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APONTAMENTOS SOBRE O SISTEMA PRONOMINAL EM KAINGANG

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Academic year: 2021

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APONTAMENTOS SOBRE O SISTEMA PRONOMINAL EM KAINGANG

Emília Rezende Rodrigues de Abreu (PG-UEL) Ludoviko C. dos Santos

Palavras Chaves: pronomes; kaingang; variação.

Das 180 línguas indígenas faladas no Brasil, muitas delas têm sido estudadas graças a projetos de Educação que estão incentivando o estudo destas línguas. Contudo, estas pesquisas atingem pequena parte dessas línguas com grande carência de descrição da gramática integral das línguas. Têm-se, quase sempre, descrições parciais.

Aryon Dall’ Igna Rodrigues, em um de seus artigos, diz que “qualquer língua que seja falada por menos de 100 mil pessoas tem sua sobrevivência ameaçada”. Todas as línguas indígenas do Brasil são faladas por menos de 40 mil pessoas. Com isto, podemos concluir que a tarefa de pesquisa, estudo, análise e descrição das línguas indígenas ainda é de grande urgência.

Com respeito à língua kaingang, há um bom número de material existente em estudos da escrita e de sua gramática. Os estudos da língua Kaingang tiveram seu início desde o século XIX. O primeiro lingüista a publicar um estudo de um dialeto Kaingang foi Mansur Guérios, num trabalho sobre o dialeto de Palmas (PR), na década de 1940. Já o primeiro estudo amplo da língua, da fonologia à sintaxe, se deve à Ursula Wiesemann. Porém, faltam estudos didático-pedagógicos que auxiliem os professores nativos desta língua.

Com esta necessidade, levantou-se o objetivo de nosso trabalho baseado em uma questão norteadora que foi, inicialmente, a variação na estrutura frasal do kaingang quando se utiliza um sujeito pronominal: ou seja, OVS. Certas mudanças pareciam ocorrer na estrutura padrão desta língua (SOV) por causa do uso de pronomes. Entretanto, em outras vezes, verificou-se a mesma estrutura tanto com sujeito nominal como com o sujeito pronominal: ou seja, SOV. Foi preciso levantar várias hipóteses e analisar todos os dados a fim de verificar o que realmente

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acontecia para haver a variação estrutural nesta língua. O objetivo estendeu-se e teremos, então, neste trabalho, um breve estudo sobre o sistema pronominal em kaingang. Serão analisados, de forma descritiva, os pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos, interrogativos, reflexivos, relativos e indefinidos, verificando-se as modificações na estrutura padrão desta língua - S O V. O objetivo final é auxiliar o projeto de elaboração da gramática pedagógica da língua Kaingang, sob coordenação do professor Ludoviko dos Santos.

Para se descrever uma língua é necessário seguir alguns princípios. Um deles é observar o seu objeto de estudo, a língua. Este objeto de estudo pré-existe à sua investigação, portanto, a descrição será baseada em dados empíricos. Para a coleta dos dados tivemos professores nativos bilíngües, que nos deram frases usadas em kaingang.

A linha teórica na elaboração deste trabalho se baseia em Gleason (1955), Givón (1984) e Lyons (1979). Seguindo uma abordagem funcionalista, são descritas as possíveis formas de um enunciado e cada análise procura estabelecer os princípios das estruturas escolhidas pelo falante indígena.

De acordo com a linha da lingüística givoniana, descrever uma língua é observar as variações lingüísticas atestadas entre seus falantes sem buscar determinar regras ou padrões. Documenta-se a língua e seu funcionamento no momento da descrição. Desta forma, busca-se determinar os princípios e características que regulam as estruturas lingüísticas analisada, neste caso, o kaingang. Segundo Givón “A comunicação humana é multiproposicional, na qual o discurso imediato e o tema do contexto geral controlam a maior parte das escolhas dos mecanismos gramaticais”. (GIVÓN, 1984, p. 10).

Em outras palavras, o estudo da lingüística envolve o falante e o ouvinte e o contexto no qual estão inseridos e as escolhas que ambos fazem para produzir seus enunciados. O estudo da sentença é o primeiro passo para identificar o inventário dos códigos lingüísticos que constroem a estrutura morfossintática de uma língua. O objetivo lingüístico, a partir desta visão, é elucidar como os mecanismos são usados na comunicação.

Ainda segundo este autor, com a análise descritiva de sentenças, pode-se perceber quais estruturas são possíveis na língua estudada, mas não se pode saber

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nada sobre o contexto no qual ela foi usada. Também não há como saber com que freqüência outras sentenças, com o mesmo significado podem ocorrer. Através da coleta de dados, modelos experimentais são formados e hipóteses são levantadas e outras descartadas.

Cada análise das coletas efetuadas procurará estabelecer os princípios das estruturas escolhidas pelo falante indígena. De acordo com Mussalim (MUSSALIN, 2001, p. 211): “A abordagem funcionalista vê a linguagem como um sistema não-autônomo. Ela nasce a partir de uma necessidade de comunicação entre os membros de uma comunidade, que está sujeito às limitações impostas pela capacidade humana de adquirir e processar o conhecimento e que está continuamente se modificando para cumprir novas necessidades comunicativas”. Portanto, nas análises dos enunciados em Kaingang serão considerados tanto o falante como o ouvinte e suas necessidades comunicativas que permearão estes enunciados. Quando um falante nativo fala, ele escolhe, ele faz opções e são estas variações que serão descritas. Para estabelecer um ponto de partida, algumas frases serão utilizadas como frases “padrão” (ou gabaritos) para que sejam estabelecidas as variações a partir destas, descrever as possíveis variações.

Para abordar os pronomes e a variação na estrutura frasal, precisamos ter uma noção de dêixis. Segundo Shopen “Todo enunciado lingüístico se realiza num lugar particular e num tempo particular: ocorre numa certa situação espaço-temporal”. (SHOPEN, 1985, p. 290). Falante e ouvinte são distintos um do outro, contudo, estão numa mesma situação espaço-temporal. O enunciado, portanto, contará com sujeitos do discurso.

Lyons (1979) postula que o termo dêixis, foi introduzido para indicar “traços orientacionais” da língua. Os dêiticos determinam o tempo e o lugar de um enunciado. Por exemplo, os chamados pronomes pessoais são categorias dêiticas, pois eles apontam, indicam alguém em um tempo e espaço de um determinado enunciado. Por exemplo, a situação de um enunciado é egocêntrica: o falante diz “eu” e seu ouvinte é o “você”, mas se seu ouvinte diz “eu”, o falante torna-se “você”. O falante estará sempre no centro da enunciação, no centro de um sistema dêitico, para referir-se a si mesmo e aos participantes do enunciado. Outros

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elementos dêiticos são os advérbios de tempo e de lugar, como aqui, acolá, lá, agora,etc.

Estudando os pronomes, sabemos que eles podem se referir tanto a pessoas como a animais, mas isto não é relevante sintaticamente. Lyons (1979) fala que nos pronomes pessoais, a categoria de pessoa se define com clareza pela noção de papel. Quando o falante se estabelece como a 1ª pessoa, ele mesmo é o objeto do discurso. A 2ª pessoa é usada para referir-se ao seu ouvinte. A 3ª pessoa é usada para se referir às pessoas ou coisas que não sejam o falante e seu ouvinte. Ainda segundo este autor, a 3ª pessoa também é considerada como um membro negativo no enunciado. Negativo, pois não participa do enunciado. Já a 1ª e 2ª pessoa são membros positivos, pois fazem parte ativa do enunciado.

Neste estudo da língua kaingang teremos uma pequena limitação quanto à descrição do uso dos pronomes. Muito pouco tem sido escrito sobre eles. Portanto, serão analisados somente os pronomes de 3ª pessoa do singular e do plural, a fim de chegarmos a uma conclusão das possíveis hipóteses levantadas.

Os pronomes em Kaingang possuem distinção em relação ao falante e em relação à proximidade do falante. Abaixo, temos a classificação dos pronomes pessoais e os pronomes demonstrativos.

Pronomes pessoais e possessivos:

 1ªp.sing. Inh- Eu/ meu(s), minha (s).  1ª p. p. Ēg- Nós/ nosso(s), nossa(s).  2ª p. sing Ã- tu, você/ teu (s), seu(s).  2ª p. p. Ãjag- Vocês/ de vocês.

 3ª p. sing. Ti-Ele/ Seu, dele./ Fi-Ela/ sua, dela.

 3ª p. p. Ag eles/ deles/ Fag elas (o casal)/ delas/ do casal.

Pronomes Pessoais

Os pronomes pessoais são palavras usadas para se referir aos falantes. A pessoa que fala, com quem se fala e de quem se fala. Eles podem ter funções

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similares aos nomes. No entanto, no Kaingang, o uso dos pronomes na posição de sujeito pode alterar a ordem frasal.

Sentença Nominal

1.Gĩr vỹ gãr tu. (SOV) 2. Paula fi vỹ ẽkrẽnh sór mũ (SV) Menino m. suj. milho carregar. Paula fem. m.s. caçar querer ind.a. O menino carregou milho Paula está querendo caçar.

Pronome na posição de Sujeito 3ª pessoa do singular

Pronome na posição de objeto 3ª pessoa do singular 3. Gãr tu ti. (OVS)

Milho carregar ele Ele carregou milho

4. Ti mỹ ti gãr tỹ. (Oi S Od V)

Ele para ele milho carregar (no cesto). Ele carregou milho para ele.

5. Ēkrẽnh sór fi mũ. (V S) Caçar querer ela ind.a. Ela está querendo caçar.

6. Ti mré fi tóg ẽkrénh sór mũ. (Oi S V) Ele com ela suj. a. caçar querer ind.a. Ela está querendo caçar com ele. Pronome na posição de Sujeito

3ª pessoa do plural

Pronome na posição de objeto 3ª pessoa do plural Sentença nominal

7. Manoel mré Jandira fag vỹ kamó tatĩn. (S O V) Manoel com Jandira (casal) m.suj. bananas carregar Manoel e Jandira carregaram bananas.

8. Kamó tatĩn fag. (O V S) Bananas carregar elas (casal) Eles (o casal) carregaram banana.

9. Fag mỹ ag kamó tatĩn. (Oi S Od V) Elas para eles bananas carregar Eles carregaram banana para elas 10. Kamó tatĩn ag. (O V S)

Bananas carregar eles Eles carregaram bananas

11. Fag mỹ ti kamó tatĩn. (Oi S Od V) Elas para ele banana carregar

Ele carregou banana para elas

A estrutura padrão da sentença nominal, em kaingang, é SOV como podemos verificar no dado nº. 1e 7.

Observando os pronomes na posição de sujeito e na posição de objeto podemos notar que nos dados 3, 8 e 10 foram usados verbos transitivos. Podemos perceber que a estrutura da sentença com o uso dos pronomes na posição de sujeito é OVS. Porém, quando na sentença, com os verbos transitivos e uso de pronome na posição de sujeito e na posição de objeto a estrutura padrão é Oi S OD V, como vemos nos dados 4, 9 e 11. O objeto indireto posiciona-se no início da sentença, seguido da preposição, como mostram estes exemplos. O objeto direto segue o sujeito da sentença.

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Nos dados 2, 5 e 6, temos o verbo “caçar” e o modalizador “querer” e percebemos que a estrutura S V, na sentença nominal, permanece (dado 2). Na sentença com o pronome na posição de sujeito temos a estrutura V S (dado 5) e o pronome na posição de adjunto (dado 6), vemos que este adjunto, bem como o objeto indireto (dado 4), ocorrem no inicio da sentença, ou seja, fora de sua posição padrão.

Nas sentenças com sujeito pronominal não ocorre o uso da partícula que marca o sujeito, a partícula /vỹ/.

Pronomes Possessivos

Os pronomes pessoais em kaingang são os mesmos pronomes usados como possessivos. Eles possuem a mesma forma, porém, funções diferentes. São eles: inh- eu/ meu- minha, meus – minhas; ã- você/ seu-seus; ti- ele/ dele, fi-ela/dela; ēg –nós/ nosso-nossos, ãjag-vocês/ de vocês; ag- eles/ deles, fag – elas.

Vejamos alguns exemplos dos pronomes possessivos no singular e no plural, mas somente nas 3ª pessoas do singular e do plural. Nas sentenças foram utilizados verbos transitivos e intransitivos: /góv/ - quebrar (intransitivo); /gãm/ - quebrar (transitivo); /jar/ - rasgar (intransitivo); /jan/ - rasgar (transitivo).

3 ª pessoa do singular (dele/ dela)

Posição de sujeito Posição de objeto

12. Ti pratu vỹ góv Dele prato m. s. quebrar O prato dele quebrou

13. Gĩr vỹ ti pratu gãm

Menino m.s. dele prato quebrar. O menino quebrou o prato dele 14. Fi tēja vỹ jar.

Dela rede m.s. rasgar. A rede dela rasgou

15. Gĩr vỹ fi tēja ty jarn ké Menino m.s. rede

O menino rasgou a rede dela 3 ª pessoa do plural (deles/delas)

Posição de sujeito Posição de objeto

16. Ag pratu vỹ góv

O prato deles quebrou 17. Gĩr vỹ ag pratu gãm O menino quebrou prato deles 18. Fag tēja vỹ jar

A rede delas rasgou

19. Gĩr vỹ fag tēja jan

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Os pronomes possessivos de 3 ª pessoa do singular ti/ fi- seu/sua indicam posse posicionando-se antes do SN sujeito e SN objeto, conforme os dados 12, 13, 16 e 18 (SN sujeito) e 13, 15, 17 e 19 (SN objeto).

O morfema /fi/ ocorre como pronome possessivo quando antecede o nome, como observamos no dado 15. Mas ele também é um morfema de marca de gênero feminino, como vemos no exemplo abaixo:

20. Jandira fi mãrtéra vỹ vãfor Jandira fem. martelo m.s. sumir. O martelo da Jandira sumiu.

O morfema /ag/ também funciona como morfema de plural, como podemos ver nas sentenças abaixo: /pratu ag/ e /tẽja ag/.

21 Ãjag pratu ag vỹ gógóv

Eles prato pl. m. suj. quebrar (pl.) Os pratos de vocês quebraram

22 Ãjag tēja ag vỹ janjar Eles rede pl. m. suj. rasgar (pl.) As redes de vocês rasgaram.

Mas ele também se manifesta como pronome pessoal de 3ª pessoa do plural e como pronome possessivo também de 3ª do plural. Como pronome possessivo, sua posição é antes do núcleo do SN sujeito e antes do núcleo do SN objeto, como se verifica nos dados 16 e 17.

Pronomes interrogativos

Os pronomes interrogativos em kaingang são usados nas perguntas de informações em geral. São eles: /ũ/- quem; /ne/- o quê; /hẽ/- o qual.

Algumas sentenças foram coletadas, a fim de verificar como se comporta a estrutura frasal com estes pronomes. Veja abaixo alguns exemplos:

Posição de sujeito Posição de objeto

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que ind.a.?

O que é? Você para ele ind. top que fazer ind. a. ? saber. Você sabe o que ele está fazendo? 25. Ti ã mỹ ne han?

Ele você para que fazer? O que ele fez para você?

26. Mario hỹnỹ ag mỹ ne han? Mario ? eles para que fazer? O que Mário fez para eles?

27. Ag hỹnỹ ne han? Você que fazer? O que eles fizeram?

(hỹnỹ quando não se tem certeza). 28. Ũ tũ nẽ, kre tag ti?

Quem coisas ind.a., cesto este aqui? De quem é este cesto?

29. Ã ũ mỹ presente ti nĩm ? Você quem para presente dar

dar algo de presente (não comprido). Você deu o presente para quem? 30. Ū ĩn nē?

Quem casa ind.a.? É a casa de quem? 31. Ū tỹ hē nē?

Quem coisas qual ind.a.? Qual é?

(hē= pron. int. qual)

32. Jandira fi ĩn tỹ hẽ tá kasor jẽg ki kanhró nĩ. Jandira fem.casa ind. top. pron. int. longe cachorro ? saber ind. a.

Jandira sabe em qual casa o cachorro está.

Com os dados acima podemos verificar que o pronome interrogativo /ne/ pode posicionar-se de várias formas: no início da sentença e antes da partícula de aspecto /nẽ/: 23; após a preposição /mỹ/ (para): 25 e 26 e antes do verbo /han/, como no dado 24, 25, 26 e e 27.

O pronome interrogativo /ũ/ foi posicionado no início da sentença, antes do nome substantivo a quem se referia, da mesma forma que se coloca um pronome possessivo, como podemos notar nos dados 28, 30. No início da sentença, antes da partícula /tỹ/ como vemos no dado 31. Neste dado vemos o uso de dois pronomes interrogativos o /ũ/ e o /hẽ/. O pronome interrogativo /ũ/ também foi posicionado antes da preposição /mỹ/ - para (dado 29) e após o pronome pessoal na posição de sujeito e ele estando na posição de objeto, como notamos também no dado 29.

O pronome interrogativo /hẽ/ foi usado antes da partícula de aspecto /nẽ/ quando na posição de sujeito e quando foi usado na posição de objeto ele foi posicionado antes do advérbio de lugar /tá/ - longe e logo após o sujeito e o marcador do sujeito, a partícula /tỹ/.

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Pronomes indefinidos

Os pronomes indefinidos em kaingang são: /ũ/ - alguém e /vẽnh/ - de alguém.

Posição de sujeito Posição de objeto

33. Ū nẽ vỹ fỹ Alguém ind.a. ind. o. chorar Alguém chorou.

34. Vēnh nũg vẽ De alguém barriga ind. a. É barriga de alguém. 35. Ū vỹ fỹ tũ nĩ Alguém ind.o. chorar neg. Ninguém chorou.

36. Ũ vẽg tũ inh nĩ.

Alguém ver (sg.) não eu ind. a Eu não vi ninguém.

37. Ũ kre nē hỹn?

Alguém cesto ind. a. ind. o. Este cesto é de alguém? Hỹn= provavelmente (ind. o.).

38. Ũ fỹ ja ki isóg kanhró nĩ.

Alguém chorar ind. m. ? ind. suj. saber ind. a.

Eu sei que alguém chorou.

Conforme os dados acima, podemos que os pronomes indefinidos em kaingang possuem algumas características que os diferem dos demais. Uma delas é a presença de uma partícula que marca o sujeito, a partícula /vỹ/. As sentenças pronominais em que foram usadas a partícula /vỹ/ tinham verbos intransitivos: /fỹ/ - chorar, o que podemos notar nos dados: 33, 35 e no dado 39.

Nas sentenças onde foi usada a partícula que marca o sujeito, o /vỹ/, a ordem oracional foi S V (33 e 35) e S O V (39), que é a estrutura padrão.

Nas sentenças com sujeito pronominal a ordem oracional foi O V S como nos dados: 36, 38 e 40.

Pode-se notar também que todas as sentenças em foram usadas o pronome indefinido /ũ/, ele foi o primeiro constituinte da sentença (33, 35, 36, 37 e 38). Esta posição ocorreu mesmo em sentenças eram afirmativas (33 e 38), negativas (35 e 36) e interrogativas (37).

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O pronome indefinido /vẽnh/ foi usado somente no dado 34, em um sintagma nominal “Vēnh nũg vẽ”. A posição deste pronome é a mesma a que de um pronome possessivo, antes do nome.

Pronomes demonstrativos

Em kaingang, os pronomes demonstrativos podem funcionar os da 3ª pessoas do singular e do plural mais [tag] isto e [ēn] aquilo. O [ti] esse tem uma forma variante. São eles: Tag ti (isto aqui), Ti –n= (o, isso lá, esse lá), Fi (a, essa lá), Ẽn (aquilo lá), Ag (os, esses lá), Fag (as, essas lá, o casal lá). Existem algumas combinações, são elas: tag ti (isto aqui, este aqui), tag fi (esta aqui), ẽn ti (aquilo lá, aquele lá), ẽn fi (aquela lá), tag ag (estes aqui), tag fag (estas aqui, este casal aqui), ẽn ag (aqueles lá), ẽn fag (aquelas lá, aquele casal lá). ēn fag= aquelas lá, aquele casal lá.

Posição de Sujeito Posição de Objeto

41. Kanhgág ēn ve. Kaingang aquele ser. È aquele índio Kaingang.

42. Tã tá inh kanhgág ẽn ve. Lá longe eu kaingang aquele ver. Eu vi aquele índio.

43. Gĩr tag fi gãr tu. Menina esta milho carregar Essa/ esta menina carregou milho.

44. Jandira fi gĩr tag fi mỹ gãr tu.

Jandira fem. menina esta para milho carregar.

Jandira carregou milho para essa menina lá.

45. Kanhgág tag ag vỹ gãr rĩg tĩ.

Kaingang estes ind. suj. milho levar (nas costas).

Estes índios carregam milho.

46. Mário vỹ gãr tag ag tu.

Mario ind. suj. milho estes carregar. Mário carregou estes milhos. 47. Tã tá nỹtĩ ēn ag vỹ mora nigniy tũ nĩ.

Lá longe ind.a. aqueles bola chutar não. Aqueles lá não chutaram a bola

48. Gãr tỹ tã tá jẽ ẽn ag tu inh.

Milho ind. top. lá longe ind. a aquele ag carregar eu.

Eu carreguei aqueles milhos.

O advérbio de lugar /tã tá/ (lá longe) foi usado para indicar a distância do falante em relação à pessoa de quem se falava. O /tag/ foi posicionado como último constituinte na estrutura, logo após a partícula /nỹ/, que é indicadora do sujeito

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tópico na pergunta. Da mesma forma o pronome /ẽn/. Os dois eram constituintes tópicos na pergunta.

No dado 41 e 42, vemos o pronome demonstrativo /ẽn/ referente ao pronome em português “aquele”. O pronome é usado após o nome kaingang.

Algo freqüente nos dados foi a posição do pronome demonstrativo ser usado após o nome a que se refere, como vemos nos dados de nº. 41-42 (kanhgág ẽn), 43 ( gĩr tag), 44 (gĩr tag), 45 (kanhgág tag ag) e 46 (gãr tag ag).

Na maioria das sentenças em que foram usadas os pronomes demonstrativos referentes a “aquele”, foi usado também o advérbio que demonstra a distância do falante de sobre quem se fala /tã tá/. Podemos observar este fato nos dados: 42, 47 e 48.

A partícula indicadora do gênero feminino, quando usada juntamente com um pronome demonstrativo, é posicionada logo após o pronome. Esta é a seqüência usada quando temo um pronome junto ao nome: nome+ pronome demonstrativo+ partícula de gênero feminino (44. Gĩr tag fi...).

Na maioria das sentenças, com o sujeito nominal a estrutura oracional foi S O V, como observamos nos dados: 43, 44, 45 e 46. Nas sentenças com sujeito pronominal continuou sendo a S O V quando foi usado o advérbio /tã tá/, nos dados 42 e 47. Somente no dado 48, onde temos um sujeito pronominal, sem o advérbio, temos a estrutura O V S.

Pronomes reflexivos

Segundo o dicionário de Wiesemann, os pronomes reflexivos em kaingang são: /vẽnh/ e /jagnẽ/.

49. Jandira fi vỹ vẽnh rem. S V Jandira m. suj. pron. ref. pentear. Jandira penteou-se

50. Vẽnh rem fi. V S Pron. ref. pentear ela. Ela se penteou.

51. Kanhgág ag vỹ gój ki vẽnh kypé. S V Kaingang pl. m. suj. água ? pron. ref. lavar. Os kaingang se lavam no rio.

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52. Vẽnh kypé ag tĩ. V S Pron. ref. lavar eles ind.a. Eles se lavam no rio.

Podemos observar que o pronome reflexivo /vẽnh/ é usado em todas as pessoas, como vemos nos dados 49, 50, 51 e 52. Em todas as sentenças, o pronome /vẽnh/ foi posicionado antes do verbo. Ele foi usado tanto em relação a singular como no plural.

No dado 49, onde temos uma sentença com sujeito nominal, o pronome /vẽnh/ foi posicionado após a partícula que marca o sujeito -/vỹ/. Porém, o mesmo não ocorre no dado 51. Neste dado temos a palavra /goj/, na posição de advérbio de lugar, antes do pronome reflexivo.

Onde temos a sentença com sujeito nominal a estrutura oracional foi S V ( 49 e 51) e nas sentenças com sujeito pronominal a estrutura foi V S (50 e 52).

Pronomes Relativos

Estes pronomes são usados para se referirem a um termo antecedente (nome ou pronome) e iniciam uma nova oração.

Segundo Wiesmann (2002), em seu dicionário, temos o pronome relativo /ũn/ - aquele que. Alguns dados foram escolhidos para descrever este pronome em kaingang.

53. Ũn tĩ mũ ẽn ki inh kagtĩg nĩ.

Aquele que ind.a. andar pron. dem. ? eu não saber ind.a. Eu não conheço o homem que saiu.

54. Isỹ ũn mỹ documentos vĩn mũ fi vỹ ty secretaria fi nĩ. Eu quem para documentos dar ind.a. ela m.suj. secretária ind.a. A pessoa a quem entreguei os documentos é a secretária.

55. Isỹ ã mỹ ũn tó mũ ẽn há tũ vẽ.

Eu você para quem falar ind. a. aquele bem não ser. O rapaz de quem lhe falei não é aquele.

Observamos que no dado de nº. 53, a oração principal (inh kagtĩg nĩ) está em último lugar, na corrente das duas orações. A oração subordinada (Ũn tĩ mũ) é a primeira nesta corrente. O pronome demonstrativo /ẽn/ =(aquilo já mencionado) está no meio, após o verbo da oração subordinada. Não foi usado a palavra referente a “homem”, somente os pronomes. A estrutura das duas orações é:

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Podemos dizer que ocorre uma dependência catafórica, pois a oração principal é a última na corrente das orações.

No dado nº. 54 o sujeito da oração subordinada e o pronome relativo /ũn/ estão no início das orações, lado a lado. A oração subordinada está, também, no início da corrente de duas orações. A preposição /mỹ/ segue o pronome relativo. O verbo da oração subordinada /vĩn/ (= dar) está posicionado após o objeto “documentos”. Este verbo está no plural, concordando com o objeto (documentos). O pronome relativo, na oração subordinada, está se referindo a palavra secretária. Também temos neste dado uma dependência catafórica, pois a oração principal é a última. A estrutura destas duas orações é:

No dado nº. 55 temos novamente, a oração subordinada como a primeira, na corrente das duas orações. O sujeito da oração subordinada /isỹ/ é seguido pelo objeto indireto (à você). A preposição /mỹ/ é posicionada depois do pronome /ã/ (você). O pronome relativo /ũn/ nesta oração está após a preposição e não antes, como no dado anterior. A oração principal é a última. No meio das duas orações é usado o pronome relativo /ẽn/ (= aquilo já mencionado), assim como no dado 53. A dependência catafórica é repetida, pois a oração principal é a última. A estrutura destas duas orações é:

Oração Subordinada Pronome Oração Principal Isỹ ã mỹ ũn tó mũ ẽn há tũ vẽ

Conclusão

Nestas descrições constatei que a estrutura canônica S O V ocorre na maioria das frases com sujeito nominal. Geralmente, com sujeito pronominal a estrutura é O V S. Quando há dois objetos nas orações, direto e indireto, com sujeito pronominal

Oração Subordinada Pronome Oração Principal

Ũn tĩ mũ ẽn Inh kagtĩg nĩ

Oração subordinada Oração Principal Isỹ ũn mỹ documentos vĩn mũ Fi vỹ ty secretaria fi nĩ.

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a estrutura é Oi S Od V. O objeto indireto posiciona-se no início da sentença, seguido da preposição. Nas sentenças com sujeito pronominal não vemos o uso da partícula que marca o sujeito, a partícula /vỹ/.

Os pronomes possessivos são posicionados, na sentença, antes do SN sujeito e antes do SN objeto.

O pronome interrogativo /ne/ pode posicionar-se de várias formas: no início da sentença e antes da partícula de aspecto /nẽ/, após a preposição /mỹ/ (para) e antes do verbo /han/. Já o pronome interrogativo /ũ/ foi posicionado no início da sentença, antes do nome substantivo a quem se referia, da mesma forma que se coloca um pronome possessivo. O pronome interrogativo /hẽ/ foi usado antes da partícula de aspecto /nẽ/ quando na posição de sujeito e quando foi usado na posição de objeto ele foi posicionado antes do advérbio de lugar /tá/.

Com os pronomes indefinidos, percebemos uma característica que o difere dos demais pronomes em kaingang que é a presença de uma partícula que marca o sujeito, a partícula /vỹ, após este pronome, quando o pronome é /ũn/- alguém. O pronome indefinido /ũ/ foi o primeiro constituinte na sentença. A posição do pronome indefinido /vẽnh/ é a mesma a que de um pronome possessivo, antes do nome.

Quanto às frases com pronomes demonstrativos, pude observar que o pronome demonstrativo posiciona-se após o substantivo a que ele se refere. O advérbio de lugar /tã tá/ (lá longe) foi usado para indicar a distância do falante em relação à pessoa de quem se falava. A partícula indicadora do gênero feminino /fi/ é posicionada logo após o pronome demonstrativo.

O pronome reflexivo /vẽnh/ é usado em todas as pessoas: no singular ou no plural.

Com o pronome relativo, percebemos que na corrente das orações, ocorre uma dependência catafórica, pois a oração principal é a última. O pronome relativo /ũn/ pode vir antes ou depois de uma preposição. Nos dados coletados percebemos que também foi usado o pronome demonstrativo /ẽn/ - aquilo já mencionado, além do pronome relativo /ũn/.

Com estes dados e as hipóteses levantadas nas descrições, espero contribuir ajudar os informantes e professores indígenas bilíngües, dando-lhes a oportunidade

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de aprender um pouco mais em relação ao português e em relação à sua língua nativa.

Referências

GIVÓN, Talmy, Syntax- A Functional – Typological Introduction, Jonh Benjamin’s Publishing Company, Amsterdam/ Philadelphia, 1984.

LYONS, John. Introdução à Lingüística Teórica. Tradução Rosa Virgínia Mattos e Hélio Pimentel. São Paulo: Editora Nacional: Ed. USP, 1979.

MUSSALIM, Fernanda. Introdução à Lingüística 1, 2ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 2001.

RODRIGUES, Aryon Dall ’Igna, Línguas Brasileiras-Para o conhecimento das Línguas Brasileiras, Edições Loyola, São Paulo, 1986.

SHOPEN, Timothy, Language Typology and Syntactic Description, Vol. III- Grammatical Categories and Lexicon, Cambridge University Press, 1985.

WIESEMANN, Úrsula, Dicionário Bilíngüe Kaingang-Português, Editora Evangélica Esperança, Curitiba, 2002.

Referências

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