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Trabalho apresentado no GT História do Jornalismo integrante do 12º Encontro Nacional de História da Mídia.

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Academic year: 2021

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Pagu-Política: Entre o Teatro e o Jornalismo1

Vicente de Paula Nascimento LEITE FILHO2 Sarah Fontenelle SANTOS3 Thais Micaelle Ferreira GUIMARÃES4

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN

Resumo

Patrícia Galvão, Pagu, é uma das figuras mais marcantes das artes e da imprensa brasileira. No teatro e no jornalismo, Pagu se entregou com a missão de compartilhar com o mundo arte e cultura com doses grandes de engajamento político e vanguarda. Foi pioneira em vários aspectos, disponibilizando diversas possibilidades de criação e se tornando uma referência no jornalismo e no teatro santista, projetando grandes nomes nacionais e internacionais. Este artigo pretende destacar as contribuições de Pagu para o teatro político brasileiro por meio da imprensa, ressaltando que sua atuação não se resume apenas ao que podemos analisar nas páginas impressas dos jornais da época, mas também pelas práticas e relações articuladas por ela entre as redações dos veículos de comunicação e o ambiente intelectual e artístico da época.

Palavras-chave: Jornalismo; Arte; Teatro; Política.

1.Introdução

Patrícia Galvão, Pagu, teve importante papel na cultura brasileira e de forma multifacetada atuou em muitas áreas. Repórter, cronista, crítica, colunista, romancista, desenhista, militante política (sendo a primeira comunista presa no Brasil por motivos políticos), tradutora, dentre outras facetas. Cabe destacar suas atividades jornalísticas e

1 Trabalho apresentado no GT História do Jornalismo integrante do 12º Encontro Nacional de História da Mídia.

2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Graduado em

Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).

3 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPGEM) na Universidade Federal do Rio Grande do

Norte (UFRN). Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Graduada em Comunicação Social: Jornalismo e Relações Públicas pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

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artísticas, que se articularam de maneira indissociável. Certos das dificuldades envoltas, nos dedicamos a analisar a relação de Pagu entre jornalismo, arte, teatro e política, por meio de uma análise documental e bibliográfica.

Dentre estes fronts de Pagu, lançamos um olhar mais aprofundado para sua atuação jornalística, artística e política no teatro. Pretendemos afunilar esse recorte em fragmentos específicos da sua vida-obra, no que tange a sua relação com as artes cênicas e sua atuação na imprensa, que sempre foi pautada pela luta e resistência. A pergunta que nos faz percorrer a história de Pagu é: Como a jornalista e artista Patrícia Galvão, sendo multifacetada, deixava transcorrer sua atuação política e artística entre as páginas dos jornais, e como esses cenários eram indissociáveis em sua vida? Neste trabalho, não buscamos definir se ela era jornalista ou artista, mas refletir sobre como ambas as faces se encontram, desembocando em um tipo singular de Jornalista/Artista.

Para tanto, como metodologia de abordagem da carreira da jornalista Pagu, além de fazermos uso de fragmentos das páginas impressas escritas por ela nos veículos de comunicação a respeito de temas teatrais, fazemos uso de relatos sobre sua biografia e sua prática jornalista, buscando entender como sua experiência jornalística não se limitava ao mecanicismo de produzir notícias frias e neutras sobre o fazer teatral, em que ela estava imersa. Evidenciamos aqui como contextos intelectuais e artísticos, bem como os afetos que a circundavam, interferiam na sua produção jornalística, assim como o seu trânsito na imprensa influenciava o cenário dramatúrgico da época. Desta maneira, apresentamos como a vivência artística e jornalística de Pagu se retroalimentavam, revelando assim que a autora lançava mão de estratégias sensíveis que desestabilizavam práticas coloniais e estritamente mercadológicas recorrentes ao tecnicismo do jornalismo, fissurado por lampejos de resistência como os de Pagu.

2.Jornalismo, arte, literatura e política: da aproximação à separação

Antes de adentrarmos nas questões da vida e obra de Pagu, julgamos importante voltar no tempo para compreender o jornalismo e suas aproximações com a arte, literatura e política. Também nos é caro identificar os caminhos que levaram a sua aparente separação. Antes de chegarmos ao modelo padrão de jornalismo, pretensamente objetivo e com suas

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características mais marcantes, a história do jornalismo nos confirma que mudanças vieram na tentativa de atender as novas demandas de uma sociedade então moderna, capitalista e (porque não dizer?) ocidentalizada.

Segundo Penna (2006), citando Ciro Marcondes Filho, podemos classificar o jornalismo em cinco fases: Pré-história do Jornalismo: entre 1631 e 1789, de economia elementar, produção artesanal, assemelhando-se ao livro; Primeiro Jornalismo: de 1789 a 1830, com conteúdo literário e político, texto crítico, economia deficitária; Segundo Jornalismo: de 1830 a 1900, de imprensa de massa, profissionalização, criação de reportagens e manchetes, publicidade, economia de empresa; Terceiro Jornalismo: 1900 a 1960, fase marcada por uma imprensa monopolista, grandes tiragens, relações públicas, grandes rubricas políticas e fortes grupos editoriais; e Quarto Jornalismo: 1960 em diante, caracterizado como o jornalismo de informação eletrônica e interativa, com profundas mudanças nas funções do jornalista. Se tomarmos por base esta classificação, podemos afirmar que Pagu foi contemporânea da segunda fase do jornalismo, período ainda permeado por produção largamente realizada por grande literários da época.

Ainda não era o tempo em que se rezava nas cartilhas dos manuais de comunicação que viriam nas décadas seguintes. A influência da literatura está mais presente no primeiro e no segundo jornalismo, onde escritores de prestígio tomam a cena, eram comuns os Folhetins (narrativa em série, situado entre prosa e romance). Tal cenário era ótimo para os donos de jornais, que não se preocupavam em contratar profissionais fixos, como também beneficiava-se, de algum modo, os escritores, que tinham onde publicar a sua produção e não precisavam ficar à míngua do mercado editorial. Grandes nomes iniciaram impulsionados por esta brecha benfazeja que se abria com os jornais. Podemos citar exemplos, na França: Balzac e Victor Hugo; Inglaterra: Walter Dickens e Walter Scott; Rússia: Dostoiévski e Tostói ; Brasil: Machado de Assis, José de Alencar, Euclides da Cunha e, porque não dizer, a voz feminina e feminista de Patrícia Galvão?

Fábio Pereira (2011) relaciona a história de jornalistas e intelectuais e afirma este caminho atravessado do jornalismo, literatura e política, o que viria a mudar com a criação do conjunto de convenções, representação e princípio da delimitação estatutária por volta dos anos 1945-1968. Foi o período em que os manuais começam a povoar o jornalismo, buscando uma diferenciação do estatuto da categoria, que chegou mesmo a expulsar das

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redações aqueles chamados “forasteiros”, aqueles mesmos engajados políticos, engajados artísticos, literários e outros mais. Chegava a hora e a vez de embalsamar o jornalismo brasileiro com o modelo norte-americano, onde vigorava o lead e as preocupações mais fortemente calcadas nas respostas dos Q’s (Quem, o quê, quando, onde e – quando se chega mais longe – porque). Do outro lado, é também Fábio Pereira (2011) que nos afirma que os anos de 1969-1970 foram de gradativa reorganização de redes de cooperação cultural (professores, jornalistas, artistas etc).

Contra a morte da relação jornalismo e literatura, que sempre foi tão próxima e próspera, é que vai nascer, ou ressurgir - ou por que não dizer demonstrar de modo retumbante que não morreu? – O Novo Jornalismo, ou new jornalism, cansado do jornalismo-máquina, denunciando o aprisionamento do ser humano quadrado American Way of life.

Especialmente na segunda metade de 1940 e boa parte dos anos 50 se construiu o que alguns chamam de Geração Silenciosa. No entanto, em meio ao silêncio, uma dinâmica nova surgia, a juventude ocupava as ruas contestando. Era o tempo das panteras negras, feministas, da contracultura e das passeatas contra guerras.

2.1 Em busca de elos perdidos: jornalismo e ocidentalização, onde está a comunicação sensível?

Cremilda Medina (2011; 2003) tece uma crítica ao jornalismo dogmático e mecanicista, propondo a construção de um diálogo que construa uma comunicação solidária e plural. Em A arte de tecer o presente (2003), a autora compõe um quadro que nos estimula a (re) pensar o jornalismo, suas rotinas e práticas desde a tríade da inteligência sensível: ágil, sensível e análitica. Inteligência esta que nos remete à sensibilidade com que desborda nas veias literárias em que o jornalismo brasileiro, como já foi dito anteriormente, encontra suas fontes. Não queremos aqui fazer um exercício, pouco útil, para trazer de volta o que foi para o presente, mas nos arriscamos a perguntar onde e quando o jornalismo brasileiro transfigurou sua sensibilidade em sensacionalismo, mecanicismo e dogmatismo, sob o prejuízo de perder diariamente muitas Pagus na vala comum do tecnicismo.

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Para refletir sobre estes questionamentos, trazemos à luz as discussões sobre modernidade e colonialidade (Mignolo, 2017) e as ideias das epistemologias do Sul, que encontram uma voz firme em Boaventura de Sousa Santos (2009; 2018). Na tentativa de repensar outros futuros junto aos povos colonizados, no eixo Sul Geopolítico do mundo, Mignolo (2017) afirma que a colonialidade “nomeia a lógica subjacente da fundação e do desdobramento da civilização ocidental desde o Renascimento até hoje, da qual colonialismos históricos têm sido uma dimensão constituinte, embora minimizada” (MIGNOLO, 2017, p. 2). Já Santos (2018), convida ao exercício emergente de uma ciência que respeite as epistemologias do Sul, cuja definição seria:

[...] um conjunto de procedimentos que visam reconhecer e validar o conhecimento produzido, ou a produzir, por aqueles e aquelas que têm sofrido sistematicamente as injustiças, a opressão, a dominação, a exclusão, causadas pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado, os três principais modos de dominação moderna (SANTOS, 2018, p. 24).

Trazemos este ponto de vista para fundamentar a reflexão de que o jornalismo, assim como as ciências, saberes e práticas, na América Latina foi colonizado por um pensamento abissal (2009) que divide e sufoca diferentes formas de ser, produzir e ver o mundo. Conforme Fábio Pereira (2011), entre os anos 1960-1970, o jornalismo brasileiro em sua fase de reestruturação tem uma forte influência do jornalismo norte-americano. O Norte geopolítico do mundo passa a dominar os modos de informar, sendo crescente uma ordem desigual na produção, circulação e distribuição da comunicação, em escala planetário. Cremos que estes fatores são decisivos para afastar figuras como Pagu, indissociavelmente, Jornalista/Artista, da composição do jornalismo brasileiro. É certo que boa parte dos textos jornalísticos de Pagu debruçavam-se sobre artistas europeus. Contudo, não podemos deixar de notar que ela recorria a estes como tentativa de desestabilizar a ordem vigente e fissurar veredas vanguardistas.

Mas os nossos poetas e escritores, os pintores e os ilustradores, os cenógrafos, não querem nada senão a ordem. É por causa dessa mania da ordem que não se faz coisa com coisa. E a literatura desejada não aparece, senão na circunstância de termos em Clarisse Lispector uma grande escritora que ninguém lê porque é difícil. Muito bem. (...) Contra a ordem, portanto, nesse panorama tão igualzinho e vulgar, para que haja uma outra

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linha mais nova na paisagem, um rasgo no horizonte, mesmo rasguinho, quando, não possa ser um rasgão. (GALVÃO, Diário de São Paulo, 1950)

Ainda que a crítica não seja voltada especificamente a assuntos teatrais, este pensamento de Patrícia reativo ao excesso de ordem também se faz presente ao tratar de teatro explicitando sua inclinação as iniciativas vanguardistas e combatendo acidamente proposições ordeiras. Reconhecemos que muito do repertório de Patrícia é fundado em referências europeias. Mas ressaltamos que é muito provável que isso consista numa estratégia antropofágica de usar de artifícios conceituais estrangeiras que provocavam rupturas no eurocentrismo para cobrar da “prata da casa” comportamentos mais engajados nas artes. Deste modo, cremos, que dentre os paradoxos, Pagu representa uma voz epistêmica do Sul ao fazer um jornalismo contestatório, cuja a missão era nitidamente a emancipação de um sociedade pretensamente ordeira, mas que no íntimo intencionava e intenciona a máxima exploração das pessoas que vivem do trabalho.

3 As faces políticas, artísticas e jornalísticas de Pagu

3.1 Recortes biográficos políticos da artista/ jornalista

Diante da turbulenta vida-obra de Pagu, pinçamos partes de sua vivência no teatro e na imprensa para situar sua atividade na cultura brasileira. São múltiplas as experiências de Pagu no que se refere ao teatro. De aluna, professora, diretora, autora, crítica... até mobilizadora de importantes festivais, sendo premiada e inclusive jurada. Sem dúvidas, uma grande agitadora cultural, que alavancou as artes cênicas no estado de São Paulo e no Brasil. Para além de todas as facetas teatrais de Pagú, existia a jornalista. E foi por meio do Jornalismo, e de seus escritos onde ela dedicou sua sensibilidade e força em busca do desenvolvimento da nossa cultura, e do teatro brasileiro.

Seu legado como escritora frequentemente é considerado reduzido. Contudo, devemos levar em conta que sua vida foi permeada de muitos tumultos, dentre os quais amargos anos na prisão ou em fugas da polícia que a perseguia devido duas convicções políticas. Mesmo frente a tantas adversidades seu interesse por arte, fez com que ela acabasse militando também nas fileiras intelectuais deixando contribuição valiosa para identidade cultural brasileira. É importante perceber que sua vida e obra não se dissociam

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como nos faz refletir Augusto de Campos (2014) e por isso é importante observar sua trajetória com olhar aberto não só a dados técnicos e documentais, mas atento à variedade de registros e memórias do seu percurso biográfico, que também configura-se como obra/legado e importante fonte de análise. Assim compreender a importância de Pagu é cartografar sua subjetividade, percebendo que suas atividades política, jornalística, feminista e teatral se interconectam e nos ajudam a formular sua vasta contribuição na nossa história.

Lúcia Maria Teixeira Furlani (2010) relata que o contato de Patrícia com o Jornalismo começa na sua adolescência, 15 anos, por volta de 1925, quando começa a colaborar com o Brás Jornal:

Estreia no jornalismo, aos quinze anos, fazendo ilustrações para o jornal do bairro onde mora, Brás Jornal. Usa o primeiro pseudônimo, Patsy. Além do curso de professora procura dar vazão à criatividade frequentando aulas de Literatura e Arte Dramática no Conservatório Dramático e Musical, na Avenida São João, tendo como professores Mário de Andrade e Fernando Mendes de Almeida. (FURLANI, 2010, p.34).

Por volta deste período já tinha proximidade com poetas modernistas como Guilherme de Almeida. No ano de 1928, no auge período antropofágico – vertente do modernismo brasileiro - que ela passa a ganhar destaque ao colaborar com a Revista de Antropofagia, com desenhos-poemas. É aí que literalmente surge Pagú: Raul Bopp acreditando que ela se chamava Patrícia Goulart, brincou com as sílabas e eis que sugeriu que adotasse Pagú como nome de guerra. A antropofagia marca a história brasileira e a da própria Pagú, que se aproxima de Oswald Andrade e outros intelectuais, sofrendo e irradiando influências que certamente iriam determinar seu ofício jornalístico e artístico, se projetando no seu trabalho teatral. Cabe ressaltar que a Antropofagia subsidia conceitualmente até hoje movimentos e teorias anticoloniais no Brasil. Isto nos demonstra que desde o início de sua carreira Pagu está comprometida com a busca de uma identidade nacional que consequentemente reflete-se na sua escrita inclusive jornalística.

Após uma viagem a Buenos Aires, no fim de 1930, Pagu retorna trazendo ao Brasil bastante material (livros, panfletos etc.) comunista. O interesse despertado pelas doutrinas sociais também marcará toda sua trajetória jornalística e se articulam com suas concepções estéticas e estilísticas em combater a dominação do mercado. O marco deste seu

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engajamento político na imprensa se dá em março de 1931, fundam o Jornal O Homem do Povo, no qual Pagu assinava a coluna A mulher do povo, dentre outros textos, e onde também fazia ilustrações e parte da diagramação. “Na página de variedades, Pagu abordava cinema e teatro, enquanto os esportes, em no Mundo e na Ponte Grande, ficavam com Oswald (de Andrade)” (FURLANI, 2010, p.93) Foram somente oito edições e o jornal foi empastelado pelos estudantes da faculdade de Direito do Largo do São Francisco. A polícia fecha o jornal e o casal segue para Montevidéu. Lá conhecem Luís Carlos Prestes e a conversão ao comunismo é assimilada de vez. Sobretudo, por Pagú que ao voltar ao Brasil, ingressa nos quadros do Partido Comunista.

Pagu sofreu uma série de restrições para ser aceita no PCB. O partidão impôs que ela deixasse Oswald de Andrade e o filho que teve com ele, Rudá. Além disso, foi proibida de exercer qualquer atividade intelectual, obrigando-a a proletarizar-se. Guiada obstinadamente pelo espírito de sacrifício em nome de ideais de liberdade e justiça social, Pagu acatou as decisões do Partido. Recusou empregos na imprensa, em detrimento dos ditos “proletários”: trabalhou como doméstica, lanterninha de cinema, operária e etc. Paralelo a isso participava de reuniões, manifestações e outras tarefas do Partido, andava armada e era constantemente perseguida pela polícia. Pagu foi presa várias vezes. Uma das primeiras e mais sofridas prisões foi a que ocorreu num comício em Santos, em 23 de agosto de 1931. Na ocasião, ela tenta reanimar estivador negro Herculano de Souza que havia sido alvejado pela polícia. Herculano morreu e Pagu foi presa, como a primeira comunista a ser presas por motivos políticos no Brasil. O fato fez com que fosse exaltada entre os operários, o que incomodava o Partido, pela sua origem “burguesa”. A partir daí iniciou-se quase uma década (1931-1940) de fugas, prisões, vulnerabilidade e risco de vida que a levaram a profundas decepções com a luta político-partidária, contudo nunca abandonou os embates políticos, tentando inclusive candidatar-se pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 1950 sem obter sucesso.

Tais episódios políticos nos mostra o comprometimento de Pagu com as causas sociais e sua firme crença em um ideal revolucionário. Esta característica permeará seu trabalho jornalístico não só no que se refere a temas políticos, mas principalmente ao tratar de temas relacionados a artes.

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3.2 Pagú e sua atuação no jornalismo

Segundo Jackson (2011), a obra jornalística de Pagu é vasta e tem uma duração de 30 anos (1931-61). Para o autor, há relação entre o jornalismo, sua vida social e política, tal como provam os romances Parque industrial (1933) e A famosa revista (1945). “Patrícia criou em cada fase de sua vida um jornalismo de crítica e de compaixão, ao mesmo tempo analítico e íntimo, objetivo e pessoal, profissional e criativo” (JACKSON, 2011, p. 33).

Como já afirmamos, o contexto de Pagu começa no modernismo, passa pela democracia e na vanguarda dos anos 1950. A seguir, elencamos os caminhos percorridos por Patrícia Galvão no jornalismo brasileiro conforme Jackson (2011), que demorou entre 1990 e 2010 em um projeto que tinha como foco analisar e organizar inúmeros arquivos de Pagu.

De acordo com o autor, a trajetória de Pagu segue desta forma: Revista de Antropofagia (1928); O Homem do Povo com a coluna “A mulher do Povo” (1931); Diário de Notícias (1933); A Noite (22/08/42 até 31/12/42); Vanguarda Socialista (De 31/08/45 a 9/8/46); Diário de S. Paulo, com a série “Antologia da literatura estrangeira” – juntamente com seu marido e crítico de arte Geraldo Ferraz – (24/11/1946 a 28/1148); Sob a rubrica de “Cor Local”, publica longa série de colunas assinadas como “Pt” (24/11/1946 a 28/11/1948; Jornal de São Paulo (1949); Revista Fanfulla (1950); A Tribuna de Santos (1954); Série “Palcos & Atores”, no suplemento literário de A Tribuna de Santos (1955).

Entre artigos e crônicas, Pagu documentou a vida política, cultural e artística brasileira, sobretudo, a efervescência cultural da movimentada São Paulo. Em sua obra jornalística também é possível observar crítica literária nacional e mundial, bem como uma produção muito dedicada ao teatro.

3.3 Militância no jornal em prol da causa teatral

Quando o teatro arrebatou Pagu, esta desejava ser apenas Patrícia, por conta dos traumáticos momentos associados ao seu nome de guerra propalado e perseguido numa sociedade conservadora, um partido reacionário e pela Ditadura Vargas. Ao invés da militância político-partidária, dedica-se a cultural que passa a se direcionar ao teatro quando ela ingressa na Escola de Arte Dramática (EAD) em São Paulo, fundada em 1948, como

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unidade complementar a Escola de Comunicação e Artes (ECA). De acordo com Campos (2014), Pagu já tinha contato com o fundador e diretor, Alfredo Mesquita, ingressando na escola no início dos anos 50, compondo uma das primeiras turmas. Na época, ela até escreve uma peça intitulada “Fugas e Variações”, que foi encenada, mas nunca publicada. Sobre esse período, Alfredo Mesquita rememora o envolvimento de Patrícia:

Conversávamos longamente, amigavelmente, enquanto havia pouca gente à volta. Mal aumentava a roda e Patrícia – como queria que a chamássemos – calava-se arredia, – calava-se arredia, assustadiça, para logo se esgueirar e sumir. Assim era a famosa, a terrível, a assustadora Pagú. (MESQUITA apud CAMPOS, 2014, p. 350).

Apesar de introspectiva, ainda havia empolgação em fazer movimentar os circuitos artísticos, tendo contato com importantes nomes do teatro brasileiro como Cacilda Becker, Ziembinski, Décio de Almeida Prado, Pascoal Carlos Magno, dentre outros. Sobre a experiência de Patrícia na EAD, Márcia Costa observa que Pagu era “Admiradora do teatro de vanguarda, era uma das estudantes mais aplicadas. Lá traduziu a Cantora Careca, de Ionesco, pela primeira vez encenada no Brasil” (COSTA, 2008, p.89). O interesse pelas vanguardas não se dava, portanto, apenas no campo político, e no teatro, este foi um tema que muito foi debatido por jornalismo de Patrícia, sobretudo no Jornal A Tribuna de Santos, como bem observa COSTA (2008) em sua pesquisa sobre a atividade cultural de Pagu neste veículo de comunicação santista.

Por meio da imprensa, através das matérias e críticas, Patrícia Galvão revelou seu comprometimento com o teatro e a cultura nacional. Depois de ter cumprido pena (1936-1940), tentou reinserir-se as suas “atividades intelectuais” e passou a trabalhar em diversos jornais e revistas do Rio de Janeiro e São Paulo, como A Noite, O Jornal, A Manhã, Diário da Noite, A Plateia, Fanfulha e Vanguarda Socialista.

Retoma seu ofício jornalístico em 1942, como redatora de A Manhã e O Jornal, ambos do Rio de Janeiro. Morando no Rio, contribuiu com crônicas sob o pseudônimo de Ariel para o jornal A Noite, dirigido por Menotti Del Picchia, de agosto a dezembro do mesmo ano. Em 1945 escreveu artigos políticos e críticas literárias para a Vanguarda Socialista.

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Jackson (2011) destaca a atuação de Pagu em parceria com o segundo esposo, Geraldo Ferraz, na organização do “Suplemento Literário” do Diário de São Paulo, de 1946 a 1948. Lá, dentre outros artigos, ela escrevia na coluna “Antologia de Literatura Estrangeira”, traduzindo e comentando escritores como James Joyce, Rilke, Apollinaire, Mallarmé, Thomas Mann, Max Jacob, Cocteau, Breton, Crevel, dentre outros. Produzia crônicas na seção, eventualmente, sobre teatro. “Em suas páginas Patrícia assina crônicas da série Cor Local, com a sua rubrica “Pt”, e mantém, com Geraldo Ferraz, a seção ‘Antologia da Literatura Estrangeira’, comentários bibliográficos e traduções, mais de noventa números” (CAMPOS, 2014, p. 432)

Antonin Artaud e seu teatro da crueldade foram assuntos abordados por Pagu com pioneirismo, tendo em visto que na época não se conhecia a obra de Artaud no Brasil. Um dos artigos destacados por CAMPOS (2014) é Antonin Artaud e sua legenda de “poeta maldito” é do Jornal de Notícias em 1950. No texto, a jornalista faz referência a morte de Artaud, exalta seu trabalho literário e dramatúrgico e destaca a censura de “Para acabar com o julgamento de Deus”, um dos seus textos mais emblemáticos, considerado a origem do termo corpo sem órgãos desdobrado por uma vários pensadores, dentre eles Deleuze e Guattari.

Os temas de teatro passam a ser foco da sua produção jornalística quando vai residir em Santos, em 1954, integrando o quadro profissional do jornal A Tribuna, onde até sua morte em 1962.

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(Fonte: A Tribuna de Santos, Santos, novembro 1959)

Neste artigo, escrito para a coluna “Palcos e atores” do jornal A Tribuna de Santos, Pagu faz uma defesa do teatro de vanguarda, reforçando que à época, havia muitas produções reivindicando o termo, o que, segundo ela, deveria ser observado com cautela. É nítida a insistência de Pagu em preconizar as características do teatro de vanguarda, dentre as quais é interessante observar como ela situa o expectador neste processo: “o espectador então não se sentirá tranquilo como se estivesse em casa com os seus, na colma burguesa, pequeno burguesa ou proletária” (GALVÃO, 1959). Os lampejos emancipatórios pincelados por Pagu neste texto mais uma vez nos conduz a assinalar que ela faz uso do teatro através do jornalismo para instigar o público de teatro e o leitor não só a reflexões estéticas, mas também éticas e políticas, desterritorializando-os das suas zonas de conforto.

É na cidade de Santos que Pagu começa realmente a aprofundar-se em atividades teatrais. Em 1955, é nomeada membro da Comissão Municipal de Cultura em Santos. Sobre esse fato, sua biógrafa, Lúcia Maria Teixeira Furlani relata que:

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Ao ser nomeada membro da Comissão Municipal de Cultura e Santos, Patrícia estabelece com a EAD um acordo para trazer, mensalmente, um espetáculo da Escola a Santos, iniciando com a Descoberta do Mundo, Lope de Vega, em transcrição de Morvan Lebesque. Entre outras peças foram apresentadas Bodas de Sangue, com a formanda Aracy Balabalian, e Os Persas, de Ésquilo, com direção de Maria José Carvalho. A Comissão Municipal de Cultura de Santos, presidida por Evêncio Quinta, tendo ao seu lado Patrícia e a colaboração do Departamento Cultural de A Tribuna, coordenado pelo professor Luís F. Carranca, promovia cursos com nomes conhecidos como Ziembinski e Miroel Sivleira. (FURLANI, p.230, 2010)

Intensifica seu trabalho teatral, segundo FURLANI (2010), torna-se a primeira presidente da “União de Teatro Amador de Santos”, em 1958. Anteriormente, em 1956, coordena o Grupo de Teatro Universitário Santista (TUS), e lado de Pontes de Paula Lima traduz A tumba do guerreiro, de Ibsen, primeiro texto encenado pelo grupo.

No jornal A Tribuna, é possível constatar mais de perto sua produção jornalística no que se refere ao teatro com crônicas sobre o Teatro Mundial Contemporâneo, autores e temas quase desconhecidos no Brasil, de acordo com Furlani (2010). Bertolt Brecht e seu teatro político é o primeiro introduzido por Pagu nesta série que trará autores como Kafka, Rike, Pirandello, Beckt, Octavio Paz, Ionesco e Arrabal. Além de ser pioneira ao traduzir A Cantora Careca, de Ionesco, Patrícia mais uma vez sai na frente com a estreia mundial de Arrabal feita em Santos, quando ela traduziu a peça Fando e Lis encenando-a com o GETI (Grupo Experimental de Teatro Infantil), estreado em 1959, no II Festival Santista de Teatro Amador (FESTA). Podemos notar que neste período os campos do Jornalismo, das Artes e da intelectualidade cultivados por Patrícia entrelaçam-se num gesto de engajamento cultural a serviço da causa teatral.

Conclusão

Jornalismo e Arte ao longo da história sempre andaram de mãos dadas, porém o século XX (principalmente em sua segunda metade) a mão do mercado incide sobre esta relação na tentativa de esquadrinhar e dissociar estas formas de comunicação em âmbitos bem distintos. Contudo, sabemos que nenhum mecanismo de controle opera com perfeição e é nestas brechas que insurgem rupturas potentes de criação, possibilitando respiros e formas outras de se fazer tanto arte como jornalismo. É assim que percebemos o trabalho

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jornalístico de Patrícia Galvão. Sua marca nas páginas da imprensa brasileira nos apresenta uma jornalista interessada em apaixonar seu leitor, uma artista comprometida em formar seu público. Ou seria o contrário? É complexo definir estes limites em se tratando de figura tão incapturável como foi Pagu.

Longe de limitar-se a lógica do lead ela nos ofereceu um aprendizado não meramente técnico a respeito de possíveis caminhos a serem trilhados no Jornalismo Cultural. É certo que ela tenta incorporar no seu texto estruturas informativas, porém também é nítido que os princípios de neutralidade e objetividade não se arvoram em sua produção. Isto, contudo, não faz com que ela seja meramente tomada pela emoção ao redigir suas críticas tampouco compromete sua sensibilidade e sagacidade. Muito bem embasada nos principais intelectuais de sua época ela mantém o rigor e fundamenta-se em pontos de observação importantes para consolidação de uma crítica teatral especializada bem como para atender um ambiente dramatúrgico em ascensão, ávido por conceitos e elementos que permitissem pensar a identidade cultural nacional bem como a do teatro brasileiro.

Com esta análise de sua trajetória, compreendemos que sua atuação na imprensa ao mesmo tempo que acompanhou onda informativa predominante do jornalismo cultural da época, também revelou-se como ponto fora da curva, tendo em vista seu tom sardônico e sua conclamação às causas políticas e vanguardistas ligadas ao teatro. Podemos então inferir que seu trabalho constitui-se em um estilo peculiar vinculado a sua formação política e sua “herança” do movimento modernista brasileiro, ambas subversivas. A antropofagia certamente foi uma das bases de Pagu e pode ser percebida na sua vida-obra como um todo e especificamente na sua atividade jornalística a respeito do teatro, posto que ela posiciona-se contra um pensamento ordeiro de baposiciona-ses coloniais, estimulando maneiras autênticas de pensar a cultura e o teatro, ainda que com fortes influências estrangeiras. O que prevalece nesta análise é destacar o engajamento de Pagu em impulsionar e apurar o teatro brasileiro, utilizando-se do jornalismo como vetor provocador que fazia cena brasileira fervilhar.

Referências bibliográficas

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COSTA, Márcia. Jornalismo Cultural: A produção de Patrícia Galvão no Jornal A Tribuna. Dissertação apresentada ao Programa de Comunicação Social da UMESP, 2008.

GALVÃO, Patrícia. Contornos e desvãos de um panorama sumário, Diário de SP , 15/10/1950. ________________. Que é afinal Vanguarda? In A Tribuna de Santos, 01/11/1959.

JACKSON, Kenneth David. Uma evolução subterrânea: o jornalismo de Patrícia Galvão. Revista teb, nº 53, mar./set. p. 31-52, 2011.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; Maria Paula Meneses (orgs.) Epistemologias do Sul, 2009.

_________________. Na oficina do sociólogo artesão: aulas 2011-2016; seleção, revisão e edição Maria Paula Meneses, Carolina Peixoto. — São Paulo : Cortez, 2018.

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Referências

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