• Nenhum resultado encontrado

Avaliação da rede de atenção à gestação de alto risco no Sistema Único de Saúde de quatro cidades brasileiras de grande porte

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Avaliação da rede de atenção à gestação de alto risco no Sistema Único de Saúde de quatro cidades brasileiras de grande porte"

Copied!
155
0
0

Texto

(1)

Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Ciências Médicas

Juliana Azevedo Fernandes

Avaliação da Rede de Atenção à Gestação de Alto Risco

no Sistema Único de Saúde de quatro cidades brasileiras de grande porte

CAMPINAS 2019

(2)

Juliana Azevedo Fernandes

Avaliação da Rede de Atenção à Gestação de Alto Risco

no Sistema Único de Saúde de quatro cidades brasileiras de grande porte

Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva, na área de concentração Política, Planejamento e Gestão em Saúde.

Orientador: Prof. Dr. Gastão Wagner de Sousa Campos

Coorientadora: Profa. Dra. Priscila Maria Stolses Bergamo Francisco

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA

JULIANA AZEVEDO FERNANDES, E ORIENTADA PELO PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS.

CAMPINAS

(3)
(4)

COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE

MESTRADO/DOUTORADO

JULIANA AZEVEDO FERNANDES

ORIENTADOR: GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

COORIENTADOR: PRISCILA MARIA STOLSES BERGAMO FRANCISCO

MEMBROS:

1. PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

2. PROF. DRA. LIANE BEATRIZ RIGHI

3. PROF. DRA. DANIELE POMPEI SACARDO

4. PROF. DRA. PATRICIA RODRIGUES SANINE

5. PROF. DR. RUBENS BEDRIKOW

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da FCM.

(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Ao Gastão, esteio no meu percurso de sanitarista, por todas as trocas e oportunidades ao longo dos anos.

A Priscila, pela orientação dedicada e generosa, para além da contribuição com os aspectos “quanti” da pesquisa.

A Rosana, minha primeira janela nas Campinas, por tudo que fizemos juntas e pela presença firme e elegante no estudo AcesSUS.

Aos professores Tanaka, Marília, Dario, Raimundinha e todo grupo de pesquisa AcesSUS, por terem constituído um coletivo organizado admirável.

Ao Rubens e a Patrícia, pela leitura atenta e pela forma entusiasmada como transmitiram suas contribuições no exame de qualificação.

Aos colegas do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp, por estarem sempre ali, criando caminhos.

Ao Spártaco, pela parceria na construção de um cotidiano bonito junto aos nossos filhos, alegrias da nossa casa, que nos alimentam diariamente a fazer coisas.

A Flávia, André e José, porto seguro, pela fé na vida, no homem, no que virá.

Aos meus outros amores da família e da família escolhida, meus amigos, por serem cúmplices, por tornarem possível.

Aos usuários e trabalhadores do SUS, especialmente às mulheres envolvidas nesta pesquisa, por emprestarem seus corpos e suas vozes a esta pesquisa.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

(7)

Não se pode escrever nada com indiferença. (Simone de Beauvoir)

(8)

RESUMO

Este estudo avaliou a rede de atenção à Gestação de Alto Risco (GAR) no Sistema Único de Saúde (SUS) em Campinas, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo - quatro cidades brasileiras com mais de um milhão de habitantes - considerando o acesso, funcionamento e utilização da Atenção Especializada e Atenção Primária à Saúde (APS). Levou em consideração o arranjo operacional das Redes de Atenção à Saúde proposto pelo Ministério da Saúde a partir de 2010 e os desafios da regionalização das ações em saúde. Destacou a trajetória de constituição da Política de Saúde da Mulher, em especial a Atenção Obstétrica e Neonatal, apontando os retrocessos anunciados e em curso nas políticas públicas de saúde. O percurso metodológico do estudo incluiu a triangulação de diferentes fontes de informação e técnicas de coleta de dados. Caracterizaram-se os contextos de atenção à GAR por meio de indicadores dos sistemas de informação em saúde e de estudo descritivo qualitativo produzido por informantes-chave, além de questionário aplicado a 1.886 gestantes dos serviços especializados, encaminhadas pela APS. Ainda, foram realizadas entrevistas semiestruturadas em amostra intencional das gestantes de Campinas. Foram identificadas diferenças importantes na atenção a GAR nas quatro metrópoles estudadas, sendo que a capital nordestina incluída na pesquisa apresentou maiores dificuldades na operacionalização e cuidado à GAR. Apesar de existir um padrão de gestão precário no SUS, encontrou-se uma boa cobertura de assistência ao pré-natal, acesso em tempo oportuno a serviços especializados em GAR, achados a partir dos quais se infere que a tradição de políticas e de programas de saúde da mulher e da criança no Brasil influenciou positivamente a qualidade do atendimento, compensando, em parte, carências estruturais do SUS. A análise comparada das redes nas quatro cidades demonstrou o quanto a consolidação do SUS depende do desenvolvimento social, político e cultural de cada região. Sugere-se aprofundamento na investigação sobre a influência dos modelos de atenção e diretrizes de cuidado na qualidade dos serviços, além de estudos sobre os efeitos da rede temática Cegonha na reorganização da assistência ao pré-natal.

Palavras-chave: Cuidado Pré-natal, Gravidez de Alto Risco, Assistência Integral à Saúde, Avaliação em Serviço, Regionalização.

(9)

This study assessed the High-Risk Pregnancy care networks in the Unified Health System (SUS, for Sistema Único de Saúde) in Campinas, Fortaleza, Porto Alegre and São Paulo - four Brazilian cities with over one million inhabitants - taking into consideration the access, operation, and use of Specialized Care and Primary Health Care (PHC). It took into account the Health Care Networks’ operational arrangement adopted by the Health Ministry in 2010 and the challenges involved in the regionalization of health actions. The study looked into the Women’s Health Policy implementation process, especially the Obstetric and Neonatal Care, observing the forecasted and ongoing regression of public health policies. The methodology comprised the triangulation of several information sources and data collecting techniques. The High-Risk Pregnancy care contexts were characterized through indicators of the health information systems and the qualitative descriptive study produced by key informants, as well as a questionnaire applied to 1,886 pregnant women from specialized services, referred by the PHC. In addition, semi-structured interviews were conducted with an intentional sample of pregnant women from Campinas. Remarkable differences were identified in the High-Risk Pregnancy care of the four metropolises, of which the Northeast capital was found to face greater difficulties with High-Risk Pregnancy care and operationalization. Despite the Unified Health System’s poor management standards, we found evidence of good prenatal care coverage and timely access to High-Risk Pregnancy care networks’ specialized services. These findings suggest that the tradition of health policies and programs for women and children in Brazil positively influenced the quality of care, making up, in part, for the SUS structural deficiencies. The comparative analysis of care networks in the four cities demonstrated how much the SUS consolidation depends on the social, political and cultural development of each region. This study suggests further in-depth research on the influence of health care models and guidelines on the quality of services, as well as further research on the effects of the Rede Cegonha (Stork Network) on the reorganization of prenatal care.

Keywords: Prenatal Care, High-Risk Pregnancy, Comprehensive Health Care, Assessment in Service, Regional Health Planning

(10)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACS - Agente Comunitário de Saúde AE - Atenção Especializada

AMA - Assistência Médica Ambulatorial ANS – Agência Nacional de Saúde APS - Atenção Primária à Saúde

CAISM - Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher CFM - Conselho Federal de Medicina

CRM - Conselho Regional de Medicina

CROSS – Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde ESF - Estratégia Saúde da Família

GAR - Gestação de Alto Risco GO – Ginecologista obstetra

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

ME - Medicamentos Essenciais MS - Ministério da Saúde

NOAS - Norma Operacional de Assistência à Saúde NOB - Norma Operacional Básica

OMS - Organização Mundial da Saúde

PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher PHPN - Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento PIB - Produto Interno Bruto

PNAB - Política Nacional de Atenção Básica PSMI - Programa de Saúde Materno-Infantil PUC – Pontifícia Universidade Católica

PUCC – Pontifícia Universidade Católica de Campinas RAS - Redes de Atenção à Saúde

RC - Rede Cegonha

RENAME - Relação Nacional de Medicamentos Essenciais RRAS – Rede Regional de Atenção à Saúde

SAMU - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SIGA – Sistema Integrado de Gestão de Atendimento

(11)

SUS - Sistema Único de Saúde TRG - Teste Rápido de Gravidez UBS - Unidade Básica de Saúde

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFCSPA – Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Unicamp - Universidade Estadual de Campinas

US – Ultrassom

(12)

Sumário

APRESENTAÇÃO 13

INTRODUÇÃO 17

REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE E GESTAÇÃO DE ALTO RISCO 17

ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER, DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS 25

OBJETIVOS 32

MÉTODOS 34

ASPECTOS ÉTICOS 38

RESULTADOS E DISCUSSÃO 40

CARACTERIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS 40

CARACTERIZAÇÃO DAS MULHERES COM GESTAÇÃO DE ALTO RISCO 51

CARACTERIZAÇÃO DO CUIDADO NA REDE DE ATENÇÃO À GESTAÇÃO DE ALTO RISCO 55

A VOZ DAS GESTANTES DE CAMPINAS 84

CONSIDERAÇÕESFINAIS 96

REFERÊNCIAS 102

APÊNDICE 115

1.QUESTIONÁRIO -INQUÉRITO DE SERVIÇO 115 2.ROTEIRO DE ENTREVISTA 121 3.ARTIGO - PERFIL DAS GESTANTES DE ALTO RISCO E A COGESTÃO DA DECISÃO SOBRE A VIA DE 122

PARTO ENTRE MÉDICO E GESTANTE.

4.ARTIGO - AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO À GESTAÇÃO DE ALTO RISCO EM QUATRO METRÓPOLES 134 BRASILEIRAS

(13)

Apresentação

Há dez anos eu construía um itinerário de cuidados para minha gestação. Descobri que estava grávida trabalhando na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde (SUS) de Campinas quando uma colega do Centro de Saúde, habituada a aplicação mensal do anticoncepcional injetável, perguntou sobre a ocorrência de sangramento no mês anterior. Diante da negativa, considerou prudente descartar a possibilidade de gravidez antes de fazer nova aplicação do anticoncepcional. Entre risadas e descrença, fizemos um teste rápido e ganhei uma Caderneta da Gestante!

Minha gestação foi de baixo risco, ou risco habitual, e pude realizar as consultas de pré-natal na própria unidade básica de saúde (UBS) em que eu trabalhava. Além disso, comecei a frequentar as reuniões do Grupo de Parto Alternativo, oferecido no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM), unidade hospitalar da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi bastante nítida a diferença entre a atenção prestada num espaço e no outro. Por um lado, me sentia fazendo “o feijão com arroz” das rotinas laboratoriais e orientações prescritivas na UBS e, por outro, descortinando um leque de informações com as quais jamais havia entrado em contato.

O pré-natal no CAISM, especialmente com o carimbo de “Parto Alternativo” na minha Caderneta de Gestante, era cheio de novidades e buscava dar segurança às mulheres e companheiros sobre sua condição protagonista no parto, informando responsavelmente sobre procedimentos não recomendados, eletivos ou de risco nas várias situações que se apresentavam. Agradeço muito por este despertar e atribuo a intensidade da experiência do meu parto e encontro com a maternidade, em grande parte, ao processo construído junto a este grupo.

Desde então, os cuidados com a atenção pré-natal e parto ganharam espaço privilegiado na minha vida, mas não havia ensaiado uma aproximação acadêmica com o tema. A vivência pessoal de estar gestante e ter escolhido os cuidados oferecidos pelo SUS me trouxe muitas informações sobre este universo e me tornei uma espécie de militante pela garantia da informação qualificada às mulheres e aos seus pares. Desse tempo em diante, acompanhei amigos e familiares

(14)

gestando vidas e fazendo escolhas, mais ou menos apropriados, sobre as questões que se apresentavam.

Em 2016, após uma década de vinculação ao Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp, concomitante à minha jornada de trabalho no SUS Campinas, vislumbrei a possibilidade de compor uma equipe de trabalho para uma grande pesquisa multicêntrica que trataria, entre outros agravos, da Gestação de Alto Risco e das questões relativas ao acesso e funcionamento, a partir da Atenção Primária, do atendimento especializado.

O tema da Gestação de Alto Risco, embora de maior complexidade que uma gestação de risco habitual, fez-me sentir convidada a revisitar o conjunto de fatores envolvidos quando falamos de gerar uma vida. Assim, propus uma investigação acadêmica, a partir do referencial da Saúde Coletiva, para o tema. Ainda nos anos iniciais do doutorado, fui convidada a assumir a função de secretaria executiva do estudo multicêntrico e pude participar mais ativamente da construção da pesquisa nos quatro municípios envolvidos: Campinas, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo.

Considerando que o estudo multicêntrico permitiria enxergar um panorama da atenção a este agravo, a investigação ganhou contornos mais amplos do que a análise de itinerários individuais de cada mulher com Gestação de Alto Risco no SUS, que havia sido a proposta inicial para meu doutorado. Esta pesquisa, então, buscou trazer as singularidades dos contextos municipais, tendo em conta o cenário socioeconômico e o modo particular como foram implementadas as políticas do SUS, e os efeitos destes na configuração da atenção à Gestação de Alto Risco.

O capítulo de Introdução discorre sobre a organização do SUS, destacando o histórico de descentralização e regionalização das ações em saúde. Apresenta o conceito de Rede de Atenção à Saúde e apresenta a Rede Cegonha, cuja finalidade é estruturar e organizar uma rede de cuidados à saúde materno-infantil no país. Destaca o conceito de Gestação de Alto Risco, magnitude do agravo e as orientações da política nacional para acompanhamento destes casos. Ainda, aponta os principais marcos relativos à saúde da mulher, com ênfase nos aspectos relativos à atenção obstétrica e neonatal.

(15)

Na sequência, são apresentados os objetivos e percurso metodológico da investigação. Os resultados e análises compõem o capítulo seguinte, subdivididos nas seguintes categorias: caracterização dos municípios estudados, caracterização das mulheres com gestação de alto risco e caracterização do cuidado oferecido a estas mulheres.

Considerando os graves ataques sofridos pelo SUS nos últimos anos e, em especial, à atenção ao parto, vem se observando importantes modificações em diretrizes políticas, financiamento e funcionamento do SUS. Os dados do nosso Inquérito foram coletados em 2016, entretanto, observou-se, nos meses seguintes, um forte movimento de diminuição dos recursos nas políticas públicas, desmonte das políticas sociais e afronta a um conjunto de valores coletivos que compuseram a conquista do direito à saúde, a valorização do protagonismo dos usuários e um modo ampliado de se produzir cuidado.

No caso da saúde das gestantes, é especialmente assustador tomar contato com um projeto de lei, rapidamente sancionado pelo governo do estado de São Paulo, que garante a opção, sem indicação clínica, de cesáreas eletivas no SUS. As evidências científicas são claras em apontar que a cesárea realizada em mulheres durante o trabalho de parto leva a maiores riscos de infecções e hemorragias, associadas às mortes materna e neonatal, tanto que são indicadas pela Organização Mundial da Saúde em até 15% dos casos, quando existe risco à saúde do binômio mãe-bebê.

Se o Brasil já carrega o vergonhoso título de vice-líder mundial em cesarianas e, a partir de 2014 constatamos o crescente aumento do número de mortes maternas, é estarrecedor verificar uma ação do Estado que dá mais condições ao aumento de complicações à saúde da nossa população. Resistem os movimentos sociais. Resistem os movimentos feministas. Amanhã vai ser outro dia.

(16)
(17)

Introdução

Redes de Atenção à Saúde e Gestação de Alto Risco

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o arranjo organizacional do Estado brasileiro que dá suporte à efetivação da política de saúde no Brasil e está assentado em princípios e diretrizes que operam como linhas de base para reorganização do sistema, dos serviços e das práticas de saúde1.

Os princípios da universalidade, integralidade e equidade conferem legitimidade ao SUS que opera suas ações a partir de diretrizes organizativas: descentralização, hierarquização e participação comunitária. Cabe destacar que a descentralização não se esgota na municipalização, e a regionalização se constitui numa diretriz para distribuir de forma mais racionalizada e equânime os recursos assistenciais nos territórios, buscando promover integração das ações e das redes.

Viana2 destaca dois ciclos políticos na organização do SUS: entre 1988 e

2000, com protagonismo da esfera municipal na organização da atenção à saúde e, a partir desse período, a construção de Regiões de Saúde, estabelecida em normas federais, a fim de regionalizar o sistema de saúde.

A Lei 8080/90 já definia as atribuições e competências das três esferas de governo - municipal, estadual e federal - na gestão do SUS, avançando na municipalização da gestão de ações e serviços no começo dos anos 1990, impulsionada pelas Normas Operacionais Básicas (NOB) 01/93 e NOB 01/963.

Em 2002, a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS) pretendeu aprimorar a regionalização do sistema, definindo Planos Diretores de Regionalização e Planos Diretores de Investimentos. Nova ênfase em torno da questão da regionalização foi colocada a partir do Pacto pela Saúde, em 2006, buscando aprofundar o processo de regionalização e de organização do sistema de saúde sob a forma de redes como estratégias essenciais para consolidar os princípios do SUS3.

O SUS, portanto, veio se constituindo como um sistema bastante fragmentado, o que tem dificultado a gestão e organização de redes regionais e

(18)

temáticas4. O caráter federativo da organização do Estado Brasileiro e a adoção, como

prioridade, de municipalização dos serviços de saúde, resultou em mais de um gestor em cada território do SUS.

Necessário destacar que 80% dos municípios brasileiros têm uma população com menos de 20 mil habitantes, sendo fundamental o apoio das secretarias estaduais de saúde e suas estruturas regionais para efetivação das ações. Ou seja, a regionalização do SUS poderia haver se constituído em uma estratégia que atenuasse esse grau extremado de fragmentação e baixa capacidade de governo das instâncias do SUS4.

Em outros países, a regionalização articulou-se a processos de descentralização que possibilitaram a organização e integração de ações e serviços, de modo associado à criação e fortalecimento de autoridades sanitárias e estruturas de gestão regionais. Na Inglaterra, Itália, Espanha e Canadá, por exemplo, foram conferidas atribuições limitadas a governos locais, enquanto níveis regionais, vinculados aos entes estaduais (províncias ou equivalentes) nas organizações federativas, expandindo suas funções de planejamento e gestão nas políticas de saúde5.

No entanto, o processo de regionalização no Brasil foi implementado de maneira parcial. Foram criadas 436 regiões de saúde e as Comissões Intergestores Regionais não lograram criar governança regional para planejamento, avaliação e relações entre serviços6. Apesar da criação desses espaços de deliberação

interfederativa, verificaram-se problemas relativos à desintegração territorial de instituições, serviços e práticas, e dificuldades para a conformação de arranjos cooperativos entre os governos que garantam o acesso integral à saúde. Verificou-se, ainda, uma tendência a produzir resultados a partir da utilização de mecanismos de repasse financeiro, por parte do governo federal, para induzir adesão dos municípios a programas na área da saúde7.

Observa-se que a rede de Atenção Primária à Saúde (APS) fica sob responsabilidade dos municípios, mas grande parte do controle e administração de serviços especializados, hospitalares e de urgência permanece no âmbito dos estados

(19)

da federação. É frequente no país, cidades e regiões com vários sistemas de regulação que pouco conversam entre si.

Na área hospitalar e de especialidades, a dependência do SUS de convênios com o setor privado e filantrópico é alta: a maior parte da rede de hospitais e maternidades do SUS é conveniada8. Esse estilo de contrato outorga pouco poder

aos gestores estaduais e municipais, além do mais, para complicar esse quadro, os Hospitais Universitários ainda costumam operar de modo desconectado com a atenção primária e outros serviços públicos de saúde.

Ao longo das últimas décadas, o Ministério da Saúde (MS) veio desenvolvendo estratégias parcelares – programa a programa, agravo a agravo – baseadas em relação direta com municípios, com baixo envolvimento dos estados da federação. Foi dessa maneira que se desenvolveu o Programa, depois Estratégia, de Saúde da Família (ESF); a Política Nacional de Saúde Mental; e, mais recentemente, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), o Programa Mais Médicos e as Redes de Atenção à Saúde (RAS).

A Portaria 4.279, de 30 de dezembro de 20109, estabeleceu diretrizes para

a estruturação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) como mais uma estratégia para superar a fragmentação da atenção e da gestão nas regiões de saúde e aperfeiçoar o funcionamento político‐institucional do SUS.

As RAS são arranjos organizativos formados por ações e serviços de saúde, com diferentes configurações tecnológicas e missões assistenciais, articulados de forma complementar e com base territorial. Apostam nos serviços de APS como primeiro ponto de atenção e principal porta de entrada do sistema, capazes de atender toda a população, coordenando o cuidado no sentido da integralidade9.

Para a efetiva implementação das RAS, é necessário inverter o modelo hegemônico no SUS, que é centrado no atendimento à demanda espontânea e na agudização das doenças crônicas. É fundamental tomar as vulnerabilidades das populações e territórios, atuar na promoção da saúde e prevenção de doenças, construir intersetorialmente ações em saúde, integrar os saberes.

(20)

O Decreto 7.508, de 28 de junho de 2011, regulamentou a lei 8.080/90 dispondo sobre a organização do SUS, o planejamento e a assistência à saúde e articulação interfederativa, destacando os conceitos de Região de Saúde, Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde, Comissões Intergestores e de Rede de Atenção à Saúde10.

Nesse sentido, nos anos de 2011 e 2012, foram priorizadas cinco Redes Temáticas de Atenção à Saúde, a saber: Rede Cegonha, Rede de Atenção às Urgências e Emergências, Rede de Atenção Psicossocial, Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência e Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas11.

A Rede Cegonha (RC) visa assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como, à criança, o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis12. É constituída por quatro componentes, com um

conjunto de ações em saúde previsto para cada um deles:

Quadro 1. Registro das ações de atenção à saúde materna e infantil por componente na Portaria nº 1.459/2011. Fonte: Brasil, 201112.

I - Pré-natal

a) realização de pré-natal na unidade básica de saúde com captação precoce da gestante e qualificação da atenção;

b) acolhimento às intercorrências na gestação com avaliação e classificação de risco e vulnerabilidade;

c) acesso ao pré-natal de alto de risco em tempo oportuno;

d) realização dos exames de pré-natal de risco habitual e de alto risco e acesso aos resultados em tempo oportuno;

e) vinculação da gestante desde o pré-natal ao local em que será realizado o parto; f) qualificação do sistema e da gestão da informação;

g) implementação de estratégias de comunicação social e programas educativos relacionados à saúde sexual e à saúde reprodutiva;

(21)

h) prevenção e tratamento das DST/HIV/aids e hepatites;

i) apoio às gestantes nos deslocamentos para as consultas de pré-natal e para o local em que será realizado o parto.

II - Parto e Nascimento

a) suficiência de leitos obstétricos e neonatais de acordo com as necessidades regionais; b) ambiência das maternidades orientadas pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 36/2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);

c) práticas de atenção à saúde baseada em evidências científicas, nos termos do documento da Organização Mundial da Saúde, de 1996: “Boas práticas de atenção ao parto e ao nascimento”;

d) garantia de acompanhante durante o acolhimento e o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato;

e) realização de acolhimento com classificação de risco nos serviços de atenção obstétrica e neonatal;

f) estímulo à implementação de equipes horizontais do cuidado nos serviços de atenção obstétrica e neonatal;

g) estímulo à implementação de Colegiado Gestor nas maternidades e outros dispositivos de cogestão tratados na Política Nacional de Humanização.

III - Puerpério e Atenção Integral à Saúde da Criança:

a) promoção do aleitamento materno e da alimentação complementar saudável;

b) acompanhamento da puérpera e da criança na atenção básica com visita domiciliar na primeira semana após a realização do parto e nascimento;

c) busca ativa de crianças vulneráveis;

d) implementação de estratégias de comunicação social e programas educativos relacionados à saúde sexual e à saúde reprodutiva;

e) prevenção e tratamento das DST/HIV/aids e hepatites; f) orientação e oferta de métodos contraceptivos.

(22)

a) promoção, nas situações de urgência, do acesso ao transporte seguro para as gestantes, as puérperas e os recém-nascidos de alto risco, por meio do SAMU Cegonha;

b) implantação do modelo “Vaga Sempre”, com a elaboração e a implementação do plano de vinculação da gestante ao local de ocorrência do parto;

c) implantação e/ou implementação da regulação de leitos obstétricos e neonatais, assim como a regulação de urgências e a regulação ambulatorial (consultas e exames).

No caso da atenção à gestação, a estruturação da RC revê a disponibilidade de serviços de pré-natal para o baixo e alto risco, humanização do atendimento, planejamento familiar, serviços especializados para atendimento das emergências obstétricas e partos, incluindo os de alto risco, leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal e para adultos, leitos de berçário para cuidados intermediários, assim como a constituição de casas de apoio a gestantes de risco com dificuldades de acesso geográfico, ou a puérperas que sejam mães de bebês que necessitam permanecer internados12.

Embora essas ações tenham sido preconizadas desde o ano 2000 com o Programa Nacional de Humanização do Pré-Natal e Nascimento, existem muitos desafios à assistência ao parto de alto risco que incluem o monitoramento das gestantes e combate à peregrinação por assistência. A portaria que instituiu as diretrizes para a organização da Atenção à Saúde na Gestação de Alto Risco13 ,

definiu critérios para a implantação e habilitação dos serviços de referência à Atenção à Saúde na Gestação de Alto Risco, incluindo a Casa da Gestante, Bebê e Puérpera, em conformidade com a Rede Cegonha.

Para que a rede possa funcionar adequadamente, as centrais de regulação têm papel fundamental, assim como a clareza das atribuições das responsabilidades de cada unidade de saúde na linha de produção do cuidado à gestante. Assim, de acordo com a RC12, cabe à APS a captação precoce das gestantes, acolhimento com

classificação de risco, exames pré-natais, programas educativos, vinculação da gestante ao local de parto e oferta de consulta odontológica. Ainda, diante da identificação de gestantes de alto risco, deve solicitar avaliação aos serviços de referência. A linha de cuidado das gestantes pressupõe o acompanhamento por parte

(23)

das equipes da APS, mesmo quando são de alto risco, em conjunto com o atendimento dos serviços especializados. Nesse sentido, um sistema eficiente de comunicação entre APS e Atenção Especializada é fundamental.

Espera-se que a Rede Cegonha organize ações relacionadas ao parto e ao nascimento, tais como a garantia do direito à presença de acompanhante, visita hospitalar da equipe de saúde, centro de parto normal e agendamento da consulta puerperal. Com relação ao puerpério e atenção integral à saúde da criança, destacam-se as visitas domiciliares na primeira destacam-semana após o parto, promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e consulta puerperal entre o 30º e o 42º dia após o parto12.

Quanto à atenção integral à saúde da criança de 0 a 24 meses, a RC prevê visitas domiciliares na primeira semana pós-parto, busca ativa de crianças vulneráveis, apoio ao aleitamento materno e alimentação saudável, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças, seguimento do calendário vacinal e orientações relativas à saúde bucal. Por fim, o sistema logístico deve organizar transporte sanitário e regulação visando garantir o acesso aos serviços em tempo hábil e com qualidade12.

No caso do pré-natal de alto risco, a RC preconiza que o acompanhamento poderá ser realizado na Unidade Básica de Saúde, quando houver equipe especializada ou apoio matricial, e nos ambulatórios especializados, vinculados ou não a um hospital ou maternidade13. Esses estabelecimentos deverão:

i. acolher e atender a gestante de alto risco referenciada;

ii. elaborar e atualizar, por meio de equipe multiprofissional, o Projeto Terapêutico Singular e o Plano de Parto, segundo protocolo específico a ser instituído em cada estabelecimento;

iii. garantir maior frequência nas consultas de pré-natal para maior controle dos riscos;

iv. realizar atividades coletivas vinculadas à consulta individual para trocas de experiências com outras gestantes e acompanhantes;

(24)

vi. garantir o acesso aos medicamentos necessários, procedimentos diagnósticos e internação, de acordo com a necessidade clínica de cada gestante;

vii. manter as vagas de consultas de pré-natal disponíveis para regulação pelas Centrais de Regulação;

viii. assegurar o encaminhamento, quando for o caso, ao centro de referência para atendimento à gestante portadora de HIV/Aids; e alimentar os sistemas de informação disponibilizados pelo Ministério da Saúde.

Destaca-se que cerca de 470 mil gestações ao ano no Brasil são consideradas de Alto Risco, correspondendo a 15% do total de gestações14. Trata-se

de situação em que a mãe, o feto ou o recém-nascido têm aumento do risco de morbidade ou mortalidade antes do parto ou depois dele15. Embora as mulheres que

apresentam necessidades de saúde mais complexas costumem acessar serviços especializados, alguns casos também podem ser resolvidos no nível primário. A definição do nível de assistência necessário para a solução dos problemas dependerá do problema apresentado e qual intervenção será realizada15.

Existem fatores de risco mais comuns na população em geral que devem ser identificados nas gestantes para que aconteça maior vigilância com relação ao eventual surgimento de fator complicador, e a assistência pré-natal deve realizar avaliação dinâmica das situações de risco de forma a poder atuar impedindo um resultado desfavorável. A própria ausência de controle pré-natal pode trazer riscos para a gestação15.

Existem vários tipos de fatores para risco gestacional, sendo que alguns deles podem estar presentes ainda antes da ocorrência da gravidez, como determinadas características individuais e condições sociodemográficas desfavoráveis (idade inferior a 15 anos e maior que 35 anos, peso inferior a 45kg e superior a 75kg, dependência de drogas lícitas ou ilícitas, exposição a riscos ocupacionais, entre outros), história reprodutiva anterior (abortamento habitual, morte perinatal, diabetes gestacional etc.) e condições clínicas preexistentes, tais como

(25)

hipertensão arterial, cardiopatias, endocrinopatias, doenças autoimunes, entre outras15.

Há ainda as condições ou complicações que podem surgir no decorrer da gestação transformando-a em uma gestação de alto risco15: exposição indevida ou

acidental a fatores teratogênicos, doença obstétrica na gravidez atual (trabalho de parto prematuro e gravidez prolongada, ganho ponderal inadequado, pré-eclâmpsia e eclampsia, diabetes gestacional etc.) e intercorrências clínicas, como doenças infectocontagiosas vividas durante a gestação e doenças clínicas diagnosticadas pela primeira vez na gestação.

As equipes de saúde que lidam com o pré-natal de baixo risco devem estar preparadas para receber as gestantes com fatores de risco identificados e prestar um primeiro atendimento e orientações no caso de dúvidas ou situações imprevistas e, uma vez encaminhada para acompanhamento em um serviço especializado em pré-natal de alto risco, é importante que a gestante seja orientada a não perder o vínculo com a equipe de atenção básica que iniciou o acompanhamento15. Por sua vez, esta

equipe deve ser mantida informada a respeito da evolução da gravidez, tanto por meio de informações oferecidas pelo serviço de atenção especializada, quanto pela busca ativa à gestante no território de atuação da UBS.

O estabelecimento da comunicação dinâmica entre os serviços é importante porque a gestante tem maior facilidade de acesso aos serviços de atenção básica, possibilitando que as equipes possam ofertar às gestantes acolhimento e apoio, identificando e ativando redes de suporte familiar e social, participação em atividades educativas individuais e em grupo, incentivo à frequência nas consultas de pré-natal, além do primeiro atendimento na suspeita de intercorrências, nos casos em que o acesso da gestante aos serviços especializados seja difícil15.

Atenção à Saúde da Mulher, Direitos Sexuais e Reprodutivos

Entre as décadas de 1960 e início dos anos 1980, a atenção à saúde da mulher se resumia às ações do Programa de Saúde Materno-Infantil (PSMI) do Ministério da Saúde, que buscavam o cuidado da gravidez, especialmente ao pré-natal e controle do puerpério, da população pobre não previdenciária. Em tempos

(26)

anteriores à criação do Sistema Único de Saúde, o MS e secretarias estaduais realizavam atendimento mínimo às pessoas excluídas do mercado formal de trabalho, ou seja, descobertas pela previdência social16.

O PSMI era definido pelo MS de forma centralizada e consistia em metas para serem executadas pelas secretarias de saúde estaduais de todo o Brasil, tendo desempenho insatisfatório por conta da desarticulação dos serviços, assim como ocorreu em outras políticas de saúde anteriores ao SUS. O PSMI se restringia à oferta de serviços de atenção à saúde do binômio mãe-filho, desvinculada de outras políticas e focada na visão da mulher como mãe e doméstica tendo como principal objetivo reduzir as taxas de mortalidade infantil e materna16.

Ao final dos anos 1970, a discussão sobre planejamento familiar e controle da fertilidade chegou aos setores religiosos brasileiros e o movimento feminista que se fortalecia no Brasil trazia como pauta a autonomia da mulher nas decisões quanto à sexualidade e procriação. Num contexto de abertura gradual da ditadura militar e crise da previdência, a questão da atenção integral à saúde da mulher ganhou força, destacando-se o direito ao planejamento familiar16.

Estes elementos deram corpo ao que se tornou o PAISM (Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher) em 1983, que incluiu os conceitos de integralidade, descentralização, direitos reprodutivos e humanização. O PAISM foi considerado, então, uma ruptura no modelo de atenção vigente, sendo reconhecido, internacionalmente, pelo pioneirismo na questão dos direitos das mulheres, humanização nas relações destas com os serviços de saúde e práticas educativas para ampliar a consciência crítica e autonomia das mulheres16.

O Programa tinha como estratégia programática ações horizontais e descentralizadas, tendo como população-alvo toda a população feminina (e não apenas os descobertos pela previdência), objetivando melhorar a saúde da população feminina em todas as fases da vida, consequentemente reduzindo mortalidade e morbidade. É com o PAISM que se tem definida a responsabilidade pública sobre a reprodução e o planejamento familiar, provendo serviços e tecnologias para decisão das pessoas quanto à procriação. Este livre-arbítrio foi reiterado na Constituição de

(27)

1988 que estabeleceu as obrigações do Estado na oferta de meios para efetivação do planejamento familiar16.

Os princípios do PAISM foram preservados na criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher em 2004 e diversos documentos específicos sobre direitos sexuais e reprodutivos foram lançados, bem como a criação da Política Nacional da Saúde dos Homens, que também faz referência à garantia destes direitos.

Estas últimas políticas trouxeram importante garantia de direitos, inclusive em relação à atenção ao parto no sentido da humanização do atendimento, protegido por lei, mas que, na prática, tem encontrado grande dificuldade de modificar o padrão tradicional de atenção à mulher no Brasil. O Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN), em 2000, criou um protocolo mínimo de ações em atenção obstétrica para todo o país, considerando não apenas a necessidade de humanizar o atendimento, mas de também melhorar a qualidade da atenção com vistas à diminuição da mortalidade materna e neonatal17.

O sistema de informação SISPRENATAL foi o instrumento criado pelo MS para coleta de dados sobre o pré-natal a nível nacional no contexto do PHPN, permitindo monitoramento do cumprimento das ações mínimas contempladas no Programa e repasse financeiro atrelado17.

Em 2004, foi firmado o Pacto Nacional Redução Mortalidade Materna e Neonatal18 com objetivo de qualificar a atenção obstétrica e neonatal por meio de

ações articuladas das diferentes esferas de governo e sociedade civil. No ano seguinte, a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal foi instituída por meio de Portaria com objetivo de desenvolver ações de promoção, prevenção e assistência à saúde de gestantes e recém-nascidos. Neste mesmo ano, foi promulgada a Lei 11.108/2005, conhecida como Lei do acompanhante19, garantindo às parturientes o

direito à presença de acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato no SUS.

Em 2007, foi publicada a Lei da vinculação à maternidade20, que considerou

o direito da gestante assistida pelo SUS ao conhecimento e à vinculação prévia à maternidade onde receberá assistência em casos de intercorrência pré-natal e onde

(28)

será realizado seu parto. Este foi um dos aspectos incorporados na mais recente política que orienta a atenção à gestante, a Rede Cegonha. Conforme citado, em 2010, a política de atenção à saúde como um todo passou por uma reestruturação, com a proposição das RAS e, em 2011, neste contexto, foi publicada portaria12 que

instituiu a Rede Cegonha, considerada uma das Redes prioritárias pelo Ministério da Saúde.

As principais inovações da RC em relação às propostas anteriores foram: a operacionalização do direito à vinculação da gestante à maternidade onde iria parir, por meio de apoio nos deslocamentos da gestante e a introdução de um sistema integrado de regulação dos leitos obstétricos e neonatais em UTI e dos serviços de urgência e ambulatoriais; a expansão da atenção no puerpério para além da consulta puerperal, incluindo uma visita domiciliar até 42 dias e busca ativa de crianças vulneráveis; a inclusão da saúde da criança até 24 meses12. Contudo, os avanços no

sentido da integralidade da atenção que o PAISM trazia não foram plenamente incorporados e tem-se atualmente mais uma política fragmentada dentro do Sistema Único de Saúde.

A adesão à Rede Cegonha é realizada pelos municípios, que se articulam em nível regional para desenvolver um Plano de Ação. Note-se, como também em relação à implementação da RC, o Ministério da Saúde escolheu uma estratégia de relação direta com municípios, não priorizando acordos pelas Regiões de Saúde.

Nos últimos anos, houve ainda publicação de portarias que tratam especificamente da questão da atenção ao parto: a portaria 306/2016, Diretrizes de Atenção à Gestante – a Operação Cesariana21 e a portaria 353/2017, Diretrizes

Nacionais de Assistência ao Parto Normal22 que estabelecem recomendações para a

operação cesariana para Estados, Distrito Federal e Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos, considerando obrigatória a cientificação da gestante dos potenciais riscos e eventos adversos relacionados ao procedimento cirúrgico ou uso de medicamentos para a operação cesariana e para realização do parto normal.

(29)

Por fim, deve-se destacar que atualmente tem-se verificado retrocessos no que diz respeito à legislação que orienta as práticas obstétricas. Resoluções de Conselhos Regionais de Medicina (CRM) e Conselho Federal de Medicina (CFM) têm sido também polêmicas e alvo de críticas por parte da sociedade civil organizada.

Em 2019, um despacho assinado pela coordenadora-geral de Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde pedia que o termo “violência obstétrica” fosse evitado e, possivelmente, abolido em documentos de políticas públicas23. Esta decisão

contraria a Organização Mundial da Saúde (OMS), que define o termo como "a apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida"24.

Trata-se de posicionamento do MS que contraria também a recente publicação do mesmo Ministério, Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, que estabelece que os procedimentos médicos devem ser baseados em evidências, e que a opinião da mulher deve ser igualmente considerada na tomada de decisão.

Estudo coordenado por Leal25 verificou que 25% das brasileiras foram

desrespeitadas durante a gestação e/ou parto, sendo frequente a utilização de técnicas à revelia das mulheres, tais como episiotomia em 53,5% delas e aplicação de ocitocina em 38% das entrevistadas, evidenciando a prática de violência obstétrica contra gestantes.

Também em 2019, no estado de São Paulo, foi sancionada a Lei 17.137/2019 que permite às gestantes do Estado optarem pela cesariana no SUS a partir da 39ª semana de gravidez, mesmo antes de entrar em trabalho de parto e sem indicação clínica26.

Trata-se de Lei que contraria a política pública de saúde que estabelece o parto normal como regra, por ser aquele que mais previne riscos, em contraposição ao parto cesariano, a exceção, que deve ser realizado apenas em situação realmente necessária, com indicação médica27. Ainda, não prevê aporte financeiro para

(30)

realização destas cirurgias e desconsidera a associação entre mortalidade materna e neonatal, e cesarianas.

Em relação aos Conselhos Regionais de Medicina, em Santa Catarina, ainda em 2019, a Resolução CRM-SC 193/201928 proibiu a participação de médicos

na realização de partos planejados fora do ambiente hospitalar, estabelecendo punição por infração ética ao profissional que prestar assistência ao trabalho de parto e ao recém-nascido nesta situação.

No Rio de Janeiro, a Resolução do CREMERJ 293/2019 “dispõe sobre a proibição de adesão, por parte dos médicos, a quaisquer documentos, dentre eles o plano de parto e similares, que restrinjam a autonomia médica na tentativa de salvaguarda do bem-estar e da saúde para o binômio materno-fetal”29, constituindo

uma afronta ao direito da parturiente na participação de tomada de decisões.

O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução 2.232/2019, tratou da recusa terapêutica manifestada por gestante como algo a ser analisado “sob perspectiva do binômio mãe-feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto”30. Assim, reforça o controle total do parto

pelos profissionais de saúde e desconsidera a mulher como pessoa, retomando a perspectiva dos anos 1960 em que era tomada apenas como mãe e gestante.

Considerando todo o processo de consolidação de políticas públicas para a saúde das mulheres e os retrocessos anunciados e em curso, torna-se ainda mais importante o estudo sobre a atenção à saúde das gestantes e forma de organização do SUS, sobretudo no que diz respeito à definição de papeis para os entes federativos, União, Estados e Municípios. Esta pesquisa, desenvolvida ao longo de quatro anos, é também reflexo de significativas mudanças de contexto e de diretrizes assistenciais vividas no Brasil.

(31)
(32)

Objetivos

Objetivo Geral:

Avaliar a Rede de Atenção à Gestação de Alto Risco no Sistema Único de Saúde (SUS) nos municípios de Campinas, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo.

Objetivos Específicos:

a) Caracterizar estes municípios quanto a indicadores sociodemográficos, econômicos e de organização dos serviços de saúde;

b) Identificar o perfil das mulheres em acompanhamento nos serviços de pré-natal para Gestação de Alto Risco do SUS em Campinas, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo;

(33)
(34)

Método

Este estudo utilizou parte dos dados da pesquisa multicêntrica “AcesSUS - Inquérito sobre o acesso a partir da Atenção Primária, o funcionamento e a utilização da Atenção Especializada para quatro condições traçadoras em quatro grandes cidades brasileiras”, realizada nos municípios de Campinas/SP, Fortaleza/CE, Porto Alegre/RS e São Paulo/SP. A presente investigação aprofunda as questões a respeito da atenção à Gestação de Alto Risco (GAR) nos municípios citados.

Os municípios foram selecionados por apresentar composição e organização das redes de atenção bastante diversas entre si, embora regidas pelos princípios do SUS, possibilitando verificar diferenças no acesso e na qualidade da atenção à saúde, tanto na Atenção Primária, quanto na Atenção Especializada (AE). Estas cidades estão entre as 14 brasileiras em que a população ultrapassa um milhão de habitantes, com índices de desenvolvimento humano maior do que a média nacional, além de uma rede de equipamentos públicos de saúde vinculados ao SUS que lhes dão status de centros de referência em saúde em suas respectivas regiões.

A escolha destes quatro municípios em específico, além de atender todas as questões referidas, se deu pelas possibilidades institucionais de organizar uma pesquisa multicêntrica com universidades parceiras, e buscou contemplar as diversidades regionais do país. Não foi possível realizar este acordo com as instituições de ensino das regiões Norte e Centro-Oeste, de forma que ficaram contempladas as regiões Nordeste, Sul e Sudeste, tendo nesta região duas cidades representadas: Campinas, que abriga a universidade coordenadora do estudo e São Paulo, maior cidade do país e com relevante história de implementação das políticas públicas de saúde.

Neste estudo, foram utilizados diferentes métodos de investigação. O desenho de pesquisa multimétodos, com técnicas quantitativas e qualitativas, traz o desafio de conseguir manter a unidade do estudo, sendo necessária a clareza dos objetivos do trabalho durante o processo31. Segundo Yin32, em geral, pesquisas com

amostra muito numerosa não apresentam informações suficientes para entender o contexto específico do estudo, assim como replicar entrevistas não é tarefa simples.

(35)

O ganho analítico da abordagem multimétodos é exatamente no sentido de dialogar com estas limitações, promovendo uma visão de complementaridade.

Neste estudo, inicialmente, realizou-se buscas em bases de dados oficiais do SUS nos subsistemas Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, Sistema de Informações de Nascidos Vivos, Sistema de Informações Ambulatoriais, Sistema de Informações Hospitalares. Para os indicadores obtidos a partir de dados demográficos, as estimativas populacionais foram feitas com base nas estimativas de população fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Esta abordagem inicial visou conhecer as características principais da oferta de serviços, por meio da análise de magnitude e tendência dos procedimentos necessários para a atenção em Gestação de Alto Risco. A análise crítica das relações existentes entre os distintos procedimentos esperados na linha de cuidado permitiu formular hipóteses do tipo de oferta e do papel da regulação no provimento da atenção à GAR.

Em seguida, como segunda estratégia de investigação, realizou-se um estudo descritivo qualitativo para cada uma das quatro cidades, buscando uma descrição densa da rede de serviços de saúde, as singularidades de seu funcionamento e os eventos históricos mais relevantes. Estas informações foram confirmadas coletivamente pelos pesquisadores do estudo multicêntrico, recorrendo a informantes das secretarias municipais de saúde, quando necessário.

Para evidenciar singularidades e diferenças entre os municípios, foram selecionadas categorias de análise referentes ao funcionamento da APS (cobertura populacional e gestão administrativa), disponibilidade de rede de apoio à APS e articulação entre APS e AE que permitiram aprofundar a compreensão de cada contexto local.

Por fim, como terceira estratégia de pesquisa, realizou-se um inquérito de serviços, que consistiu em um estudo transversal realizado com usuárias dos serviços de referência para Gestação de Alto Risco. O questionário (apêndice 1) visou à identificação e mensuração de eventos referentes à trajetória das usuárias nos serviços de atenção primária e especializada. Tais eventos consideraram

(36)

fundamentalmente as boas práticas preconizadas no SUS, ou fundamentadas na literatura científica da área, como intervenções e condutas recomendadas (por exemplo, tempos de espera, frequência e local de atendimento). O questionário para análise da GAR consistiu em 49 questões fechadas, divididas em cinco eixos: a) informações sociodemográficas; b) informações sobre atenção especializada; c) informações sobre atenção primária; d) medicação, exames complementares e orientações; e) urgência e emergência.

A população de estudo para GAR foi definida como sendo o conjunto de pacientes atendidas em consultas médicas nas unidades de saúde de atenção especializada e encaminhados pela Atenção Primária, residentes nestes municípios. Optou-se por obter entrevistas de todas as pacientes que tivessem uma consulta médica nos serviços especializados, no período de coleta de dados. O tempo de permanência em campo deveria ser igual em todos os serviços, para que a distribuição de pacientes com as características de interesse nos mesmos fosse semelhante na amostra e na população de estudo. Com base no número de pacientes a serem abordadas e no número de pacientes atendidas semanalmente, estimou-se a permanência em campo.

O número de gestantes para compor a amostra em Campinas, Fortaleza e Porto Alegre foi obtido considerando-se a situação correspondente à máxima variabilidade para a frequência do evento estudado (p = 0,50), um coeficiente de 95% de confiança na determinação dos intervalos de confiança (z= 1,96) e erro de amostragem (d) de 5 pontos percentuais, prevendo-se 400 entrevistas por cidade.

Para São Paulo, o tamanho da amostra planejada foi maior, pela existência dos três domínios de estudo definidos segundo o tipo de serviço de APS que encaminhou o paciente (Unidade Básica de Saúde tradicional, Estratégia Saúde da Família e unidade mista). Planejou-se amostra de 600 pacientes e foram previstas frequências iguais para cada domínio, de 200 pacientes. Para o total do município, o

(37)

erro de amostragem seria de 0,04 e em cada domínio de 0,07, considerando P=0,50 e z=1,961.

As entrevistas foram realizadas em Campinas, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo, no período de 07 de março a 23 de setembro de 2016, totalizando 1.886 entrevistas válidas. Em Campinas, foram realizadas 405 entrevistas, em Fortaleza, 401, em Porto Alegre 391 e em São Paulo 689 entrevistas.

As análises foram realizadas no software Stata 14 considerando os pesos para os municípios de acordo com o delineamento amostral da pesquisa AcesSUS.

Nesse estudo, tivemos a oportunidade de coordenar o treinamento dos entrevistadores, realizar um pré-teste em dois dos municípios incluídos na pesquisa, para verificar inconsistências nas questões selecionadas para o inquérito de serviços, e fazer a supervisão da coleta de dados. Em Campinas, fizemos a coleta de dados nos serviços especializados para GAR, realizando contato diretamente com as gestantes do município em acompanhamento na AE, além da supervisão, na função de secretaria executiva do estudo AcesSUS, da aplicação dos questionários nos demais municípios.

Particularmente em Campinas, onde realizamos a coleta de dados no serviço especializado, também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com as gestantes. Considerando-se o conjunto das participantes do inquérito no município, buscou-se identificar, por meio de seleção intencional, diferentes perfis de gestantes que passaram por atendimento durante sua gestação de alto risco.

Para a escolha das entrevistadas realizou-se um filtro no banco de dados, a partir das seguintes variáveis selecionadas pela pesquisadora: escolaridade (0 a 8 anos, 9 a 12 anos e ≥12 anos de estudo), cor da pele (branca e não branca), trimestre de gestação (1º, 2º e 3º), tempo de encaminhamento para a primeira consulta (0 a 30 dias, ≥31dias), se fazia acompanhamento do pré-natal na unidade básica de saúde

1

(38)

antes da atenção especializada (não; sim, mas parou quando iniciou o acompanhamento no serviço de pré-natal de risco; sim, continua fazendo pré-natal na unidade de saúde). Com estas variáveis e categorias de resposta foram possíveis 64 combinações, a partir das quais as mulheres foram listadas de acordo com sua origem (unidade de saúde).

Após a seleção das mulheres pela amostra intencional, um contato telefônico foi realizado para apresentação dos objetivos do estudo e agendamento de encontro presencial. As entrevistas tiveram por objetivo aprofundar aspectos do itinerário entre APS e AE, bem como do momento do parto. Foram estruturadas a partir de um roteiro (apêndice 2) e incluíram outras questões que emergiram durante a realização das mesmas. Parte das entrevistas ocorreu em consultórios de unidades básicas de saúde e parte aconteceu na casa das mulheres, conforme preferência da entrevistada.

Aspectos Éticos da Pesquisa

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp sob o parecer nº 1.777.800/2016. O inquérito “AcesSUS” foi também aprovado (parecer nº 1.100.984/2015). Antes da aplicação de cada questionário, foi realizada leitura do termo de consentimento livre e esclarecido, que foi assinado por todas as mulheres que concordaram em participar do estudo. A pesquisadora se comprometeu em cumprir as exigências da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

(39)
(40)

Resultados e Discussão

Apresentamos os resultados obtidos a partir da análise multimétodos, buscando analisar comparativamente a atenção à Gestação de Alto Risco prestada nos quatro municípios estudados, agrupando-os em três eixos, a saber: (i) Caracterização dos municípios e organização dos serviços de atenção à saúde; (ii) Caracterização das mulheres em acompanhamento nos serviços de pré-natal para Gestação de Alto Risco no SUS e (iii): Caracterização do cuidado oferecido nos serviços de Atenção Primária e Especializada para gestantes de alto risco.

1. Caracterização dos municípios e organização dos serviços de atenção à saúde

Campinas, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo são municípios de grande porte que figuram entre as 14 cidades brasileiras em que a população ultrapassa um milhão de habitantes33. São cidades com índices de desenvolvimento humano

maiores do que a média nacional (0,755)34 e contam com uma rede de equipamentos

públicos de saúde que lhes dão status de centros de referência em saúde em suas respectivas regiões.

As cidades apresentam composição e organização das redes de atenção bastante diversas entre si, ainda que regidas pelos princípios e diretrizes do SUS. A implementação das políticas públicas de saúde em cada uma das cidades guarda singularidades e são operadas com maior ou menor grau de eficácia por razões que se relacionam, inclusive, aos contextos dos territórios e condições gerais da população.

Assim, destacamos junto aos indicadores sociodemográficos de cada um dos municípios, aspectos do funcionamento da rede de atenção a GAR e inclusão na Rede Cegonha.

1.1 Campinas

De acordo com o IBGE, Campinas contava com 1.080.113 habitantes no censo de 2010, tendo sua população estimada para 2019 em 1.204.073 pessoas. O

(41)

Produto Interno Bruto (PIB) per capita, em 2016, era de R$ 49.876,62 e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 0,805 em 2010. Em 2010, a cidade contava com 90,5% de esgotamento sanitário adequado33. O município apresentou, em 2016,

cobertura de APS de 63,30%35 e 51,9% da população era beneficiária de plano de

saúde privado36.

Em Campinas, a gestão da APS é realizada diretamente pela Prefeitura Municipal e o pré-natal e assistência à saúde da mulher são feitos pelos profissionais enfermeiros e médicos ginecologistas obstetras, cuja presença na rede básica conformou um modelo em que os médicos generalista e de saúde da família priorizam atuação na saúde do adulto, pouco interferindo nas questões relativas à saúde da mulher. O pré-natal, anticoncepção e cuidados ginecológicos são realizados por médicos ginecologistas com apoio de enfermeiros. A cidade registrou uma média de 80,31% das gestantes acessando sete ou mais consultas de pré-natal entre os anos de 2010 e 201537.

A atenção à Gestação de Alto Risco em Campinas é composta por dois serviços conveniados (Maternidade de Campinas e Hospital e Maternidade Celso Pierro-PUCC) e um hospital universitário público estadual (CAISM Unicamp). O acesso a esses ambulatórios se dá por meio de um protocolo de encaminhamento e é operacionalizado a partir de sistema informatizado desenvolvido no município desde 2003 (Saúde Online - SOL), permitindo que a APS realize o agendamento.

Campinas faz parte da Rede Regional de Atenção à Saúde (RRAS) 15, a primeira do estado de São Paulo a implementar um Plano de Ação relativo ao Programa Rede Cegonha. Contudo, o acompanhamento da implementação do Plano tem sido insuficiente e houve baixo investimento em habilitação de serviços e ampliação de recursos38.

1.2 Fortaleza

De acordo com o IBGE, Fortaleza contava com 2.452.185 habitantes no censo de 2010, tendo sua população estimada para 2019 em 2.669.342 pessoas. O PIB per capita, em 2016, era de R$ 23.045,09 e IDH de 0,754 em 2010. No ano de 2010, a cidade contava com 74% de esgotamento sanitário adequado33. O município

(42)

apresentou, em 2016, cobertura de APS de 62,68%35 e 37,3% da população era

beneficiária de plano de saúde privado36.

Em Fortaleza, o pré-natal e assistência à saúde da mulher acontece na APS, realizada sobretudo pelos médicos generalista e de saúde da família. Não há ginecologistas obstetras na APS desta cidade. A proporção de gestantes que fazem sete ou mais consultas de pré-natal atingiu uma média de 45,75% entre 2010 e 2015, percentual muito abaixo daquele encontrado em Campinas37. Esses números

apresentados por Fortaleza, salvo a realização de pré-natal de baixo risco em outro serviço que não a APS, apontam para restrição de acesso, com impacto sobre a qualidade do cuidado.

Importante destacar a recomendação do MS de que o total de consultas de pré-natal em gestação de risco habitual não deva ser menor do que seis, com acompanhamento intercalado de consultas médicas e de enfermagem41.

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde alterou sua recomendação de número mínimo de consultas de quatro para oito, sendo o primeiro contato nas 12 primeiras semanas de gestação42.

Existem seis serviços de atenção especializada que atendem mulheres com GAR em Fortaleza: dois sob gestão municipal (Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana e Hospital e Maternidade Zilda Arns -Hospital da Mulher), dois sob gestão estadual (Hospital Geral de Fortaleza e Hospital Geral Dr. César Cals), um sob gestão federal (Maternidade Escola Assis Chateaubriand) e o NAMI (Núcleo de Atenção Médica Integrada da Universidade de Fortaleza), serviço de saúde ligado a universidade privada.

O acesso a Atenção Especializada enfrenta desafios, sobretudo pela ausência de um sistema informatizado que relacione APS à AE. Diante da inexistência de definição de serviços de referência por unidade básica, verifica-se um atendimento informal, em que a coordenação da unidade básica contacta a articuladora da saúde da mulher na regional de saúde que, por sua vez, articula com a regulação regional e, se não consegue a vaga, faz articulação com a central de regulação da secretaria de estadual da saúde39.

(43)

Há problemas ainda quando a consulta é agendada para um serviço de atenção secundária e, segundo a avaliação desse serviço, considera-se que a gestante deve ser atendida pela atenção terciária: a gestante precisa retornar para a APS, uma vez que a atenção secundária não consegue fazer o encaminhamento para a terciária. Apesar de quase todas as unidades da APS serem informatizadas, o mesmo não acontece com a rede hospitalar do município, portanto, o hospital de referência secundária não está integrado na central de regulação39.

O município está incluído na Rede Cegonha e tem buscado vincular a gestante a um hospital de referência40, conforme diretriz da RC, porém este ainda é

um desafio para Fortaleza, que convive com os problemas da peregrinação de gestante por assistência.

1.3 Porto Alegre

De acordo com o IBGE, Porto Alegre contava com 1.409.351 habitantes no censo de 2010, tendo sua população estimada para 2019 em 1.483.771 pessoas. O PIB per capita, em 2016, era de R$ 49.577,53, semelhante ao de Campinas, e IDH, tal qual o de Campinas, 0,805 em 2010. A cidade contava com 93% de esgotamento sanitário adequado em 201033. O município apresentou, em 2016, cobertura de APS

de 67,02%35, maior percentual entre as cidades estudadas no ano considerado, e

49,6% da população era beneficiária de plano de saúde privado36,percentual próximo

ao encontrado em Campinas.

Em Porto Alegre, o pré-natal e assistência à saúde da mulher acontece na APS, realizado, sobretudo, pelos médicos generalista e de saúde da família. Existem algumas unidades que contam com ginecologistas obstetras e que fazem o seguimento pré-natal. A proporção de gestantes que fizeram sete ou mais consultas de pré-natal na cidade entre 2010 e 2015 foi em média 72,48%37.

Quando é identificada a necessidade de diagnóstico de risco gestacional ou acompanhamento da gestação por um serviço de atenção especializada, a gestante é encaminhada via telefone (diretamente com o serviço), ou via online no sistema municipal de regulação (GERCON), que registra e faz a gestão da oferta de serviços. Desta oferta, 50% das consultas são obtidas por meio do GERCON e outras

Referências

Documentos relacionados

As relações hídricas das cultivares de amendoim foram significativamente influenciadas pela a deficiência hídrica, reduzindo o potencial hídrico foliar e o conteúdo relativo de

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes

As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes

Verificada a efetividade da proposta, a Comissão de Licitações declarou vencedor o licitante Francisco Souza Lima Helm, sendo o total do item 14 licitado o valor de

Purpose: This thesis aims to describe dietary salt intake and to examine potential factors that could help to reduce salt intake. Thus aims to contribute to

O mecanismo de competição atribuído aos antagonistas como responsável pelo controle da doença faz com que meios que promovam restrições de elementos essenciais ao desenvolvimento

A pesquisa “Diagnóstico e análise do processo de inserção de alunos do Ensino Técnico de Nível Médio nos programas de Iniciação Científica: Um estudo de caso no IFMT