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EVOLUÇÃO INTELECTUAL DA ADOLESCÊNCIA À VIDA ADULTA 1 2. Jean Piaget 3

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EVOLUÇÃO INTELECTUAL DA ADOLESCÊNCIA À VIDA ADULTA 12

Jean Piaget 3

Estamos relativamente bem informados acerca das importantes mudanças que ocorrem no funcionamento e na estrutura cognitiva na adolescência. Tais mudanças mostram o quanto esta fase essencial no desenvolvimento ontogenético envolve todos os aspectos da evolução mental e psico-fisiológica e não apenas os aspectos mais “instintivos”, emocionais e sociais para os quais freqüentemente limitamos nossa consideração. Em contraste, porém, sabemos muito pouco ainda sobre o período que separa a adolescência da vida adulta e sentimos que a decisão da instituição FONEME de atrair a atenção de vários pesquisadores para este problema essencial é extremamente bem fundamentada.

Neste artigo, gostaríamos, primeiro, de recordar as principais características das mudanças intelectuais que ocorrem durante o período de 12-15 anos de idade. Essas características também são freqüentemente esquecidas na medida em que tendemos a reduzir a psicologia da adolescência à psicologia da puberdade. Temos que nos referir aos principais problemas que surgem na conexão com o próximo período (15-20 anos): primeiramente, a diversificação de atitudes, e, em segundo lugar, o grau de generalização das estruturas cognitivas adquiridas entre 12 e 15 anos e seu desenvolvimento ulterior.

As estruturas do pensamento formal

As estruturas intelectuais entre o nascimento e o período de 12-15 anos surgem lentamente, mas, de acordo com os estágios do desenvolvimento. A ordem de sucessão desses estágios, como foi mostrado, é extremamente regular e comparável aos estágios de uma embriogênese. A velocidade do desenvolvimento, no entanto, pode variar de um a outro indivíduo e também de um a outro meio social; conseqüentemente, podemos encontrar algumas crianças que avançam rapidamente ou outras que avançam lentamente, mas isso não muda a ordem de sucessão dos estágios pelos quais passam. Então, muito antes do aparecimento da linguagem, todas as crianças normais passam por um número de estágios na formação da inteligência sensório-motora que pode ser caracterizada por certos padrões de comporta-mento “instrumental”. Tais padrões testemunham a existência de uma lógica a qual é inerente à coordenação das próprias ações.

Com a aquisição da linguagem e a formação do jogo simbólico, imagens mentais, etc, ou seja, a formação da função simbólica (ou, em um sentido geral, a função semiótica) as ações são interiorizadas e tornam-se representações. Isso supõe a reconstrução e a reorganização, em um novo plano, do pensamento representativo. Porém, a lógica desse período permanece incompleta até que a criança tenha 7-8 anos de idade. As ações internas são ainda “pré-operatórias” se tomamos “operações” para significar ações que são inteiramente reversíveis (como adição e subtração, ou julgamento de que uma distância entre A e B é a mesma que entre B e A, etc). Devido à falta de reversibilidade, a criança não tem a compreensão da idéia de transitividade (A < C, se A < B e B < C) e de conservação (para uma criança pré-operatória, se a forma de um objeto muda, a quantidade de matéria e de peso de um objeto também mudam).

Entre os 7-8 e os 11-12 anos, é constituída a lógica das ações reversíveis, caracterizada pela formação de um certo número de estruturas estáveis e coerentes, como um sistema de classificação um sistema de ordem, a construção dos números naturais, o conceito de medida de linhas e superfícies, relações projetivas (perspectivas), certos tipos gerais de causalidade (transmissão do movimento através de intermediários), etc. Diversas características muito gerais distinguem esta lógica de outra que será constituída durante o período da pré-adolescência (entre 12 e 15 anos). Inicialmente, estas operações são ‘concretas’, quer dizer, a criança, ao usá-las, ainda raciocina em termos de objetos (classes, relações, números, etc.) e não em termos de hipóteses

1. Tradução de Tania Beatriz Iwaszko Marques e Fernando Becker. Publicado em inglês sob o título: Intellectual Evolution from Ado-lescence to Adulthood, pela Human Development, 15:1-12, 1972.

2. Uma versão francesa deste artigo foi apresentada no FONEME, Terceira Convenção Internacional, Milão 1970, e plublicada nos anais (FONEME, Instituto para Estudos e Pesquisas na Formação Humana, 20135, Via Bergamo, 21, Milão, Itália). A tradução inglesa foi preparada por Joan Bliss e Hans Furth, a quem devemos asgradecimentos especiais. Os editores da Human Development agradecem a permissão do autor e do FONEME para publicação da versão inglesa.

3. Universidade de Genebra, Escola de Psicologia e de Ciências da Educação, Genebra.

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que possam ser pensadas antes de saber se elas são verdadeiras ou falsas. Em segundo lugar, essas operações que envolvem relações de seriação e classificação entre os objetos enumerados, ocorrem, sempre, pela relação de um elemento com o elemento vizinho - eles não podem ainda articular algum termo com outro termo qualquer, como aconteceria num sistema combinatório: então, enquanto realiza uma classificação, a criança capaz de raciocínio concreto relaciona um termo com o termo que mais se assemelha e não há nenhuma classe “natural” que relacione dois objetos muito diferentes. Em terceiro lugar, essas operações possuem dois tipos de reversibilidade que não estão ainda unidas (no sentido de que uma pode ser unida à outra). O primeiro tipo de reversibilidade dá-se pela inversão ou negação, e o resultado dessa operação é uma anulação, por exemplo, + A - A = 0 ou + n - n = 0. O segundo tipo de reversibilidade dá-se pela reciprocidade e caracteriza-se pelas operações de relações, por exemplo, se A = B, então B = A, ou se A está à esquerda de B, então B está à direita de A, etc.

Ao contrário, dos 11-12 aos 14-15 anos, uma série completa de novidades ilumina a chegada de uma lógica mais completa que alcança um estado de equilíbrio uma vez que a criança atinja a adolescência, ao redor dos 14-15 anos. Precisamos, então, analisar essa nova lógica de maneira a entender o que pode acontecer entre a adolescência e a plena vida adulta.

A principal novidade desse período é a capacidade para raciocinar em termos de hipóteses expressas verbalmente e não mais, meramente, em termos de objetos concretos e sua manipulação. Esse é um ponto crítico decisivo, porque pensar hipoteticamente e deduzir as conseqüências que as hipóteses necessariamente implicam (independente da verdade intrínseca ou falsidade das premissas) são processos de pensamento formal. Conseqüentemente, a criança pode atribuir um valor decisivo à forma lógica das deduções, o que não ocorria nos estágios anteriores. A partir dos 7-8 anos, a criança é capaz de certos processos de pensamento lógico, mas que apenas se estendem a aplicações de operações particulares a objetos concretos ou eventos no presente imediato. Em outras palavras, a forma opera-tória do processo de pensamento, neste nível, ainda está subordinada ao conteúdo concreto que constitui o mundo real. Ao contrário, o pensamento hipotético implica a subordinação do real ao plano do possível e, conseqüentemente, a união de todas possibilidades entre si, pelas implicações necessárias que incluem o real, mas que, ao mesmo tempo, o superam.

Do ponto de vista social, há também uma importante conquista. Primeiramente, o pensamento hipotético muda a natureza das argumentações. Uma argumentação frutífera e construtiva significa que, por meio do uso de hipóteses, podemos adotar o ponto de vista do adversário (embora sem necessariamente acreditar nele) e retirar as conseqüências lógicas que ele implica. Dessa forma, podemos julgar o seu valor depois de ter verificado as conseqüências. Em segundo lugar, o indivíduo que se torna capaz de pensamento hipotético, por isto mesmo, interessar-se-á por problemas que vão além do seu campo imediato de experiências. Conseqüentemente, o adolescente está capacitado para compreender e até mesmo construir teorias e participar na sociedade e ideologias dos adultos. Essa capacidade é, claro, acompanhada, freqüentemente, por um desejo de transformar a sociedade e, ainda, se necessário, destruí-la (em sua imaginação) para construir outra melhor. No campo da física e, particularmente, na indução de certas leis elementares (muitos experimentos nesta área tem sido conduzidos por B. Inhelder) a diferença de atitudes entre crianças de 12-15 anos, já capazes de pensamento formal, e crianças de 7-10 anos, ainda no nível concreto, é muito notória. As crianças de 7-10 anos de idade, quando colocadas em uma situação experimental (tais como as leis do movimento de um pêndulo, fatores envolvidos na flexibilidade de certos materiais, problemas da aceleração crescente em um plano inclinado), agem diretamente sobre o material, colocado em frente a elas, por tentativa e erro, sem dissociar os fatores envolvidos. Elas simplesmente tentam classificar ou ordenar o que aconteceu, observando os resultados das co-variações. A criança do nível formal, depois de uma série de tentativas similares, interrompe a experimentação com o material e começa a listar todas as hipóteses possíveis. É apenas depois de ter feito isso, que eles começam a testá-las, tentando progressivamente dissociar os fatores envolvidos e estudar os efeitos um a um – “permanecendo constantes todos os outros fatores”.

Esse tipo de comportamento experimental, dirigido por hipóteses que são baseadas em modelos causais mais ou menos refinados, implica a elaboração de duas novas estruturas que encontramos constantemente no pensamento formal.

A primeira dessas estruturas é um sistema combinatório, e um exemplo do mesmo pode ser claramente observado no “grupo de todos os sub-grupos” (2n2 ou estrutura simples). De fato, nós já mencionamos

previamente que o processo de pensamento da criança de nível concreto (7-10 anos de idade) progride pela união de um elemento com um elemento vizinho e não pode relacionar um elemento a um elemento qualquer. Ao contrário, essa habilidade combinatória generalizada (1 a 1, 2 a 2, 3 a 3, etc) torna-se efetiva quando o sujeito pode pensar de uma maneira hipotética. De fato, a pesquisa psicológica mostra que entre os 12 e os 15 anos o pré-adolescente e o adolescente começam a realizar operações envolvendo análise combinatória, sistemas de permutação, etc (independente de todo o treinamento escolar). Eles não podem, é claro, resolver fórmulas matemáticas, mas podem descobrir, experimentalmente, métodos exaustivos de trabalhar com elas. Quando uma criança é colocada em situação experimental na qual é necessário usar métodos combinatórios (por exemplo, dados 5 recipientes de líquido incolor e inodoro, 3 dos quais combinam-se para formar um

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líquido colorido, o quarto é um agente redutor e o quinto é água) a criança descobre logo a lei depois de ter esgotado todas as combinações possíveis destes líquidos, neste caso particular.

Este sistema combinatório constitui uma estrutura essencial do ponto de vista lógico. Os sistemas elementares de classificação e ordem observados entre 7 e 10 anos, não constituem ainda um sis-tema combinatório. A lógica proposicional, no entanto, para duas proposições 'p' e 'q' e sua negação, implica que não consideramos apenas as 4 associações de base (p e q, p e não q, não p e q, nem p e nem q) mas também as 16 combinações que se obtêm unindo estas associações de base 1 a 1, 2 a 2, 3 a 3 (com a adição de todas as 4 associações de base e do elemento nulo). Deste modo, pode ser visto que implicação, inclusive disjunção e incompatibilidade, são operações proposicionais fundamentais, as quais resultam da combinação de 3 dessas associações de base.

No nível das operações formais, é extremamente interessante observar que o sistema combinatório de pensamento não é apenas útil e efetivo em todos os campos experimentais, mas que também o sujeito torna-se capaz de proposições combinatórias: conseqüentemente, a lógica proposicional surge para ser uma das conquistas essenciais do pensamento formal. Quando, de fato, o processo de raciocínio de crianças entre 11-12 e 14-15 anos são analisados em detalhe, é fácil encontrar as 16 operações ou funções binárias de uma lógica bi-valente de proposições.

Porém, há ainda mais no pensamento formal: quando examinamos a forma pela qual esses sujeitos usam essas 16 operações, podemos reconhecer numerosos casos do grupo de 4 operações, as quais são isomórficas ao grupo de Klein e as quais revelam-se da seguinte maneira. Tomemos, por exemplo, a implicação p > q, se ela permanece imutável, podemos dizer que caracteriza a transformação identidade I. Se essa proposição transforma-se em sua negativa N (reversibilidade por negação ou inversão) obtemos N = p e não q. O sujeito pode transformar esta mesma proposição na sua recíproca (reversibilidade pela reciprocidade) que é R = q > p. Também é possível transformar a afirmação na sua correlativa (ou dual), isto é, C = não p e q. Logo, obtemos um grupo comutativo de 4 operações em que CR = N, CN = R, RN = C e CRN = I. Esse grupo permite ao sujeito combinar em uma operação a negação e a recíproca, o que não era possível ao nível das operações concretas. Um exemplo dessas transformações que ocorrem freqüentemente é a compreensão da relação entre ação (I e N) e reação (R e C) nos experimentos físicos. Ou, novamente, o entendimento da relação entre dois sistemas de referência, por exemplo, um objeto em movimento pode ir para frente ou para trás (I e N) em uma prancha que, por sua vez, se movimenta para frente ou para trás (R e C) em relação a um sistema de referência exterior. Falando genericamente, a estrutura de grupo intervém quando o sujeito compreende a diferença entre a cessação ou a anulação de um efeito (N em relação a I) e a compensação desse efeito por outra variável (R e sua negação C) a qual não elimina, porém, neutraliza o efeito.

Concluindo esta primeira parte, podemos ver que a lógica do adolescente é um sistema complexo, porém coerente, que é relativamente diferente da lógica da criança, e constitui a essência da lógica dos adultos cultos e ainda proporciona a base para as formas elementares do pensamento científico.

Os problemas da passagem do pensamento do adolescente ao pensamento do adulto

Os experimentos, que basearam os resultados acima mencionados, foram conduzidos com crianças de escola secundária, 11-15 anos, tomadas das melhores escolas de Genebra. Porém, pesquisa recente tem demonstrado que sujeitos de outros tipos de escola, ou meios sociais distintos, às vezes dão resultados mais ou menos diferentes dos padrões referidos. Para os mesmos experimentos é como se o pensamento desses sujeitos permanecesse no nível operatório concreto de pensamento.

Outra informação, obtida de adultos de Nancy, França, e adolescentes de diferentes níveis em Nova York, mostrou, também, que não podemos generalizar para todos os sujeitos a conclusão de nossas pesquisas que eram, talvez, baseadas em uma população relativamente privilegiada. Isso não significa que nossas observações não tenham sido confirmadas em muitos casos. Elas parecem ser verdadeiras para certas populações, mas o principal problema é compreender porque há exceções ou, ainda, se essas são reais ou aparentes.

Um primeiro problema é a velocidade do desenvolvimento, isto é, as diferenças podem ser observadas na rapidez da sucessão temporal dos estágios. Distinguimos 4 períodos no desenvolvimento das funções cognitivas (veja o início da parte I): o período sensório-motor, antes do aparecimento da linguagem; o período pré-operatório que, em Genebra, estende-se em média de 11/2-2 a 6-7 anos; o período das operações concretas

dos 7-8 aos 11-12 anos (de acordo com pesquisas com crianças em Genebra e Paris); e o período de operações formais dos 11-12 aos 14-15 anos tal como observado em escolas estudadas em Genebra. Entretanto, se a ordem de sucessão mostrou-se constante - cada estágio é necessário para a construção do seguinte - a média de idade com que crianças passam cada estágio pode variar consideravelmente de um meio social para outro, ou de um país ou ainda de uma região para outra no interior de um país. Dessa forma, psicólogos canadenses na Martinica observaram uma lentidão sistemática no desenvolvimento. No Irã, foram observadas diferenças notáveis entre crianças da cidade de Teerã e jovens crianças iletradas das vilas. Na

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Itália, N. Peluffo mostrou que há uma defasagem significativa entre crianças do sul e as do Norte da Itália. Ele organizou alguns estudos particularmente interessantes, indicando como, em crianças de famílias do sul que emigram para o norte, essas diferenças progressivamente desaparecem. Pesquisas comparativas similares estão ocorrendo, no momento, em reservas indígenas na América do Norte, etc.

Em geral, a primeira possibilidade é considerar a diferença no ritmo do desenvolvimento sem qualquer modificação na ordem de sucessão dos estágios. Esses diferentes ritmos seriam devidos à qualidade e freqüência da estimulação intelectual recebidas dos adultos ou obtida das possibilidades disponíveis, para a criança, de atividade espontânea no seu meio. No caso de estimulação e atividade pobres, não é preciso dizer que o desenvolvimento do terceiro e quarto períodos, acima mencionados, será mais lento. Quando chega ao pensamento formal, poderíamos propor que haverá um retardo ainda maior em sua formação (por exemplo, entre 15 e 20 anos e não 11 e 15 anos). Ou que, talvez, em condições extremamente desvantajosas, um certo tipo de pensamento nunca tomará forma realmente ou se desenvolverá apenas naqueles indivíduos que mudarem o seu ambiente enquanto o desenvolvimento ainda for possível.

Isso não significa que as estruturas formais sejam exclusivamente o resultado do processo de transmissão social. Ainda temos que considerar os fatores espontâneos e endógenos de construção próprios de cada sujeito normal. Porém, a formação e acabamento das estruturas cognitivas implicam uma série completa de mudanças e um meio estimulante. A formação das operações sempre requer um meio favorável para a “co-operação”, ou seja, operações realizadas em comum (por exemplo, o papel da discussão, crítica ou ajuda mútua, problemas levantados como resultado de trocas de informação, elevada curiosidade devida à influência do grupo social, etc). Resumindo, nossa primeira interpretação poderá significar que, em princípio, todos os indivíduos normais são capazes de chegar ao nível das estruturas formais na condição de que o meio social e a experiência adquirida proporcionem ao sujeito alimento cognitivo e estimulação intelectual necessários para cada construção.

Porém, uma segunda interpretação é possível, se levarmos em conta a diversificação de atitudes com a idade, mas isso poderia significar a exclusão de algumas categorias de indivíduos normais, mesmo em meios favoráveis, da possibilidade de atingir um nível de pensamento formal. É um fato bem conhecido que as atitudes dos indivíduos diferenciam-se progressivamente com a idade. Tal modelo de desenvolvimento intelectual poderia ser comparado a um leque totalmente aberto, sendo que suas varetas concêntricas representariam os sucessivos estágios em desenvolvimento, enquanto que os setores, abrindo-se amplamente em direção à periferia, corresponderiam às diferenças crescentes em atitude.

Poderíamos ir mais longe a ponto de dizer que certos padrões de comportamento caracteristicamente formam estágios com propriedades muito gerais. Isso ocorre até que um certo nível de desenvolvimento é atingido. Deste nível em diante, porém, as atitudes individuais tornam-se mais importantes do que essas características gerais, e criam-se diferenças cada vez maiores entre os sujeitos. Um bom exemplo desse tipo de desenvolvimento é a evolução do desenho. Até o estágio em que a criança possa representar perspectivas graficamente, observamos um progresso muito geral no seu alcance, sendo que o teste “desenho da figura humana”, para citar um caso particular como exemplo, pode ser usado como um teste geral de desenvolvimento mental. Porém, surpreendentemente, grandes diferenças individuais são observadas nos desenhos de crianças de 13-14 anos de idade e diferenças ainda maiores com 19-20 anos de idade (por exemplo, recrutas das forças armadas). A qualidade do desenho nada mais tem a ver com o nível de inteligência. Neste caso, temos um bom exemplo de um padrão de comportamento que é, primeiramente, subordinado a uma evolução geral em estágios (cf. aqueles descritos por Luquet e outros autores para crianças de 2-3 até 8-9 anos) e, depois disso, torna-se gradualmente diversificado de acordo com critérios de atitudes individuais de preferência a um desenvolvimento geral comum a todos os indivíduos.

Este mesmo tipo de padrão ocorre em diversos campos, incluindo aqueles que parecem ser de natureza mais cognitiva. Um exemplo é dado pela representação de espaço que, em primeiro lugar, depende de fatores operatórios com os quatro estágios intelectuais usuais -sensório-motor (cf. o grupo prático de deslocamentos), pré-operatório, operações concretas (medida, perspectivas, etc) e operações formais. Porém, a construção de espaço, depende, também, de fatores figurativos (percepção e imagem mental) que são parcialmente subordinados aos fatores operatórios e que se tornam, então, cada vez mais diferenciados como mecanismos simbólicos e representativos. O resultado final é que, para o espaço, em geral, assim como para o desenho, podemos distinguir uma evolução primária caracterizada por estágios, no sentido comum do termo, e, então, uma diversificação crescente com a idade devida a atitudes gradualmente diferenciadas com destaque às representações imagéticas e aos instrumentos figurativos. Sabemos, por exemplo, que existem grandes diferenças entre os matemáticos na maneira com que definem “intuição geométrica”. Poincaré distingue dois tipos de matemáticos: os “geômetras”, que pensam de forma mais concreta, e os “algebristas” ou “analistas”, que pensam mais abstratamente.

Há muitos outros campos em que também podemos pensar de acordo com linhas similares. Isso torna possível, em um certo momento, distinguir entre adolescentes que, por um lado, são mais talentosos para a física ou problemas relacionados com a causalidade do que para a lógica ou matemática e aqueles que, por

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outro lado, mostram a atitude oposta. Podemos observar as mesmas tendências em questões relacionadas à lingüística, à literatura, etc.

Poderíamos, portanto, formular a seguinte hipótese: se as estruturas formais, descritas na parte 1, não aparecem em todas as crianças de 14-15 anos, e demonstram uma distribuição menos geral do que as estruturas concretas de crianças de 7-10 anos de idade, isso poderia ser devido à diversificação com a idade. De acordo com essa interpretação, porém, teríamos que admitir que somente os indivíduos talentosos do ponto de vista da lógica, matemática e física conseguiriam construir tais estruturas formais, enquanto que indivíduos talentosos do ponto de vista da literatura, artes e prática seriam incapazes de fazê-lo. Neste caso não seria um problema de subdesenvolvimento comparado ao desenvolvimento normal, porém, mais simplesmente uma diversificação de crescimento entre indivíduos, sendo a distância de atitudes maior no nível de 12-15 anos, e com mais razão entre 15 e 20 anos, do que com 7-10 anos. Em outras palavras, nosso quarto período não poderia mais ser caracterizado como um estágio propriamente dito, mas já pareceria ser um avanço estrutural na direção da especialização.

Porém, há possibilidade de uma terceira hipótese e, no presente estado de conhecimento, esta última interpretação parece ser a mais provável. Permite-nos, ela, reconciliar o conceito de estágios com a idéia de aptidões progressivamente diferenciadas. Em síntese, nossa terceira hipótese afirmaria que todos os sujeitos normais atingem o estágio das operações formais ou estruturação se não entre 11-12 a 14-15 anos, pelo menos entre 15-20 anos. Porém, eles atingem este estágio em diferentes áreas de acordo com suas aptidões e suas especializações profissionais (estudos avançados ou diferentes tipos de aprendizagem para as várias profissões). A maneira pela qual essas estruturas formais são usadas, porém, não é necessariamente a mesma em todos os casos.

Em nossa investigação das estruturas formais preferimos usar tipos específicos de situações experimentais os quais eram de natureza física e lógico-matemática porque esses pareciam ser entendidos pelos escolares que examinamos. Porém, é possível questionar se essas situações são, fundamentalmente, muito gerais e, conseqüentemente, aplicáveis a qualquer escola ou meio profissional. Consideremos o exemplo dos aprendizes de carpinteiros, chaveiros ou mecânicos que têm mostrado aptidões suficientes para o treinamento bem sucedido nas profissões que eles escolheram, mas cuja educação geral é limitada. É altamente provável que eles saibam argumentar de forma hipotética em sua especialidade, ou seja, dissociando as variáveis envolvidas, relacionando termos de forma combinatória e raciocinando com proposições envolvendo negações e reciprocidades. Eles seriam, conseqüentemente, capazes de pensar formalmente no seu campo particular, enquanto que, diante de nossas situações experimentais, sua falta de conhecimento ou o fato de que eles tenham esquecido certas idéias que são particularmente familiares às crianças enquanto freqüentam escola ou colégio, expedi-los-ia de raciocinar de maneira formal, e eles dariam a impressão de estar no nível concreto. Consideremos, também, o exemplo dos jovens estudantes de direito - no campo dos conceitos jurídicos e do discurso verbal a sua lógica seria muito superior a qualquer forma de lógica que eles pudessem usar quando diante de certos problemas no campo da física, os quais envolvam noções que eles certamente uma vez souberam mas que, há muito tempo, foram esquecidas.

É quase verdadeiro que uma das características essenciais do pensamento formal parece-nos ser a independência da forma com relação ao conteúdo. No nível das operações concretas, uma estrutura não pode ser generalizada a conteúdos heterogêneos diferentes, porém permanece ligada a um sistema de objetos ou propriedades desses objetos (deste modo, o conceito de peso somente torna-se logicamente estruturado depois do desenvolvimento do conceito de matéria, e o conceito de volume físico, após o de peso). Uma estrutura formal parece, ao contrário, generalizável, enquanto lida com hipóteses. Porém, uma coisa é dissociar a forma do conteúdo em um campo que seja do interesse do sujeito e dentro do qual ele possa aplicar sua curiosidade e iniciativa, e outra é estar apto para generalizar esta mesma espontaneidade de investigação e compreensão a um campo estranho à carreira e aos interesses do sujeito. Solicitar a um futuro advogado para que raciocine sobre a teoria da relatividade ou solicitar a um estudante de física para raciocinar sobre o código de direito civil é completamente diferente de solicitar a uma criança para generalizar o que ela descobriu na conservação de matéria para um problema de conservação do peso. Em última instância, é a passagem de um conteúdo para um conteúdo diferente, porém comparável, enquanto que no anterior trata-se de ir para além do campo das atividades vitais do sujeito e entrar em um campo totalmente novo, completamente estranho aos seus interesses e projetos. Resumindo, podemos lembrar a idéia de que as operações formais estão livres de seu conteúdo concreto, porém, precisamos acrescentar que isso somente é verdadeiro na condição em que para os sujeitos as situações envolvam aptidões iguais ou interesses vitais comparáveis.

Conclusão

Se quisermos traçar uma conclusão geral, a partir dessas re-flexões, precisamos, em primeiro lugar, dizer que, de um ponto de vista cognitivo, a passagem da adolescência à vida adulta aumenta o número de questões sem resposta que precisam ser estudadas mais detalhadamente.

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O período dos 15 aos 20 anos marca o início da especialização profissional e, também, conseqüentemente, a construção de um programa de vida correspondente às aptidões do indivíduo. Nós, agora, nos perguntamos a respeito da seguinte questão crítica: poderá alguém demonstrar, neste nível de desenvolvimento, de acordo com os níveis anteriores, estruturas cognitivas comuns a todos os indivíduos, as quais irão, porém, ser aplicadas ou usadas diferentemente por cada pessoa, de acordo com suas atividades particulares?

A resposta provavelmente será positiva, porém, isso precisa ser estabelecido pelos métodos experimentais usados em psicologia e sociologia. Além disso, o próximo passo essencial é analisar o processo provável de diferenciação, ou seja, se as mesmas estruturas são suficientes para organização de muitos campos diferentes de atividade, mas com diferenças na forma como são aplicados, ou se aparecerão estruturas novas e especiais que ainda não foram descobertas e estudadas.

É mérito da instituição FONEME ter-se dado conta da existência desses problemas e ter compreendido a sua importância e complexidade, principalmente enquanto, falando de forma geral, a psicologia do desenvolvimento acreditava que seu trabalho estava completo com o estudo da adolescência. Afortunadamente, certos pesquisadores estão, agora, conscientes desses fatos e podemos esperar saber mais sobre este assunto num futuro próximo.

Desafortunadamente, o estudo dos jovens adultos é muito mais difícil do que o estudo das jovens crianças já que são menos criativos e já fazendo parte de uma sociedade organizada que não apenas os limita e os torna mais lentos, mas que, algumas vezes, ainda, incita-os à revolta. Sabemos, porém, que o estudo da criança e do adolescente pode ajudar-nos a entender o desenvolvimento ulterior do indivíduo como adulto e que, por outro lado, a nova pesquisa sobre adultos jovens irá, retroativamente, lançar luz sobre aquilo que pensamos que já sabemos sobre os estágios anteriores.

Abstract4. Para além dos limites da história do desenvolvimento cognitivo da criança, as operações formais se

estabelecem em torno da idade de 12-15 anos. Refletida em sua habilidade para pensar hipotética e independentemente dos estados concretos dos acontecimentos, essas estruturas podem ser representadas pela referência aos sistemas combinatórios e aos quatro grupos. A essência da lógica dos adultos cultos e a base para o pensamento científico elementar são produzidos dessa forma. A velocidade com que uma criança progride através da sucessão do desenvolvimento pode variar, especialmente de uma cultura para outra. Crianças diferentes também variam em termos de áreas de funcionamento às quais elas aplicam as operações formais, de acordo com suas aptidões e suas especializações profissionais. Então, embora as operações formais sejam logicamente independentes dos conteúdos da realidade aos quais são aplicadas, é melhor testar um jovem num campo que seja relevante para sua carreira e interesses.

4 Palavras-chave: desenvolvimento cognitivo, adolescência, vida adulta, lógica, diferenças ambientais,

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