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Heterogeneidade, negatividade e identidade heteroét(n)ica: a participação indígena nas eleições 2000 no Ceará

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HETEROGENEIDADE,

NEGATIVIDADE

E

IDENTIDADE

HET

E

ROÉT(N

)

/CA:

A PARTICIPACÃO

INDíGENA

NAS ELEIÇÕES 2000

NO CEARÁ

JOSÉ MENDES FONTELES FILHOI

o

poder não é uma instituição enem uma estrutura, não é uma certa potência deque alguns sejam dotados: é o nome dado auma situação estratégica complexa numa sociedade determinada

FOUCAULT, 1988: 89

I

ntrodução

Aidéia deste artigo nasceu, deum lado, como trabalho para a discipli-na Correntes Modernas da Filosofia da Ciência, ministrada pelo professor Dr. Gerardo Vasconcelos, na Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFC, neste semestre de 2000.1. Deoutro lado, hátempos eu intentava escrever algo acerca das práticas do poder no movimento indígena local. Omomento políti-co atual, de campanha para a eleição de vereadores eprefeitos, noqual muitos indígenas estão plenamente inseridos, alguns inclusive como candidatos, émais queoportuno para compartilhar minhas análises eidéias sobre otema com eles e com outros atores que atuam no campo indigenista noCeará.

Pretendo discutir a visão dopoder que eles têm manifestado em d is-cursos e práticas' políticas concretas em momentos particulares, como a par-ticipação nas eleições municipais deste ano. Como cenário das análises, vou privilegiar dois eventos, entre muitos outros, em que estive presente como observador participante, eque considero portadores de grande potencial analí -tico:o primeiro, umareunião! da comunidade Tremembé daTapera, em ltarema, onde se discutiu apossibilidade de lançar alguém delá como candidato a ve-reador; o segundo, foi oEncontro de Saúde Indígena" , quando eles refletiram

IDoutorando em Educação pela FACED/UFC.

2Se faço esta separação éporque acredito que nãoexiste identidade absoluta oucoerê n-cianecessária entre oque sedize oquese faz,maspelocontrário: talvez adiferençaseja. antes, aregra natural neste campo, como seuma coisa só pudesse ser percebida nasua especificidade, quando em contraste com a outra.

3Esta reunião serealizou na noite do dia9demarço deste ano, noterreiro dacasa do "Dotô" Cabral.

4Oencontro realizou-se na casadaIrmã lolanda, em Fortaleza, entre osdias 181121ti• junho passado, promovido pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Estuvum pre

sentes representantes dosdiversos povos indígenas. Odebate sobre aparticipuçl oiudí gena nas eleições aconteceu durante atarde dodia 19.

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HETEROGENEIDADE. NEGATlVIDADE EIDENTIDADE ..

sobre a participação nas eleições, promovendo inclusive um debate com O~ candidatos indígenas. Tomei aliberdade de selecionar as falas e asinforma ções que parecem mais ilustrativas eúteis aoque desejo analisar.

Como referencial teórico-metodológico dessa análise, conto com oau xílio luxuoso das dicas de Foucault, Deleuze e Guattari. Mais doque citá-lox, interessa-me aplicar seu método, isto é, otratamento analítico dado aopoder. Minha leitura de seus livros tem sido, como nadefinição do próprio Deleuzc, "uma leitura em intensidade: algo passa ou não passa. Não há nada a explicar. nada a compreender, nada ainterpretar. É do tipo ligação elétrica" (1992: J6 17). Escolhi-os porque eles estão entre os interlocutores que mais encontro afinidade, um ponto de apoio; também porque penso que eles podem ajudar li

oferecer um contraponto às discussões acerca dasconcepções epráticas políti -cas atuais dos indígenas - que é aintenção deste texto. Como nosdiscursos c práticas indígenas, utilizo-me aqui de seleções e recortes de algumas desuas "falas" em função das questões levantadas em relação aopoder, conforme su -gestão de Deleuze: "as palavras, frases eproposições retidas no 'corpus' de -vem ser escolhidos em torno dos focos difusos de poder (e de resistência) acionados por esse ou aquele problema" (1988: 28).

A estrutura dotexto será a seguinte: depois de relatar minhas observa -ções, vou-me deter nospontos a serem discutidos, emverdade "questionados", intentando iluminá-los, destendê-los, atéque eusinta minha vontade de aná li-se satisfeita outenha clareado para mim mesmo oque, naverdade, pode já ser bem evidente para eles, os indígenas. (Talvez seja isto o exercício de analisar e escrever: o atestado de nossa incompreensão "de fora" das coisas que são vivenciadas "de dentro" pelos outros; umesforço para dar forma visível ao que desconhecemos; uma forma de exorcizar nossa ignorância; um "balbuciar" organizado). Por outro lado, ao oferecer meu questionamento eminhas opini -ões a respeito das suas idéias e práticas de poder no contexto das eleições atuais, ofereço também a possibilidade dedeslocarem o olhar sobre si próprios ede perceberem ângulos, cores eformas inusitados: oque faria deste texto um caleidoscópio político. A imagem éde uma pretensão descabida, mas sincera-mente desejada. Sem mais delongas, vamos adiante.

A construção da candidatura Tremembé

Umas trinta pessoas, apenas quatro mulheres, formam umgrande cír-culo em torno davaranda da casa deDotô Cabral, apesar da ameaça da chuva enão obstante oadiantado das horas, mais de oito da noite.

Zé Valdir faz a abertura da reunião apresentando o assunto aser discu-tido: "política, eleições, indicação do candidato avereador pelo PT". Justifica apresença daspessoas alie anecessidade dadiscussão em pauta, argumentan-do: "somos todos trabalhadores". Historiciza oPT em Itarema, abordando in-clusive opor que dos fracassos em eleições anteriores. Informa que já houve

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HETEROGENEIDADE. NEGATIVIDADE EIDENTIDADE ..

reunião na Varjota eque, em breve, opessoal daPraia também vai-se reunir'' . Exorta os presentes a apresentarem nomes da comunidade para candidato a vereador. Expõe àassembléia o que considera aquestão principal: "Será im -portante, para nós, lançar pessoas a candidato? Vaiajudar nossa luta?"

Estevão acha que a comunidade deve escolher seu representante: "por

-que nós somos trabalhadores rurais". Também: "porque émelhor escolher um

da gente do que de fora". E ainda porque "oPT éum partido dos pequenos; somos nós".

Zé Valdir fala da experiência doDourado, Tapeba, candidato a

verea-dor naúltima eleição, em Caucaia: "só recebeu 130votos deuma população de

quase 2000 tapebas'" .

Seu João José, em tom irônico, avalia que "ele tirou foi demais, tem caso que [o candidato] não tira nem o voto da mulher", arrancando uma boa risada dospresentes. Depois, sério, se desdiz: "a comunidade [dos Tremembé] tem força para eleger um candidato".

Estevão observa que, não obstante esta força, "tem gente que vende o

voto por um par de chinelos".

Cético, Fernando conclui que "o município tem 15anos eque nunca

nenhum vereador feznada pela comunidade da Tapera ou por qualquer

comu-nidade Tremembé".

ZéValdir reconhece asdificuldades. Primeiro, ospossíveis problemas

em torno da diferença, pois, acredita, "o vereador eleito passaria a ser um membro diferente do resto da comunidade". Outra dificuldade, paraele, é "não pertencer à panela do prefeito". Lembra alguns casos conhecidos por todos. Mas defende que "isto nãodeve ser motivo para ficar de fora".

Fiz uma intervenção: analisei brevemente ahistória do PT.Disse que no início as campanhas foram marcadas por práticas que visavam a "conscientização" e a articulação da população. Depois, pelo pragmatismo político, onde aspráticas de campanha passaram apriorizar a eleição doscan

-didatos. Sugeri que, a partir daí, fosse pensado oque poderiam significar as

eleições emcurso para a articulação da comunidade e crescimento da consciência política.

Talvez motivado porminha fala, João Venança, cacique Tremembé, faz

um apanhado histórico davidapolítica do município. Diz que "Djandira, desde

ostempos em que era vereadora emAcaraú, nunca conseguiu um poste para os

Torrões. Manuelzinho, só agora está conseguindo umas besteiras, depoisdemuito

tempo como vereador eaté vice-prefeito. Antes, ele andava de casa em casa,

levantava cedo, ia com uma pastinha namão. Agora, ele só está atendendo por

que épago peloPSF [Programa deSaúde daFamília]. A gente tem que acordar

cedo, fazer uma fila naporta dele, práeleatender quando bem quer".

5Varjota e Praia são algumas das comunidades trernernbés.

6O número seria 256, segundo odepoimento do Dourado noEncontro de aúdc, r elu-tado mais à frente.

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HETEROGENEIDADE. NEGATIVIDADE EIDENTIDADE ..

João enumera ainda asdificuldades financeiras: "somos pobres"; polí -ticas: "pouco poder nomeio dosoutros vereadores nacâmara"; eo

preconcei-todacomunidade para com osdedentro: "é maisfácil acomunidade eleger os

de fora".

(Por causa da chuva, areunião continua na varanda, para onde os

par-ticipantes se transferiram. Aos poucos as mulheres deixam areunião.)

Após um breve debate sobre as estratégias de envolvimento da

comu-nidade nasreuniões ena campanha eleitoral, e como encaminhamento final da

reunião, ficou decidido que a comunidade vai apontar nomes de candidatos a

candidato? ,numa próxima reunião.

o

"debate" com os candidatos indígenas

Na sala de reuniões da Casa da Irmã Iolanda, 41 pessoas representam

osdiversos povos indígenas noCeará (Trernembé, Tapeba, Pitaguary,

Jenipapo-Kanindé, Kanindé de Aratuba, Kalabaça, Tabajara, Potiguara, Kariri e

Tupinambá), entidades indigenistas católicas (Associação Missão Tremembé

- AMIT, Centro deDefesa dos Direitos Humanos daArquidiocese de

Fortale-za - CDDH ePastoral Indigenista) eaorganização governamental promotora

do evento (Fundação Nacional deSaúde - FUNASA). Dourado (que mehavia

feito o convite para estar aqui) me apresenta como "da universidade". Contes-to dizendo que "faço douContes-torado masnão estou representando a UFC; sou artis-ta,professor ealiado de vocês prá o que der e vier".

Depois dos informes, éa vez do debate com oscandidatos indígenas.

Estão presentes à mesa Dourado (Tapeba), Toínho (Jenipapo-Kanindé) e Zé

Valdir (Trernernbé) que chegou bem depois que areunião havia começado. No quadro negro, além do lema decampanha doDourado - "Avoz do povo nacâmara deCaucaia" -constam osnomes dos candidatos indígenas às

eleições de20008 .

São 07candidatos avereador eOIcandidato a prefeito, pertencentes a OS etnias das 10existentes no Ceará, constituindo amaior participação indíge-na emeleições no Estado, em todos ostempos.

Jeová, que coordena amesa, arriscou uma análise visivelmente insus -tentável: "oPT éuma unanimidade". Intervenho contestando-o. Faço ele cons -tatar que, em termos de candidaturas a vereador, o PT tinha 4 contra 3 de outros partidos: 2doPFLe I do PC doB. Ele rebate dizendo que asescolhas

dos partidos pelos candidatos eram individuais. Replico questionando a

representatividade das campanhas em relação às comunidades e ao

movimen-toindígena. Oclima começou a esquentar. Diante da polêmica instaurada, Maria

7Ocandidato a vereador seria escolhido entre osnomes apontados pelas várias comu

-nidades, posteriormente.

8Acrescentei o nome da etnia aque pertence o candidato, que não constava nalousa.

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HETEROGENEIDADE. NEGATIVIDADE E IDENTIDADE ..

Nome Etnia Partido Cargo Município

Alberto Tapeba PFL Vereador Caucaia

Dourado Tapeba PT Vereador Caucaia Venâncio Pitaguary PCdo B Vereador Maracanaú

Toínho Jenipapo-Kanindé PT Vereador Aquiraz

Luíza Tabajara PT Vereadora Mons. Tabosa ZéValdir Trernernbé PT Vereador Itarerna Zilma Pitaguary PFL Vereadora Maracanaú Messias Tabajara PT Prefeito Mons. Tabosa

Amélia, secretária geral da AMIT, intervém com uma solicitação no mínimo extemporânea, que soa como um embargo entre os presentes": "não vamos discutir política, minha gente!"

O silencio ésuspenso com as falas dos candidatos, começando com Toínho, Ele diz que na comunidade Jenipapo-Kanindé só há 200 eleitores. Por isso vai precisar trabalhar com outros candidatos para conseguir votos junto a

outros segmentos do município. Ele não tem inserção no movimento indígena: há tempos, mora em Fortaleza, no Bairro Bom Jardim, e não na Lagoa da Encantada, em Aquiraz, onde habitam os Jenipapo-Kanindé. Não obstante, a cacique Pequena, sua mãe, o está preparando para sucedê-Ia. Ela o apóia in te-gralmente também como candidato a vereador. 10

Dourado já foi candidato a vereador pelo PT na eleição passada. Obt e-ve 256 votos. Ele entende que "a candidatura não vem só do povo Tabepa, mas de outras comunidades de Caucaia". (Por isso ele não quer associar seu nome

de candidato à sua etnia indígena!"), Para ele, "o índio deve participar da luta

política porque ele é também eleitor".

Aconselhando Dourado, João Venança, cacique Trernernbé, alerta que "gato escaldado tem medo de água fria e o Dourado vai ser escaldado de novo.

Nosso povo é acostumado a votar por um boné, um carro de mão, um milheiro de

telha. Não há uma consciência firme. Nosso povo foi acostumado a dar o voto vendido". E arremata, contundente: "asduas primeiras coisas que setem que apren -der quando entra napolítica: uma émentir, a outra éroubar. Apolítica não presta".

Convicto e sereno, finaliza pedindo "desculpa aos companheiros queestão namesa".

9Além de ser apessoa que goza demaior credibilidade no campo indigenista ccarcnsc,

por seu trabalho junto à AMIT.Maria Arnéliamantém relações estreitas comliFUNASA.

Juntas, AMIT eFUNASA são atualmente asprincipais promotoras efinanciadoras de

eventos como este, entre outras ações. 10Conversamos atrês antes do almoço.

11Ele havia solicitado meu apoio: pediu quefizesse o jingle dacampanha, I11t1S deixou claro que não queria colocar "tapeba" emseunome, peloargumento explicitudo ucimu.

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HETEROGENEIDADE. NEGATIVIDADE EIDENTIDADE ..

Zé Valdir (Tremembé) relata ohistórico das reuniões e discussê 'S 1111

candidatura entre os Tremembé. Esclarece que "em ltarema, o PT não vai HI

coligar com o Dedé Rios nem com o Zé Maria Monteiro. Os candidatos 11

vereadores [ele e mais dois do PTl vão sair sozinhos".'?

Com a eminência do fim do "debate" - anunciado abruptamente pUI Jeová após a fala do Zé Valdir - despeço-me dos presentes e chamo novam '111\' a atenção sobre a proporção das legendas nas candidaturas que evidenciuvn não haver nenhuma unanimidade e sugeria anecessidade deuma maior discus são quanto à participação nas eleições. "Para que as campanhas não dividum vocês mais doque naturalmente já estão divididos".

Talvez em reação ao que eudissera, Mocinha, mulher do Alberto, caci que Tapeba, candidato a vereador de Caucaia pelo PFL, toma a palavra e

r

"

"

,

uma defesa exaltada do marido, pondo fim àquela reunião "bem comportada",

instaurando a atmosfera de emoção que Maria Amélia e Jeová pareciam querer evitar. Concluiu dizendo: "ouço falar desde menina sobre o PT e nunca vi nada que o PT fez".

Daniel, cacique Pitaguary, intervém. Mas é Zé Valdir que faz um contraponto a Mocinha, dizendo que em sua fala ela "desconsidera aslutas dos companheiros do PTe asações do PFL,que nunca defendeu ospovos indígenas".

Mocinha interrompe Zé Valdir, altera otom de voz, vai à réplica. Diz que é filiada ao PT, masque vaisair e se filiar ao PFL. Continua sua defesa de Alberto, "porque ele está ausente". Depois detudo, ela mesma se desarma eri, como quem sugere que a disputa acirrada, o afrontamento e o blefe fazem parte da encenação deum bom de-bate; quiçá, porsaber de experiência que o mun -do da política 13 em nossa sociedade demanda uma boa dose de deboche ou ironia para entendê-I o e vivê-lo.

A

l

guns aspectos para uma análi

se da

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c

ipação dos

índios

14

nas

eleições

Gostaria agora, a partir destes relatos, de sugerir alguns pontos para análise e aprofundamento, apresentados aqui quase sempre sob a forma de

12Confesso que fiquei mais tranqüilo. Eu ouvira dizer que os Tremembé apoiariam o

Zé Maria Monteiro, adversário reconhecido deles, quepor sua vez seria apoiado pelo

Duquinha, deputado estadual, acusado do assassinato do prefeito de Acaraú, seu pr

i-mo,em maio do ano passado.

13Aolongo dotexto, sempre que falar depolítica estarei mereferindo à política formal,

vinculada aos macrodispositivos de poder, que compõem oque se chama sistemas

po-líticos. Eleições, Parlamento, Prefeitura, mastambém, Justiça Eleitoral, Mídia eidéias como "representação" ou "democracia", entre outros são elementos que, embora relati

-vamente autônomos, estabelecem complexas relações na produção desses sistemas.

14Não épretensão deste textodiscutir a "identidade" ou a"cultura" destas pessoas e seus grupos. Assim, tomo aliberdade detratá-los ora com onome - impróprio, bem sei- de

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HETEROGENEIDADE, NEGATIVIDADE E IDENTIDADE ..

questionamentos, porque, antes de tudo, desejo suscitar areflexão e odebate mais do que apresentar respostas econclusões. Éo mais indicado afazer, con -siderando os limites deste breve texto,

Um primeiro aspecto aseranalisado, éque aparticipação indígena nas eleições sedá demaneira diferenciada, heterogênea. Cada povo indígena, cada candidato, cada campanha se insere dentro de um conjunto de visões e de práticas quase únicos; melhor, circunstanciais. Comparem-se alguns elemen -tosdos processos vivenciados pelos Tremembé, Tapeba eJenipapo-Kanindé.

Nos primeiros, oobjetivo dacampanha, explicitado porZé Valdir em forma de pergunta ("Será importante, para nós, lançar pessoas a candidato? Vai ajudar nossa luta?") é o fortalecimento das ações políticas do seu povo, das suas "lutas". Este éocritério para julgar a importância de participar das eleições com candidatura própria. Quanto à sua escolha como candidato, seu nome foi apontado apartir de reuniões realizadas em diversas comunidades em que se buscava refletir a problemática das eleições e qual posição seria adotada em bloco, mais ou menos consensual, pelos Tremembé. A opção da

legenda, o PT,foi também matéria importante de análise, decisão coletiva ar -gumentação ejustificação ("porque nós somos trabalhadores rurais"; "oPT é um partido dos pequenos; somos nós").

OsTapeba têm duas candidaturas: uma pelo PT eoutra pelo PFL. Des -necessário dizer que, apartir das legendas, constituem projetos, implicam ob -jetivos eformas de atuação políticos muitodiferenciados, como indica Zé Valdir ao se contrapor àdefesa que Mocinha fezdo Alberto (" ..,PFL...nunca defe n-deu ospovos indígenas"). E embora do PT,nem por isso acampanha deDou -rado tem amesma história, asmesmas motivações e osmesmos objetivos que adosTremembé. Suacandidatura, acredita, "não vem sódopovo Tabepa, mas deoutras comunidades deCaucaia". Mais que representar sua etnia, eledeseja ser "A voz do povo na câmara de Caucaia", Mas que segmentos e classes sociais ele pretende ajuntar sob o conceito generalizado de "povo"? Consid e-rando-se a situação de conflito - jurídico, inclusive'> - entre omunicípio e população não-indígena contra osTapeba, sobretudo porcausa da demarcação de suas terras, como ele vaiconseguir "representar" interesses tão generaliza -dos e,pior,tãocontraditórios? O Partido dosTrabalhadores -que se autodefine

como um partido com princípios ideológico-políticos "de esquerda" ou "po -'índios', orade 'povos indígenas' - politicamente correto para os antropólogos e outros

indigenistas. Interessa-me analisar seus discursos epráticas políticas, e não asmontagens delinguagem arespeito de si.ParaGuattari eRolnik, "os conceitos de cultura e deidentida -de cultural sãoprofundamente reacionários: a cada vezqueosutilizamos, veiculamos, sem perceber, modos derepresentação da subjetividade que areificarn e com isso nãonos p'r mitern darconta de seucaráter composto, elaborado, fabricado, damesma formaquequal quer mercadoria no campo dos mercados capitalísticos" (1986: 70).

IS SOUperito antropólogo dajustiça federal no Ceará de um dos processos movidos contra os Tapeba, contestando aposse de seus territórios tradicionais, 11 partir do

questionamento de sua identidade étnica.

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HETEROGENEIDADE. NEGATIVIDADE E IDENTIDADE ..

pular", que é estigmatizado por amplos segmentos sociais eque nunca elegeu vereador em Caucaia - seria opartido mais adequado auma candidatura que pretende alçar vitória, exatamente fugindo da estigmatização (da identidade

indígena), do isolamento político (da comunidade Tapeba) e do conflito de

interesses com segmentos sociais, políticos e econômicos (em torno da luta

pela terra)? Quanto àidéia departicipação política presente nodiscurso deque "o índio deve participar daluta política porque ele étambém eleitor" nãoaca -baria por justificar e legitimar acandidatura de Alberto, pelo PFL, com quem terá que dividir os votos dos parentes indígenas e/ou outros eleitores nestas eleições, inviabilizando a possibilidade de eleger um vereador Tapeba? En

-quanto a campanha eleitoral éreassimilada naprodução eaglutinação dasfor -ças político-eleitorais dosTremembé, entre os Tapeba eladesagrega eparalisa suas forças.

A candidatura deToínho, Jenipapo-Kanindé, apresenta também algu -mas particularidades em relação às demais. Uma questão, entre outras, que chama a atenção é omodo como nela se constrói a representatividade política. Entre os Tremembé, sabe-se, ela é construída noprocesso - nas reuniões, nas discussões edecisões dascomunidades: alguém que goza deprestígio político,

que é uma liderança atuante e em que se reconhece o potencial necessário à

tarefa é escolhida, com relativo consenso, como candidato. OsTapeba, dedu z-se facilmente, não obtiveram omesmo consenso em suas escolhas. As candi

-daturas advêrn de situações bem distintas. A deAlberto, só para ilustrar, pode-se supor que seja imposta, deum lado, peloprestígio político decorrente docargo

de cacique!", que lhe outorga "naturalmente" opoder de candidatar-se; de outro lado, pela cooptação doPFL - consentida plenamente por Alberto; em nenhum dos dois lados está embasada em processos mais democráticos, de

debates, discussões e escolha consensual, Aconstrução da representatividade

de Toínho se dá, em primeiro plano, em tomo e sob aautoridade política da

mãe, advinda do cacicato, Nepotismo em versão Jenipapo-Kanindé? Apare n-temente sim. Talvez não, exatamente, seconsiderarmos que aprópria "esco

-lha" de Pequena como cacique, único caso entre os 180povos indígenas do

Brasil, sedeu em uma situação-limite, como esforço supremo para sustentar a

busca de afirmação étnica e política dasuacomunidade. Acandidatura ave

re-ador e aconcomitante preparação para a sucessão na chefia indígena não se

ri-am partes damesma estratégia da cacique para remediar-se, nofuturo, dovazio

depoder que aobrigou a assumir o cargo emcondições excepcionais? 17Ofato

de, embora sendo cabeludo daLagoa Encantada'", estar fora dacomunidade 16Ele ainda exerce o cacicato, apesar do desgaste sofrido em torno dademarcação das

terras, quando se dizia que ele estava "negociando" e capitulando junto aos adversários. 17Em inúmeras ocasiões, Pequena já sereferiu àsua situação como "exceção", dizendo que só aceitou ser cacique porque nenhum homem aceitou o cargo, revelando o grau de

desmotivação da comunidade e dedesestruturação dasformas tradicionais de exercício dopoder político.

18Deforma estigmatizada, assim são também chamados osJenipapo-Kanindé.

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HETEROGENEIDADE, NEGATIVIDADE EIDENTIDADE..

e não haver tido anteriormente inserção no movimento indígena, ao invés ti•

depor contra ele não seria uma adequação a problemas de economia simbólico dopoder'", das concepções epráticas derepresentação política, sintomatizados na constatação de que "é mais fácil a comunidade eleger os de [ora", já experi

-mentados em situações como avotação do Dourado que "só recebeu 130votos de uma população de quase 2000 tapebas" e outras ocasiões mais desastrosas, em que ocandidato "não tira nem o voto da mulher"?

Acandidatura de Toínho, também pelo PT,se diferencia da deZéValdir ede Dourado, sobretudo pela forma singular, extrema e contraditória de enf ren-tar a problemática epropor uma resposta (precária?) aos dilemas (insolúveis?) da representação política dos povos indígenas: estar, aum só tempo, dentro (por -que "émelhor escolher um da gente") efora da política (por saber que ela "não presta"); ser alguém dacomunidade indígena (exposto àestigmatização eisol a-mento pelos de fora) e ser diferente (porque investido da identidade edo poder .inerente ao cargo político); estabelecer com seus parentes relações de poder tr

a-dicionais (de cacique ou liderança indígena) eformais (de vereador),

Nas campanhas indígenas, portanto, não somente inexiste a"unanimi -dade do PT", de uma legenda, como não se sustenta qualquer pretensão de hornogeneização das concepções epráticas de poder. Como num prisma, cada candidatura tem uma cor distinta, vibra em uma freqüência particular, ocupa um espaço determinado dentro do feixe das complexas relações de força den -tro da comunidade e entre ela e o "fora".

Um segundo aspecto da participação indígena nas eleições éo que se poderia chamar de caráter preventivo ou reativo ànegatividade e àsrestrições do poder político formal'".Os índios reconhecem suas desvantagens edificu l-dades na correlação de forças dos jogos do pode? I,Há tempos, e de maneira generalizada, os índios sabem o quanto suas vidas são atingidas por essejog022 Sentem, sobretudo, seus efeitos restritivos enegativos, Por isso a avaliação

19 Economia simbólica porque serefere à organização, "normalização" eexpressão de práticas ediscursos.

20Em nossa sociedade, opoder político formal é capturado, instituído, reproduzido c distribuído através de grandes máquinas deressonância social, que dividem (mas Iam bérn transversalizam) entre siasfreqüências deação e os instrumentos demodulaçí o desse poder - legislativo, executivo, judiciário.

21 Chamo dejogos do poder a esses dispositivos relativamente 'instituídos' e \'81(1 veis' em que o poder se cristaliza ese enuncia; eles funcionam como rnâquiuns di' captação, reverberação, ampliação etransmissão emcadeia dos efeitos dasrcluçt ('S(di' força, necessariamente, pois que um conjunto de forças é irnanentc a todu rl'iIl\'llo) Uma câmara de vereadores euma prefeitura são exemplos destesjogll.\' OUIIIIII/II!III/I,

22Jogo macropolitico certamente, masquenãose define como simples rclll\'ll0 de'11/"1

sição, autonomia absoluta e/ou exterioridade ao informal, residual. cnlhu IIOSiOI'oS

micropoliticos. Ambos se configuram esedefinem a partir derclaçoes corupl 'XII"1111111 "multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde S' l'Xl'll''111(' constitutivas desua organização; o jogo que, através delutas culrorunm 'IIIUSlnc 'SSlIlI

(10)

HETEROGENEIDADE. NEGATIVIDADE EIDENTIDADE ..

contundente de João Venança. Avaliação moral, com certeza. Porém, sobretu

-do, avaliação dos efeitos: "a política não presta", isto é, não tem préstimo, serventia ouproveito; não produz:

Djandira, desde os tempos em que era vereadora em Acaraú,

nunca conseguiu um poste para os Torrões. Manueltinho,

agora está conseguindo umas besteiras, depois de muito tem -po como vereador e até vice-prefeito.

Considerando, com Deleuze e Guattari, que "os centros de poder se

definem por aquilo que lhes escapa, pela sua impotência, muito mais do que por sua zona de potência" (1996: 96), entende-se porque os discursos e as práticas de campanha indígenas, como espectros do teatro de sombra, insinu

-am-se sob o silêncio, a abstinência, uma recusa e uma quase interdição, que impedem de ver osefeitos positivos dopoder+'. A conquista do cargo político,

ao invés de atualizar e ampliar a eficácia do poder, é percebida como a

concretização da sua negatividade (imanente?) pela subtração sentida emdois planos. Noprimeiro, digamos assim, subtração moral: "as duas primeiras coi

-sasque se tem que aprender quando entra na política: uma é mentir, a outra é roubar". No segundo, subtração dapotência:

Antes, ele [Manuelzinho] andava de casa em casa, levantava

cedo, iacom uma pastinha na mão. Agora, ele só está aten

-dendo porque épago pelo PSF.Agente tem que acordar cedo, fazer uma fila na porta dele, prá eleatender quando bem quer

(João Venançaj.ê"

Nunca nenhum vereador fez nada pela comunidade da Tapera oupor qualquer comunidade Tremembé (Fernando).

Eles bem sabem, no entanto, que esta negatividade não vem somente

de cima. Ela encontra amplo respaldo e é exercida também a partir de baixo, das práticas políticas das comunidades, como a"venda do voto" e a"falta de consciência":

Tem gente que vende o votopor umpar dechinelos (Estevão).

Nosso povo éacostumado a votar por um boné, um carro de

tes astransforma, reforça, inverte; osapoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ousistemas ouao contrário, asdefasagens e contra -dições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço

geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, naformulação da

lei, nas hegemonias sociais" (Foucault, 1988; 88s).

23 O poder não sefaz sentir somente como aforça que limita, proíbe, suprime, mas

também pelo que possibilita, suscita, cria. É esta asuapositividqde,

24Manuelzinho émédico.

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HETEROGENEIDADE, NEGATIVIDADE E IDENTIDADE ..

mão, um milheiro de telha. Não uma consciência firme.

Nosso povo foi acostumado a dar o voto vendido (João

Venança).

Contudo, esta falta de uma "consciência firme" não deve serentendida

como uma ausência, consciência alienada, oucomo uma imposição dopoder

dominante hegemônico. Tampouco elaé uma super-estrutura ou umsubproduto

da máquina em que são (re)produzidas as relações de poder entre osindígenas

e o mundo da política. Antes, é sua condição. Ela é um acordo. Como um

acorde musical, que, longe deopor, estabelece complexas relações entre notas

dissonantes e harmõnicas em uma simultaneidade de tempo, onde cada uma

delas reforça osom dasdemais eé opressuposto da sua percepção

diferencia-da, ao ser ouvida. Porque o poder é sempre um consenso, ou,dito de maneira

muito mais refinada, elegante, completa:

[...) o poder vem de baixo; isto é, não há, no princípio das

relações depoder, e como matriz geral, uma oposição binária

e global entre osdominadores e os dominados, dualidade que

repercuta de alto abaixo esobre grupos cada vezmais até as

profundezas docorpo social. Deve-se, ao contrário, supor que

as relações deforça múltiplas que se formam eatuam nos apa

-relhos deprodução, nas famílias, nos grupos restritos e

insti-tuições,' servem de suporte a amplos efeitos de clivagem que

atravessam o conjunto docorpo social. Estesformam, então,

uma linha deforça geral que atravessa osafroritamentos

lo-cais e os liga entre si; evidentemente, em troca, procedem a

redistribuições, alinhamentos, homogeneizações, arranjos de

série, convergências desses afrontamentos locais. As grandes

dominações são efeitos hegemônicos continuamente sustenta

-dos pela intensidade de todos estes afrontamentos (Foucault,

1988: 90).

Assim, pode-se dizer, possivelmente com odesaprovo de algum leitor,

que "votar por um boné, umcarro demão ou um milheiro detelha", é uma das

condições de possibilidade, e não o produto da participação indígena nojogo

das eleições, eum dos sintomas danegatividade dopoder. Pois é pela instau

-ração de um regime de restrições que o poder sejustifica e sustenta.

Não seria, porém, por esse motivo, pelo potencial negativo do poder,

porque ele atua restringindo, que é "melhor escolher um da gente do que ti•

fora"? Por que conquistando o poder, domesticando-o=, poder-se-ia ao l1l•

nos prevenir-se melhor de sua negatividade e restrições? Em meio,

25Domesticar nosentido detornar "de casa", próximo, mas igualmente de"umunsur",

fazer dócil, previsível.

(12)

HETEROGENEIDADE, NEGATIVIDADE E IDENTIDADE..

heterogeneidade - dos processos de escolha doscandidatos, das legendas pai

tidárias, do PT,PC do B e PFL, ou dos objetivos explícitos - das campanhas.

seria este o ponto de convergência: a conquista dos cargos como forma d,'

prevenir, remediar ou controlar os efeitos "colaterais" dopoder? Os cargos a

serem conquistados serviriam, então, para pelo menos minimizar esses efeitos

sobre osindígenas e suas comunidades, Pois eles reconhecem aprópria impo

tência política por "não pertencer à panela doprefeito" (causa e efeito dessa

impotência?) e, por isso mesmo, porque "é precisamente sua impotência que

torna opoder tão perigoso'P". "isto não deve ser motivo para ficar de fora",

Um terceiro aspecto da presença indígena nas eleições a ser analisado

éo que denomino, provisoriamente, deidentificação política heteroéurúica'",

aqual pode sercaracterizada como o conjunto dediscursos epráticas do pol

í-tico em torno doengajamento simultâneo ediversificado emsistemas de rela

-ções de força heterogêneos (como o conselho da comunidade e a câmara de vereadores ou aprefeitura), contrários, ou mesmo em conflito aomesmo tem

-po autônomos e transversalizados, quando osindígenas revestem-se circun

s-tancialmente doshábitos-" específicos dosmúltiplos jogos de poder em que sc

inserem, selecionando-os, recortando-os, assimilando-os e reelaborando-os ou resistindo e se separando deles e de seus códigos de valores, encarnando pa

-péis ou tomando decisões conforme as conveniências impostas pelosjogos, e a partir de um núcleo mais ou menos estável de referência simbólica, que é a

comunidade indígena, Assim, ametamorfose ocorrida no índio que se trans

-forma ocasionalmente em candidato ou eleitor, atesta não a perda mas a

plasticidade da "identidade" indígena-? ,a sua "essência" composta, inventa-da, montada, estratégica, e a sua capacidade quase infinita de mudar para

permanecer o mesmo'" ,

26Deleuze eGuattari, 1996: 111.

27A grafia dotermo ét(n)ico, quemescla ediferencia, aumsótempo, o étnico e oético,

quer chamar a atenção para astransversal idades com que se atravessam, de mil manei -ras, os discursos epráticas de identificação (étnicos) e os discursos epráticas de ação (éticos) sobre oser social.

28Oshábitos expressam a conjugação depráticas e discursos.

29Esta"identidade" não podeportanto, serapreendida através dosjogos episternológicos

binários que opõem categorias, como a de "verdade" x "falsidade", "autêntico" x

"descaracterizado", "branco xíndio", enfim, "ser x não-ser". Trata-se de "identifi ca-ção", termo que suscita a idéia de construção/desconstrução, dedevir imanente atoda

"identidade" ,

30Esta idéia éuma ressonância do conceito de "transfiguração étnica", deDarcy Ribei -ro (1997), que "consiste precisamente nos modos detransformação de toda avida e cultura deum grupo para tornar viável sua existência no contexto hostil, mantendo sua identificação" (p. 193). "Mesmo quando perdem alíngua e ainda quando secompleta o que sepoderia chamar de aculturação, ou seja, mesmo quando eles se tornam quase indistinguíveis do seu contexto civilizado, ainda assim mantêm suaauto-identificação como indígenas deum grupo específico, que é seu povo'! (p. 191)

(13)

HETEROGENEIDADE, NEGATIVIDADE E IDENTIDADE..

No jogo eleitoral, a identificação heteroét(n)ica emerge quando, por exemplo, os indígenas, candidatos oueleitores, seinventam petistas em torno

da categoria "trabalhadores rurais" e da idéia do PT como "um partido dos

pequenos" como eles, Ou quando recorrem ao argumento formal, legalista e legitimador da ordem política formal ao sustentar que "o índio deve participar da luta política porque ele étambém eleitor", adequando-se àidéia general iza-dae "menos politizada" de cidadão brasileiro, Pode-se atévirarpefelista, per -mitindo-se uma identidade prêt à porter, de conveniência política explícita (a candidatura de algum familiar), saltando de um extremo ao outro do espectro das legendas partidárias (do PT para o PFL), lançando mão do pragmatismo político, esse script sempre disponível na encenação doteatro eleitoral, detec-tado em argumentos dotipo: "ouço falar desde menina sobre oPT e nunca vi nada que o PT fez", Tratar-se-iam simplesmente de fenômenos emque se al ter-nam oucontrapõem-se uma "identidade política esclarecida" e uma "identida -de política alienada"? Ou, antes, de uma identificação estratégica,

circunstancial, móvel, flexível, segmentarizada, articulada no jogo das rela -ções depoder, em meio a"uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada"?"

Em suma, são estes entre outros, os aspectos que considero para a an á-lise daparticipação indígena nas eleições cearenses de2000 sedá, entre outros

aspectos: heterogeneidade dos diversos elementos que estão implicados nas

candidaturas; reação ou precaução ao regime de restrições ou negatividade

imanente ao jogo da política formal, como ponto de encontro em meio à heterogeneidade; e produção do fenômeno da identificação política

heteroét(n)ica como estratégia de atuação nosjogos do sistema político for-mal, dosquais aseleições sãoparte.

Não foi ainda enunciado pelos próprios índios, mas através dadiversi

-dade, das contradições e das especificidades dos discursos epráticas políticas

em torno das eleições, eles sugerem uma perspectiva muito particular do po

-der,talvez umabusca de escapar às categorizações clássicas, binárias, que têm na base de suas oposições (dualistas ou "dialéticas") uma moral poliücaí? ,

Pela boca deDeleuze podemos iluminar nosso entendimento acerca da expe ri-ência do poder, vivida mas ainda não pronunciada pelos índios:

o

poder mobiliza matérias efunções não esiraiificadas, utili

-zaumasegmentariedade muitoflexível. Com efeito, nãopassa

por formas, e sim por pontos, pontos singulares que sempr«

indicam a aplicação de umaforça com relação aoutras, quer

dizer um efeito como 'estado de poder sempre local i' instá

vel', (....)Locais, instáveis e difusas, as relações depoder /1110

emanam de umponto central ounúcleo único de sobcran!u, (' 31 Foucault, 1988: 89.

32Isto é assunto para outro artigo!

(14)

HETEROGENEIDADE, NEGATIVIDADE EIDENTIDADE ..

sim vão constantemente 'de um ponto aoutro' em umcampo

deforças, assinalando inflexões, retrocessos, inversões, giros, mudanças dedireção, resistências. (".) Como exercício do"do estratificado, constituem uma estratégia, e as 'estratégias anô

nimas' são quase mudas e cegas, posto que escapam às for

mas estáveis do visível e do enunciável (1987: 102, apud Singcr,

1997: 45),

Bibliografia

Deleuze, Gilles, 1988: Foucault (trad.). São Paulo: Brasiliense, Deleuze, Gilles, 1992: Conversações (trad.). Rio deJaneiro: Ed. 34, Deleuze, Gilles e Guattari, Félix, 1996: Milplatôs <capitalismo e esquitofrenia,

vol. 3 (trad.). Rio deJaneiro: Ed. 34,

Guattari, Félix eRolnik, Suely, 1986: Micropolítica: cartografias do desejo, 4,' ed. Petrópolis/RJ: Vozes,

Foucault, Michel, 1988: História dasexualidade /: a vontade desaber (trad.), Riode Janeiro: Ed. Graal.

Ribeiro, Darcy, 1997: Confissões. São Paulo: Cia. dasLetras,

Singer, Helena, 1997:República de crianças: sobre experiências escolares de resistência, São Paulo: Hucitec.

Referências

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