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DIALETO NORDESTINO: PROSÓDIA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL

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DIALETO NORDESTINO: PROSÓDIA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Zulina de Lira – UFPB Dermeval da Hora –UFPB/CNPq 0 Introdução

Qualquer falante de qualquer língua é capaz de fazer observações sobre o uso e a forma da linguagem que utiliza. Nota diferenças quanto ao sotaque, ao léxico e até mesmo em relação às questões de ordem sintática. Percebe no outro o jeito diferente de falar, e é capaz de identificar características segmentais, tal como o comportamento das vogais médias em posição pretônica, a pronúncia de certas consoantes, como /t/ e /d/ (antes de i) ou o comportamento do /R/ em posição silábica final. Também é capaz de reconhecer diferenças em relação às características melódicas de dialetos distintos e tecer comentários do tipo: “fala cantado”, “fala arrastado” etc. Qualquer indivíduo tem atitudes positivas ou negativas acerca das propriedades da língua, a partir de suas representações sociais, baseadas no conhecimento do senso comum. Tais atitudes, em geral, resultam de observações metalingüísticas quase que inconscientes.

É fato indiscutível que no Brasil o que se fala é uma gama de variações geográficas, sociais e individuais, já que o falante procura fazer uso da língua da forma que lhe for mais conveniente. Que a região Nordeste do Brasil é imensa e que possui realidades lingüísticas ainda bastante desconhecidas, tanto em seus aspectos dialetais como sociolingüísticos, é fato incontestável. Os projetos desenvolvidos na região que buscam descrever os hábitos lingüísticos dos falantes ainda são muito reduzidos.

Sabe-se que falantes de qualquer língua prestigiam ou estigmatizam certas variantes regionais, a partir da maneira como se realiza a produção sonora. A partir desse pressuposto e da também da escassez de estudos no Brasil que tratem da prosódia dialetal é que resolvemos investigar como o falante das cidades de Salvador, Recife, João Pessoa, Fortaleza e São Luís reage, em termos de representação social, em relação às características melódicas do seu próprio falar. A escolha de quatro dessas capitais Salvador, Recife, Fortaleza e São Luís deve-se ao fato de entendermos que elas são representativas para a região em termos de suas características linguísticas e de suas posições geográficas, podendo dar conta da região como um todo. A escolha de João Pessoa deve-se ao fato de ela ser a sede onde funciona o Programa a que estamos vinculados, oferecendo, portanto, inúmeras facilidades de acesso aos informantes, algo que se complica nas outras capitais.

1 Identidade, variedade lingüística e representação social

A identidade permite diferenciar um grupo de outro, uma etnia de outra, um povo de outro. A identidade pode ser definida, não somente de forma objetiva, caracterizando-a pelas instituições que a compõem e pelas pautas culturais que lhe dão personalidade, como também de forma subjetiva antepondo o sentimento de comunidade partilhado por todos os seus membros e a idéia de diferenciação com respeito aos demais (FERNÁNDEZ, 1998).

A variedade lingüística pode ser percebida como um traço definidor da identidade do grupo e qualquer atitude dirigida aos grupos com determinada identidade pode ser uma reação às variedades usadas por esse grupo ou aos usuários dessa variedade, uma vez que as normas e marcas culturais de um grupo se propagam por meio da língua, atualizada na fala de cada indivíduo (AGUILERA, 2008).

A autora supracitada acrescenta que as atitudes podem ser a expressão de preferências e convenções sociais a respeito do status e prestígio de seus usuários. Em geral, os grupos sociais de maior prestígio são os que ditam a pauta das atitudes lingüísticas das comunidades de fala e são eles também os responsáveis pelas normas impostas, muito embora nem sempre elas sejam consensuais nas comunidades. Há, como Labov (1972) estabelece, mudanças de cima e mudança de baixo, que significa que os processos de mudança podem ser conscientes, no caso das primeiras, e inconscientes, no segundo caso.

A atitude linguística de um indivíduo é o conjunto de suas crenças, conhecimentos, seus afetos e sua tendência a comportar-se de uma forma determinada diante de uma língua ou situação sociolingüística.

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É possível encontrar falantes com uma atitude negativa em relação à própria variedade de fala, quando esta não lhes permite uma ascensão social, uma melhora econômica ou quando lhes impossibilita circular por lugares distintos dos seus. Mas não significa que não se valorize a língua em absoluto ou que não se tenha um mínimo apreço. As línguas, assim, podem ser estimadas por razões que normalmente são sociais, subjetivas ou afetivas.

Alves (1979) afirma que indivíduos de grupos sociais e falares distintos, quando em situação de contato, tomam determinadas atitudes que podem estar relacionadas a mudanças lingüísticas realizadas pelos mesmos conscientes ou não, visto que o processo de interação verbal favorece tais mudanças. A insegurança social das classes desfavorecidas, pode levá-las a assumir uma atitude de adoção quanto aos padrões de fala das classes mais favorecidas, portanto socialmente mais prestigiadas.

Cunha (2000) esclarece que diferenças lingüísticas regionalmente marcantes são percebidas por qualquer falante nativo por meio de características segmentais e supra-segmentais. Um brasileiro reconhece uma fala regionalmente distinta da sua e é capaz de identificar características próprias ao seu falar, descrevendo-o por contraste, tomando como referência um outro padrão regional. E acrescenta ainda: um indivíduo por exemplo, falante carioca pode perceber como parecidas (senão iguais) a fala de baianos e pernambucanos, mas um baiano se reconhece linguisticamente nitidamente diferente de um pernambucano.

Segundo Fernández (1998), uma das bases em que se alicerça a atitude lingüística é a consciência sociolingüística: os indivíduos manifestam atitudes porque têm consciência de uma série de características lingüísticas e sociolingüísticas com as quais têm relação. Tais características podem pertencer a sua própria variedade, a de seu grupo ou a de sua comunidade, mas também às variedades de outros falantes, outros grupos, outras comunidades. Os falantes sabem que sua comunidade prefere uns usos lingüísticos a outros, que certos usos são próprios de uns grupos e não de outros e, portanto, têm a possibilidade de escolher o que consideram mais adequado às circunstâncias ou aos próprios interesses.

No Brasil, percebe-se que diferenças lingüísticas distinguem uma capital da outra; essas diferenças podem ser maiores ou menores, mas são sempre acumulativas e, portanto, extremos geográficos podem não ser mutuamente inteligíveis, porém são ligados por uma cadeia de inteligibilidade mútua. Tal princípio é conhecido como continuum dialetal geográfico (COUTO et al.,2008).

Historicamente, o homem sentiu necessidade de eleger, dentro do contexto de determinada língua, um uso que representasse ‘o melhor modo de falar e de escrever’. Com base nessa escolha, e com o propósito de ‘normalizar’ a língua, de estabelecer regras a que todos tivessem obrigação de seguir, descreveu-se um dos usos, visto como o melhor, puro e belo (LEITE, 1999).

Milroy (2007) explica que a difusão da ideologia de língua padrão entre os falantes, que tem como características: a noção de correção, a importância da autoridade, a relevância do prestígio e a idéia de legitimidade, gera uma impossibilidade de ocorrer mudanças. Mas na prática, o ideal da uniformidade absoluta não se realiza. Apesar de as normas de correção serem impostas sobre a língua, elas são consideradas por seus usuários como regras inerentes à própria língua.

Preti (1997) considera que os meios de comunicação de massa, além da escola e da literatura, também contribuem para a uniformização da língua, criando um condicionamento lingüístico e até social. Eles atuam não só divulgando a norma das comunidades urbanas, mas também de forma negativa, sobre o próprio falante, no sentido de restringir-lhe as maneiras de dizer, levando-o a pensar, falar e agir de acordo com determinados padrões. Preti (1999 p. 42) acrescenta: “os falantes cultos têm consciência da existência de uma norma explícita na fala, que estabelece o bom e o mau, o belo e o feio e também do papel de diferentes registros que utilizam no espaço aceitável e possível de variação”.

Para Jodelet (1985) as representações sociais são modalidades de conhecimento prático voltadas para a comunicação e para a compreensão do contexto social em que vivemos. São formas de conhecimento do senso comum instituídas de conceitos e imagens sobre pessoas, fenômenos do cotidiano. Por serem socialmente elaboradas e compartilhadas contribuem para a construção de uma realidade comum.

Sêga (2000) explica que toda representação social é representação de alguma coisa ou de alguém. Não é cópia do real, nem do ideal, a representação é o processo pelo qual se estabelece a relação entre o mundo e as coisas. Todas as coisas que nos tocam no mundo que nos cerca são tanto o efeito de nossas

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representações. Os preconceitos também decorrem desse processo de representação porque não existe nada na representação, que não esteja na realidade, exceto a representação em si.

Os estudos culturais mostram que é na linguagem que se constroem as diferenças constituintes da identidade humana. Os fatos revelam que são as pequenas variações lingüísticas que geram os preconceitos; é a cor da pele; o modo de se vestir; o timbre de voz do turista; as rixas históricas, que são motivo de discriminação. As pessoas, em geral, não são capazes de conviver com as banalidades da diferença. Isto está na linguagem local, e é preciso estudar como a linguagem instala a diferença em todas as formas de expressão do ser humano (BOHN, 2005).

De acordo com Melo (2000), o estigma é um atributo que produz um descrédito amplo na vida do ser humano. Para os estigmatizados, a sociedade reduz suas oportunidades, não lhes atribui valor, impõe-lhes a perda da identidade social de seres individualizados e determina uma imagem deteriorada dentro do modelo que convém à sociedade. Os estigmatizados assumem um papel fundamental na vida dos não-estigmatizados, pois colaboram, estabelecendo uma referência entre os dois e demarcam, assim, as diferenças entre ambos pelo contexto social.

2 Aspectos metodológicos

Os pontos de inquérito são cinco capitais do Nordeste: Salvador, Recife, João Pessoa, Fortaleza e São Luís. A escolha das respectivas capitais tem relação com a importância histórica e sócio-econômica que essas cidades têm para a região nordestina. Por capital são 04 informantes de ambos os sexos (dois homens e duas mulheres), com idades acima de 30 anos, com escolaridade básica e com nível superior. Os informantes são identificados da seguinte forma: mulheres com escolaridade básica: 01 e com superior: 05; homens com escolaridade básica: 02 e com superior: 06. Para participar da pesquisa cada informante preencheu uma ficha, contendo iniciais do nome, idade, sexo, nível de escolaridade, data e local da gravação, consentimento escrito, nome da pessoa ou equipe responsável pela recolha e análise. Os dados foram coletados pela pesquisadora, nas referidas cidades em ambientes silenciosos e reservados.

Para se investigar como o falante de cada uma destas cidades reage, em termos de representação social, em relação às características melódicas do seu próprio falar, foi apresentado aos informantes um trecho da peça O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, previamente gravado por um homem e uma mulher representantes, quanto ao sotaque, de cada uma das cidades escolhidas. Informantes do sexo masculino escutaram a gravação feita por um homem da mesma cidade de origem, assim como as falantes do sexo feminino ouviram gravações realizadas por mulheres nativas. O texto gravado foi repetido duas vezes e, logo em seguida, o ouvinte, habitante da mesma cidade do locutor, respondia uma entrevista constituída de 07 perguntas, registrando a impressão transmitida pela locução, no sentido de projetar os conceitos e / ou preconceitos em relação ao seu próprio falar, como também o grau de identificação do ouvinte em relação ao sotaque escutado na gravação, isto é, até que ponto ele se vê representado pela gravação, quanto ao seu modo de falar, e se essa representação é motivo de orgulho ou de vergonha.

3 Análise e discussão dos resultados

Esta parte do estudo compreende uma análise descritiva dos resultados provenientes das entrevistas feitas com os informantes das cinco capitais do nordeste sobre as impressões a respeito do próprio falar.

Embora tenha sido tomado cuidado quanto à correspondência dos sexos entre informante/ouvinte e locutor, assim como na escolha de um texto (O Auto da Compadecida) referente ao contexto nordestino, constituído por diálogos, favorecendo o aparecimento das marcas entoacionais próprias e mais próximo possível da fala espontânea, houve falantes, na qualidade de ouvintes, que não puseram em primeiro plano as características melódicas e fixaram-se, principalmente, no vocabulário do texto, não reconhecendo certos vocábulos como típicos de sua comunidade, tal como “besta”, conforme disse um indivíduo de Fortaleza, que seria mais comum se falar: “abestado”.

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Com base nas respostas dadas à primeira pergunta: Você acha que fala igual a essa pessoa? Os dados do Gráfico 1 (Distribuição dos informantes segundo o grau de identificação com o próprio falar) apontam que do total da amostra, isto é, 20 informantes, 20% (4 indivíduos) foram categóricos, afirmando que sim e 25% (5 indivíduos) disseram que é parecido, apontando como traços de semelhança: “fala esticando as palavras”; “a convivência”; “a entonação”; “fala manhosa”; “a proximidade”, como resposta à segunda pergunta: (...) o que torna o falar dela igual ao seu? Os 55% (11 indivíduos) que afirmaram que não se identificaram com o sotaque dos locutores representantes de suas respectivas cidades, atribuíram às locuções, marcas prosódicas do tipo: “é mais arrastado”; “fala cantando”; “uma coisa mais lenta”, ao responderem à terceira questão: (...) o que torna o falar dela diferente do seu?

Distribuição dos informantes segundo o grau de identificação com o p róprio falar

20% 25% 55% Sim P arecido Não

Gráfico 1- Distribuição dos informantes segundo o grau de identificação com o próprio falar

Quando houve identificação com o próprio falar, as respostas foram relacionadas exclusivamente a características supra-segmentais, como se pode observar no Gráfico 2. Nos casos em que não houve identificação, além destas características, também foram registradas impressões envolvendo o léxico e a norma culta, conforme está distribuído no Gráfico 3.

Dist ribuição dos informant es segundo as caract eríst icas que ident ificam o próprio falar

45% 44% 11% Sot aque P rosódia Ent onação

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Distribuição dos informantes segundo as caractéristicas que não identificam o próprio falar 29% 50% 7% 7% 7% Sotaque Prosódia Léxico Norma Culta Não soube dizer

Gráfico 3 - Distribuição dos informantes segundo as características que não identificam o próprio falar As respostas que justificam a identificação ou não, com o próprio falar estão pautadas no que se entende por consciência sociolingüística, isto é, no conhecimento prático de que certas características lingüísticas podem pertencer à mesma variedade ou a de outros falantes, como também os falantes sabem que certos usos, certos vocábulos são próprios de um grupo e não de outros, como assinala Fernández (1998).

O Gráfico 4 mostra a distribuição dos informantes segundo o reconhecimento da localidade geográfica referente aos dialetos dos locutores. Observa-se no referido gráfico que 55% dos informantes não foram capazes de identificar o estado do Brasil ou a cidade de origem dos locutores representantes, quanto ao falar, de suas respectivas localidades. Este dado tem relação com os do Gráfico 01, no qual 55% dos informantes não identificaram na locução do conterrâneo, características do próprio dialeto. Com base nestes dados, prevaleceu o não reconhecimento em relação ao próprio falar,

Distribuição dos informantes segundo o reconhecimento da localidade geográfica referente aos dialetoss dos locutores

45% 55%

sim não

Gráfico 4 - Distribuição dos informantes segundo o reconhecimento da localidade geográfica referente aos dialetos dos locutores

Todos os informantes, no entanto, identificaram os sotaques dos locutores como característicos de algum lugar da região nordeste, quando responderam à quarta pergunta: Pela maneira de falar, você acha que essa pessoa é de que estado do Brasil ou de que cidade? A esse respeito, Cunha (2000) esclarece que qualquer falante nativo reconhece a individualidade de seu falar, identificando características próprias, apontando traços no plano fônico/sonoro que lhe chamam atenção.

Um outro aspecto que deve ser ressaltado sobre a mesma pergunta, refere-se àqueles falantes que não se arriscaram a dizer com precisão a origem geográfica dos referidos locutores, mas também não se

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distanciaram muito de suas fronteiras geográficas ou seja, nativos de João Pessoa afirmaram que a locução escutada poderia ter sido produzida por algum habitante da Paraíba, do Rio Grande do Norte ou mesmo de Recife. Assim como um informante de São Luís respondeu que o sotaque gravado poderia ser de uma pessoa natural do Ceará ou do Maranhão. Sobre isto, Couto et al (2008) acrescentam: as diferenças lingüísticas entre um dialeto e outro ocorrem em maior ou menor grau de acordo com sua distância geográfica. O que significa dizer que a acuidade perceptiva de tais informantes correspondeu ao princípio do continuum dialetal geográfico.

Sobre a pergunta O que você acha da sua forma de falar? Os dados do Gráfico 5 (distribuição dos informantes segundo a representação social do próprio falar) mostram que 45% dos informantes acham o próprio sotaque correto; 40% responderam que é natural do lugar; 10% marcado e 5% correspondem ao índice de ocorrência que não soube dizer.

Distribuição dos informantes segundo a representação social do próprio falar 40% 45% 10% 5% Natural do Lugar Sotaque Correto Marcado Não soube dizer

Gráfico 5 – Distribuição dos informantes segundo a representação social do próprio falar

No que diz respeito à pergunta O que você acha da sua forma de falar? Encontramos semelhanças nas repostas: “normal”; “sotaque nordestino”; “natural do lugar”; “característico”; o que demonstra que há informantes que têm consciência de que a variedade lingüística é vista como um traço identificador e inerente à forma de falar de uma determinada comunidade. Em contraposição, obtivemos respostas, relacionando desempenho lingüístico com escolarização ou com dicção ou baseadas em julgamentos de valor, tal como: “sotaque correto”; “não é bonito”. É válido destacar que as respostas relacionadas a prestígio e escolarização foram prestadas, principalmente, por indivíduos com escolaridade básica e de ambos os sexos.

Sobre tais conceitos Leite (1999) comenta que o contraste entre a questão do correto / incorreto é intensificado pelo confronto entre as duas variedades, culta e popular, uma vez que por motivos socioculturais e não lingüísticos são considerados corretos os usos da variante culta e de maior prestígio social. E Preti (1997) esclarece: a escola é um organismo tradicional por excelência e está entre seus principais objetivos a divulgação de uma norma culta, através da qual se estabelecem padrões lingüísticos mais elevados, que, supõe-se possam vir a influir sobre os hábitos individuais, à medida que os falantes elevem seu grau de instrução.

Os falantes do dialeto de São Luís, sem exceção, têm uma concepção de que são detentores da melhor forma de falar, ao fazerem colocações do tipo: “sem sotaque”; “forma clara”; “sotaque brando (quase limpo)”; “mais correta possível”. Mas o Maranhão não lugar é o lugar onde melhor se fala o português no Brasil porque não existe nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja melhor, mais pura, mais bonita, mais correta que outra. Toda variedade lingüística está a serviço da comunidade de pessoas que a empregam, sendo, portanto, passível de mudança para atender as exigências de seus usuários, como também é fruto de um processo histórico próprio.

De acordo com o Gráfico 6 (Distribuição dos informantes segundo o desejo de falar diferente) dos 20 participantes da pesquisa, 80% (16 indivíduos) responderam de forma negativa à sexta questão (Gostaria

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de falar diferente?) e dos 20% (4 indivíduos) que afirmaram positivamente, dois informantes do sexo masculino, porém com anos de escolarização distintos, justificaram o desejo de mudança, relacionando a necessidades profissionais, isto é, de que gostariam de não ter sotaque, como os locutores, durante o exercício de atividades laborais. Embora não seja um desejo de mudança majoritário, percebe-se uma resistência à pluralidade, fortalecendo os estereótipos sociais e lingüísticos que são divulgados pela mídia.

Distribuição dos informantes segundo o desejo de se falar diferente

20%

80%

Sim Não

Gráfico 6 – Distribuição dos informantes segundo o desejo de falar diferente

Os dados do Gráfico 7 (Distribuição dos informantes segundo o julgamento de valor em relação ao próprio falar) referente à sétima pergunta: Você sente orgulho ou vergonha da forma como fala? mostram que 70% (14 informantes) optaram pelo orgulho; 15% (3 indivíduos) foram indiferentes; 10% (2 falantes) disseram que não sentem vergonha e apenas 1 (5%) disse que sente vergonha, tendo uma atitude baseada em um componente afetivo, ao afirmar que “não é um modo bonito de falar” e em um componente cognoscitivo, ao dizer: “não tive muito estudo pra mim poder falar melhor”.

Distribuição dos informantes segundo o julgamento de valor em relação ao p róp rio falar

70% 5% 15% 10% Orgulho Vergonha

Nem orgulho nem vergonha Não sent e vergonha

Gráfico 7 – Distribuição dos informantes segundo o julgamento de valor em relação ao próprio falar O comportamento dos falantes nordestinos, entrevistados em suas próprias comunidades, em relação à própria variedade, demonstra que há uma atitude lingüística de aceitação, construídas com base em conceitos alicerçados na cultura, na tradição e na identidade de um povo pertencente a uma mesma região geográfica. Por outro lado, Alves (1979) observou que migrantes nordestinos (baianos e pernambucanos), de condição socioeconômica de menor prestígio, residentes em São Paulo demonstraram uma atitude lingüística de rejeição aos falares de origem. Nesse sentido, um informante de João Pessoa se posicionou com muita propriedade, ao responder que sentia orgulho dentro da região, ao mesmo tempo em que sofria o preconceito externo em relação à forma de falar.

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Os informantes de São Luís foram unânimes em expressar que sentem orgulho quanto à forma de falar, dando as seguintes respostas: “orgulho de ser ludovicense”; “única cidade que fala claramente”; “é o mais próximo (...) de uma norma culta de falar”; “orgulho total”.

Mas de onde vem esse purismo? Segundo Leite (1999), no século XVIII já havia uma preocupação em preservar o ‘bom português’ e o purismo lingüístico é um fenômeno que surgiu a partir da instituição, em uma dada língua, de um modo de falar ou escrever ‘melhor’.

Para Preti (1999), falantes cultos de qualquer lugar têm um melhor domínio da norma culta do que as pessoas das classes não cultas de qualquer comunidade. A norma explícita na fala possibilita ao falante culto maior variedade de usos. É a capacidade de variação e não o purismo de um único uso que separará os falantes cultos dos demais. A maior variedade de usos permite uma melhor adaptação às necessidades dos diferentes momentos e situações.

4 Considerações finais

A língua é reflexo da cultura e determinante da forma de pensamento. É uma atividade social. O ser humano constrói suas representações da realidade por meio da língua, da forma como assimila e reproduz tudo o que ouve. As formas lingüísticas em variação estão a serviço da comunicação entre falantes de uma comunidade de fala, mas a sociedade, por meio de seus instrumentos reguladores, insiste em negar o que é diferente.

Não é possível pensar na coletividade sem respeitar a individualidade, ou seja, sem valorizar as tradições, as raízes, a cultura de um povo. Tudo o que é humano pertence ao mesmo tempo, ao social, psíquico, ao lingüístico. Nesse sentido, a análise lingüística exerce um papel fundamental no processo de interação fala/sociedade.

Vimos com a realização deste trabalho que embora não tenha prevalecido entre os informantes nordestinos, a identificação com o próprio falar, há um reconhecimento em relação às características linguísticas que são próprias, tanto no que diz respeito ao léxico como no que se refere à prosódia.

Eles têm consciência de que a variedade lingüística é uma característica da própria língua. De que existem tantas variedades quantos grupos sociais que compõem uma comunidade de fala, apesar de tomarem como referência uma concepção de “correto”, ao se referirem ao próprio sotaque.

Os falantes das capitais pesquisadas têm uma atitude positiva em relação às próprias características melódicas, demonstrando que o preconceito em relação ao dialeto nordestino é construído além das fronteiras da região nordeste.

De todos os representantes dos dialetos estudados, os de Salvador, João Pessoa e São Luís são os que têm um maior apreço em relação ao próprio falar, independentemente da situação socioeconômica e do nível de escolarização.

Construímos nossa representação sobre a língua que falamos com base em conhecimento afetivo e cognoscitivo e, portanto é imprescindível termos a compreensão de que a variação lingüística não torna a língua melhor ou pior nem mais bonita ou mais feia, simplesmente possibilita uma comunicação mais eficaz entre o homem e o meio em que vive.

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Referências

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