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DA TEORIA DO CONHECIMENTO À METODOLOGIA: ANÁLISE DO PROJETO EPISTEMOLÓGICO DE POPPER

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(1)

n^

TEoRLA

Do

CoNHECIMENTO À

mftOoolocn

;;áli*

do

Projeto Epistemológico de Popper

wILsoN PESSOA MENDONçA

I

The Logi"

of

Scientific Discovery. Lond¡es: Hutchinson, I 96g, p. 30

'Ibid.,p.3L.

&dernos de Histôria e Filosofía da Ciência 7 (1984), pp. 5-19.

truir

esse caminho.

l.

O programa do empirismo logico e a questão do psicologistro

No piimãiro capítulo

de

A

Logica da Pesquisa Científica,Popper

introduz,

com o

obje-tivo

de resolver um problema surgido

no

interior

da teoria empirista da ciência, uma distinção que, pela simplificação dos termos envolvidos

no

problema, é característica de suá

atitude filosófica. Após

examinar as inconsistências lógicas dos programas de

justifìcação

indutiva

do conhecimento científìco-, Popper relaciona-as a

"uma

confusão äntre prôblemas psicológicos e epistemológicos"l e estabelece, então, o objeto

de

suas

investigações:

,'O ato de conceber ou inventü uma teoria parece-me não reclamar análise lógica nem

As objeções de Popper são dirigidas à vinculação entre empirismo e lógica

formal

que caracterizou o Círculo de Viena, e procuram apresentar o problema da justificação

indutiva

do conhecimento como

um

pseudoproblema. Com efeito, sob a suposição de

que as questões relativas à aquisição

do

conhecimento devem ser encaradas exclusiva' mente de

um ponto

de vista psicológico, a epistemologia, enquando lógica do conheci' mento, se reduz ao estudo dos métodos de teste a que se submetem idéias científicas

7Z formuladas, sem lugar,

portanto,

para o problema da indução. Não é

outro

o

(2)

F

6

llilsott

Pcssoa Mendonça

'

'---olidc

loi

extraída a

últirna

citaçã<-r.

O fato

de Popper, na continuação desse trecho' se

rccusar a

con

constru

dc

lbrrnação

numa c

desse

process

estimul

;;irr'n-;j

logismo significa

o

abandono de qualquer

intònto

<lc

ex

conhecimento'

Masoproblemadajustificaçãoin<lutivadoconlrecimentocientíficonãosedeixa

conlundir,

rras teorias criticadas

þor

Popper, com un-'a elucidação dos processos psico-lógicos

de

concepção

dc

novas idéias. Isso

pode

ser mostrado a

paftir

da

leitu¡a

de

Carnap.

Foi

Carnap quenr colocou as bases teóricas <lo empirismo lógico ao elaborar, em,4

Esttuture

lógica dct

Mt,ttlo,

uma teoria

conl

a lneta dõ ordenar os conceitos4 de todas

as ciôncias e

outro,

em d

tc,

scgundo sua

forma

g

talnbóm, e

Ao

ntcsmo tempo, Carnap

interprcta

esse

clo conhecilncnto: a base

última

do sistem dclo

-

de uma experiência pura, não inte

Èrr,

,.u

prËfá.io à 2à p'<l¡*eo de

A

:t^l:tr:

livro

como uma tentativa de

demonstraçã

acoroo

com a qual é

possível

a

redução

de

todos

,,

dado'ó

carnap c'r€

quc'a

lógica desenvoluidu

pot

Frege, whitehead e Russell contém os

inst¡u-;.;t,j,

.oprr.,

de firnclamentar o emþirismo como sistema' e que essa fundarnentação tleveria ser realizada pela extensão

daieforma

formalista da matemática ao âmbito das

;,e;;i;r";.pl;i.*.t

ñ.rru

tentativa de rlemonstração o conceito de estrutura ocupa lu-gar

central'

êññô

.re

e Russell e

Carnap

empo' que

Whitehead

t

a dõ que

¿

€"não só a

aritnrétìca

e

tz

respeito

nciados de

estrutura,,.s

teoria

das

tipo

parti-3nril,p.31.

4Ao inué, de "conceitos", Carnap prefere, às vezes, usar "objetos", sem estabelecer

distin-çõcs entre os dois te¡nros.

sCt. nre Logical Strut:ture

of

the

llorlLl

itPseutloproblents in Philosoplty'

lJerkeley:Uni-versity ofCalifornia P¡ess,1969, $ 64,

l0l-103'

6cr.

türt

,p

vt

1 r:r. nia. ,

p vtt.

8 rbid, , p. 23 .

I

(3)

Da

Teoria

do

Conhecimento à

Metodobgia:

7

Antilise do

hoieto

Epistemologico de Popper

ferência

somente

a

propriedades formais significado

da

relação e do

tipo

de objeto relação

for

atribuído, arbitrariamente, um

ssa relação pode ser completamenfe

especi-,'#J,:î.Hi:;ï]iï::i;:l'Jiäi?åi::

um plano. O

fato

de a descrição estrutural

ser completa significa, para Carnap, que o que se pode dizer de uma maneira

puramen-ie formal

não

traz

consigo nenhum problema

de

fundamentação,

A

isso Carnap só

precisa

juntar

a afirmação

de

que "enunciados científìcos falam somente de formas, sem determinar

o

que são os elementos e as relações tlessas

formas",e

para remeter a ciência ao que se oferece

juntamente

com sua fundamentação. Em outras palavras, o dado seria o formal.

A

importância

da

descrição

estrutural

reside,

para

Carnap,

na

possiblidade de

..uma descrição definida de todos os objetos de um dado

domínio

sem indicar nenhun-t

cleles através de uma definição ostensiva e sem fazer qualquer referência a um objeto

fora do domínio

em questão".ro

Aplicado

à

totalidude dos obietos de conhecimento, um sistema de descrições estruturois deveria possibilitar todo

tipo

de disttnçdo imaginá' vel, eliminando qualquer argumentaçõo a

favor

de um conhecimento a

priori.

O conceito de estrutura é

o

instrumento

lógico

de que Carnap se serye para supe-rar a dificuldade que se coloca imediatamente no caminho de uma afìrmação do

empi

rismo.

A

descrição estrutural do dado deveria proporcionar a elaboração de enunciados sobre

a

base

última da

experiência sem mescla de

instrumental

conceitual prévio. Carnap supõe que

no

fluxo

da experiência certos elementos básicos chamados "expe-riências elementares" estão ligados entre si mediante uma única relação através da qual

"todos

os estados de coisas reconhecíveis podem ser expressos":1

t

a relação

assimétri-ca

"evocação de similaridade".

A

atribuição

de

um

número

distintivo

a cada

um

dos elementos básicos

permite

uma

descrição

estrutural

do fluxo

da

experiência cujo reconhecimento, segundo Carnap, é imediato.l 2 Assim, a base pura do conhecimento é

concebida à maneira de um esquema est¡utural.

No

sistema de constituição, os conceitos estão ordenados de tal forma que um da-do conceito pode sem¡rre ser

reduzido

a conceitos de níveis mais baixo e, finalmente, aos conceitos que se referem ao imediatamente dado. Carnap reconhece que, no meio dos conceitos atuais das várias ciências, as relações de redutibilidade vigem em diferen-tes direções, não sendo,

portanto,

suficientes para a determinação unívoca da forma

ethid.,y't.21. lo,lå,ì/., p. 15. | | Ihirl. , p. lz3 . l2r-f. a,tianre p. 7

(4)

F

to

destes,

O

sisterna de

fonnação dos conceitos; distinção básica entre ps

entre os

conceitos são r

aco¡do com os processos psicológicos reais:

vem deternrinada pela referência ao

"eu"

para o qual os processos psicológicos existem,

8

Wilson Pessoa Mendonça

13Cf. Tt,, Logical Stnrcltte

ol

the

ll'orltl

i'i

Pseut)oproblents in Philosophy, ob.

cit.,

$$

62 e 63. pp. 99-101.

'ac¡. Ihi,l., g -s4, pp. 88-89.

tslbid., p.

89. Sirnilarmente:

"4

fornrulaçâo clo sistena de constituiçdo nâo alnreja

repre-senlar a maneira errì que os vários conteú<ios da experiência são experinrentados, Irtas levat en't

contír sonìente as relações lógicas contidas neles; isso é 1'eito através de ùÍÃre(otßtruçao racional rla síntese dos conteú<1os tla experiência, a qual, ua experrência real, é, n¡ rttaior parte, intuitiva," {.ibid.,p.171).

16ft,i.i., p. too.

| 7

(5)

Ds Teoria

do Ønhecimento

à

Metodologia:

9 AruÍlìse do

hoieto

Epistemolôgico de Popper

su'erior

ao desses riltimos. Embora um conceito possa semPre se¡ reduzido a conceitos

-äir

báti.or

e, em

última

instância, a relações básicas entre vivências elementares, isso

não signifìca que o conceito em questão possa ser decomposto nos conceitos inferiores como uma soluçíio em seus Componentes. E preciso lembrar que

"redução"

tem o

sen-tido

preciso de uma transformação de enunciados que pteserva a independência recí-proca de conc¿itos situados em níveis diferentes:

18lbirt.,p.l22. con tes por trat 78, mentos de "quasi-análise", $

7l,pp.

114-116.

2ocf. Ihíd., g 65, "The Given Does Not Have a Subject", pp, 103-106, onde Carnap diz, por exemplo: "os ele¡nentos básicos devem ser chamados experiências do eu após a constituiçâo ter sido efetuada; então nós dizemos: no nosso sistema de constituiçâo,'minhas experiências'são

elementos básicos." (p. 104).

2l"A

distinção entre objetos reais e não reais aparece somente num nível de constituiçalo rclativamente avançado. No início do sistema, as experiôncias devem se¡ tomadas simplesmente

como ocorren. Nâô fala¡enros de realidade ou irrealidade em conexâo com estas experiências"

(Ibíd., p.

l0l).

Pa¡a Carnap, o fato de não pressupor realidade para as "esperiências elenlenta¡es" que põe na base (autopsicológica) de seu sistema de constituição permite qualificar a sua posição como um "solipsismo metodológico" (Cf . ibid., p. 102).

(6)

---Fl

10

Wilsln Pessoa Mendonça

"Se a constituiçâo leva à tbrmação de novos níveis lógicos (como ocorre no caso dos

objetos culturais, e especialmente nos mais altos níveis de objetos culturais, onde isso é

marcantc) os objetos constituídos têm um modo diferente de ser (...). Portanto, na-o há

psicologismo em nossa manei¡a de constituÍ os objetos cultu¡ais."2 2

Na medida em que as vivências elenìentares psicológicas e a noção do

"eu"

são elas

mesnras co¡ìstituídas a

partir

de uma relação básica formalmente especificada, a posi-ção de Carnap é nâo-psicologista.

É

igualmente não-psicologista essa dimensão de sua

teoria

que

afirma

a autonomia dos conceitos situados em níveis diferentes. De outro ponto de vista, contudo, Carnap é psicologista.

E

verclacle que a teoria de Carnap procura pres€rvaf a autonomia metodológica das

ciências que

tem

por

objeto

níveis distintos do sistema de constituição;mas nã'o é me-nos verdade que os enunciados dessas ciências só adquirem sentido porque podem ser traduzidos em enunciados de estrutura sobre relações entre "núnhas vivéncias

psicoló-gicas".

A

análise

do

modo como

se dd essa traduçã'o, que

tem o

sentido de uma re-dução, conduz à

crítica

de Popper.

A

redução dos conceitos cientificamente signifìcativos à base da experiência se dá pela aplicação de regras gue governam a transformação de

todæ

as proposições sobre os conceitos superiores em descrições estruturais sobre

o

dado. Tais descrições, como

visto,

são dadas extensionalmente como uma lista de pares onde cada símbolo repre-s€nta uma viv€ncia elementar.

No

processo real da ciência, a aquisição de conceitos é

cronologicamente anterior à sua justÍficação. No que toca à validação científica, contu-do, as proposições sobre um conceito só podem ser consideradas científicas depois que

o

conceito em questão é

constituído

desde a base.23 O

fato

de as regras de constitui-ção serem fo¡mas lógicas independentes de

todo

conteúdo implica que a linguagem da

ciência só comporta enunciados cujo sentido, em

última

instância, é defìnido extensio-nalnrente em termos de relações entre vivências psicológicas, Somente uma linguagent assim

pode permitit'

a

afirmaçõo segundo a

qual

os conceitos só

têm

sentfulo porque vêm definidos desde o que se oferece imediatamente na experiência.

Qual pode ser, então, o signifìcado da teoria da constituição proposta por Carnap? O

último

parágrafo

procurou

mostrar que ele não é mais do que o de uma tentativa de

elaboração de um sistema

formal

onde alguns Çonceitos d.ad.os necessariamente de

ante-mão,

podem ser extensionalmente defìnidos e algumas proposições 7ii científicas po-denr ser funclamentadas. Frente a um conceito qualquer, Carnap tem duas altemativas:

ou

bem

o

conceito pode ser

definido

com a ajuda de outros conceitosjá fundamenta-clos,

e

dessa

forma acolhido

em seu sistema de constituição;

ou

bem

o

conceito não atende as exigénciæ do sistema

formal

e deve ser declarado não

científìco,

metafísico.

Trata-æ,

portanto,

de investigar

uma

linguagem

a¡tifìcial

que

permita

a

ordenação, sobre

uma

bæe

formal,

dos conceitos que

mostraram seu valor

no âmbito

da

pes-22Ibid., pp.232-233

2x

(7)

Da Teoria

do

Conhecimento ò

Metodologia:

I

1

Análise do

hoieto

Epistemológico de Popper

-,,¡ca

S€ esse

for o

caso,

difìcilmente

a teoria de Carnap pode ser considerada como

Ïäu

àrronuração

da possibilidade

do

empirismo como teoria da formação do

conhe-amento'

""'ó

drr.nuolvimento dos

trabalhos

de carnap

publicados depois de

A

Estrutura acima. Nesses trabalhos, as proposições e

sentido

de uma linguagem básica que se

o espaço e

no

tempo. Certamente, o

ftsica-Estrutura Lôgica

do

Mundo,

mas Camap opsicológica". Há duas razões para isso, das

i'"'ffå

:,;lÏi:å1

i3,l:liä

11'"':",*

conta o menor número de pressupostos:

,.um sistema com base autopsicológica tem ainda

a

vantagem de que a totalidade dos

objetos é constituída sobre uma base conside¡avelmente menot."2'

São razões de economia de pressupostos, entretanto, que se tomam determinantes nos trabalhos posteriores de Camap. Referindo-se ao fìsicalismo adotado como forma geral de seu sistema depois de

A

Estrutura

Lógicado ll[undo,

Carnap abandonaqual-quer justificação que lembre a pretendida explicação lógica do processo cognitivo:

"Eu

conside¡aria, agora, especialmente, uma fo¡ma que contivesse conro elementos básicos coisas físicas,

e

como conceitos bdsicos propriedades observáveis e relações

entre essas coisas. Uma das vantagens dessa base está no fato de que, relativamente às

propriedades e relações indicadas, há um alto grau de acordo intersubjetivo. Todos os

õonõeitos que os cientistas usam em sua comunicaçâo lingüística pré-sistemática são

dessa espécie. Portanto, um sistema de constituição com tal base parece

particular-mente adequado para uma reconstrução ¡acional dos sistemas conceituais das ciências

empíricas."2 5

Ora, a

mertos que se queira

tomar

como

um

dado a linguagem ordinária de que fazem uso os cientistas, a concepção do sistema de constituição com base fisicalista

sig-nifìca

que Carnap não pretende mais, com a reconstrução racional dos conceitos,

dis-tinguir

entre

o

puramente dadoe asíntese2ó. Sem dúvida,isso deve ser compreendido

como

o

reconhecimento

de

que

o

programa

de uma

genealogia dos conhecimentos

2a lbid ., p . tot . 25"Preface

to the Second Ectition"

in

Ttte Logicol Sîructt¿re of the ll/orld &.Pseudoproblems

in Philosophy, ob cit., pp.VII-VIII.

2óN"lron Goodman, que desenvolve as idéias de

Carnap, também parece desistir de fazer da

"reconstruçalo ¡acional" uma teoria da gênese do conhecimento na linha empirista. "Eu nÂo estou

procurando distinguir ent¡e

o

imediato e o não imediato", diz Goodman em The Structute

Appearance. Cambridge: Ha¡vard, 1951, p. 105.

(8)

-g-l2

l4)ilsr¡n Pc.sx¡a Møtdortç'a

falhou,2 7 passando a dar lugar, explicitamente, à construção de sistemas formais onde os conceitos cientíhcos, e só eles, devem ser investidos de signifìcado logicamente rigo-foso.

Podemos retontar, agora, as observações feitas

no

início

desta seção. ,4 Estrutura Lógica do fultutclo, ao invés de uma teoria da gênese do conhecimento, é a exposição de

pontos

bdsicos

e

realização

de

um

sistema

linguístico formal

onde só são admitidos conceitos que possant se¡ reduzidos a enunciados estruturais sobre as experiências pelas quais percebo similaridades em nrinhas vivências psicológicas elementares. Eis porque Carnap é fundamentalnrente psicologista. Talves, então, Popper esteja

certo

ao ver no

empirismo lógico, cujo

caminho

foi

aberto

por

Carnap,

"uma

confusão entre proble' mas psicológicos e episternológicos".

2.

A

crítica de Popper ao empit'ismo lôgico

É enquanto proposta de unr

critério distintivo

entre

o

que pode ser expresso em uma linguagem

formal

unificadora da ciência e

o

que deve ser declarado não científìco, en-quãnto proposta de

unl

"critério

de Dema¡cação entre a ciência e

metafísica"," qu.

u

obra de Carnap é criticada por Popper. Retomarei, resumidamente, essa

crítica,

distin-guindo dois pontos principais,

l)

Frente à

eigência,

em

princípio

:azoável, de que a linguagem da ciência só de' veria conter conceitos defìnidos, Popper não pode deixar de observar que ela é irreali-zável. De

fato,

para que

um

termo como

"solú\el",

por exemplo, possa ser remetido à

base da experiência, é preciso transformar, de modo

definitivo,

um enunciado.como

"x

é solúvel" na série de enunciados que descrevem as vivências elementares pelas quais eu percebo que

"x",

por exemplo açúcar, é dissolvido quando misturado em água. Mas de' ve-se também

defrnir

"ágvî",

e nos enutlciados pelos quais isso é

feito

devenr constar' necessariamente, os que se referenr às experiéncias que

permitem

caracteúzar "água"

como

o

composto

quínúco

no

qual

algurnas substâncias, precisanrente todos os

"x"

que satisfazem

"x

é

solúvel",

podem se¡ dissolvidas. Assim, a defìnição de

"solúvel"

depende da definição de

"água"

e essa depende daquela,

o

que, sem dúvida, é urn cir-culo vicioso.

Mas a

crítica

de Popper vai mais longe. Mesmo

um

termo co¡no

"dissolvido"

não pode ser conclusivamente

reduzido

a

experiências perceptivas, pois para

afirmar

que algo

foi

dissolvido em água é preciso estar certo de que esse algo pode ser recuperado

27É vertlade quc, no Prelãcio à 2. edição de The Logical Structure of the World, Carnap pro-cura reafirnta¡ a orientação filosófica do livro. No entflnto, o nresmo Pretãcio documenta a

mu-dança de Carnap enr clireça-o a uma reconstrução racional dos conceitos sobre base "fisicalista",

ten<lo enr vista as dificrrldades apresentadas por ser¡ projeto inicial.

2E"Th.

Demarcation

lletween Science and lrletaphysics" é justanrente

o título

do estutio

crítico de Popper sobre Canrap, o qual aparece em Schilpp,P. A. (ed.), ThePhilosophl,ofRudolf

Cørnap La Salle: Open Cou¡t Publishing Co., 1963, e enr Popper, K.R.,Conjectures and

Refuta-fibns, Londres: Routledge and Kegan Pau1,1963.

(9)

Da Teoria

do

Conhecimentr¡ à

Metodología:

13

Andlise do Plctjelo Episterutlôgico de Popper

um sistema de antecipação que tem seu correspondente lógico nos enunciados teóricos não restritos chamados

"leis naturais".

Afirmat

que algo é solúvel é afìrmar que, para uma totalidade de casos nâ'o esgotável na série

limitada

de fatos que podemos

consta-tar,

esse algo terâ sempre um comportamento regular, regulado por leis. É só então que posso constatar

o

fato

de que essa substância que estava diante de mim

foi

dissolvida

êm

água.

Logo,

a constatação dos fatos não é independente dos sistemas conceituais que permitem a comunicação sobre eles.

Um

predicado simples

como "dissolvido"

só pode ser a¡rlicado a

título

de uma expectativa de que a substância em questão mantenha

um

comportamento conforme leis

(lawJike

behaviour).

Não

menos do que "solúræl", o predicado

"dissolvido"

tam-bém não pode

ær

integralmente conelacionado às vivências psicológicas pelas quais percebo que açúcar, por exemplo,

foi

dissolvldo em meu catë.

A

"cetteza sensível" que eu tenho de minha percepção não vem da experiência

bruta.

Ela não é

um

dado. Ela não é mais do que a crença (belief, no sentido de Peirce) que acompanha uma expecta-tiva de comportamento habitual.

Agora, se todos os conceitos, na medida em que

îazem

inplícita

uma expectativa

de

comportamento das coisas

conforme leis,

ultrapassam

o

que é dado na

experiên-cia,3¡ não

podem ser

constituídos como quer

Camap. Resuita,

portanto,

inviável a

idéia de uma linguagem da ciéncia estritamente definida,

2) A

limitação

da linguagem da ciência a enunciados completamente verifìcáveis

em

termos de experiências imediatas (se isso fosse possível) signifìca, para Popper, a

exclusão mesma das teorias científicas, pois "as leis científicas (...) não podem ser logi-camente reduzidas a enunciados elementares de experiência",3 2

2eCf . The

Logic of Scientific Discover¡r,op. cit., p.440 e Coniectures and Relutotions,ob. cit., p.278.

30

nre Logic of Scientifíc Discovery, ob. cit.,

p.424.

3 r Ver

adiante p. 1 8.

32The

(10)

-I

14

Wilsrttt Pesstta Mentlonçu

læis naturais são enunciados universais que não admitem decomposição em

qual-<¡uer número

finito

de descrições de ocorrências singulares.

A

questão é a de saber que papeì desempenham tais enunoiados em

um

sistema como o de Carnap. A impossibili-dade de unta tedução estrita das leis naturais a uma base empírica é reconhecida por

es-te. Tal

inrpossibiliclade deveria invalidar, de um

ponto

de vista lógico, as leis naturais

-e conr -elas

a

representação dominante da teoria

-,

ou servir de refutação ao

critério

de

Carnap.33 Popper adota a segunda alternativa.

No

quadro

do

empirismo lógico, Schlick

tentou

uma terceira alternativa ao

conce-ber

as

leis

universais

como

regras para a transfornração de enunciados empíricos enr enunciados igualmente

empíricos.

Como

não

poderianr ser consideradas enunciados

analíticos, eram

vistas

como

pseudoenunciados senr necessidade de justifìcação.34 Pop¡ær, ao

contrário,

prefere t¡atá-las como genuínos e¡runciados sintéticos, cuja

inve-rificabilidade

sustenta

unr

julgarnerrto negativo

emitido

contra

o

empirismo lógico. Além disso, Popper observa que a solução de Schlick ignora o

fato

de que os enuncia-dos

ditos

empíricos não são mais passíveis de verificação estrita do que as leis naturais.

Com efeito,

em vista da argumentação contida

enr

1), qualquer enunciado, mesmo o mais simples enunciado de obærvação, contém predicados universais que denotam ex-pectativas

de

conrportamento

conforme

leis, Nesse sentido, nenr ¡lresmo a afirmação

"aqui

há unr copo com água" pode ser fundamentada empiricamente, pois os termos

"copo" e

"água"

trazem, inrplicitamente, hipóteses que

têm o

mesnro sfc¡us de uma

lei

natural.3s

Enunciados empíricos singulares estão situados acima da experiência e

não podem servir de base a uma argumentação que os distingue de enunciados teóricos universais, A impossibilidade de justificação lógica desses, que levou Schlick a concpbê-los como pseudoenunciados, deve ser transferida também àqueles, o que implica a ne-gação radical de uma fundamentação lingüístico-formal do empirismo.

3.

Kant

mal compreendido

No prefácio à 2a Edição alemã (1963) de

A

Lógico da Pesquisa CientíJica, Popper diz

"A

teoria do conhecimento ainda hoje está sob a influência da grande coûente que se associa aos nomes de Locke, Berkeley, llunre e Mill (.,.). De minha parte,oponho-me

a essa tradição porque aceito contribuições Kantianas para a teoria do conlrecinrento, contribuições que tenho por decisivas."s 6

A

crítica

de Popper ao empirismo

lógico

demonstra que qualquer tentativa de re-nlissão

do

conhecimento

a uma

base de experiêltcia pura está fadada ao fracasso. O

33Yer Conieclures ond Refittations,ol¡. cit., p. 261, onde Popper

se relire a aceitação por parte

cle Carnap dessa C¡ítica.

t4Cf. u, citações de Schlick en't

The Logic

o!

St'ientifit' Discover¡,,ob. cit., p. -ì7.

3 t

cr. i hirt., pp. 94-9 5.

3óCito conforme tradução desse prefácio contida em .A Lógica da Pesquisu Científica, Sao

(11)

Dt

Teoris

do

Conhecinrcnto à

Merodologia.'

15

Andlise do

hojent

Epistemolôgico de Popper

acesso âs

bases

'horizonte

de expectativas"

o

papel de

um

",

"confere sentido ou signi riéìrcias,

ações

horizonte de expectativas

t

te lingüístico nos enunciados teóricos formulados ao

modo

de asserções sobre o com-Dortamento das coisas conforme leis, Há,

aqui,

uma analogia com a concepção kantia-åu de uma natureza determinada categorialmente, Da mesma forma como não cabe

es-oerar, segundo

Kant,

que

mas experiências conduza à

forma-ieo

¿or conceitos,

senão

possibilitadas por um trabalho pré-vto

da

razão, nâo há

que

Popper, as teorias científìcas como generalizações indutivas processadas sobre uma base empírica, senão que essa base só é ac€ ssível enquanto teoricamente in terpretad a.

Mas a ligação de Popper a Kant não vai além do reconhecimento do caráter neces-sariamente antecipador das teorias científìcas,3E Popper, que se refere a seu trabalho como unra teoria do conhecinrento,3 e não julga necessário empreender uma análise

so-bre as condições de possibilidade

do

conhecimento. Isso se deve tanto à sua

crítica

ao

empirismo lógico quanto à sua interpretação peculiar de Kant.

Popper chega a

Kant

após

exibir

æ difìculdades incontomáveis da concepção enl-pirista. Que essas difìculdades inexistem na teoria do conhecimento de Kant é reconJre-cido por Popper, mas o problema com Kant é que ele teria "provado dentasiadamente". Ern que consiste isso? De acordo com Popper, se a possibilidade do conhecimento resi-de, como quer

Kant,

em que nosso

intelecto

não descobre leis na Naturezaenr si mes-ma. mas, ao contrário, trata de prescrevê-las a ela, o fato do conhecimento toma-se não só possível, mas também necessá¡io logicamente. Tendo enr vista que a teoria

newto-niana

representava

para

Kant o

modelo

do

conhecimento verdadeiro,

a

solução de

Kant

leva, ainda segundo Popper,

ao

problema

de

saber porque nosso

intelecto

não funcionou

muito

antes e não descobriu a teoria newtoniana antes de Newton.ao

Bastará comentar

um

trecho da Crítíca da Razão Pura para mostrar que essaargu-mentação, com a qual Popper espera provar que a teoria de

Kant "é

uma estranha

mis-3 7

O b¡ec t i v e K rtowled ge, I -ondres : Oxlbrrl I lnive¡sity Press, | 9'1 2, p. 3 4 5.

3aÍtm

Unerule,! Quest, Cìltsgorv: Fontana, 1976,p.82, Popper diz, referindo-se ao tempo em

que escreveu scu prinreiro livro:

"[iu

concedia ao idealismo que nossas teorias são ativamente

pro-duzidas por nossas nìentes, ao invés de inrpressas em nós pela realidade (...) Eu tam¡énr inte¡-pretava

a

clor¡trina de Kartt da inrpossibiliclade de conhecer coisas enr si mesmas conro

corres-pondcntlo ao ca¡dter necessarianrente hipotético de nossas teo¡ias." 39O prirnciro

liwo

de Popper,

lao

publicado,

chamava-se Die beiden Grundproblente der

Erkenntnistlteorie. A

reduça-o

drástica, segundo Popper

-

desse liv¡o foi publicada conl o tí-tulo Logik der l"orschuttg e, posterionnente, traduzida e renranejada pelo autor sob o

título

77le

Logic of Scientilic Discovery. Mas a icléia da vinculaçâo conr a teo¡ia do conhecimento sempre foi mantida por Popper, como prova o

título

de um dos parágrafos d,e Unended Quest,ob. cit.:

"The-ory of Knowledge: l.ogik der Forschung".

aoCf

(12)

F-tura

de absurdo e

verdade",al

está

baseada,elasim,emumabsurdodeinterpretação.

No

$26 da Crítica da Ruzõtt

Pura,Kant

diz:

É

verdacle, segundo

Kant,

que o

intelecto

impõe, como condição de possibilidade

do con¡ecimento,

leis aos fenômenos, determinando assim,

do ponto

de vista

formal,

mentalmente.

oderia ignorar isso?

É

curioso

Popper se apresente como Kantiano, ou que veja sua crí-tica ao

ernpiri

o

"o

resultado de ter

lido

Kant e de ter compreendido al-guns de seus

p

s¡,44

nritern a avaliação do stotus

científico

de idéias concorentes.

16

llilson

Pcsst¡a Mcntlottç'u

ar Ibi,l., p. 9s. o2

Critirl,.r, tle Io Raisott Pure ,l'atis, Presses (Iuiversitai¡es de Ftance, I 975, pp. 142-1 43. (O

t¡e-cho faz parte da 2a edição d^ Crítico).

4 3No entanto, para I'opper, o projeto de Kant, sobretudo em As lundações I\Ietafísicøs da

Cién-cia Natura!, mas tambént na Crltica do Rozõo Puro, eta

o

de fo¡necer urtra detlução o priori clt física newtoniana.Cl.Coniectures and Refunfions, ob. cit., p.94.

4aUnencled

Quesl,ob.cit., p. 83.

(13)

Da

Teoia

do

C.onhecimento d

Metodologia:

17 Attdlise do

hr¡ieto

Epistemolôgico de Popper

lógico mantinha

no

essencial, em qì.te pesem os esforços de seus defensores, a metafísi-ca empirista. Reabilitar uma teoria do conhecimento centrada em fatos em si era voltar de uma maneita acrítica a unt estágio da

fìlosofia

superado por

Kant.

Daí que Popper se recuse a qualquer fundamentaçã'o

última

que proponha uma epistemologia segundo o modelo de regras metodológicas convencionais.

Essa metodologia convencional, não fundarnentada, que será posteriormente

des-dobrada

no

programa de

um

"racionalismo

crítico"

de base decisional, almeja

recons-t¡uir

a teoria

do

conhecimento. Por um lado, ela deve ser capaz de elucidar os procedi-mentos dos cientistas segundo as exigências que definern inte¡namente a ciência

-

é

por

isso que ela é uma Lógica du pesquisa;por

outro

lado, ela deve subnteter os proble-mas das velhas teorias

do

conheci¡nento a uma interpretação ntetodológica com

o

in-tuito

de mostrar que os

princípios

básicos dessas teorias são hiJróstases de regras con-vencionais que

não

presupõem nenhuma tomada de posição metafísica

-

é por

isso

que ela pode ser considerada

wa

reconstrução positiva da teo¡ia do conhecimento. Assim, a epistemologia pode passar sem as idéias

outrera

ligadas a toda discussão sobre

o

conhecimento.

A

objetividade

do objeto

de conhecimento é substituída pela reg¡a co¡rvencional

que

pror'be a aceitação de enunciados que não sejam passíveis de

acordo intersubjetivo de sujeitos anônimos.a

6

Isso leva à concepção dos fatos naturais colno efeitos físicos reprodutíveis, pelo nìenos errr

ptitìcípio, por

qualquer unr que do-mine as regras da experiência,

Ao

mesmo tempo, a questão sobre a existência efetiva de efeitos únicos, não manipuláveis, torna-se uma questão metafísica.a ? O

princípio

da

causalidade é visto como a versão metafísica da regra metodológica que diz que a ciên-cia deve buscar explicações causais para todos os eventos que possamos descrever.a E A uniformidacle da Natureza dilui-se no postulado

arbitrário

segundo o qual um novo

sis-tema

teórico

deve sempre

incorporar

as explicações positivas dos sistemas anterio-res.ae

A

afirmação

da

universalidade das leis naturais se baseia numa decisão

"útil

e

f¡utífera",s0 A

própria

questeo da verclade é evitada e

ernseulugar

aparecem "consi-derações lógicas sobre relações de dedutibilidade".s

I

Da mesma forma que não se

(14)

pre-l8

Wilson Pessoa Mendonça

cisa dizer que uma teoria é falsa, mas que está em contradição lógica com alguns enun' ciados básicos aceitos, essa aceitaçã'o

não

os

toma

verdadeiros,

pois

é

puramente áecisional.t

2

Neste

sentido,

o

progresso

do

conhecimento pode ser completamente avaliado em termos formais.s

t

À t*to¿ologia,

fìnalmente, pode passaf sem a idéia de que há uma realidade independente a ser descoberta:

,,E, parece-rne, contudo, que dentro da rnetodologìa nâo temos de plessupol o realismo

,"tãtíri"o;nr*

poA"*oË, creio, ti¡a¡ muito auxlíio dele, a ndo serdeumaespécie

in-tuitiva. Pois uma vez que nos foi dito que a

meta

ex-plicação mais satisfatóiia será aquela que é mais

s

,1f,-ie

testada, nós sabemos tudo

o

que precisam

A

investigação metodológica sobre

o

-cas entre enunciados de uma linguagem des para ess€ programa; mas' em grande rnente podem ser esclarecedoras de um p

rece reconhecer isso ao lembrar que

"não

se deve esperar verdades profundas da parte ãa

metodologia".t

u Podemos, então,

co-preender

a lecusa de Popper em explicar por que ternos

tido

sucesso

ma que ela

"não

Pode 'metafísica' ".s 7 Essa a

cado do

telmo "metafísica"

até æ poder d

científico

positivo. Nesse caso, ela signific

1978, p.

ls.)

s6Th, Logi, of Scientilic Discovery, ob. cit., p. 54'

(15)

Dø Teoriø

do

C'onhecimento à

Metodologia:

ß

Antílise do

holeto

Epßtennlôgico

de Popper

Referências

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