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O FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO DA PSICANÁLISE: INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DA METAPSICOLOGIA

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Academic year: 2021

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O FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO DA PSICANÁLISE: INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DA METAPSICOLOGIA

Guilherme Almeida de Lima (Laboratório de Investigação e Prática em Psicanálise e Filosofia – LIPP, Faculdade Campo Real, Guarapuava-PR, Brasil);

guialmeidalima@hotmail.com Palavras-chave: Psicanálise. Filosofia. Epistemologia.

1. INTRODUÇÃO

A Filosofia transcende sua natureza especulativa, ampliando-se para a investigação de determinados fenômenos metodológicos que correspondem à complexidade da manifestação de diversas esferas do conhecimento. Desse modo, a Psicanálise enquanto um método científico de conceber a natureza da constituição do ser humano, se estabelece por meio de constructos teóricos fundamentados em correntes epistemológicas que determinam sua aplicabilidade. Nesse ínterim, sob à luz da Filosofia da Ciência, torna-se possível investigar os elementos constitutivos da epistemologia psicanalítica, em que se contempla a constituição do arcabouço teórico da metapsicologia freudiana como seu fundamento epistemológico.

O estatuto científico configura-se por meio das circunstâncias históricas que constituíram seu fenômeno, sobretudo por meio das contribuições teóricas que se estabeleceram com a articulação das discussões epistemológicas oriundas da filosofia da ciência, ou seja, o panorama

científico é subjacente à desenvoltura epistemológica que consolida seu status quo1 (OLIVA,

2010). Nesse sentido, autores da Filosofia da Ciência (Thomas Kuhn, Karl Popper e Gaston Bachelard) detiveram-se na investigação acerca da constituição de uma epistemologia, ou seja, o escopo de conhecimento que direciona a práxis de uma ciência, determinando sua metodologia e sua inserção no panorama científico em relação às demais ciências.

Sob esse viés metodológico, a Psicanálise introduz seu arcabouço teórico no Séc. XX, buscando conceber a complexidade da natureza de seu objeto de estudo: o inconsciente. A vasta literatura edificada por Sigmund Freud na elaboração da Psicanálise suscitou profundas investigações acerca de sua epistemologia, uma vez que a Psicanálise emergiu em um contexto paradigmático que privilegiava o orgânico em detrimento do psíquico, conduzindo às indagações em relação à sua cientificidade. Nesse sentido, Freud deparou-se com obstáculos, se não

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intransponíveis, acentuados: fundamentar a epistemologia psicanalítica em um escopo de conhecimento que transcendesse a dimensão exclusivamente anátomo-fisiológica e biológica do ser humano, possibilitando a cognoscibilidade das representações endossomáticas e psíquicas oriundas da natureza do inconsciente, objetivando estabelecer o rigor metodológico em seu aspecto hermenêutico, a fim de preservar seu caráter científico.

2. DESENVOLVIMENTO

O presente trabalho foi elaborado por meio de algumas etapas previamente estabelecidas, iniciando-se com a delimitação do tema e a relevância que este suscita no âmbito científico, além de se estabelecer o caráter metodológico da pesquisa. Desse modo, busca-se compreender o panorama do estatuto científico (utilizando-se de autores da Filosofia da Ciência) associado à construção da epistemologia psicanalítica. Posteriormente, objetiva-se analisar a constituição da metapsicologia freudiana como fundamento epistemológico da Psicanálise, utilizando-se do caráter metodológico teórico-conceitual, uma vez que as informações advêm da análise histórica e epistemológica dos textos de Freud, devidamente referenciados.

2.1 O ESTATUTO CIENTÍFICO COMO ELEMENTO DETERMINANTE PARA O SURGIMENTO DA PSICANÁLISE

Contemplar a constituição da psicanálise implica em conceber a edificação do estatuto científico e os alicerces epistemológicos no qual se apoia, uma vez que o paradigma científico emergente determinará o caráter metodológico e operacional do conhecimento humano. Nesse sentido, de acordo com Karl Popper, conforme demonstrou em seu racionalismo crítico, os critérios que denotam credibilidade ao saber científico são fenômenos provisórios, uma vez que as teorias que o sustentam são passíveis de reformulação. Desse modo, o estatuto científico emerge como uma conjectura, uma hipótese, ou seja, uma tentativa de correlacionar a coexistência dos dados obtidos por meio da experiência, buscando atribuir-lhes um rigor metodológico (POPPER, 1975).

Sob essa perspectiva, concebe-se o estatuto científico como um fenômeno submetido à fatores dinâmicos, inter-relacionados entre si e que estabelecem sua constituição. Desse modo, consoante à ideia de Thomas Kuhn, segundo qual os paradigmas determinam a articulação do desenvolvimento científico e de sua transitoriedade conforme afirmou Popper, Gaston Bachelard em sua teoria da ruptura epistemológica defende que a transfiguração do panorama científico

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opera por uma configuração dialética, ou seja, o confronto de hipóteses antitéticas que conduz à evolução científica, isto é, um paradigma abdica-se a fim de conceder lugar a outro. (BACHELARD, 1996).

Os vislumbres conceituais oferecidos pelos filósofos da ciência supracitados, possibilitam na observação em relação ao panorama científico predominante no contexto relacionado ao surgimento da Psicanálise, identificando-se a perspectiva científico-naturalista como método epistemológico predominante na área médica. Nesse sentido, na última década do Séc. XIX, observa-se a tentativa de Freud em adequar-se ao sistema paradigmático da época, em que elabora os conceitos germinativos que forneceram a desenvoltura teórica para a consolidação da Psicanálise no Séc. XX, com as obras Sobre as Afasias (1891), Projeto Para Uma Psicologia Científica (1895) e Estudos Sobre a Histeria (1895).

A predominância da perspectiva neurofisiológica para contemplar os fenômenos concernentes aos mecanismos psicológicos, conduziram Freud à elaboração de um aparelho psíquico responsável pela descrição em termos neurológicos para explicar o sistema proprioceptivo e somestésico. Nesse sentido, inicialmente, Freud elaborou conceitos que concebiam o funcionamento psíquico em termos quantitativos, oriundos da física, tais como: distribuição de energia, força e estrutura. É possível vislumbrar, além disso, os elementos germinativos do inconsciente e consequentemente, de sua metapsicologia nos escritos do Séc. XIX.

2.2 A METAPSICOLOGIA COMO EPISTEMOLOGIA DA PSICANÁLISE

“A abordagem metapsicológica consiste na elaboração de modelos teóricos que não estão diretamente ligados a uma experiência prática ou a uma observação clínica [...]” (ROUDINESCO E PLON, 1998, p. 511). Contempla-se duas perspectivas distintas na elaboração da plataforma epistemológica da Psicanálise: o corpus teórico que concebe as experiências referentes aos dados clínicos com sua substância fenomênica identificável na realidade (sexualidade infantil, complexo de Édipo, transferência, resistência e recalcamento); e a dimensão conceitual que constitui o aspecto heurístico da Psicanálise, ou seja, constructos teóricos caracterizados pelo profundo grau de abstração, em seu aspecto incognoscível de identificá-los na realidade fenomênica (pulsão, libido e aparelho psíquico), conforme Freud

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cunhou o termo superestrutura especulativa em O Inconsciente (1915), termo que pode ser concebido como a metapsicologia em um sentido estrito da expressão.

Os dados da clínica precisam ser organizados e interconectados a fim de garantir a compreensão e a explicação dos fenômenos psíquicos. A observação pura e simples é impraticável. As abstrações, que acabam se impondo aos dados empíricos, vão se tornando cruciais no decorrer da pesquisa. Tais idéias nada mais são do que as hipóteses, pressupostos e postulados teórico-metodológicos que alicerçam explicações; elas extravasam o âmbito da experiência e inauguram um tipo de reflexão que se ocupa não tanto da prática propriamente dita, mas das relações internas estabelecidas entre conceitos. (FRANGIOTTI, 2008, p. 63-64)

Não obstante, a extrema distinção entre as duas perspectivas conduz à uma concepção errônea da Psicanálise, uma vez que as explicações metapsicológicas, ou seja, as discussões pertencentes à esfera especulativa, fundamentam as explicações clínicas, possibilitando a articulação entre teoria e prática, e caracterizando o escopo epistemológico da Psicanálise.

Metapsicologia refere-se a um tipo de psicologia que, por meio de recursos da linguagem – como, por exemplo, imagens, comparações, figuras, metáforas etc. –, versa sobre os fenômenos psíquicos inconscientes constatados na clínica, mas que não são verificados materialmente enquanto entidades substanciais. Esses fenômenos explorados pela Psicanálise, não obstante o fato de serem percebidos apenas por meio de abstrações, configuram-se como manifestações do psiquismo. (SILVA, 2011, p. 110)

O profundo grau de abstração no qual se apoia a construção metapsicológica conduz às investigações referentes a cientificidade da Psicanálise, devido ao afastamento do empirismo tradicional e a aproximação ao caráter especulativo. Além disso, a linguagem utilizada para representar os fenômenos referentes às manifestações do inconsciente traduz o discurso freudiano subjacente, determinando assim, conexões teóricas entre a mitologia, a ficção e a realidade, objetos de discussões acerca de sua cientificidade.

A concepção de ‘aparelho psíquico’, por exemplo, aproxima-se de um discurso ficcional, mitológico [...]. Porém, a própria teoria, independentemente da área do saber a que ela pertence, pode ser compreendida como uma construção ficcional. A linha que separa ‘teoria’ e ‘ficção’ é tênue. No âmbito do conhecimento, toda e qualquer teoria científica aproxima-se de um discurso ficcional. (SILVA, 2011, p. 110)

Evidencia-se a posição adotada por Freud em relação ao caráter científico das investigações que transcendem as esferas empíricas da experiência humana, em uma carta enviada a Albert Einsten, em setembro de 1932, o qual indaga ao cientista precursor da física

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moderna: “Talvez ao senhor possa parecer serem nossas teorias uma espécie de mitologia [...]. Todas as ciências, porém, não chegam, afinal, a uma espécie de mitologia como esta?” (FREUD, 1933, p. 204). Nesse sentido, Freud se opunha a concepção de uma teoria totalizante e autoexplicativa, afirmando as ciências serem construções mitológicas científicas.

3. CONCLUSÃO

A metapsicologia emerge como uma plataforma epistemológica edificada pelo precursor da Psicanálise, elaborada para conceber a manifestação dos fenômenos relacionados ao inconsciente, o qual transcende as esferas materiais e substanciais do conhecimento humano, ou seja, revelam-se como constructos teóricos utilizados para dar conta de fenômenos que não são apreensíveis na ciência clássica, mas que são constatados na vida do sujeito e na experiência psicanalítica. Os conceitos construídos por Freud, como aparelho psíquico, sexualidade, pulsões, recalcamento, Complexo de Édipo, castração, repressão, resistência, transferência e narcisismo, por exemplo, pertencem à esfera epistemológica determinada pela metapsicologia freudiana, a qual fornece os elementos necessários à investigação do inconsciente.

Referências

Bachelard, G. (1996). A Formação do Espírito Científico: Contribuição Para uma Psicanálise do Conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto.

Frangiotti, M. A. (2003). Contribuições de Wittgenstein à Epistemologia da Psicanálise. Universidade Federal de Santa Catarina. Revista Natureza Humana. 59-93. Jan-Jun.

Freud, S. (1996). A pulsão e suas vicissitudes (1915). In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud [ESB]. Rio de Janeiro: Imago, s/d. vol. XIV.

_________. (1996). Novas Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise e outros Trabalhos (1932-1936). Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XXII. Rio de Janeiro: Imago.

Kuhn, T. S. (2005). A estrutura das revoluções científicas. 9ªed. São Paulo: Perspectiva. Oliva, A. (2010). Filosofia da ciência. 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Popper, K. R. (1975). A Lógica da pesquisa cientifica. Tradução de Leonidas Hegenberg e Ocatnny Silveira da Mota. São Paulo: Editora Cultrix.

Roudinesco, E. & Plon, M. (1998). Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Silva, G. O. (2011). Psicanálise e Metapsicologia: Transições Entre Experiência e Representação. Revista Contemporânea – Psicanálise e Transdisciplinaridade. Porto Alegre. n.11. Jan-Jun.

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