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Espelho das mães A representação feminina na publicidade destinada à infância nas páginas da revista O Cruzeiro:

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Academic year: 2021

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

“Espelho das mães”

A representação feminina na publicidade destinada à infância nas páginas da revista O Cruzeiro: 1930-1960

Juliana Tais Ferreira (UFPR) Maternidade; Puericultura; Gênero

ST 58 - Feminismos e maternidade: diálogos (im)pertinentes

Ser mãe, ao longo da história das sociedades ocidentais, sempre foi considerado a função mais natural das mulheres, afinal seus corpos são preparados biologicamente para a maternidade. Porém, o ato de ser mãe e suas normas não se mantiveram imutáveis. Na verdade não há uma linearidade na relação que as mães mantêm hoje e mantiveram no passado com seus filhos, ela deve ser pensada historicamente, dependendo das exigências sociais. Não existe, portanto, um modelo invariável ou natural de ser mãe.

Porém, desde o final do século XIX o discurso médico, em particular, define as mulheres pela maternidade. Tal definição toma importância a partir do momento que a infância passou a ser cada vez mais valorizada como uma fase especial, digna de atenção e cuidados, pois as crianças eram consideradas as sementes do futuro das nações segundo os discursos produzidos a partir de então.

A difusão da valorização da infância possibilitou o surgimento de pessoas preocupadas com a educação e desenvolvimento das crianças. O discurso enaltecedor da infância ganhou força na sociedade e as crianças passaram a ser foco de várias políticas, públicas e filantrópicas, para obterem melhores condições de vida. Os médicos também começaram a se preocupar mais com esta fase do ser humano e desenvolveram, na segunda metade do século XIX, a Puericultura, uma especialidade médica preocupada com o pleno desenvolvimento das crianças. A maternidade igualmente tornou-se alvo das mesmas políticas, pois garantido o bem-estar da mãe, garantia-se um futuro melhor para os filhos, ou seja, as crianças. Nesse sentido, a maternidade ganhou novas normas, as mulheres passam cada vez mais a serem definidas pela maternidade e ser uma boa mãe deixou de se constituir algo simples e natural.

Diante deste contexto, as mães passaram a ser vistas como as maiores responsáveis pelos cuidados adequados que seus filhos deveriam receber. Os médicos puericultores iniciaram a divulgação dos preceitos da Puericultura e defendiam a idéia de que as mulheres deveriam ser educadas para exercerem a maternidade adequadamente. Deste modo, ser uma boa mãe tornou-se cada vez mais uma exigência, aumentando as cobranças feitas a todas as mulheres que queriam ser

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ou eram mães. Elas deveriam receber uma série de conhecimentos especializados, desenvolvidos cientificamente pelos médicos, para aprender como deveriam cuidar de forma adequada seus filhos.

Frente a estas idéias nossa pesquisa teve como objetivo principal analisar a representação da mulher-mãe produzida pelas propagandas de produtos voltados à infância, divulgadas na revista O Cruzeiro, entre os anos de 1930 a 1960. Nosso intuito foi verificar se esta representação sofreu influência dos preceitos da Puericultura, que estavam amplamente difundidos na época. Fizemos uso da publicidade porque a consideramos mais do que um meio de divulgação, defendemos que ela é produtora de discursos sócio-políticos pautados na tradição, contribuindo para propagar e criar hábitos em seus receptores, no caso as mulheres- mães.

Para reconstruirmos a representação da maternidade, analisamos as imagens e os textos publicitários de aproximadamente 737 exemplares, utilizando todas as revistas encontradas entre os anos de 1929 a 1950 arquivadas na Biblioteca Pública do Paraná e depois, quando o acervo torna-se mais completo, analisamos todos os exemplares encontrados de dois em dois anos, começando por 1952 até chegarmos em 1964. As imagens nos possibilitaram compreender a figura modelar da mãe e de sua relação com a criança, enquanto os textos apontaram para os aspectos normativos do comportamento e das posições relacionadas à saúde, à nutrição e à higiene da criança que a mãe deveria conhecer e seguir. Depois, compararmos esses dados com os preceitos da Puericultura a fim de perceber suas influências.

Um segundo objetivo foi averiguar a expressividade numérica que as propagandas dedicadas às crianças tinham na revista em questão. Assim, buscamos a abrangência da difusão do discurso puericultor refletida na preocupação do mercado industrial com a infância, criando produtos específicos às crianças. Dessa forma fizemos uma análise quantitativa, onde verificamos o total de propagandas em cada exemplar analisado e a porcentagem que as propagandas destinadas à infância apresentam neste universo.

Nesse sentido, analisamos propagandas destinadas à infância que apresentavam uma articulação evidente com o discurso fundado nos preceitos da Puericultura. Inicialmente não encontramos muitas propagandas enfocando a figura da criança e nem suas necessidades especiais, muito menos de produtos especializados para os infantes. Na verdade, no começo a maioria das propagandas eram voltadas às mulheres, não existiam muitos anúncios destinados à infância. Só a partir do momento que a proteção à infância passou a ser de interesse do Estado, dos filantropos, dos médicos e da sociedade em geral, que o mercado industrial brasileiro passou a se interessar por elas também. As crianças somente começaram a serem encaradas como consumidoras em potencial após 1930.

Assim, o mercado industrial assimilou o ideário puericultor e passou a dar atenção à infância, transformando as crianças em consumidoras. Na revista O Cruzeiro as propagandas

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destinadas à infância mantinha uma regularidade, entre os anos de 1929 a 1964, em torno de 2 a 7 % por ano. A quantidade de propagandas varia muito de exemplar para exemplar, desde nenhuma propaganda até dez em uma mesma revista. Nesse sentido evidenciamos uma falta de critério em suas aparições, as propagandas aparecem aleatoriamente, suas disposições nas páginas não incluem outros anúncios ou a reportagens relacionadas à criança, exceto em alguns casos.

Podemos explicar essa variação na medida em que verificamos que a publicidade brasileira naquele momento estava começando a se desenvolver, juntamente com a indústria. Muitas das empresas que se estabeleceram no Brasil eram multinacionais e usavam as técnicas de propaganda importadas de seus países de origem. A publicidade servia muito mais para tornar um produto conhecido, do que para enfrentar a concorrência. Somente quando o governo e a população em geral, principalmente as classes mais altas, se interessavam pela proteção materno-infantil, as propagandas voltadas à infância se ampliaram, demonstrando que o mercado destinado às crianças ia se solidificando, seguindo a tendência social. É dessa forma que verificamos que a partir dos anos 1950 estas propagandas apresentavam cada vez mais regularidade em suas aparições.

Portanto, nossos resultados apontaram para uma expressividade numérica não muito grande, porém constante, de propagandas que colocavam a criança como consumidora. Mas que na totalidade se destinavam às mães, tidas como receptoras principais dessas peças publicitárias.

Percebemos também a articulação das propagandas as ações da iniciativa privada e das políticas públicas estabelecidas no Brasil, principalmente a partir do Estado Novo. Como aconteceu nos anos de 1940, que demonstra como a publicidade destinada à infância se articulava com o momento político, já que esta se ampliou bastante no ano que entrou em vigor o decreto-lei que criou Departamento Nacional da Criança. Outro caso interessantíssimo é de 1958, que possui a maior porcentagem de propagandas voltadas à infância no período analisado, em um ano que encontramos propagandas da Campanha Nacional da Criança, além de várias reportagens relacionas à infância. Assim, do mesmo modo que O Cruzeiro apresentava conformidade com a Puericultura, divulgando-a amplamente, suas propagandas seguiam a mesma tendência.

A representação da figura materna nestas propagandas sempre aparece ligada aos filhos de forma idealizada. A responsabilidade sobre os cuidados das crianças recaía sobre a mãe, cabendo a ela decidir que produto deveria usar, o que deveria ensinar, afinal a mulher-mãe era considerada a peça chave para que os discursos médicos e políticos funcionassem. Nesse sentido as propagandas também tentam convencer suas leitoras que elas precisavam de conhecimentos, principalmente dos médicos, para cuidar de seus filhos. Como propõe a propaganda de 20/06/1942, do Leite de Magnésia de Phillips (Pág 96) que trazia como título: “Para salvaguardar a saude de seus filhos (...) pergunte ao médico”. Assim apesar da mãe ser responsabilizada pelos cuidados da criança, era o

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médico a pessoa mais capacitada para indicar o que deveria ser feito, reforçando uma relação de autoridade paternalista entre o médico e a mãe.

O médico era uma figura de destaque e que possuía a confiança das famílias. O seu trabalho tornava-se cada vez mais requisitado e respeitado principalmente a partir século XIX. Devido a essa importância que a figura do médico adquiriu, não foram raros os casos em que este especialista aparece nas propagandas, não só destinadas à infância, mas principalmente na publicidade de remédios. As propagandas que se utilizavam da autoridade e do respeito que os médicos possuíam perante a sociedade para respaldar os produtos anunciados.

Nos anúncios voltados à infância e mesmo quando os textos são mais vagos em apontar um receptor, na maioria dos casos encontramos nestas propagandas a imagem feminina exercendo a função materna. Os textos das propagandas destacam os cuidados essenciais com a criança e, nesse sentido, demonstra a influência ou o uso dos preceitos da Puericultura, pois afirma que o bebê deve está bem alimentado, limpo, cheiroso e em companhia de sua mãe. De forma geral, estas eram as principais preocupações da ciência médica, que enfatizava a correta nutrição e a higiene das crianças.

A representação feminina da mãe geralmente passa sensação de amor, orgulho e felicidade em relação ao seu filho. São imagens de mulheres sorridentes segurando bebês e nos textos publicitários não são raros os casos em que verbos e adjetivos acompanham a palavra mãe. “As boas mães sabem”, “A senhora sabe”, “Cabe á mãe ensinar seu filho”, “mães cuidadosas”, “ mães previdentes” são frases que qualificam a mulher ao mesmo tempo em que atribuem funções naturais à maternidade. Se ser uma boa mãe era uma qualidade valorizada para as mulheres, com o discurso enaltecedor da criança enunciado pela puericultura, tornou-se imprescindível. Ser uma mãe cuidadosa não era mais uma qualidade e sim uma obrigação.

Além disso, verificamos que muitas das propagandas associam a felicidade da mulher ao bem-estar de seus filhos, como é o caso do anúncio da Phosphatine, uma farinha nutritiva, que apresenta o seguinte conceito:

“Bebés com saude... mamãs felizes...

‘Sua felicidade, Mme., depende da saude de seus filhinhos, não é?”1

Podemos perceber que o texto se dirige a uma mulher, dialogando com a leitora. Porém sua pergunta é mais uma afirmativa do que uma questão a ser respondida. Desta forma, além de afirmar que a felicidade da mãe depende da saúde dos filhos, a propaganda impõe que essa relação seja necessariamente assim. Como aconteceu com o discurso puericultor, no qual as necessidades das crianças passaram a ser mais importantes do que a autoridade materna, as propagandas passaram paulatinamente a reproduzir imagens de crianças que cada vez mais possuíam voz para apontar suas preferências e de mães que estavam ali para atender aos pedidos e necessidades de seus filhos.

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Nesse sentido destacamos uma série de propagandas da Johnson que propõe a inversão dos papéis de mãe e filho. A inversão na hierarquia dos papéis traz uma mãe pequenina e infantilizada diante do bebê de tamanho irreal. Assim, a mãe passava a entender como poderia ser desconfortável a vida de um bebê que não era cuidado com os produtos da Johnson. Estas peças publicitárias eram fictícias, mas contemplavam muitos aspectos da realidade mãe-filho, afinal, com o enfoque na criança, a mãe passa a viver cada vez mais relativa aos filhos e torna-se mais insegura quanto aos seus conhecimentos.

A imagem que encontramos na p. 28 do exemplar de 1º de maio de 1948 é uma das propagandas mais representativas desta inversão de papeis. Ela simula um diálogo entre mãe e filho, algo que não seria possível na realidade porque a criança em questão é um bebê. O título da propaganda: “Então, mamãe, vai engolir o que disse?”, os papéis estão invertidos, a mãe está sentada encolhida numa cadeirinha na cozinha, o seu bebê gigante esta de pé ao seu lado confrontando-a. Nessa situação a autoridade do bebê se torna evidente, chegando a assumir um tom ameaçador. A mãe presa à cadeira não tem como escapar do bebê que a afronta. Dessa forma ela acaba assumindo que estava errada ao afirmar que o bebê não possuía nada para se queixar, dizendo que a “cada dia que passa tôda mamãe aprende uma coisa nova sôbre os bebês”. A propaganda revela como a criança tem autoridade frente a uma mãe impotente e cada vez mais infantilizada.

Portanto, as propagandas, mais do que anúncios que tentavam vender produtos, também enunciavam um discurso que procurava ensinar o lugar das mães na sua relação com os filhos. Primeiro, elas ajudaram a construir um modelo de mãe perfeita e a difundi-lo, colaborando para a divulgação da ideologia da maternidade. Segundo, no conjunto das prescrições da puericultura e da crescente importância da criança, contribuíram para a educação das mães, cada vez mais em segundo plano perante às crianças, como demonstra notavelmente a propaganda descrita acima.

A mãe tornar-se um instrumento para se alcançar as crianças, tendo a sua existência cada vez mais relativa em relação à dos filhos, onde sua ação e função como mulher eram somente valorizadas porque ela podia ser mãe. Existia uma infinidade de procedimentos para seguir sobre os horários de sono, de banho e de alimentação das crianças. Assim, se a mulher-mãe seguisse a risca esta rotina, teria sua vida reduzida a cuidar de seus filhos.

Nesse sentido, nossa pesquisa só reforça que a mulher tinha um modelo de existência social no qual dependia totalmente dos outros. Ela deveria possuir uma boa aparência para conseguir um casamento e viver atenta às vontades do marido sendo uma dona de casa exemplar e cuidando da sua beleza. Contudo, só iria alcançar sua felicidade plena e natural, quando fosse mãe. Não bastava dar à luz; a mãe deveria ser sábia e dedicada. Situação que tornou-se uma exigência e passou a restringir a vida das mulheres-mães aos cuidados dos filhos.

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Esta era a ideologia da maternidade que as propagandas contribuíram para disseminar e reforçar. Por isso não é de estranhar que muitas noções estabelecidas naquela época estejam presentes nos dias de hoje, onde muitas mulheres se sentem inseguras ao pensarem em maternidade ou ainda acreditam que suas existências só podem ser completas se forem mães seguindo este modelo. Não questionamos o desejo legítimo da maternidade, mas a idealização da mãe feliz que precisa viver incondicionalmente para seus filhos.

Fontes

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30/12/1950, aproximadamente 737 exemplares. Referências

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(1930-1960). Texto apresentado no 1º Simpósio Brasileiro Gênero & Mídia. Curitiba, agosto de 2005. p. 1-6.

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Referências

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