia, 1684-1745). Anais de História.

(7)

Apesar desses trabalhos terem revisto a tese de maioria de idosos, doentes e crianças entre os alforriados, observa-se que Mattoso e Schwartz também direcionam suas respectivas explicações sobre a prática da alforria na vontade do senhor. Segundo os autores, o motivo que levava o senhor a conceder ou não a alforria a um escravo estava diretamente relacionado às oscilações na conjuntura econômica. Mudou-se a perspectiva como era visto o ato de libertar o escravo, mas as explicações para esse ato continuavam sendo centradas nos interesses do senhor, fossem de ordem sentimental ou financeira.

A partir dos trabalhos pioneiros apresentados na década de 1970, e durante toda a década seguinte, continuou o processo de renovação da historiografia que focalizava a escravidão no Brasil. Impulsionados pela diversificação de fontes primárias utilizadas, os estudos produzidos no Brasil sobre escravidão apresentaram uma fragmentação significativa de temas. Passaram a ser preocupações dos estudiosos da escravidão temas como o cotidiano dos escravos nos centros urbanos, as tradições africanas re-elaboradas através da formação de comunidades quilombolas, a formação de família escrava dentro do cativeiro, a economia escrava, só para citar alguns temas surgidos a partir das últimas décadas. Novamente, os estudos a respeito das alforrias acompanharam as mudanças nas produções acadêmicas.

A fragmentação de temas dentro dos estudos sobre escravidão no Brasil não foi a única transformação ocorrida nessa área da historiografia nas últimas décadas. Em grande parte dos estudos surgidos a partir de então, passou-se a enfatizar a participação ativa do escravo dentro do processo histórico8. Essa nova linha de abordagem passou a ver a escravidão sobretudo da perspectiva do escravo, um escravo real, não reificado nem mitificado9. O cotidiano do escravo, em meio ao sistema, podia apresentar tanto momentos de conflito como momentos de acomodação e negociação.10

Partindo de trabalhos que seguiam tal princípio, os historiadores dessa nova geração puderam analisar com mais propriedade a formação de redes de identidade e coletividade

8

São exemplos de trabalhos produzidos nessa perspectiva: SLENES, Robert W. “Lares negros, olhares brancos: histórias da família escrava no século XIX”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 8, n. 16, p. 189-203, mar./ago. 1988; LARA (1988), Op. Cit.; SILVA, Eduardo; REIS, João José. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. MATTOS [DE CASTRO], Hebe Maria. Laços de Família e Direitos no Final da Escravidão. In: História da Vida Privada No Brasil. Vol. 2: Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia Das Letras, p. 335-383; FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas: Famílias escravas e trafico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.

9 SILVA, Eduardo; REIS, João José. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo:

Companhia das Letras, 1989. p. 7.

(8)

dentro do cativeiro, ou entre escravos e outro grupos (como libertos ou livres pobres). Utilizando-se de fontes primárias, os historiadores passaram a buscar informações sobre atitudes dos escravos que demonstrassem estratégias de mobilidade social e/ou de solidariedade. A análise dessas atitudes, a princípio individualistas, permitiu aos historiadores desvendar a união de grupos de escravos em torno de projetos coletivos, como a formação de famílias escravas, a economia no cativeiro, ou a negociação da alforria.

Diversos trabalhos sobre a prática da alforria foram produzidos no Brasil nas últimas décadas, abarcando uma diversidade de regiões em meio a uma baliza temporal que engloba quase todo o período escravista brasileiro. Partindo da metodologia proposta por Kátia Mattoso11, a preocupação inicial de quantificar as variáveis encontradas nos registros para poder estabelecer o perfil do alforriado se fez presente em todos os trabalhos observados sobre o tema. Analisando as cartas de alforria, encontramos informações sobre o individuo que esta vivendo a transição de escravo para liberto, como seu nome, gênero, idade, cor, local de registro, modalidade da alforria, nome do proprietário, condições (quando condicional), valor pago (quando paga), e ás vezes laços de parentesco e ocupação. Encontrado o perfil do alforriado, passa-se então aos modelos explicativos sobre o processo de manumissão.

Embora fosse muito interessante realizar uma analise bibliográfica sobre todas as produções envolvendo a manumissão de escravos, não seria oportuno realizar, neste trabalho, tamanha empreitada. No entanto, alguns modelos que visam explicar tal prática devem ser levados em consideração, mesmo para ajudar a delinear o caminho a ser seguido adiante. Dentre esses modelos explicativos, podemos destacar aqueles que procuram relacionar a prática da alforria com alguns temas recorrentes dentro dos estudos sobre escravidão no Brasil, como paternalismo12/autonomia escrava, tráfico de escravos13, etnicidade14 e família escrava15.

11 MATTOSO (1972), Op. Cit.

12 Dentre os trabalhos que relacionam a pratica da alforria com paternalismo, destaque para os já citados:

MATTOSO (1972), Op. Cit; SCHWARTZ (1974), Op. Cit.

13Ver: SAMPAIO, Antonio C. Jucá. A produção da liberdade: padrões gerais das manumissões no Rio de Janeiro

colonial, 1650-1750. In: (org.) FLORENTINO, Manolo. Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. pp.287-329.

14Ver: NISHIDA, Mieko. As alforrias e o papel da etnia na escravidão urbana: Salvador, Brasil, 1808-1888.

Estudos econômicos: São Paulo, v 23, n. 2, maio/agos. 1993. pp. 227-265.

15Ver: LIMA, Adriano B. M. Trajetória de Crioulos: Um estudo das relações comunitárias de escravos e forros

no Termo da Vila de Curitiba (c. 1760 - c. 1830). Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História pelo Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2001.

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Cabe frisar, ainda, que essa prática foi observada em diversas localidades da América onde foi utilizada a mão-de-obra escrava, valendo, inclusive, para todas as regiões do Brasil. Dito isto, fazemos uma ressalva: neste trabalho, entendemos que a prática da alforria, embora dependente da vontade do senhor, era resultado de uma negociação travada cotidianamente entre os atores envolvidos - ou seja, senhores e escravos.

Nessa negociação, os interesses do senhor em ceder a carta de manumissão contrastavam com as possíveis estratégias dos escravos para persuadirem seus senhores de que eram merecedores de tal beneficio (desde pecúlio até uma vida toda de bons serviços prestados com lealdade e obediência). Destarte, como vêm demonstrando diversos trabalhos realizados a respeito dessa prática, os interesses dos senhores e as estratégias desenvolvidas pelos cativos variaram (e dependeram) de acordo com as características sócio-econômicas de uma determinada região. Por exemplo, entendemos que ao alforriar um escravo, os interesses de um grande senhor de engenho do recôncavo baiano, possuidor de dezenas de cativos, deviam de ser diferentes dos motivos que levavam um pequeno agricultor do sul do Brasil, possuidor de uma pequena escravaria, a libertar parte de sua mão de obra; ou então de um senhor residente na cidade do Rio de Janeiro, cujos cativos desempenham atividades urbanas. Os exemplos acima citados servem igualmente no que diz respeito as possíveis estratégias desenvolvidas pelos escravos, diante de cada uma das realidades apresentadas. Não à toa, o perfil do alforriado padrão sofrer tantas alterações dependendo das características sócio-econômicas da região estudada.

Destarte, visando contribuir para o entendimento dessa prática tão corriqueira nas diversas “realidades” brasileiras, analisaremos neste trabalho a prática da alforria em Itapetininga, província de São Paulo, no período compreendido entre 1820 e 1850. Itapetininga se caracteriza, desde sua fundação em 1770 até todo o período imperial, por ser uma localidade voltada para a criação e comercialização de animais e para a produção de gêneros alimentícios visando a subsistência e o abastecimento do mercado interno. Com o incremento das culturas de exportação em São Paulo, na primeira metade do século XIX, as áreas voltadas para o abastecimento interno também apresentam um significativo desenvolvimento econômico e demográfico, dentre elas Itapetininga.

Qual teria sido a influencia do contexto na configuração do padrão do escravo alforriado em Itapetininga? Qual era o perfil dos senhores que alforriavam cativos em Itapetininga? Qual teria sido a lógica por detrás dessa prática, naquela região? Procuraremos, neste trabalho, propor respostas para essas questões, buscando sempre o diálogo com outros

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trabalhos que trataram do tema analisando outras regiões e/ou outros períodos. Para tanto, dividimos a nossa pesquisa em três capítulo, buscando com que cada um deles fosse base para o avanço da análise no capítulo seguinte.

No primeiro capítulo, buscamos, num primeiro momento, traçar um perfil sócio-econômico sólido da região estudada, no período compreendido entre 1820 e 1850. Feito isto, voltamos nossa análise para a configuração da população escrava de Itapetininga, enfatizando as transformações ocorridas no perfil dessa população no período que nos interessa mais diretamente.

Estabelecido as características sócio-econômicas da região, e mais precisamente da sua população cativa, partimos no segundo capítulo para a análise do perfil do escravo alforriado em Itapetininga. Para isso, quantificamos as variáveis – sexo, idade, procedência, etc. – encontradas nas escrituras de alforria registradas no Primeiro Tabelionato de Notas de Itapetininga, de 1820 a 1850. Na seqüência, buscamos também estabelecer o perfil dos senhores que, em algum momento entre 1820 e 1850, cederam a alforria a um escravo. Devido a falta de informações sobre o senhor, contidas nas cartas de alforria, recorremos as listas nominativas de habitantes, localizadas no Arquivo Público do Estado de São Paulo, em busca de informações que nos permitisse traçar o perfil destes que eram uma das partes envolvidas nessa prática.

Por fim, tendo em vista o contexto da região estudada e os dados relativos aos escravos e senhores envolvidos na prática da alforria, buscamos no terceiro capítulo propor uma explicação para essa prática.

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Capítulo 1: A sociedade escravista de Itapetininga.

1.1. Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga: uma povoação no Caminho das tropas.

Para entendermos o surgimento e desenvolvimento de Itapetininga, foco de nosso estudo, faz-se necessário, primeiro, traçarmos um panorama geral da província de São Paulo, destacando as transformações ocorridas até o período que nos interessa diretamente, ou seja, a primeira metade do século XIX.

A região que forma o atual Estado de São Paulo foi uma das primeiras áreas a ser explorada pelos portugueses no início da colonização do Brasil. Porém, em decorrência da distância dos mercados europeus e da dificuldade de se chegar até suas férteis terras cultiváveis (localizadas no interior do seu território), São Paulo não se tornaria, nesse momento, uma região voltada para o lucrativo comércio internacional de açúcar, como ocorreu com Bahia e Pernambuco16. Sendo assim, durante os dois primeiros séculos da colonização do Brasil, a província de São Paulo não obteve uma posição de destaque no contexto da colônia, pois, inviabilizada sua inserção no complexo exportador, seus escassos habitantes dedicaram-se a uma tímida economia de subsistência, baseada na mão de obra indígena17, além do bandeirantismo.

Através de suas andanças pelo interior, os bandeirantes paulistas encontram, na última década do século XVII, ouro na região do atual Estado de Minas Gerais. Essa descoberta mudaria a situação da província de São Paulo no contexto da colônia, pois, como aponta Luna & Klein, com a descoberta do ouro, em Minas Gerais, formou-se um amplo mercado no interior da colônia18. A descoberta de ouro na região das minas gerou um rápido deslocamento populacional para aquela região. As pessoas que migraram para lá tenderam a concentrar todos os seus recursos na mineração, devido a alta lucratividade da atividade. Isso fez com que a fome acompanhasse sempre a riqueza nas regiões do ouro19. Desta forma, essa região passou a demandar uma grande quantidade de alimentos e animais (de carga e de corte) vindos de outras partes da província (e mesmo de fora desta). Isso favoreceu a integração da província de São Paulo, assim como de todo o sul da colônia, a um intenso mercado interno. É

16 Cf. LUNA, Francisco V.& KLEIN, Herbert. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de

1750 a 1850. São Paulo: EDUSP, 2005. p. 26.

17 LUNA, Francisco V.& KLEIN, Herbert. Características da população em São Paulo no início do século XI.

População e Família. São Paulo, n° 3, p. 71-91, 2000, USP-FFLH. p. 71.

18 LUNA & KLEIN. (2000), Op. Cit. p. 71.

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nesse contexto, de desenvolvimento de um mercado interno de abastecimento da região das minas, que surge Itapetininga, mais especificamente integrando a chamada rota dos tropeiros.

Com o advento da mineração no Centro-sul do Brasil (e posteriormente cana-de-açúcar e café, como veremos adiante), observou-se a integração das atividades ligadas a criação de gado vacum nos Campos Gerais e de muares no Rio Grande do Sul àquela, uma vez que, como afirma Petrone, as populações que se dedicavam à mineração ou à agricultura

necessitavam abastecer-se de gado de corte e animais de carga que se destinavam ao transporte dos produtos até os portos20. Diante da demanda por animais vindos do Sul, foi aberto, por volta de 1730, o chamado caminho do Viamão, que ligava essa região do Rio Grande do Sul à Vila de Sorocaba, na então província de São Paulo21. Por estar localizada no limite setentrional da área de campos, Sorocaba acabou por ocupar lugar privilegiado com relação à circulação das tropas e boiadas vindas do sul, pois paravam para descansar antes de seguir ao Norte, onde as áreas de pastagens eram mais raras. Segundo Petrone, isso pode explicar, sem dúvida, o aparecimento, em Sorocaba, da famosa feira e do Registro destinado a cobrar diversos impostos sobre os animais que por aí transitavam22.

Com a abertura do Caminho do Viamão e a criação da feira de muares de Sorocaba, diversas povoações foram surgindo ao longo do trajeto, dentre elas Itapetininga. Localizada também no limite setentrional da área de campos, Itapetininga tem origem por volta de 1750 (mesma época da primeira feira de mulas realizada em Sorocaba) com o povoado de porto Velho, localizado as margens do rio Itapetininga, que funcionava como último pouso dos tropeiros que vinham do Sul com destino a Sorocaba23. Dentro deste contexto, Itapetininga torna-se referência no que diz respeito a áreas de invernada - locais onde paravam as tropas para descanso e pastagem antes de serem comercializados na feira de Sorocaba24. Na região de Itapetininga, inclusive, as áreas de “estações-invernadas” teriam, segundo Petrone, um papel mais importante para a ocupação de certas áreas do que os campos reservados para a criação de animais, atividade predominante em outras vilas surgidas a partir do “caminho do Viamão” como, por exemplo, Castro. Itapetininga desmembra-se de Sorocaba em 1771,

20 PETRONE, Maria T. S. O afluxo de gado a Sorocaba e a importância econômica do caminho do sul na década

da independência. In: A Independência: Um Debate. Org. SIMÕES DE PAULA, Eurípedes. Anais do I encontro do Núcleo Regional de São Paulo (5 a 7 de julho de 1972). São Paulo, 1973. p. 384.

21 Cf. PETRONE. (1972). Op. Cit. p. 386-388. 22 Idem Ibidem.

23 Cf. ANDRADE FILHO, Silvio Vieira de. Um estudo sócio-linguístico das comunidades negras do Cafundó,

do antigo Caxambu e de seus arredores. Sorocaba: Secretaria da Educação e Cultura de Sorocaba. 2000; p. 30.

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quando é elevada a condição de Vila, passando a ser chamada de Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga25.

Na época em que Itapetininga é elevada a condição de Vila, a extração de ouro na região das minas já se apresentava em pleno declínio. No entanto, entre os anos de 1765 e 1803, a população da província de São Paulo expandiu-se a uma taxa excepcional, passando de 86 mil para 188 mil habitantes26. As vilas localizadas no caminho do sul concentravam, nesse momento, cerca de um quinto da população total da província, demonstrando a importância dessa região27. Itapetininga não fugiu a regra. Conforme apontam as listas nominativas, entre os anos de 1782 e 1798, a população de Itapetininga apresentou um acentuado crescimento, passando de 1578 habitantes na primeira ocasião, para 3717 habitantes em 179828. Cabe ainda destacar que, dos 544 cabeças de domicílio que declararam sua ocupação no censo de 1798, 392 diziam-se agricultores29. Podemos observar que, como aponta Fragoso, o definhamento da mineração em Minas Gerais, a partir de 1760, não teria arrastado consigo a economia paulista que a abastecia30. Pelo contrário. A introdução e aumento das culturas voltadas para a exportação (primeiro açúcar, depois café) na província de São Paulo, acabou por aumentar a demanda por alimentos e animais de carga, favorecendo assim, as áreas voltadas para o comércio de gêneros agro-pecuários31. Outro fator que contribuiu para a ampliação do mercado interno foi a chegada da família real no Rio de Janeiro, em 1808. Após a chegada de D. João VI e sua corte, o Rio de Janeiro se tornou o principal mercado interno do Brasil, favorecendo a exportação de gêneros alimentícios de outras regiões para aquela localidade32.

Desta forma, se em boa parte do século XVIII São Paulo assistiu a um ritmo moderado de crescimento, a partir das primeiras décadas do século XIX esse quadro se modifica, apresentando uma significativa expansão da economia local, assim como um grande aumento

25 Cf. ANDRADE FILHO, (2000) Op. Cit. p. 30. 26 Cf. LUNA & KLEIN. (2000), Op. Cit. p. 3-4. 27 Idem Ibidem.

28 Arquivo Público do Estado de São Paulo (AESP). Maços de População. Rolo n° 78, Lata 0065 (1782-1799).

Anos 1782 e 1798.

29 As outras ocupações declaradas no censo referente ao ano de 1798 são: Corpo Militar – 70; Empregos Civis-

8; lero secular – 3; Mineiros ocupados no trabalho das minas- 16; Mineiros proprietários – 10; Negociantes – 45. AESP, Maços de População. Rolo n° 78 (1782-1799). Ano 1798.

30 FRAGOSO, João Luis. Homens de Grossa Aventura: Acumulação e Hierarquia na Praça Mercantil do Rio de

Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 135.

31 F. FRAGOSO (1998). Op. Cit. p 135-141.

32 LUNA, Francisco V. & KLEIN, Herbert. Economia e sociedade escravista: Minas Gerais e São Paulo em

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da população da província33. O número total de habitantes da província de São Paulo que, como vimos, em 1803 era composto por 188 mil habitantes, passa, no ano de 1836, para cerca de 282 mil pessoas34. Itapetininga também apresenta índices acentuados de crescimento populacional a partir das últimas décadas do século XVIII, como podemos ver na Tabela 1.

Tabela 1

Evolução do número de habitantes de Itapetininga (1782-1836)

ANO N° Total de Habitantes

1782 a 1578 1798 b 3717 1815 c 5390 1820 d 6430 1830 e 9354 1836 f 11510

Fonte: a – AESP, Maços de População. Rolo n° 78. Ano 1782 b - AESP, Maços de População. Rolo n° 78. Ano 1798

c – SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de São Paulo. São Paulo: Edusp, 1976. p. 203. d - AESP, Maços de População. Rolo n° 81. Ano 1820

e - AESP, Maços de População. Rolo n° 83. Ano 1830

f – MULLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo. São Paulo: Reedição Litteral, 1923. p. 142.

Analisando a tabela 1, observamos então que Itapetininga apresentou, nas primeiras décadas do século XIX, um acentuado crescimento populacional. Destacando o período que aqui nos interessa mais diretamente, vemos um rápido crescimento populacional entre 1820 e 1836 - ano do último censo com dados confiáveis para a localidade. Enquanto a população de Itapetininga era composta por 6430 habitantes em 1820, esse número cresce para 9354 em 1830, atingindo 11510 habitantes em 1836.

O aumento demográfico de Itapetininga - assim como da província de São Paulo como um todo -, certamente esta associada às transformações na dinâmica econômica pela qual passou a província durante a primeira metade do século XIX, como já foi apontado. Nesse período, Itapetininga desponta como fornecedora de animais e gêneros alimentícios para o mercados interno da província e mesmo inter-provincial (principalmente atendendo ao mercado do Rio de Janeiro). Conforme Elizabeth Kuznesof, a agroexportação desenvolvida em São Paulo, somada com o crescimento das áreas urbanas, teriam propiciado a transição de uma economia voltada para a agricultura de subsistência para uma agricultura destinada ao

33 Cf. LUNA & KLEIN. (2004). Op. Cit. p. 177. 34 Idem ibidem.

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abastecimento do mercado interno paulista e carioca35. Esse parece ter sido o caso de Itapetininga. Um exemplo dessa transição pode ser observada no domicílio de Bartolomeu de Medeiros, um dos senhores identificado em nossa documentação como tendo alforriado escravos, como veremos mais adiante. No censo de 1798, Bartolomeu, com 55 anos, aparece vivendo com sua esposa Ana Nunes Vieira, seus sete filhos, e quatro escravos, sendo dois crianças e dois adolescentes36. Neste censo, Bartolomeu aponta como principal atividade que planta para o sustento de sua casa. Já no censo referente ao ano de 1820, Bartolomeu de Medeiros, vivendo com sua esposa, dois filhos, e possuindo cinco cativos37, declara ser agricultor, tendo colhido 200 alqueires de milho, além de feijão e arroz. Bartolomeu afirma ainda ter vendido o excedente dessa produção. Vemos então que, em algum momento no intervalo entre 1798 e 1820, o domicilio chefiado por Bartolomeu de Medeiros deixou de praticar apenas a agricultura de subsistência, para passar a fornecer gêneros alimentícios para o mercado interno provincial.

Auguste de Saint-Hilaire, passando pela região em 1820, não deixou de reparar a forte tendência agrícola de Itapetininga:

Em 1820 quase todos os habitantes de [Itapetininga] eram agricultores. Cultivavam o milho, o arroz e o feijão, enviando esses produtos para Sorocaba, onde a presença das tropas de burros vindas do sul e de Minas representava um consumo que as colheitas da região não eram suficientes para atender (...) 38.

Apesar da supremacia da produção agrícola, outras atividades também eram praticadas em Itapetininga, como a pecuária, a cana-de-açúcar e a mineração, embora em menor grau de importância39.

Nesse contexto de desenvolvimento econômico, a província de São Paulo passou a demandar cada vez mais escravos africanos, o que contribuiu significativamente para o crescimento demográfico da província. No ano de 1836, dos 282 mil habitantes da província,

35 KUZNESOF, Elizabeth, Household economy and urban development, São Paulo, 1765-1836. Westview Press,

1986. Apud. FRAGOSO (1998). Op. Cit. p. 135.

36 Escravos de Bartolomeu de Medeiros: Domingos, 15 anos; Maria, 12 anos; Felizarda, 7 anos; Paula, 3 anos.

(AESP). Maços de População. Rolo n° 78, Lata 0065 (1782-1799), ano 1798.

37 Os escravos de Bartolomeu de Medeiros no ano de 1820 são: José crioulo, 33 anos; Adão crioulo, 9 anos;

Ambrósio crioulo, 7 anos; Maria Benguela, 33 anos; Felizarda crioula, 31 anos. (AESP). Maços de População. Rolo n° 81, ano 1820.

38SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de São Paulo. São Paulo: Edusp, 1976. p. 203.

39 Segundo Daniel Pedro Muller, no ano de 1836, Itapetininga produziu 5500 arrobas de açúcar, vendeu 800 bois

e 130 mulas. MULLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo. São Paulo: Reedição Litteral, 1923. p. 124-129.

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81 mil (28,7%) eram cativos40. Porém, entendemos que a formação da comunidade escrava é resultado das necessidades dos senhores que, com base na força, obrigam o deslocamento de seres humanos para uma determinada região, a fim de servirem como mão de obra. Destarte, o padrão de posse de cativos na província de São Paulo, assim como o perfil da comunidade escrava, variou de acordo com as características econômicas de cada região. Na seção a seguir, buscaremos apontar o padrão de posse e o perfil da comunidade escrava de Itapetininga, mas sem perder de vista o contexto maior que é a região Centro-Sul do Brasil.

1.2. A comunidade escrava de Itapetininga.

Concordando com a observação feita por Bruna Portela em seu trabalho sobre Castro, entendemos que os escravos estavam em propriedades de Itapetininga não por sua própria vontade, mas porque em algum momento de suas vidas foram comprados por um senhor – senão eles, algum de seus ascendentes – e levados para aquela Vila41 . Dessa forma, a primeira característica

da comunidade escrava de Itapetininga - assim como a observada por Portela para Castro -, é

a sua constituição de maneira impositiva e coercitiva42. Essa característica será de fundamental importância ao analisarmos, mais adiante, a lógica presente por detrás da prática da alforria em Itapetininga.

Não era a maioria dos domicílios de Itapetininga que podiam contar com o trabalho de cativos. Não temos os números exatos de domicílios com/e sem cativos para Itapetininga, no decorrer de todo o período que estudamos. Porém, a historiografia pode nos ajudar e preencher essa lacuna. Segundo Fragoso, no período compreendido entre os anos de 1798 e 1828, cerca de 75% dos domicílios do Caminho do Sul não possuíam escravos43. Caminhando na mesma direção, Canabrava afirma em seu trabalho sobre terras e escravos em São Paulo, que no ano de 1818, em Itapetininga, cerca de 18,5% dos domicílios possuíam cativos, sendo que esses domicílios controlavam cerca de 87% das terras na região44. Destarte, vemos que a maioria das unidades agrícolas voltadas para a produção de gêneros alimentícios de subsistência e de abastecimento interno não possuía escravos, dependendo assim do trabalho

40 Cf. LUNA & KLEIN. (2004). Op. Cit. p. 177.

41 PORTELA, Bruna M. Caminhos do Cativeiro: A configuração de uma comunidade escrava (Castro, São

Paulo, 1800-1830). Dissertação apresentada a linha de pesquisa Espaço e Sociabilidades, Programa de Pós-Graduação em História (Mestrado), Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2007. p. 40.

42 Idem.

43 FRAGOSO. (1998). Op. Cit. p. 138.

44 CANABRAVA, Alice Piffer. Terras e escravos. In: História econômica: estudos e pesquisas. São Paulo:

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familiar45. Mesmo assim, é enorme a importância dos domicílios com escravos nesse setor da economia.

Diferentemente dos proprietários de escravos ligados a agro exportação (açúcar e café), os proprietários voltados à produção de gêneros alimentícios tinham em geral pequenas escravarias46. Segundo Luna & Klein, os proprietários que possuíam cinco ou menos cativos representavam dois terços dos agricultores com escravos nesse setor47. Isso não descarta a presença de grandes proprietários de escravos. Porém, cerca de 80% dos cativos utilizados na produção de alimentos pertenciam a unidades com menos de 20 escravos.

Como já apontamos acima, a província de São Paulo e, conseqüentemente, a Vila de Itapetininga, apresentaram acentuados níveis de crescimento econômico e populacional a partir das últimas décadas do século XVIII, intensificando durante a primeira metade do século XIX. Esse fenômeno é explicado a partir da introdução e aumento da agricultura de exportação no território paulista (primeiro cana-de-açúcar seguida do café)48 e do aumento da demanda por gêneros alimentícios e animais por parte da província do Rio de Janeiro, especialmente após a chegada da corte portuguesa no Brasil. Com o crescimento econômico, a província de São Paulo passou a demandar mais cativos, fato este que contribuiu significativamente tanto para o crescimento demográfico da província (ver tabela 2), como para o aumenta da população de Itapetininga (ver tabela 3).

Tabela 2

Evolução da população total e escrava da província de São Paulo entre os anos de 1766-1836

Ano População total Total de Escravos % de Escravos

1766-69 (a) 86.000 23.000 26,7%

1803-4 (b) 188.000 44.000 23,4%

1836 (c) 282.000 81.000 28,7%

Fontes: (a) Cf. LUNA & KLEIN. (2000), Op. Cit. p. 3. (b) Idem.

(c) Cf. LUNA & KLEIN. (2004) Op. Cit. p. 177

45 Cf. LUNA & KLEIN. (2005). Op. Cit. P. 109. 46 Idem.

47 Idem.

48 Para saber mais, ver: Cf. LUNA & KLEIN. (2000). Op. Cit.; Cf. LUNA & KLEIN. (2004). Op. Cit.

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Tabela 3

Evolução da população total e escrava de Itapetininga entre os anos de 1782-1836

Ano População total Escravos % de escravos

1782 a 1578 123 8% 1798 b 3717 426 11,5% 1815 c 5390 440 8,2% 1820 d 6430 509 8% 1830 e 9354 1072 11,5% 1836 f 11510 2700 23,5%

Fonte: a – AESP, Maços de População. Rolo n° 78. Ano 1782 b - AESP, Maços de População. Rolo n° 78. Ano 1798

c – SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de São Paulo. São Paulo: Edusp, 1976. p. 203. d - AESP, Maços de População. Rolo n° 81. Ano 1820

e - AESP, Maços de População. Rolo n° 83. Ano 1830

f – MULLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo. São Paulo: Reedição Litteral, 1923. p. 142.

Como podemos observar comparando as tabelas 2 e 3, a população cativa de Itapetininga não acompanhou, entre os anos finais do século XVIII e as duas primeiras décadas do século XIX, os índices de crescimento da população escrava da capitania de São Paulo. Nesse período, enquanto os escravos compunham cerca de um quarto da população total da província, em Itapetininga os cativos não chegavam a um décimo da população total, com exceção do ano de 1798, quando alcançaram 11,5%. Explicamos esse fenômeno pelo fato de que, na virada do século XVIII para o XIX, a agroexportação escravista ainda não prevalecia em São Paulo. Conforme aponta Fragoso, nesse período, a economia paulista se assentava, principalmente, na produção de subsistência e naquela voltada para o mercado colonial49.

Dessa maneira, regiões como Itapetininga, voltadas para a agricultura e pecuária, ainda não estariam propensas à aquisição de cativos em massa.

No entanto, esse quadro muda a partir da segunda década do século XIX, período que nos interessa mais diretamente. Analisando o período a partir de 1820, observamos a proporção de escravos em meio à população total de Itapetininga “saltar” de 8% em 1820, para cerca de um quarto em 1836, passando de 502 indivíduos na primeira ocasião para 2700 cativos dezesseis anos mais tarde. Não se pode entender esse súbito crescimento da população de Itapetininga - em especial a população cativa -, sem compreender algumas transformações econômicas da província de São Paulo nesse período. Conforme Luna & Klein, a partir da

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década de 1820, cresce o setor da agricultura comercial de exportação em São Paulo, fazendo com que aumente o fluxo de escravos para a província50. Em paralelo, cresce também o mercado interno de alimentos e animais, fazendo com que mais pessoas, antes destinadas a subsistência, entrassem no mercado como fornecedores de alimento, demandando assim, mais cativos para trabalhar também nesse setor da economia paulista51. Isso explicaria o boom na população escrava de Itapetininga a partir da década de 1820, em especial a partir de 1830.

Ademais, não podemos deixar de apontar o crescimento no volume do tráfico de africanos para o porto do Rio de Janeiro, principalmente a partir da década de 1820, quando este porto passa a receber mais da metade de todos os africanos desembarcados no Brasil52. Herbert Klein aponta como razões para o aumento das “almas” traficadas para essa margem do Atlântico Sul, o revivescimento da tradicional economia açucareira no Brasil53

, o crescimento dos mercados internos de Minas Gerais, assim como o desenvolvimento da agricultura escravista no interior do Rio de Janeiro e São Paulo54.

Assim como Portela, em seu estudo sobre Castro55, também sugerimos que São Paulo absorveu boa parte dos africanos aportados no Rio de Janeiro e que, conseqüentemente, Itapetininga também fez parte desse movimento. Ainda complementando nosso raciocínio, vemos que Carlos A. M. Lima, analisando a sociedade de Castro, aponta para o crescimento da população cativa dessa localidade dando especial atenção aos africanos, que teriam aumentado, de 1824 a 1835, em todas as faixas de tamanho dos domicílios escravistas de Castro56. Segundo Lima, a proibição do tráfico em 1831 fez com que aumentasse a oferta de africanos, facilitando a compra destes últimos também para os senhores de Castro57. Trabalhamos com essa hipótese também para Itapetininga, o que justifica a maciça entrada de cativos em Itapetininga durante a década de 1830. Dessa forma, boa parte do contingente cativo vindo para Itapetininga após 1830 certamente era composto por africanos.

50 Cf. LUNA & KLEIN. (2005). Op. Cit. p. 135-136. 51 Idem.

52 KLEIN, Herbert. A demografia do trafico atlântico de escravos para o Brasil. In: Estudos Econômicos. São

Paulo: 17(2) 129-149, Maio/Agosto. 1987. p. 133-134.

53 Segundo Klein, isso acontece quando, após 1790, São Domingos deixa de ser um dos maiores competidores

na produção de açúcar. KLEIN (1987). Op. Cit. p. 134.

54 Idem.

55 PORTELA (2007). Op. Cit. p. 35.

56 PORTELA (2007). Op. Cit. p. 35. Apud. LIMA, Carlos Alberto Medeiros. Sobre a posse de cativos e o

mercado de escravos em Castro (1824-1835): perspectivas a partir da analise de listas nominativas. In: V Congresso Brasileiro de História Economica e 6ª Conferencia Internacional de História de Empresas – Anais. Belo Horizonte: ABPHE, 2003. p. 1-25.

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Os efeitos do aumento da entrada de africanos, entre 1804 e 1830, foram sentidos em toda a província de São Paulo, porém, variando na intensidade de acordo com as atividades desenvolvidas em cada região58. Entre os anos de 1804 e 1829, por exemplo, a participação de africanos no montante de escravos nas áreas relacionadas com a produção de açúcar e café chegou a dois terços59, enquanto que nas vilas pertencentes à região do atual Estado do Paraná, os africanos não passaram de 15% do total de escravos60.

Observando o censo de 1836, publicado por Pedro Muller, notamos a significativa parcela de 37,9% de africanos em meio ao total de escravos de Itapetininga61. Não dispomos da proporção de africanos na população escrava de Itapetininga para anos anteriores a 1836. No entanto, Luna & Klein apontam um aumento na taxa de africanidade em meio a população total de cativos na região denominada de Caminho do Sul, subindo de aproximadamente 23% em 180462

, para 36% em 1829. O padrão assistido por Itapetininga parece ser bem aproximado ao observado para a região denominado Caminho do Sul, uma vez que Itapetininga estava inserida neste contexto. Destarte, afirmamos que o incremento de africanos que adentraram a sociedade itapetininguense a partir de 1820, colaborou significativamente para o crescimento da população cativa da localidade, aumentando significativamente a parcela de africanos em meio ao total de escravos de Itapetininga.

Dito isto, indagamos: Qual teria sido o impacto do aumento do número de africanos no padrão de sexo e idade da comunidade escrava de Itapetininga, no período que nos interessa diretamente (1820-1850)?

Os estudos realizados recentemente sobre a demografia da escravidão no Brasil vêm demonstrando as conseqüências da entrada maciça (ou não) de africanos no padrão da comunidade escrava de uma determinada região. Em algumas áreas, e em determinadas épocas, onde o volume de entrada de africanos era pequeno, alguns estudiosos observaram taxas de crescimento natural positiva entre os escravos63. Esse fenômeno se explica, pois, nessas circunstâncias, os cativos nascidos no Brasil passaram a dominar numericamente, o que levou a um maior equilíbrio na razão entre os sexos e ao aumento da proporção de

58 Cf. LUNA & KLEIN. (2000). Op. Cit. p. 78. 59 Idem

60 GUTIÉRREZ, Horácio. Donos de terras e escravos no Paraná: padrões e hierarquias nas primeiras décadas do

século XIX. In: Revista História. São Paulo, v. 25, n° 1, p 100-122, 2006. p. 114.

61 MÜLLER (1823). Op. Cit. p. 163.

62 Cf. LUNA & KLEIN. (2005). Op. Cit. p. 135.

63 Para saber mais, ver: LUNA & KLEIN. (2000). Op. Cit. P. 79; LUNA & KLEIN. (2004). Op. Cit. P. 175;

LUNA & KLEIN. (2005). Op. Cit. Capítulo 6 A população escrava. P. 167-197. GUTIÉRREZ (2006). Op. Cit. P. 114.

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crianças na população total64. Luna & Klein observam esse quadro para a população cativa de Minas Gerais, no período pós-decadência da atividade mineradora, nas últimas décadas do século XVIII65.

Embora não possamos contar com dados específicos sobre a natureza da reprodução da população escrava de Itapetininga nas décadas finais do século XVIII, observamos que essa população apresentava, nesse período, características compatíveis com regiões que apresentaram reprodução natural de sua população cativa (ver tabelas 4 e 5). Nesse período, encontramos um acentuado equilíbrio entre os sexos em meio á população escrava (50,9% de homens), assim como, uma grande quantidade de crianças menores de 10 anos (29%). Números parecidos aos encontrados por Gutiérrez, ao analisar a população escrava “paranaense” nos primeiros anos do século XIX66. Em seu estudo, Gutiérrez observou o predomínio absoluto de crioulos na região, variando de 6 a 8 crioulos para um africano. O autor também apontou um grande equilíbrio entre os sexos na população cativa paranaense naquele período (cerca de 50%), além de um grande índice de crianças (27%).

No entanto, devido às transformações econômicas pelas quais passou o centro-sul do Brasil, principalmente a partir das primeiras décadas do século XIX (acima citadas), aumenta a entrada de africanos em São Paulo, intensificando o fluxo a partir da década de 1820, como já apontamos acima. Apesar das transformações econômicas e do fluxo de africanos ter atingido as diversas áreas da capitania com intensidades variadas, a partir de 1804 os africanos já estavam presentes em todas as áreas e atividades67, transformando o padrão da população escrava em São Paulo. Conforme nos aponta Luna & Klein, o tráfico negreiro privilegiava o comércio de homens adultos, em detrimento de mulheres e crianças, alterando o perfil populacional, elevando a razão de masculinidade e envelhecendo a população68. Isso certamente alterou, negativamente, os níveis de reprodução natural da população escrava de São Paulo.

Entre os anos de 1804 e 1829, a razão de masculinidade da população cativa da província aumentou de 119 na primeira ocasião, para 15369. Se considerarmos as áreas da província isoladamente, podemos observar níveis de razão de masculinidade ainda mais acentuados. É o caso do Oeste Paulista, área voltada para a agricultura de exportação. No

64 LUNA & KLEIN. (2004). Op. Cit. P. 175. 65 Idem.

66 GUTIÉRREZ (2006). Op. Cit. P. 114. 67 Cf. LUNA & KLEIN. (2000). Op. Cit. P. 78. 68 Idem.

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intervalo entre 1804 e 1829, a razão de masculinidade nessa região aumentou de 151 para 202, muito acima dos níveis médios da província70. A razão de masculinidade encontrada entre a população escrava no Caminho do Sul chegava, em 1829, a 114 homens para cada grupo de 100 mulheres71.

Dentro do contexto apresentado das transformações ocorridas na província de São Paulo, especialmente a partir da década de 1820 - período este que nos interessa mais especificamente -, vejamos mais de perto, através das tabelas 4 e 5, as transformações ocorridas na população escrava de Itapetininga.

Tabela 4

Distribuição da População Escrava por Sexo (Itapetininga, 1798-1836)

População

escrava(a) (1798) escrava (b) 1804 População escrava (c) 1820 População escrava (d) 1830 População escrava (e) 1836 População

% % % % %

Homens 217 50,9 269 54 303 59,5 580 54,1 1410 52,2

Mulheres 209 49,1 229 46 207 40,5 492 45,9 1290 47,8

Total 426 100% 498 100% 509 100% 1072 100% 2700 100%

Fontes: (a) AESP, Maços de População. Rolo n° 78. Ano 1798 (b) LUNA & KLEIN. (2005) Op. Cit.

(c) AESP, Maços de População. Rolo n° 81. Ano 1820. (d) AESP, Maços de População. Rolo n° 83. Ano 1830

(e) MULLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo. São Paulo: Reedição Litteral, 1923. p 142.

Tabela 5

Distribuição da População Escrava por idade (Itapetininga, 1798-1836)

1798 (a) 1820 (b) 1830 (c) 1836 (d) % % % % Crianças (0-10) 125 29% 122 24% 227 22,3% 405 15% Adultos (10-40) 252 59% 307 60,3% 732 68,2% 1739 64,4% Idosos (40 ou mais) 49 11,5% 71 13,9% 102 9,5% 556 20,6%

Fontes: (a) AESP, Maços de População. Rolo n° 78. Ano 1798 (b) AESP, Maços de População. Rolo n° 81. Ano 1820. (c) AESP, Maços de População. Rolo n° 83. Ano 1830

(e) MULLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo. São Paulo: Reedição Litteral, 1923. p 142.

70 Idem.

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O primeiro ponto que nos chama atenção ao observarmos a tabela 4 diz respeito a proporção entre os sexos na população cativa de Itapetininga. Como podemos observar, apesar do aumento significativo no número de africanos em meio à população escrava local, isso não se reflete diretamente no aumento da proporção de homens – como aconteceu nas áreas voltadas para a agricultura comercial de exportação -, mantendo-se entre 52 e 55% (com exceção do ano de 1820, quando a porcentagem de homens atinge 59,5%). Luna e Klein ajuda-nos a explicar esse fenômeno. Segundo os autores,

a proporção de africanos era similar entre os escravos pertencentes a proprietários de todos os tamanhos. Mas o porte do proprietário influenciava o sexo dos seus escravos. No agregado dos escravos possuídos pelos pequenos proprietários, a proporção de escravas superava a proporção observada nos médios e grandes proprietários72 .

Dessa forma, apesar da intensa entrada de escravos de origem africana na população de Itapetininga - em especial a partir da década de 1820 -, não observamos um aumento tão acentuado na proporção de homens no total de escravizados, como observamos no Oeste paulista, por exemplo. Isso porque, em Itapetininga, prevaleciam as pequenas propriedades escravistas, com escravarias inferiores a 10 escravos. Nesse contexto, entendemos que tenha ocorrido um equilíbrio maior entre o sexo dos africanos que chegavam através do tráfico de escravos, do que em áreas de grande plantação. Estabelecendo um paralelo com outra localidade do chamado Caminho do Sul, vemos que, estudando a região de Castro, Portela observou uma preferência pela aquisição de escravas africanas, aos africanos73.

Apesar do aumento de africanos na população de Itapetininga não ter alterado (pelo menos não significativamente) a proporção de homens na população total de cativos, sentimos o efeito dessa migração quando analisamos o padrão de idade dos escravos. Analisando a tabela 5, podemos perceber que a partir da década de 1830, período onde ocorre um boom de africanos na população escrava itapetininguense, a proporção de crianças cai drasticamente de 22,3% em 1830, para 15% seis anos depois. Isso é reflexo do trafico de escravos, que como já apontamos anteriormente, privilegia os adultos em detrimento das crianças, envelhecendo a população.

É a partir desse contexto que, buscaremos apontar, no próximo capítulo, o perfil do escravo alforriado na Vila de Itapetininga, de 1820-1850.

72 Cf. LUNA & KLEIN. (2000). Op. Cit. P. 79. 73 PORTELA. (2007). Op. Cit. p. 46.

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Capítulo 2: O padrão do escravo alforriado em Itapetininga. 1.1. A Carta de Alforria

A carta de alforria ou papel de liberdade – fonte principal deste trabalho - era a forma com que se oficializava a concessão da liberdade a um ou mais escravos. Tratava-se, portanto, de um documento jurídico onde, segundo Peter L. Eisenberg, se documentava a passagem de um indivíduo de uma condição legal de escravo para uma condição legal de livre74.

O registro da carta de alforria era feito no Tabelionato de Notas (Cartório), geralmente na presença do tabelião local, duas testemunhas, o escravo e seu senhor. Era no Cartório que se efetuava os registros legais como contratos, empréstimos, vendas e outros acordos financeiros, além das alforrias, que grosso modo, se tratava de uma ação judicial onde os direitos de propriedade de um escravo eram transferidos a si mesmo. Apesar do escravo ficar com a carta original, era importante para a sua própria segurança legalizar sua alforria em Cartório, pois, a escravização ilegal de pessoas de cor era um perigo constante entre essa população75. Uma vez que a carta de alforria era registrada em cartório, “o ex-escravo passava a ser considerado como homem livre pelas autoridades e perante a lei”.76

São muitas as informações que podemos encontrar nas cartas de alforria, mas raramente todas as informações aparecem contidas num mesmo registro. Com relação ao proprietário que estava concedendo a alforria, podemos encontrar o seu nome, sexo, título, local de residência e, mais raramente, cor, estado civil e profissão. No que diz respeito ao escravo que esta sendo favorecido pela manumissão, encontram-se registradas nas cartas de alforrias informações referentes ao nome, sexo, cor, estado civil, procedência, idade e, mais raramente, filiação e o ofício do escravo.

Consta também nas cartas de alforria o motivo e a modalidade de tal, ficando estabelecido neste trabalho quatro modalidades: Gratuita, Onerosa, condicional Gratuita e onerosa condicional. Neste ponto, pode-se identificar o valor pago pela alforria (quando alforria onerosa), assim como por quem ela foi paga. Também podem ser verificadas as condições (quando alforrias condicionais) pelas quais o cativo alcançaria a sua liberdade,

74 EISENBERG, Peter. “Ficando livre: as alforrias em Campinas no século XIX”. Estudos Econômicos. São

Paulo, v. 17, n. 2, p. 175-216, maio/ago. 1987. p. 245.

75 Cf. SCHWARTZ, Stuart B. A manumissão dos escravos no Brasil colonial (Bahia, 1684-1745). Anais de

História. Assis, n. 6, p. 71-114, 1974. p. 74.

76MATTOSO, Katia M. de Queirós. “A propósito das cartas de alforria (Bahia, 1779-1850)”. Anais de História.

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sendo esta condição um acordo prévio entre senhor e escravo a cerca da liberdade que será concedida a este. Estas informações são de suma importância para analisar as relações entre senhor e escravo, bem como essa relação era construída e entendida pelos atores nela envolvidos. Por fim, consta nas cartas de alforria a data de emissão do documento e a data de registro deste no cartório.

Através da quantificação das variáveis (acima referidas) encontradas nos registros de alforria, pudemos traçar o perfil do alforriado padrão na Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga. Para tanto, foram utilizadas neste trabalho, as cartas de alforria registradas no Primeiro Tabelionato de Notas de Itapetininga, entre os anos de 1820 e 185077. A cada variável encontrada, procuramos estabelecer um diálogo com os resultados encontrados em trabalhos que analisaram outras regiões do Brasil. Com isso pretendemos, além de encontrar o padrão do escravo alforriado em Itapetininga, também situar a prática da manumissão nessa região em meio aos resultados encontrados em estudos que visaram estudar essa prática em outras regiões do Brasil.

1.2. Sexo

Em quase todos os trabalhos que pretenderam explicar a prática da alforria partindo da metodologia proposta por Kátia Mattoso78 - de quantificar as variáveis contidas no documento para estabelecer o padrão do alforriado -, a variável sexo ocupou posição de destaque dentre as preocupações dos estudiosos. Saber se eram libertados mais escravos ou escravas numa determinada região passou a ser uma das primeiras perguntas respondidas a partir da quantificação das variáveis encontradas nas manumissões.

Ponto comum na grande maioria dos trabalhos que analisaram as alforrias em diversas regiões do Brasil, é o fato das escravas figurarem como maioria entre os manumitidos, numa proporção geralmente entre 60% e 70% dos alforriados. A constatação da hegemonia dos cativos do sexo feminino entre os que deixavam o cativeiro através da alforria, geralmente foi acompanhada de uma explicação para tal, variando conforme a época e as características sócio-econômicas da região estudada. Para alguns autores, as escravas prevaleceram dentre os alforriados graças a atividades comerciais urbanas que desempenhavam, como quitandeiras, quituteiras, prostitutas etc. Dessa forma, as escravas

77 Arquivo do Primeiro Tabelionato de Notas de Itapetininga. Livros de Notas 8 ao 24 (1820-1850) 78 MATTOSO, (1972). Op. Cit.

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teriam maior chance do que os escravos de acumular pecúlio para a compra da própria liberdade, figurando assim em maior número entre os manumitidos.79 Em outros trabalhos, foram formulados modelos explicativos que atribuíam ao baixo valor comercial das escravas a decisão senhorial de libertá-las em momentos de desaquecimento do mercado como forma de recuperar o dinheiro investido na sua compra;80 outros ainda apontaram as experiências sexuais vividas pelas escravas com libertos e livres – mesmo seus senhores – como estratégia feminina para conseguir a alforria.81

Seguimos esta tendência da historiografia especializada no tema e também verificamos a ocorrência dos sexos entre os escravos que deixaram o cativeiro em Itapetininga (Ver tabela 6).

TABELA 6

Movimento dos Alforriados por Sexo/Década (Itapetininga 1820-1850) Sexo

Década HOMENS MULHERES TOTAL

1820 – 1830 17 21 38

1830 – 1840 18 14 32

1840 – 1850 20 22 42

Total 55 57 112

Fonte: Arquivo do Primeiro Tabelionato de Notas de Itapetininga. Escrituras de liberdade, 1820-1850

Na contramão da maioria dos resultados encontrados pela historiografia especializada observamos que, em Itapetininga, entre os anos de 1820 e 1850, não ocorreu predomínio de um sexo sobre o outro no momento do escravo ser alforriado (50,8% de mulheres e 49,2% de homens). Proporções parecidas foram encontradas por Peter Eisenberg82 e Adriano B. Lima83, analisando, respectivamente, Campinas (51,9% de escravas e 48,1% de escravos) e Curitiba (52,3% de escravos e 47,7% de escravas).

Contudo, para poder ter uma noção mais consistente da importância do sexo do cativo na prática da alforria, faz-se necessário comparar a proporção dos sexos entre os manumitidos com a proporção destes entre a população escrava total da região estudada. Eisenberg, mesmo

79 Ver: KARASCH, Mary. Vida escrava no Rio de Janeiro, 1808-1850. São Paulo: Companhia das Letras, 2000

(1ª ed. 1987); RUSSELL-WOOD, A. J. R. Os caminhos da Liberdade. Cap. 2 In: Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

80 Ver: MATTOSO (1972), Op. cit.; SCHWARTZ (1974), Op. Cit.

81 Ver: SCHWARTZ, (1974), Op. Cit.; RUSSELL-WOOD (2005), Op. Cit. 82 EISENBERG (1987), Op. Cit.

83 LIMA, Adriano Bernardo Moraes. Trajetórias de crioulos: um estudo das relações comunitárias de escravos e

forros no Termo da Vila de Curitiba (c.1760 – c.1830). Curitiba, 2001. 118 f. Dissertação (Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

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tendo encontrado proporções próximas entre os sexos dos alforriados, concluiu que as escravas estavam em vantagem contra os escravos, em Campinas, no momento de receber a alforria, uma vez que estas se encontravam em minoria na população total de escravos, numa proporção de 2 homens para 1 mulher. O autor explica esse fenômeno a partir da família escrava, pois, uma vez que o status jurídico do filho dependia do da mãe, todos os esforços seriam destinados a alforriar as mulheres.84 Já Lima, contrariando todos os trabalhos realizados a respeito da prática da alforria até então, encontrou, analisando a sociedade escravista de Curitiba, entre 1790 e 1825, mais escravos do que escravas alforriadas (51,9% e 47,7%). Comparando com os números gerais da população escrava existente na Vila de Curitiba naquele momento, o autor observou que a proporção de um ou de outro sexo no total dos alforriados representava a proporção destes em meio a população total de cativos. Destarte, apesar de encontrar mais homens entre os alforriados, Lima não entende o sexo como sendo um fator preponderante para explicar a lógica que permeava a prática da alforria em Curitiba. 85

Mas qual teria sido o caso de Itapetininga?

Comparando a proporção entre os sexos dos escravos alforriados com a quantidade de escravos e escravas na população cativa de Itapetininga, entre 1820 e 1850, observamos que a quase equivalência entre os sexos dos alforriados acompanhou a tendência a igualdade entre os sexos em meio aos cativos (ver tabela 4), que passou de 59,5% de homens em 1820 para 52,2% em 1836. Desta maneira, explicamos o equilíbrio entre os sexos dos alforriados em Itapetininga também como reflexo da proporção dos sexos em meio a população escrava, parecendo ser esta uma tendência nas áreas localizadas no contexto do caminho do Sul.

1.3. Idade

Qual seria a idade mais comum em que os escravos alcançariam a liberdade? Teriam os senhores, motivos para alforriarem mais escravos de uma determinada faixa etária? Ou seriam os escravos em idade ativa mais propensos a conquistar a alforria? Perguntas como estas sempre estiveram presentes em estudos que visavam, através do levantamento do padrão do alforriado, explicar a prática da alforria.

84 EISENBERG (1987), Op. Cit. 85 LIMA (2001), Op. Cit. p. 97.

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Em seu estudo pioneiro86, por exemplo, Kátia Mattoso verificou que na Bahia, entre 1779 e 1850, as crianças representavam cerca de 11% do total de manumitidos. Com a constatação da pequena ocorrência de crianças no total de escravos alforriados, Mattoso buscou desmistificar os trabalhos que colocavam as crianças como o grupo mais favorecido no momento de “ganhar” a liberdade. A autora não fez apontamentos sobre o número de idosos presentes entre os alforriados, tampouco buscou uma explicação para a maior ocorrência de cativos em idade produtiva entre os manumitidos. A despeito do resultado encontrado por Mattoso quanto a ocorrência de crianças entre os manumitidos, Schwartz, analisando também a sociedade escravista baiana (1684-1745), constatou um grande número de crianças entre os escravos que deixavam o cativeiro através da alforria. Segundo o autor, 44,8% dos escravos libertos estariam em tenra idade; 52,3% figurariam entre os adultos; e apenas 2,9% estariam na terceira idade. Para explicar o elevado número de crianças entre os alforriados, o autor apontou dois fatores: o baixo valor do cativo criança e os laços afetivos que os senhores criavam com aqueles. 87

No entanto, apesar de tão importante, a variável idade a muito vem sendo um desafio aos historiadores que estudam a prática da alforria. Conforme aponta Schwartz, “ao avaliar-se as cartas de alforria, nenhuma característica dos libertos é mais difícil de se marcar e analisar do que a idade”.88Na maior parte das escrituras de liberdade, a idade do escravo que esta sendo libertado não consta entre as informações discriminadas no documento. No caso das alforrias referentes a Itapetininga, em apenas 29,4% dos casos, a variável idade aparece diretamente discriminada. O que fazer então?

Existem outros caminhos pelos quais podemos elevar a margem de conhecimento a respeito da idade dos escravos que estavam deixando o cativeiro. Schwartz propõe, para “aumentar o leque” de conhecimento sobre a idade dos escravos alforriados, que se procure na própria narrativa, contida no documento, indícios descritivos (como diminutivos, designação de “muito doentes”, ocupação etc.) que nos permitam identificar a faixa etária89 na qual se encontrava o cativo no momento da manumissão90.

86 MATTOSO (1972), Op. Cit. 87 SCHWARTZ (1974), Op. Cit. p. 89. 88 Idem. p. 88.

89 Aceitando a sugestão de Schwartz, usamos a puberdade, mais do que qualquer outra distinção baseada na

capacidade de trabalho, como divisão entre crianças e adultos(...) Quando aparecem os termos Homem ou mulher, ou consta que o escravo é casado, situamos os cativos como adultos. Os idosos aparecem entre os escravos com mais de 45 anos, devido à austeridade da vida no cativeiro. Cf. SCHWARTZ (1974), Op. Cit. P. 88-89.

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