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Aplicação e limites dos princípios da responsabilidade de proteger: uma discussão sobre o caso Coreia do Norte.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

UNIDADE ACADÊMICA DE DIREITO

SALOMÃO CARNEIRO DE BRITO

APLICAÇÃO E LIMITES DOS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER: UMA DISCUSSÃO SOBRE O CASO COREIA DO NORTE

Sousa – PB Julho de 2018

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SALOMÃO CARNEIRO DE BRITO

APLICAÇÃO E LIMITES DOS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER: UMA DISCUSSÃO SOBRE O CASO COREIA DO NORTE

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de Direito, como parte dos requisitos necessários à obtenção de Grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª Dra. Vaninne Arnaud de Medeiros Moreira

Sousa - PB Julho de 2018

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Salomão Carneiro de Brito

APLICAÇÃO E LIMITES DOS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER: UMA DISCUSSÃO SOBRE O CASO COREIA DO NORTE

Trabalho aprovado. Sousa, PB DATA DA APROVAÇÃO: 27/07/2018

Prof. Dra. Vanine Arnaud de Medeiros Moreira Orientadora

Jardel de Freitas Soares Membro da Banca Examinadora

Carla Pedrosa Figueiredo de Azevedo Membro da Banca Examinadora

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Força Universal que me deu, além da oportunidade, a capacidade para alcançar tal objetivo e a todos que direta ou indiretamente contribuíram para minha formação, em especial minha mãe, minha irmã, meus tios Osair e Rosângela, meus queridos Izaías, Glauber Maia, Marcos, Maire e meu pequeno grupo de incansáveis amigos (na turma) que durante esses quase 6 anos na faculdade, foram meu suporte [para o que foi] e impulso para o que há por vir.

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“Nada grandioso se alcança sem se ficar louco. ” Osho

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RESUMO

Em um mundo globalizado, regido principalmente pela ideia da importância do indivíduo frente às instituições e tendo, como consequência disso, desenvolvido um regime internacional de proteção dos direitos humanos conciso e de ampla aplicação, embora ainda ocorram, invariavelmente, crises humanitárias em diversos países - um destes é a República Popular Democrática da Coreia do Norte (ou simplesmente Coreia do Norte), onde diversos crimes contra a humanidade são efetivados. Desse modo, a fim de ajudar a combater tais situações, criou-se o instituto da Responsabilidade de Proteger. Assim, o presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise da Responsabilidade de Proteger (R2P), perpassando seu conceito, origem, influências e limites, onde se insere a identificação e desenvolvimento das ideias de soberania, responsabilidade dos Estados, princípios e processos de implantação para, então, balizá-lo com os resultados tanto do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) como de fontes particulares, sobretudo livros de teor jornalístico ou biográficos no interesse de encontrar respaldo para sua aplicação. Discutem-se, também, questões sobre o desenvolvimento histórico dos Direitos Humanos e da reserva de interesse dos Estados (enquanto comunidade internacional sujeita ao dever de proteger), que neste caso é o maior empecilho para a aplicação dos princípios do R2P. A partir do ponto de vista dos Direitos Humanos como um Regime Internacional, assim como o conceito do R2P, são apresentados depoimentos e testemunhos que tentam mostrar a quantidade e a qualidade de crimes cometidos contra a humanidade pela Coreia do Norte, em vista de sua população, através dos quais chegou-se à conclusão que questões geopolíticas ainda se encontram como uma barreira e que, sobretudo, a política de autoproteção desse país ainda é um desafio para a comunidade internacional para uma aplicação satisfatória da Responsabilidade de Proteger. Palavras Chave: Responsabilidade de Proteger; Direito Internacional Humanitário; Coreia do Norte.

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ABSTRACT

In a globalized world governed mainly by the idea of the importance of the individual vis-à-vis the institutions, and that as a consequence has developed a concise and widely applied international human rights protection regime, although humanitarian crises are invariably occurring in a number of countries, and among these countries is the Democratic People's Republic of North Korea (or simply North Korea), where several crimes against humanity are carried out. Thus, in order to help combat such situations, the Institute for Responsibility to Protect was created. Thus, the present work aims to analyze the Responsibility to Protect (R2P), bypassing its concept, origin, influences and limits, where it is inserted the identification and development of ideas of sovereignty, responsibility of States, principles and implementation processes to mark it with the results of both the United Nations (UN) report and private sources, especially journalistic or biographical books in the interest of finding support for its application. There are also questions on the historical development of human rights and the reservation of interest of States (as an international community subject to the duty to protect), which in this case is the greatest obstacle to the application of the R2P principles. From the point of view of Human Rights as an International Regime, as well as the concept of R2P, testimonies are presented that attempt to show the quantity and quality of crimes committed against humanity by North Korea in view of its population , through which it was concluded that geopolitical issues still remain a barrier and that, above all, the country's self-protection policy is still a challenge for the international community to successfully implement the Responsibility to Protect.

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Lista de abreviaturas e siglas

CDH Conselho de Direitos Humanos

CIJ Corte Internacional de Justiça

COI Comissão de Inquérito

CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas

DIH Direito Internacional Humanitário

EUA Estados Unidos da América

ICISS Comissão Internacional sobre Soberania e Intervenção Estatal

ONU Organização das Nações Unidas

R2P Responsabilidade de Proteger

RDC República Democrática do Congo

RPDC República Popular Democrática da Coréia

RwP Responsabilidade ao Proteger

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

2 DIREITOS HUMANOS, ESTADO E INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA

2.1 Direito Internacional Humanitário

2.2 A formação do Estado Soberano como base para as relações internacionais 2.3 A soberania 2.4 Intervenção Humanitária 2.5 A Responsabilidade do Estado 12 15 17 18 23 25

3 A RESPONSABILIDADE DE PROTEGER COMO A

INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM REGIME EM PROL DA PROTEÇÃO HUMANA E A EFETIVIDADE DE SUAS NORMAS

3.1 Crimes tutelados pela R2P

3.1.1 Genocídio

3.1.2 Crimes contra a humanidade

3.1.3 Limpeza étnica 3.1.4 Crimes de guerra 27 41 41 41 42 43

4 A APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER - O CASO COREIA DO NORTE

4.1 A situação humanitária norte coreana sob a ótica internacional 4.2 A Responsabilidade de Proteger em relação a política norte-coreana

44 44 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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INTRODUÇÃO

Em maio de 2013, foi constituída pela primeira vez uma comissão de juristas formada pelas Nações Unidas para elaborar um relatório de 372 páginas a respeito da situação humanitária na República Popular Democrática da Coreia, obtido a partir de entrevistas de fugitivos e testemunhas no qual, por fim, se estabelecia que o regime da Coreia do Norte cometia crimes contra a humanidade, tais como submeter sua população ao extermínio, à fome, escravidão e etc. Acontece que mesmo com os esforços da entidade - no tocante a sanções e tentativas de negociações, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), não houve qualquer sinal de que a situação dos direitos humanos no país tenha melhorado, pois as violações dos direitos humanos continuam a acontecer e estão piorando no meio da crise internacional que cerca o país.

Assim, a comissão denunciou “a resposta insatisfatória” da comunidade internacional durante os últimos anos ante os crimes e invocou a responsabilidade de proteger o povo da Coreia do Norte. Nessa perspectiva, trazer à discussão tal princípio, sobretudo à mecânica implícita da busca de sua execução, levando em consideração os limites impostos pelas investidas daquilo que, pelo menos primariamente, pode ser considerado uma espécie de autoproteção de um governo totalmente autoritário na tentativa de continuar seu regime de poder e abuso para além dos desafios próprios do que diz respeito a soberania de cada Estado e o respeito que cada nação e cultura deve perante outra, ou ainda para o caso de uma efetiva intervenção, reconhecer os limites reais daquilo que a teoria tangencia, é extremamente importante quando se quer construir tanto um mundo mais justo quanto também uma relação de cooperação entre centenas de figuras internacionais como os Estados, por exemplo.

Assim sendo, tendo noção de que a produção científica tem como objetivo apropriar-se da realidade para melhor analisá-la e, posteriormente, produzir transformações, a discussão sobre as bases e os limites do princípio da responsabilidade de proteger, sobretudo levando a cabo as barbaridades expostas tanto pela mídia (principalmente em livros e noticiários) quanto pela ONU em seus documentos oficiais pela Coreia do Norte perante os direitos humanos e as relações internacionais (sendo este um exemplo de país extremamente fechado), reveste-se de indelével importância para a sociedade, como meio finalístico.

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Partindo dos recorrentes relatórios e denúncias apresentados tanto pela ONU, como também pela comunidade internacional, tanto em relação a inúmeros casos de violação de direitos humanos, bem como ameaças nucleares e valendo-se do princípio da responsabilidade de proteger, o presente estudo objetiva responder ao problema de quando agir e qual é o limite dessa dada interferência sob a égide da soberania de outro Estado quando este, explicitamente, viola ou ameaça violar direitos humanos.

Para tanto, a metodologia empregada para o estudo foi a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativa, uma vez que foi necessária uma leitura detalhada de artigos, livros, relatórios de convenções e acordos internacionais, para que fosse melhor compreendida a temática da R2P. Por sua vez, o método utilizado foi o dedutivo, pois, parte de uma premissa geral, para se chegar a um caso específico que é a análise da situação humanitária da Coreia do Norte ante a Responsabilidade de Proteger. O método de procedimento aplicado alterna entre a bibliográfica e a documental.

Já a técnica de pesquisa utilizada no presente trabalho é a documentação indireta, pois o tratamento dos dados toma por base documentos já existentes - como relatórios de convenções e acordos internacionais, leis, doutrinas, artigos e pesquisa bibliográfica, afim de detalhar com melhor afinco a temática em questão partindo assim, no primeiro capítulo, de uma análise dos conceitos de Estado e Soberania, perpassando uma exploração sobre o instituto da Responsabilidade de Proteger (R2P) no segundo capitulo e, finalmente, balizando o mesmo com a situação humanitária - conforme os dados coletados pelos documentos e organizações supracitados - no capitulo terceiro.

Por fim, percebeu-se que a conjuntura política da Coreia do Norte expressa-se como um desafio para as forças humanitárias da comunidade internacional, pois, ao mesmo tempo que a mesma tenta se proteger de influências externas a partir de extensivo controle governamental (ressoando inclusive nas relações internacionais daquele país), também impede que sua população receba a proteção necessária ditada como meta da Responsabilidade de Proteger.

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2 DIREITOS HUMANOS, ESTADO E INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA

No que diz respeito à experiência dos direitos humanos (como parte de uma ocupação do direito internacional a partir da abordagem da qual o indivíduo político pode constatar atualmente) vige desembrenhá-la de uma diversificada rede de influências notadamente adquiridas principalmente depois da Segunda Guerra Mundial e da criação da ONU, tendo em vista que foi apenas após o episódio das duas grandes guerras - Primeira Guerra Mundial (1914-18) e Segunda Guerra Mundial (1939-45) -que a comunidade internacional concluiu que carecia de um organismo que zelasse pela paz entre os Estados (criando-se assim a ONU) e que, além disso, julgasse os crimes daqueles que atentassem contra essas relações (originando, mais tarde, o TPI - Tribunal Penal Internacional), baseando-se para tanto, numa agenda humanitária (essencialmente a Carta das nações Unidas).

Segundo Bobbio (2004), os direitos humanos são direitos históricos e seu desenvolvimento se deu ao longo de vários acontecimentos. Tais acontecimentos não podem ser isolados entre si, logo, é necessário um entendimento destes como um todo para que se compreenda a evolução do conceito e suas dimensões.

Assim, na primeira dimensão, os direitos humanos são pensados principalmente a partir da independência dos Estados Unidos da América (EUA) em 1787 (tendo a criação da sua Constituição como resultado), e da Revolução Francesa (que, por sua vez, teve como consequência a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão). Esses teriam sido os marcos positivistas da matéria, onde “liberdade” e “igualdade” eram a essência do pensamento - apontadas como condição naturalística dos seres humanos.

Na tentativa de garantir acesso aos direitos de primeira dimensão, surgiram então os de segunda dimensão, mais especificamente, os correspondentes aos direitos econômicos e sociais. Assim, Gordiano (2014, p. 9) explica:

A segunda dimensão discutia exatamente a necessidade de um ente político que proporcionasse aos indivíduos condições de garantir seus direitos civis e políticos provenientes da primeira dimensão. Em uma visão mais socialista, buscava-se um Estado ampliado que fosse este ente político garantidor dos direitos, um Estado maior, que permitisse que todos tivessem condições necessárias para a manutenção dos padrões de vida idealizados na primeira dimensão.

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A busca por esses direitos se deu principalmente em razão do crescimento socioeconômico alcançado, grosso modo, por um aglomerado maior de indivíduos - resultante do movimento de expansão marítima e a colonização, momento este que inclusive provocou uma maior participação política de classes/sujeitos que, até então, permaneciam à margem do sistema limitado de direitos do Estado mínimo.

Além disso, Ramos (2017, p. 53), acrescenta:

A segunda geração de direitos humanos representa a modificação do papel do Estado, exigindo-lhe um vigoroso papel ativo, além do mero fiscal das regras jurídicas. Esse papel ativo, embora indispensável para proteger os direitos de primeira geração, era visto anteriormente com desconfiança, por ser considerado uma ameaça aos direitos do indivíduo. Contudo, sob a influência das doutrinas socialistas, constatou-se que a inserção formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantiam a sua efetiva concretização, o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para assegurar uma condição material mínima de sobrevivência. Os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Estado. São reconhecidos o direito à saúde, educação, previdência social, habitação, entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominados direitos de igualdade por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos. Os direitos humanos de segunda geração são frutos das chamadas lutas sociais na Europa e Américas, sendo seus marcos a Constituição mexicana de 1917 (que regulou o direito ao trabalho e à previdência social), a Constituição alemã de Weimar de 1919 (que, em sua Parte II, estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais) e, no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho, reconhecendo direitos dos trabalhadores (ver abaixo a evolução histórica dos direitos humanos).

Os direitos de terceira dimensão, por seu turno, seriam os de titularidade da comunidade (ou direitos de solidariedade), como por exemplo, o direito ao desenvolvimento, à paz, autodeterminação dos povos e, principalmente ao meio ambiente equilibrado, que se valem da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra, seus recursos, da desigualdade social e das ameaças cada vez mais evidentes à sobrevivência humana no mesmo.

Apesar dessa tendência universalizadora é somente a partir do século XX que os Direitos Humanos começaram a ser tratados de forma mais abrangente no contexto internacional. Nesse tocante, a Liga das Nações foi o pontapé inicial da realização desse intento, seguido mais tarde pela criação da Organização Das Nações Unidas (ONU) em 1945, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948. Chegado o fim da Segunda Guerra Mundial, visando maior segurança para a população mundial como forma de tentar evitar outro evento semelhante,

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estabeleceu-se um novo cenário político alicerçado em uma busca pelo equilíbrio no sistema internacional. As relações internacionais e os assuntos ligados aos direitos com fins de proteção aos seres humanos passaram por uma metamorfose, surgindo assim, novas formas de ação/relacionamento entre os Estados e atores com poder de influência sobre os mesmos, tendo como maior exemplo a própria ONU. Dessa forma, o que antes era tratado em reuniões esparsas entre alguns líderes políticos, passou a compor debates ante a um conselho de países.

Entretanto, na tentativa de promover esse equilíbrio, podem ocorrer conflitos, sobretudo, no que concerne a atividade/objetivo da ONU. Sobre isso, Gordiano (2014, p. 11) explicita:

Identificado como um dos principais objetivos da instituição pela Carta da ONU, em 1945, os Direitos Humanos podem conflitar diretamente com os interesses dos Estados, uma vez que ao aderir aos tratados em torno dos mesmos o Estado, que é soberano, cria limites em suas ações internas e externas. É a partir a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que surge no cenário internacional uma nova perspectiva de relacionamentos entre os Estados no que diz respeito a proteção humana, que passam então a seguir um conjunto de regras e valores ocidentais.

Assim, como adesão ao propósito de dar maior ênfase à política de proteção aos Direitos Humanos inserido na Carta das Nações Unidas, os Estados, ao adotá-la, abrem mão de uma parte da sua liberdade através de um comum acordo para alcançar os objetivos da mesma. Entretanto, Gordiano (2014, p. 12) continua:

Uma vez que governos, no poder dos Estados, são os responsáveis pela manutenção da ordem e da justiça social dentro de seu território, são eles o principal alvo dos indivíduos na hora de reclamar seus direitos fundamentais. Assim pode-se dizer que, antes de qualquer ordem ou instituição internacional, o principal responsável pela garantia dos direitos humanos é o Estado. Porém, nem sempre os Direitos Humanos são respeitados por ele. Seja por falha deste ou não, ainda existem no cenário internacional situações nas quais não se vê o cumprimento daquilo que fora anteriormente acordado entre os Estados.

Ou seja, quando são estabelecidas regras, metas ou acordos entre os Estados, não significa por si só que estes serão cumpridos. Várias são as justificativas - que em regra geral, podem ser resumidas tanto como desinteresse ou a incapacidade de agir, abrindo assim espaço para um dos assuntos mais conflitantes nas relações internacionais: o regime internacional de proteção aos Direitos Humanos.

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2.1 Direito Internacional Humanitário

Os Direitos Humanos estão atualmente entre os principais assuntos discutidos na agenda das Nações Unidas, tendo, inclusive, bastante influência nas ações dos Estados, dado que, a partir disso, estes são vistos como um Regime Internacional - uma vez que são um conjunto norteador que levam os Estados a seguir determinadas coordenadas de ação, tanto no que tange a sua política externa quanto interna.

Segundo Krasner (1982, p. 186, tradução livre):

Regimes podem ser definidos como um conjunto implícito ou explícito de princípios, normas, regras e processos de tomada de decisão em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em uma determinada área das relações internacionais.

Assim, a partir da supracitada definição, os Direitos Humanos apresentam-se como regime que englobam quatro elementos que representam afirmações teóricas coerentes sobre o funcionamento das Nações enquanto comunidade internacional, apontando os direitos e obrigações dos Estados em torno de uma agenda, designadas inclusive para reconciliar os conflitos existentes entre os princípios e as normas, em torno dos quais afluem as expectativas dos sujeitos em uma determinada situação ou área.

O DIH (também conhecido por Direito dos Conflitos Armados ou, então, Direito da Guerra) é um ramo do Direito Internacional Público, constituído de normas

convencionais e consuetudinárias. Essas normas tentam solucionar os problemas

decorrentes em tempo de conflito armado, tanto no que diz respeito ao denominado Direito de Guerra (jus in bello) quanto o Direito à guerra (jus ad bellum).

Nesse sentido, Borges (2006, p. 3) diz:

A função do direito internacional humanitário é regulamentar o direito de guerra– jus in bello -, até mesmo porque regulamentar a limitação e a proibição do direito de recorrer à guerra – jus ad bellum – é o grande objetivo do direito internacional e do sistema das Nações Unidas, instituição criada para este fim

Assim, tratar de Direito Internacional Humanitário é basicamente discutir resolução de conflitos, sobretudo armados, considerando a não resolução de maneira

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pacífica de desentendimentos entre Estados no que concerne à atuação frente aos seus cidadãos.

Ainda, no que tange à atuação de alguns órgãos, Husek (2017, p. 343) anota:

A paz e a segurança dependem da atuação dos envolvidos nos conflitos. O art. 33 da Carta da ONU estabelece, que os conflitos devem ter uma solução negociada, isto é, pacífica, por entendimento. Caso isso não ocorra, outras possibilidades se abrem como a arbitragem, a Corte Internacional de Justiça, a conciliação perante os organismos internacionais ou qualquer outro meio pacífico. Caso, todavia, nada resolva, o Conselho de Segurança da ONU poderá entrar em cena. O referido Conselho pode ser acionado antes de tudo e/ou agir por conta própria, não há uma regra a ser seguida. A única regra é a busca da paz pela solução pacífica. A guerra deve ser evitada a todo custo. A ONU tem um efetivo papel político nos conflitos e eventualmente uma ação coercitiva. Fala-se, também, em operações peace-keeping, isto é, de manutenção da paz. Assim a ONU tem esse tríplice papel no que se refere à segurança mundial: político, coercitivo e de manutenção.

Dessa forma, a Carta da ONU também dita os procedimentos essenciais para o tratamento e resolução de conflitos, deixando explícito, inclusive, a reserva da atuação de órgãos internacionais caso a diplomacia não seja suficiente para satisfação do(s) problema(s), considerando, para tanto, a Corte Internacional de Justiça - principal órgão judiciário das Nações Unidas - e o próprio Conselho de Segurança da ONU. Husek (2017, pg. 343) continua - nesse caso - definindo mais explicitamente a atuação da ONU:

As medidas a serem tomadas no caso de ameaça do uso de força por qualquer ente internacional são económicas, políticas e até militar. A ONU tem o monopólio de tais medidas, comportando duas exceções: o direito de legítima defesa, individual ou coletivo, no caso de ataque armado contra um membro das Nações Unidas e as medidas coercitivas relativas a citados inimigos, considerados como tais aqueles que na Segunda Guerra Mundial foram inimigos dos signatários da Carta da ONU (arts. 51, 53, 107 da Carta).

Portanto, a ONU ficou incumbida de resguardar as relações internacionais,

preservando a paz - em primeira instância - através do diálogo promovido entre os sujeitos/atores internacionais, mediante o Conselho de Segurança que verifica as intervenções, observando se há legitimidade, como também acionando suas forças sempre que necessário.

2.2 A formação do Estado Soberano como base para as relações internacionais

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Qualquer ordenamento jurídico, por mais inconsistente que se apresente, tem por destinatário o Homem e no que se refere ao Estado, isso não é diferente. A Carta

das Nações Unidas, por exemplo, em seu “Preâmbulo” revela essa preocupação

quando a união dos Estados para “preservar as gerações vindouras do flagelo da

guerra”, “reafirmar a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor

do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres”, tratando

inclusive de “progresso social”, “progresso económico e social dos povos” (HUSEK, 2017, p. 72).

Nessa perspectiva, conforme Regis (2006, p. 6):

O sistema internacional nem sempre foi organizado em torno da ideia de soberania. Antes do Tratado de Vestfália de 1648, a regra era a existência de jurisdições interpenetrantes de autoridades políticas, com ausência de hierarquia entre elas.

Essa era uma característica essencialmente do sistema feudal, no qual os vínculos entre os subordinados e as autoridades eram difusos e pessoais. Assim, o próprio conceito de Estado precisou desenvolver-se ao ponto tal que fosse possível o estabelecimento de relações supranacionais interdependentes, juridicamente iguais, com território e respeito recíproco.

Nesse sentido, Cusimano (2000, p. 9) aponta:

Três foram os principais motivos que fizeram o Estado moderno superar, por definitivo, as outras formas de organização política. Primeiro, ele foi capaz de aumentar a capacidade de extração de riquezas econômicas de uma determinada comunidade, através de uma melhor organização do sistema produtivo. Segundo, com o seu advento, as sociedades passaram a ser representadas no exterior como tendo uma “única voz”, isto foi fundamental para aumentar a confiança dos participantes do sistema comercial internacional, de que os pactos seriam respeitados. E, finalmente, como consequência, todos os Estados passaram a não reconhecer outras formas de autoridade de organização política, diversa da forma assumida pelo Estado soberano.

Assim, com a coluna vertebral do Estado moderno formada, notadamente através da fixação de territórios ligados a um poder central erigido sob cada um - sendo esse expressão política resultante de uma melhor organização comercial/produtiva, submetidos a uma determinada legitimidade - dada a falência dos antigos sistemas de organização estatal, sumariamente desorganizados e não vinculados, fez surgir a base para a consecução de uma estrutura internacional mais sólida e interligada, tendo como destaque, inclusive, a chamada Paz de Westfalia, que

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em 1648 pôs fim a Guerra dos Trinta Anos e marcou o estabelecimento do Estado-nação.

Uma das consequências evidentes desse processo foi o estabelecimento do fenômeno da soberania estatal, justificado - por exemplo - pelo próprio crescimento das relações de comércio e das liberdades individuas - decorrente do desligamento dos vínculos pessoais às autoridades, agora endereçados aos territórios de forma mais estrita e objetiva. Nesse interim, Regis (2006, p. 8) afirma:

A legitimidade da autoridade política passou a ser decorrente da exclusiva reserva de jurisdição sobre um determinado território. Neste espaço geográfico, o Estado passou a ter o monopólio legal do uso da violência.

Dessa maneira, essa “força” legitimadora, ao passo que delimitou os territórios em “zonas políticas” também propiciou o estabelecimento de contingentes de segurança e poder naturalísticos dentro de cada um, com consequências variadas, dependendo do ponto de vista observado.

2.3 A soberania

O conceito de soberania surgiu na Idade Média, quando a existência simultânea de inúmeras ordens independentes gerava conflitos nas áreas de segurança e de tributação aprimorando-se apenas no século XVI, momento no qual Jean Bodin dedicou uma parte dos seus estudos à conceituação.

Mais tarde, o Direito Internacional optou por definir a soberania basicamente como um tipo de “conceito equalizador”. Depreende-se, para tanto, que, enquanto Estados - esses, nos seus limites territoriais e políticos - possuem liberdade de se “autogovernarem” da maneira de lhes parecer mais eficiente e conveniente, não sendo assim - ao menos em âmbito interno - questionado por qualquer outra entidade Internacional. Assim, a soberania, como princípio, denota tanto liberdade (em sentido amplo) quanto independência.

É o que afirma Dallari (1983, p. 66):

A soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão do poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado,

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este tem o poder de decisão, em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica.

Desta feita, partindo dessas duas prerrogativas, compreende-se que o Estado absorve o poder tanto de se autocontrolar perante iguais quanto de governar aqueles abarcados pela sua “egregore politica”, potencialmente com a mesma igualdade de condições com a qual opera em relação ao macrocosmo internacional, ou seja, com plenas condições de articulação jurídica, monetária e social tanto quanto convir suficiente/necessário para tal.

Ainda a esse respeito, Krasner (1999, p. 9, grifo nosso) apresenta uma divisão interessante para a soberania, quando a designa em quatro características:

As características dizem, especificamente, respeito à soberania doméstica que se refere à organização da autoridade pública interna dotada do monopólio legal do uso da violência; soberania interdependente que se refere à habilidade dos governos em monitorar as fronteiras transnacionais, quanto aos movimentos das chamadas quatro liberdades de movimento (mercadorias, bens, capitais e serviços); soberania internacional legal, que se refere ao , reconhecimento mútuo entre os Estados, e outras organizações governamentais internacionais; a soberania Vestfaliana, que se refere à exclusão da autoridade de atores externos nas questões internas.

Desta forma, a chamada soberania interdependente seria o equivalente ao poder fiscalizatório do Estado, tanto para fins tributários/alfandegários quanto criminais - quando determinado bem tem entrada proibida, por exemplo - e no exercício desse, o ente controla desde o ambiente produtivo até a situação da saúde de determinados indivíduos.

Como pode-se depreender, na medida em que se aprofunda a análise, o espectro de efeitos da abstração “soberania” se amplia. O próprio ideário da segurança do indivíduo é um exemplo típico, tendo também questões humanitárias abarcadas nesse sentido. A soberania “clássica”, como visto, ao passo que engloba liberdade e independência, também protege os Estados e consequentemente seus cidadãos de forças estranhas internacionais. Para tanto, o faz praticamente como um “escudo”. Logo, essa “redoma” abstrata construída sobre os Estados também sofre, ocasionalmente, momentos de crise.

O Estado fica responsável por sua própria saúde, gerenciando a si próprio - enquanto estrutura poder-ser, e a sua população, enquanto poder-dever. Assim, observa Peixoto (1997, p. 207) apud Maia (2001, p. 32):

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O mundo é composto por Estados soberanos, que não reconhecem autoridade superior; o processo legislativo de solução de contendas e de aplicação da lei concentra-se nas mãos dos Estados individualmente; o Direito Internacional volta-se para o estabelecimento de regras mínimas de coexistência; a responsabilidade sobre atos cometidos no interior das fronteiras é assunto privado do Estado envolvido; todos os Estados são vistos como iguais perante e lei e regras jurídicas não levam em consideração assimetrias de poder; as diferenças entre os Estados são, em última instância, resolvidas à força; a minimização dos impedimentos à liberdade do Estado é prioridade coletiva.

Desta maneira, objetivando “proteger-se”, o Estado cria uma barreira contra intervenções que, se num primeiro momento facilita a própria administração - não tendo que lidar com o empecilho de diversas fontes internacionais julgando

diretamente seus atos - também pode privar sua população de alguns “benefícios”

desse mesmo julgamento internacional, como quando vem a necessitar de auxilio internacional, por exemplo.

No pós-guerra fria, entretanto, essa ideia de “soberania” como algo fechado, ou pelo que poderia ser chamado de “muro alto” nas relações entre Estados, começou a sofrer algumas críticas. Nesse sentido, Bierrenbach (2011, p. 19) preleciona:

A soberania estatal tem como corolários os princípios da não intervenção e da autodeterminação, pedras fundamentais da Carta das Nações Unidas e do sistema internacional construído no pós-Segunda Guerra. Entendida como poder supremo, no sentido de que o Estado não reconhece nenhum poder que lhe seja superior, a soberania tem sido cada vez mais questionada, em favor de uma nova ordem, centrada nos seres humanos, agora reconhecidos como sujeitos do Direito Internacional.

Em outras palavras, o próprio enfoque da soberania sobre o Estado em si, como um sujeito, gradativamente passou diretamente para o indivíduo, ou seja, não seria mais o Estado, como ente, a parte ou a quem se destina prioritariamente a proteção resguardada pelo fenômeno da soberania. De certa forma, essa transformação nas bases do conceito tornou o Estado (pelo menos em parte) como uma “ferramenta” que possibilita todo o ambiente de sobrevivência e/ou evolução do cidadão.

Cusimano (2000, p. 11, tradução livre) adiciona:

A revolução na informação, aparentemente, fez com que o alcance do princípio da soberania passasse a sofrer limitações causadas por graves crises de natureza humanitária. Estabeleceu-se a ideia de que, quando em situações de crises extremas, a Comunidade Internacional adquire o direito de intervir, para ajudar populações desprotegidas pelos Estados.

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Essa mudança correspondente ao crescimento tecnológico que, impulsionado pelas relações comerciais, tornou – como por exemplo – desastres naturais locais em quinhões pertencentes a conjuntura global, noticiados mundialmente. Nota-se, então, que a soberania deixava outrora toda e qualquer demanda interna a cargo do ente a ele vinculado, este, sempre que impossibilitado ou desinteressado, fazia com que os seres a ele subordinados ficassem sem nenhum suporte para a resolução dos ou de determinado problema. Assim, não parecia mais interessante pensar que o Estado enquanto entidade abstrata, seria mais importante do que indivíduo - que inclusive, na ausência deste, o primeiro desapareceria.

Portanto, um novo pensamento começou a surgir no encalço de dar ao cidadão prioridade na relação internacional como um todo. Isso fez a doutrina questionar-se acerca da possível anacronia do termo. A esse respeito, Regis (2006, p. 11) acrescenta:

Para os advogados internacionais, entre eles o próprio Secretário-Geral, as tradicionais noções de soberania estão anacrônicas. Elas contrariam a idéia de justiça global. Entretanto, para os governos dos Estados, nada continua tão inalterado no Direito Internacional, quanto o conceito de soberania. Esses são dois pólos opostos. Através deste debate, é possível especular, se o que a globalização trouxe foi uma maior interdependência econômica internacional, fazendo com que os Estados tenham sua capacidade de intervenção econômica diminuída, justamente, pelos acordos internacionais que impõem regras; pela força das empresas transnacionais; pela especulação financeira internacional; entre outros fatores econômicos, e não uma significativa alteração na idéia de soberania.

Então, para todos os efeitos, os Estados não estariam percebendo a sua soberania (ao menos estritamente) esfacelar-se, mas sim, a sua autonomia. Em outras palavras, não que a soberania esteja por desaparecer (ou desaparecendo) nas relações internacionais, mas sim, ao menos na prática, os Estados estão de certa forma, abdicando de uma parcela de sua autonomia para permanecerem eficientes.

Isso corresponde a necessidade de identificar o que a soberania tem como cerne, o que Alves (2010, s/p) faz por conseguinte:

A soberania é una, uma vez que é inadmissível dentro de um mesmo Estado, a convivência de duas soberanias. É indivisível, pois os fatos ocorridos no Estado são universais, sendo inadmissível, por isso mesmo, a existência de várias partes separadas da mesma soberania. É inalienável, já que se não houver soberania, aquele que a detém desaparece, seja o povo, a nação ou o estado. É imprescritível, principalmente, justificando-se pelo fato de que jamais haveria supremacia em um Estado, se houvesse prazo de validade. A soberania é permanente e só desaparece quando forçado por algo superior.

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Assim, a “autonomia” em stricto sensu, apesar de ser consequência lógica da independência atribuída a soberania, não seria parte totalmente indispensável para a consecução do conceito. O Estado abdica de parte da sua autonomia em razão do reconhecimento de tal necessidade. Entretanto, existem casos nos quais isso não acontece. Para tanto, surgiu na doutrina o estudo dos chamados casos de Estados falidos.

Mas o que seriam “Estados falidos”? Para Regis (2016, p. 13) seriam casos onde:

(. . . ) Suas instituições e lideranças perdem a capacidade de controlar política e economicamente seu território. E, suas instituições não conseguem garantir segurança, lei e ordem, infra-estrutura econômica ou serviços públicos de saúde para sua população. As consequências dessa situação são grandes. Elas vão desde problemas com refugiados, com desabastecimento alimentar, passando pela falta de água, de energia elétrica, até conflitos étnicos.

Continua Natsios (1997, p. 288) apud Regis (2006, p. 13):

A deterioração ou completo colapso da autoridade do governo central de um determinado Estado; existência de conflitos de natureza étnica ou religiosa e seus consequentes abusos dos Direitos Humanos; falta de segurança alimentar, fome em massa; colapso macroeconômico, principalmente, envolvendo hiperinflação, desemprego em grande escala, e redução drástica do Produto Interno Bruto; e, finalmente, fluxo migratório de refugiados que buscam abrigo e alimentação. Problemas dessa magnitude não respeitam fronteiras e, frequentemente, se espalham por Estados vizinhos.

Ou seja, o Estado, na pertinência de uma ou mais ou crises – sobre as quais ele não sustenta capacidade de gerenciamento e/ou resolução - no ambiente interno, abre a possibilidade da afetação internacional.

Dessa forma, Regis (2006, p. 14) completa:

Em situação de falência estatal, o Estado, momentaneamente, deixa de existir. O país existe enquanto território, enquanto povo, vivendo sob seu território, mas, sem governo, no exercício da autoridade soberana. Neste momento, não há uma força soberana legítima atuando dentro do Estado. Essas circunstâncias são determinantes para possibilitar a intervenção.

Assim, alcança-se a questão das intervenções, sobretudo humanitárias. Assunto, inclusive, bastante controverso para o Direito Internacional.

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O tema Intervenção humanitária apresenta-se como uma matéria complexa, tanto para os doutrinadores quanto para os órgãos e entes no que se refere à sua aplicação, pois grande parte dessa dificuldade liga-se ao respeito à soberania de cada Estado em conflito com a tentativa de assegurar proteção de direitos aos cidadãos desse mesmo Estado.

Até mesmo sua definição é polêmica. A bibliografia abundante não ajuda e as experiências históricas são, sobretudo, dramáticas. Na tentativa de chegar a uma noção delimitadora da mesma, alguns autores chegaram até mesmo a considerar a expressão um oximoro (BIERRENBACH, 2011, p. 52), exemplo de uma combinação de palavras de sentido oposto que se excluem mutuamente.

Tão problemático é, haja vista que muitas das vezes em que ela é invocada, o mundo ruboriza-se, já que sua utilização, no decorrer da história, implicou - aos olhos atentos da imprensa internacional - “em massacres de vidas humanas em nome da paz”. Jubilut (2008, p. 3) ressalta:

A combinação de desenvolvimento do regime do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o fim da Guerra Fria e várias crises humanitárias catastróficas (especialmente em Ruanda em 1994 e em Kosovo em 1999), aprimorou o debate relativo às intervenções humanitárias e destacou a necessidade de reconciliar o conceito de soberania e a proteção dos direitos humanos no Direito Internacional, e, com isso, resgatar a legitimidade da não-intervenção, por meio do estabelecimento de regras claras para o uso de intervenções com propósitos humanitários.

Dessa maneira, buscou-se delimitar o conceito com o propósito de minimizar possíveis efeitos negativos no que corresponde ao entendimento da expressão.

Historicamente, segundo Bierrenbach (2011, p. 62):

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial e a independência política dos Estados estão proibidos pela Carta das Nações Unidas, com apenas duas exceções: legítima defesa individual ou coletiva e ações estabelecidas ao amparo do Capítulo VII da Carta. A Carta não só estabeleceu as circunstâncias excepcionais nas quais a intervenção era permitida, mas também alterou os termos do debate ao empregar a expressão “ameaça ou uso da força” em vez de intervenção.

Nesse sentido, intervenções como a realizada pelos Estados Unidos no Vietnã, por exemplo, seriam ilegais. Portanto, essa restrição no uso da força

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interventora ajudaria a aplacar conflitos militares com justificativas duvidosas - que consequentemente, poupava milhares de seres humanos das marcas da guerra.

Assim, havia outras razões para a mitigação dessas intervenções. Uma delas refere-se ao caráter imperativo/impositivo das mesmas: em regra geral, o Estado interventor é tanto economicamente quanto militarmente mais potente do que o Estado em intervenção. A própria natureza desta pressupõe um desnível de poder, pois, se tal não existisse, a própria razão da intervenção seria vazia de sentido.

Buscou-se, então, definir quais seriam as hipóteses cabíveis para intervenções, ao ponto de considerá-las legais. Além disso, existiam os fenômenos das intervenções com ou sem consentimento - pontos de análise essencial para detectar a legalidade/legitimidade das mesmas.

Segundo Regis (2006, p. 14), Intervenções Humanitárias, sem consentimento, acontecerão apenas na ocasião de três pré-requisitos: 1) execução de crimes contra a humanidade; 2) que esses crimes tenham ocorrido em Estados classificáveis como “falidos”, e 3) interesse de agir da Comunidade Internacional - sendo o primeiro e último pontos indispensáveis.

Mas então, o que seriam “crimes contra a humanidade”? O Estatuto de Roma, assinado em 1998 define como:

é qualquer ação generalizada ou ataque direcionado a uma determinada população que possuir relação com: assassinatos; extermínio; escravidão; deportação ou transferência forçada de população; aprisionamento ou outras privações severas de liberdades físicas que violem leis fundamentais da lei internacional; tortura; estupro; e escravidão sexual. (UNIDAS, 1998, Art. 7º §1º)

Em sua base, esses crimes ferem a própria dignidade da pessoa humana e/ou interferem gravemente no equilíbrio das relações internacionais, chegando, mais a diante - quando da elaboração da doutrina da responsabilidade de proteger - a estarem inclusos alguns desses “tipos penais” no rol de fundamentação do uso do conceito.

No que concerne ao interesse de agir da comunidade internacional, tem como ponto principal a necessidade de análise de que haja chances de sucesso diante de uma possível intervenção - se a condição do Estado realmente demonstra incapacidade/desinteresse de agir ou até mesmo, no caso de omissão internacional, se os efeitos da mesma não recairiam sobre outras Nações ou grupos maiores de seres humanos.

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Justifica-se tamanho “cuidado” pela proporcionalidade entre a real vantagem de uma ação positiva e uma omissiva, por exemplo. Afinal, dependendo do caso, os efeitos de uma intervenção humanitária podem ser mais catastróficos do que uma eventual neutralidade das forças externas ao Estado em determinada hipótese.

Intervenções legais, por seu turno, podem ser com ou sem consentimento. O que vai definir a legalidade é se o Estado intervindo cometeu algum dos crimes supracitados, levando o Conselho de Segurança das Nações Unidas a autorizar a realização da mesma; já o consentimento, por sua vez, é verificável se o Estado (em vias de sofrer a interferência internacional) reconhece por si só a necessidade da mesma - isso quando não é ele mesmo o sujeito que a solicitou.

2.5 A Responsabilidade do Estado

A Responsabilidade do Estado é uma construção relativamente nova. Ela baliza a doutrina da Responsabilidade de Proteger quando incute ao Estado o dever de cuidar da sua população, amortecendo, inclusive, o peso das intervenções, no sentido de que, sempre que este falta com esse dever, automaticamente surge a responsabilidade de “aceitar” auxílio, sempre que essa é necessária para garantir o bem estar dos cidadãos, por exemplo.

Nas palavras de Bierrenbach (2011, p. 129):

Sempre que a população estiver sofrendo ameaças, como resultado de guerras internas, de insurgências ou do fracasso das próprias instituições estatais, e caso o Estado não esteja em condições, ou não tenha disposição para prevenir e pôr fim a essas situações, a responsabilidade é transferida à comunidade internacional. O Estado passa a ser considerado responsável pela vida, pela segurança e pelo bem-estar dos cidadãos. As autoridades nacionais teriam a responsabilidade primária de proteger os direitos fundamentais da população que se encontra em seu território. Aos três elementos básicos de um Estado soberano, desde Vestfália – autoridade, território e população –, seria acrescido um quarto: o respeito aos direitos fundamentais. O exercício dessa responsabilidade passa a ser, justamente, o fundamento maior da soberania.

Nesse sentido, Kenkel (2008, p. 13) adiciona:

Com tal adaptação, o princípio se afastava da ideia de soberania como controle– soberano como impune e isento de prestação de contas – para uma visão da soberania como responsabilidade de um Estado de garantir o bem-estar de seus cidadãos, apoiado residualmente e apenas em casos extremos pela responsabilidade da comunidade internacional em assisti-lo nesta ação.

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Assim, esse instituto readaptou a soberania dos Estados, no sentido de que, ao integralizar determinados deveres à base comportamental do mesmo, estes, ao que antes da regra, podiam considerar a interferência externa um atentado contra a sua egregore de poder, depois dele, não podem mais levantar tal hipótese (para os casos afetados pela definição do conceito). Como ‘cuidar’ se tornara uma obrigação naturalística, então, não cuidar seria irresponsabilidade.

3 A RESPONSABILIDADE DE PROTEGER COMO A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM REGIME EM PROL DA PROTEÇÃO HUMANA E A EFETIVIDADE DE SUAS NORMAS

A intervenção humanitária sofre de um paradoxo: trazer equilíbrio e paz entre as relações institucionais usando como ferramenta a própria “guerra” - num sentido

intrínseco do termo – sendo, sobretudo, por essa razão mal vista pelos países não

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Nesse limiar, Gordiano (2014, p. 27) explicita:

Pensando nesse dilema da intervenção em prol da proteção humana e suas implicações sobre a soberania que em 2001 foi criado o conceito da Responsabilidade de Proteger (R2P). Este conceito surgiu de um relatório elaborado pela “Comissão Internacional Sobre Intervenção e Soberania” (ICISS) no qual é tratado o direito a intervenção humanitária, cujo próprio título é a Responsabilidade de proteger. Segundo o texto do relatório a ideia de soberania traz a responsabilidade primária para o próprio Estado em proteger seus cidadãos de qualquer tipo de catástrofe evitável, mas quando estes não estão dispostos, ou não são capazes de garantir tal proteção, caberia então à comunidade internacional de Estados agir em prol da proteção daqueles que estão em risco.

Percebe-se que o conceito da Responsabilidade de Protegeré basicamente

uma evolução da intervenção humanitária. O primeiro tenta solucionar a dicotomia de ideias embutidas no próprio termo da segunda, simplesmente adicionando [a já mencionada] responsabilidade do Estado.

No que concerne à confecção do conceito, a ICISS - Comissão Internacional sobre Soberania e Intervenção Estatal (como responsável pela elaboração do

mesmo), foi extremamente eficiente no sentido em que erigiu a ideia da R2P1, tal como

Jubilut (2008, p. 13) explica:

A ICISS era formada por 12 especialistas de diferentes países e realizou 11 mesas-redondas ao redor do mundo antes de publicar seu relatório. As mesas redondas foram importantes por duas razões principais: (1) elas incluíam a sociedade civil – principalmente por meio de doutrinadores e organizações não-governamentais- nos debates e (2) elas tentaram encontrar valores compartilhados que fossem refletidos no relatório, a fim de evitar as críticas comumente feitas aos direitos humanos em geral de estarem ligadas ao modo de vida e aos valores ocidentais. Ambas essas razões acrescentaram legitimidade ao relatório o que, por sua vez, auxiliou a sua aceitação.

Observa-se a partir disso que a comissão teve certos cuidados (em relação a edição do texto) para tentar abarcar a necessidade dos mais variados sujeitos internacionais, facilitando assim a adoção do mesmo, haja vista que a desconfiança a respeito das Intervenções Humanitárias por parte dos países subdesenvolvidos era factível, fazendo-se assim necessária a ultrapassagem dessa ideia.

1 R2P é a abreviatura do termo Responsabilidade de Proteger, que vem da expressão em inglês “responsibility to

(28)

Mas não era somente com os conflitos em escala internacional que a R2P se imbuia de propósito: os desarranjos internos dos Estados também eram parte da preocupação do conceito, enquanto do seu desenvolvimento.

Bierrenbach (2011, p. 116) acentua:

O final da Guerra Fria havia aberto novas possibilidades para a atuação do CSNU, que agora estava destravado pelo fim da confrontação bipolar que impedia seu funcionamento. A Primeira Guerra do Golfo, em 1991, marcou o início de uma era de otimismo e de novas possibilidades, além de ter aberto caminhos para a cooperação internacional. Ao longo dessa década, a redução significativa no número de conflitos internacionais foi acompanhada pelo aumento no número de conflitos internos. A natureza dos conflitos também sofreu mudanças ao longo da história. Até a Primeira Grande Guerra, os conflitos ocorreriam sobretudo entre Estados e desenvolviam-se segundo normas e “etiqueta” próprias. Em tempos recentes, passou a ser mais difícil distinguir a guerra, como um ato político, da criminalidade organizada. O enfraquecimento das instituições estatais em muitos países aumentou os riscos, propiciando oportunidades para que grupos armados assumissem o controle político, com vistas à exploração de recursos econômicos. Os conflitos internos tornaram-se também muito mais letais e complexos, com o uso de armamentos de alto poder destrutivo e tecnologias de ponta.

Assim, a ’responsabilidade estatal’ - raiz do princípio da responsabilidade de proteger - consolidava o mesmo como melhor alternativa para as demandas das quais o Estado não possuía capacidade de lidar (mesmo possuindo interesse), no sentindo de que, apesar da R2P ser do Estado em proteger a sua população do genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e todos os outros crimes contra a humanidade, este fornecia um modelo mais criterioso, acessível e objetivo para que a comunidade

internacional interviesse caso essa obrigação não fosse cumprida. Em outras

palavras, a R2P era, para além de uma obrigação positivo-ativa do Estado, também se mostrava como uma possibilidade de proteção do mesmo, quase como uma forma de direito deste.

Além disso, a realidade do mundo globalizado (com suas contradições, oportunidades e ameaças) promovia a necessidade de uso das ferramentas diplomáticas com finalidade preventiva (tencionando evitar desavenças entre os sujeitos ou que as existentes se transformem em conflitos e, sobretudo, caso se desenvolvam, a possibilidade de contê-los), à imposição da paz (essencialmente pelos meios/moldes pacíficos previstos no Capítulo VI da Carta das Nações Unidas), à manutenção da mesma (contando, por exemplo, com a presença das Nações Unidas nas áreas em conflito) e a reconstrução pós-conflito (visando identificar,

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construir e até mesmo reestabelecer instituições que possam tornar a paz uma realidade constante).

Nesse tocante, Fonseca Junior e Belli (2013, p. 17) ressalta:

A ênfase é numa estratégia multifacetada na qual todo o sistema da ONU deveria engajar-se de alguma forma. Com isso, retira-se foco excessivo no uso da força como um remédio para as crises, uma tendência que marcou a ideia de “intervenção humanitária”, mas que estaria longe de representar o equilíbrio necessário para lidar, com maiores chances de êxito, com situações muito diversas, cujas características específicas e distintos graus de complexidade exigem uma abordagem abrangente. O uso da força não desaparece, mas é um recurso a ser utilizado em casos extremos em que outras ferramentas tenham se provado ineficazes ou inadequadas. No contexto do relatório, ressalta-se a necessidadem de conferir à ONU a capacidade de avaliar corretamente as situações no terreno e ser capaz de dar sinais de alerta a tempo de evitar o desencadeamento da espiral de violência que costuma levar a episódios de genocídio, limpeza étnica, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

Dessa forma, como consequência da tentativa de “desmilitarização” da intervenção humanitária como base da elaboração do conceito da Responsabilidade de Proteger, o uso da força restou como ultima ratio, privilegiando assim a diplomacia e outras ferramentas de tratamento de conflitos, principalmente as de caráter preventivo.

A atenção dada a esse aspecto não era deveras supérflua. Dado o caráter das relações internacionais - talhado sob uma política de acordos - ter a adesão do princípio ante ao maior numero de membros era importante. Não fosse isso, dada a [supracitada] desconfiança de grande parte das nações em relação a institutos de intervenção, (baseando-se em casos históricos), todo o trabalho da ICISS e conseguintes no que se refere a R2P não teria logrado sucesso prático.

Nesse sentido, Braga (2013, p. 38) corrobora:

A Comissão Internacional de Intervenção e Soberania de Estado (ICISS, na sigla em inglês) propôs em 2001 o conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P) atendendo a uma demanda do Secretário-Geral da ONU, que enfatizou a necessidade de um consenso internacional mínimo com relação à proteção de populações que enfrentam atrocidades e crimes em massa. Uma das ideias básicas esboçadas no relatório da ICISS foi de que “o princípio da não-intervenção sucumbe à responsabilidade internacional de proteger” Após certa resistência inicial e algumas modificações, a R2P foi finalmente adotada pela Cúpula Mundial da ONU em 2005. A R2P enfatiza o caráter preventivo da proteção a populações e a responsabilidade primária do Estado, enquanto busca um consenso para agir em crises humanitárias.

(30)

Assim, a R2P granjeou adoção no âmbito das nações participantes da ONU com um texto claro, sem arestas, que, sobretudo, tentava limitar qualquer interpretação extensiva ou dual ao mesmo, como forma de “agradar” tanto aos países bem estruturados, livres da apreensão em sofrer qualquer modelo de intervenção humanitária, quanto os contingentes, pelo mesmo motivo.

As ações preventivas no âmbito da Responsabilidade de Proteger fazem parte do que se chamou “os três pilares da R2P”, sendo o primeiro a própria prevenção, reação e reconstrução como segundo e terceiro, respectivamente.

O caráter preventivo do principio é tido como a parte mais importante da responsabilidade de proteger. Deve-se esgotar todos os meios antes de se chegar a uma intervenção. Segundo a ICISS esta fase deve ter medidas de natureza política, econômica e reformas setoriais, onde podem ser abarcados o treinamento das Forças Armadas e policiais, por exemplo.

Teixeira (2015, p. 204) destaca:

A prevenção é dividida em duas formas de ação: prevenção preventiva e prevenção estrutural. A primeira corresponde a ações políticos diplomáticos, promovendo uma diplomacia preventiva e programas econômicos sociais. Já a prevenção estrutural é adoção de medidas concretas para evitar uma crise iminente, dando tempo necessário para a atuação dos líderes políticos adotarem uma estratégia que evite, contenha ou por fim a uma tensão ou conflito.

Percebe-se que esse modelo de funcionamento sugere vantagens para todas as partes afetadas em direitos e obrigações pela Responsabilidade de Proteger. Assim, a atribuição da diplomacia como primazia e a prevenção estrutural exige por si só um estudo sensível de cada caso antes de prosseguir para os outros estágios da mesma.

Exige-se assim (ao menos na teoria), que os organismos interventores - sendo eles internacionais ou não - façam uma análise da conjuntura social, econômica e jurídica dos sujeitos em contingência para apontar linhas de colapso e formas de tratamento para as mesmas - que pode muitas vezes levar a resultados que perpassam a condição de paz.

Esse é, notadamente, um dos triunfos da R2P em relação ao antigo instituto da Intervenção Humanitária e é apontado por diversos países como a principal área de trabalho a ser desenvolvida e empregada pelas Nações Unidas no âmbito de aplicação do princípio, sendo o Brasil um desses exemplos.

(31)

Ilustrativamente, destaca-se o discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, Antônio Patriota na reunião do dia 11/02/2011 do Conselho de Segurança

da ONU no momento da abertura da sessão:

Não faltam provas. Nove dos 10 países com os Indicadores de Desenvolvimento Humano mais baixos viveram conflitos nos últimos 20 anos. Os países que enfrentam desigualdades gritantes e têm instituições frágeis correm um risco acrescido de conflito. Uma má distribuição da riqueza e a falta de emprego, de oportunidades e de liberdades, em particular para os jovens, podem também aumentar o risco de instabilidade. (UNIDAS, 2011, s/p)

E continua:

Nem todos os povos que sofrem de pobreza recorrem { violência, mas a exclusão social, política e económica pode contribuir para a deflagração ou prolongamento da violência e do conflito ou para o recomeço destes. Parece ser esse o caso em situações tão diferentes como as do Haiti ou da República Democrática do Congo (RDC) (UNIDAS, 2011, s/p)

Essa tem sido a essência do argumento defendido pelo Brasil no que se trata da Responsabilidade de Proteger: buscar solucionar o problema diretamente na sua raiz e não apenas tratar as suas consequências. Como se vê, defende-se políticas públicas, sobretudo econômico-sociais, mais centradas na distribuição de renda e acessibilidade da população aos recursos do sistema como um todo. Mais tarde o Brasil contribuiu com a discussão apresentando a ideia da Responsabilidade ao Proteger ou RwP - que será discutida mais a frente.

No que se refere à segunda etapa da aplicação do princípio - a responsabilidade de reagir - por seu turno, é a que mais se aproxima da ideia clássica de intervenção humanitária. Ela engloba desde a instalação de sanções (sem envolver o uso de força armada) até intervenções militares (nos casos mais extremos).

No caso de uma intervenção militar, a ICISS estipula um rol de critérios, o qual abrange 01(um) princípio basilar, 04 (quatro) princípios precaucionários, 01 (um) princípio relacionado à autoridade adequada para intervir e 10 (dez) princípios operacionais. Dentre estes, o critério basilar é a justa causa para a ação - que verifica mediante o vínculo entre direito e moral, a avaliação da guerra com base em seus motivos.

Já os 4 princípios precaucionários são: intenção correta; último recurso; medidas proporcionais e prognóstico razoável. O primeiro se relaciona à ideia de justa causa e à legitimidade de dada intervenção. Os princípios do último recurso e de

(32)

medidas proporcionais, que por sua vez, refletem a doutrina da legítima defesa, pela qual o uso da força é limitado pelos critérios de necessidade, proporcionalidade e iminência. O último princípio (prognóstico razoável) é a relação das duas lógicas de legitimidade supracitadas: a legitimidade de propósitos – evitando que haja segundas

intenções ou motivos escusos nas intervenções com propósito humanitário – e a

escolha entre o menor de dois males. (JUBILUT, 2008)

Já a autoridade adequada (segundo a ICISS) para autorizar intervenções

segue sendo o Conselho de Segurança2. Segundo a mesma, a finalidade da

“responsabilidade de proteger” é aprimorar a atuação do Conselho de Segurança e não substituí-lo como fonte de autoridade de intervenções.

A esse respeito, Evans e Sahnoun (2002) comenta:

A autoridade da ONU é sustentada não pelo poder coercitivo, mas pelo seu papel como o aplicador de legitimidade. O conceito de legitimidade atua como elo entre o exercício da autoridade e da utilização da força. As tentativa s de impor autoridade só podem ser feitas pelos agentes legítimos da autoridade competente. As nações consideram a intervenção coletiva agraciada pela ONU como legítima, porque se trata de um corpo internacional representante devidamente autorizado, ao passo que a intervenção unilateral é vista como ilegítima porque é autointeressada.

Finalmente, a ICISS precisa os princípios operacionais que devem delinear as ações: objetivos claros; mandatos objetivos e não ambíguos; recursos condizentes com os objetivos e os mandatos; abordagem militar comum; unidade de comando; limitação, incrementalismo e gradação no uso da força; regras de engajamento; respeito ao Direito Internacional Humanitário; aceitação da ideia de que a proteção das forças armadas não pode ser o objetivo principal e por último, coordenação máxima com organizações humanitárias.

Desta feita, recursos militares internacionais podem ser empregados de modo preventivo. Assim Raymond (2013, p. 25) cita alguns desses recursos/objetivos :

• Atenuar as condições que facilitem atrocidades em massa;

• Expor/arruinar a reputação de agressores/criminosos e seus colaboradores; • Fomentar a credibilidade/capacidade da comunidade internacional e de uma potencial intervenção;

• Proteger possíveis vítimas;

2 A ICISS, contudo, não estabelece o recurso ao Conselho de Segurança como a última medida possível para

uma intervenção com propósito humanitário. Ela propõe o recurso à Assembleia Geral sob o procedimento “Unidos pela Paz”; ou, ainda, a ação de organizações regionais ou sub-regionais em suas áreas de jurisdição desde que se solicite uma autorização post facto ao Conselho de Segurança.

(33)

• Dissuadir/interromper/isolar/punir agressores/criminosos e seus colaboradores;

• Reduzir a motivação de agressores/criminosos ou a capacidade de realizarem atrocidades em massa;

• Consolidar/demonstrar a determinação da comunidade internacional; • Convencer observadores e atores negativos a não apoiarem agressores/criminosos e a engajarem-se em ações construtivas para atenuar as atrocidades em massa.

Observa-se que a prevenção inclui tanto iniciativas estruturais (de longo prazo), quanto esforços direcionados quando uma crise é propínqua, e, nesse tocante, as forças militares internacionais podem contribuir para ambos. Dessa maneira, instalada a intervenção coercitiva, a atuação militar tende a ser balizada no sentido de oferecer o menor risco possível a população refém da situação causadora (o estado em crise) como também do remédio (a própria intervenção). Nesse sentido, Raymond (2013, p. 28) continua, dessa vez, elencando os pontos basilares desse procedimento:

Área de Segurança - proteger uma grande área com força suficiente a ser desdobrada em diferentes setores.

• Constituir-Limpar-Manter-Consolidar - proteger, de maneira sistemática, áreas limitadas e expandi-las quando possível.

• Separação - interpor forças entre agressores/criminosos e vítimas através da implementação de uma zona desmilitarizada ou de uma zona de contenção; • Áreas Seguras - concentrações seguras de populações vulneráveis, como campos ou enclaves de pessoas deslocadas.

• Capacitação de parceiros - oferecer consultores, equipamento ou apoio especializado a outros atores, como forças de segurança, coalizões ou grupos de vítimas.

• Contenção - influenciar a conduta de agressores/criminosos conforme o necessário, com medidas tais como a presença maciça, ataques, bloqueios ou zonas de exclusão aérea (modificando sua conduta, os agressores deixariam de ser considerados alvos).

• Derrota de agressores/criminosos - atacar e derrotar importantes trunfos dos criminosos, tais como liderança, forças e logística, a fim de neutralizar ou remover a sua capacidade de cometer atrocidades em massa.

Vale ressaltar que, para que se chegue a essa segunda etapa, faz-se necessário o cumprimento de certos requisitos. Dentre eles, Lobo (2009, p. 9) cita:

1 - Estarmos em presença de uma situação caracterizada pela perda de vidas humanas em larga escala ou de uma acção de limpeza étnica também em larga escala.

2 - Existência de uma intenção justa na decisão de recorrer a uma tal acção. 3 - Constituir um último recurso, por já terem sido experimentados, sem sucesso, outros tipos de acção, ou por ser óbvio que não seriam eficazes. 4 - Não envolver meios para além do mínimo necessário para alcançar os objectivos prosseguidos.

5 - Existirem perspectivas razoáveis de que a acção poderá ter sucesso, e de que as suas consequências não serão piores do que as consequências de não agir.

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