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1 INTRODUÇÃO: SOCIEDADE INTERNACIONAL E A SOBERANIA DOS ESTADOS

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A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

E A RELATIVIZAÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA EM FACE DA

UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: O PÓS-GUERRA E

A CONSAGRAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA.

Paulo Henrique Miotto Donadeli1 - UNESP

1 INTRODUÇÃO: SOCIEDADE INTERNACIONAL E A SOBERANIA DOS ESTADOS

A sociedade internacional é descentralizada, formada por diversos Estados Soberanos, que se relacionam, em tese, em igualdade de condições. Como não existe um poder legislativo universal, a criação das normas internacionais, que disciplinam as relações entre os sujeitos internacionais, se dá pela negociação diplomática e sua execução depende muito da boa vontade dos agentes internacionais.

A existência do Direito Internacional está condicionada a manifestação da vontade dos Estados, o que limita muito a imperatividade e coercibilidade de suas normas. O Direito Internacional não tem a comodidade do direito interno, que subordina a vontade de todos, impondo a ordem legal por meio da coerção. Portanto, a eficácia do Direito Internacional sofre limitação da soberania estatal.

A noção de soberania foi elaborada de forma lenta e gradual num contexto de lutas políticas e pelo poder. A sua origem esta ligada ao nascimento do Estado Moderno e a concepção de centralização do poder político. A Paz de Vestfália, que celebrou o fim da Guerra dos Trinta Anos, em 1648, afirmou os princípios da ordem internacional: liberdade religiosa dos Estados, soberania dos Estados e igualdade entre os Estados. Este tratado representou "o reconhecimento oficial da idéia de uma sociedade internacional integrada por Estados iguais e soberanos" (BOSON,1994, p.162).

O conceito soberania foi construído pela primeira vez na obra Os Seis Livros da República de Jean Bodin, na qual teorizou que a soberania é a

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Advogado. Doutorando em História pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, Franca. Coordenador e Docente do Curso de Direito do UNISEB de Ribeirão Preto. E-mail: paulodonadeli@yahoo.com.br

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superioridade do poder de uma entidade para a tomada de suas decisões na organização social. Ele afirmava que o todo o poder do Estado pertencia ao Rei, não podendo ser partilhado com mais nenhum grupo social. (BODIN, 1992, p.8.) Rousseau discutindo e aprimorando o conceito de soberania transfere o poder da pessoa do governante para o povo, elevando-a a condição de inalienável, intransferível e indivisível, partindo do pressuposto que num mesmo território não pode existir dois estados.

Hoje a soberania, numa visão jurídica, pertence ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público, e é caracterizada como um elemento essencial do Estado, que implica no poder interno de criar e aplicar seu próprio direito, e no poder externo de se posicionar como pessoa jurídica independente e merecedora de igual respeito e tratamento na ordem internacional.

Analisando a definição de soberania, Miguel Reale a desdobrada em três aspectos: a) Histórico: a soberania é poder que possui uma sociedade historicamente integralizada como Nação de se constituir em Estado independente; b) Jurídico: a soberania é poder de uma Nação juridicamente constituída; c) Político: a soberania é o meio indispensável à realização do bem comum em toda convivência nacional. (REALE, 2002, p.139).

Em razão do reconhecimento da soberania dos Estados Nacionais, vigora na ordem internacional os princípios da não agressão, da autodeterminação dos povos, da proibição do uso ou ameaça de força, da não intervenção nas questões internas e da solução pacífica dos litígios entre os Estados.

Verifica-se atualmente o uso impreciso e indisciplinado do termo soberania na sociedade internacional. Muitas vezes para justificar atitudes perante a uma negociação ou não cumprimento de normas internacionais, os Estados alegam sempre ser uma questão de soberania. O terno tornou um “símbolo altamente emocional, amplamente utilizado para conquistar simpatia em face das tendências nacionalistas que vem marcando a nossa época” (KAPLAN; KATZENBACH. In: DALLARI, 2003)

Uma importante questão a ser enfrentada é se a soberania é um poder absoluto ou relativo. A posição mais coerente é que a soberania não pode ser entendida como um poder supremo que não conhece limites, nem mesmo em nome dos interesses nacionais. A soberania não é um poder arbitrário, portanto, se subordina as condições ou encargos perante a sociedade internacional.

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2 O PÓS-GUERRA E A REDE INTERNACIONAL DE TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS: O RECONHECIMENTO DA UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS

O reconhecimento dos direitos humanos como universais representa um limite ao exercício soberano dos Estados. A pessoa humana não pode ficar a mercê dos interesses dos Estados, mas qualquer que seja sua nacionalidade, raça, cor, religião deve merecer o mesmo respeito e tratamento. Portanto, ninguém pode se esconder debaixo do manto soberano do Estado para ficar livre da responsabilidade penal em face da prática de condutas atentatórias aos direitos humanos. A soberania não pode impedir que a sociedade internacional conheça e julgue os crimes contra a pessoa humana cometidos no mundo, principalmente, quanto o sujeito violador é a autoridade constituída.

O mundo foi palco de inúmeros acontecimentos que lesionaram os direitos humanos no percurso da história. Até meados do século XX ainda não havia o reconhecimento dos direitos humanos no direito internacional. O surgimento da tutela internacional da pessoa humana foi resultado de uma árdua caminhada.

As atrocidades ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial fizeram com que os a sociedade internacional se mobilizasse no sentido de criar uma rede de tutela dos direitos humanos, por meio de mecanismos e ações para garantir a dignidade da pessoa humana. A Segunda Guerra Mundial foi marcada pela lógica da destruição, da descartabilidade da pessoa e o pós-guerra reapresentou a reconstrução dos direitos humanos, tendo como marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (PIOVESAN, 1996).

A criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, foi essencial para a estruturação de sistema internacional de tutela dos direitos humanos. Antes não havia uma preocupação consistente sobre o tema dos direitos humanos. A fundação da ONU representou um novo modelo de conduta nas relações internacionais, pautada na efetivação da paz, da segurança internacional, do desenvolvimento das relações amistosas entre os estados, da cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, e da tutela dos direitos humanos, visando o estabelecimento de uma nova ordem econômica mundial (PIOVESAN, 1996, p. 150).

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, reconheceu que todos os seres humanos são iguais e merecedores do mesmo respeito, independentemente da classe, raça, gênero, religião ou nacionalidade a que pertençam, fortalecendo a concepção de que o simples fato de ser pessoa humana é a condição suficiente para ser sujeito de direitos humanos. A partir de então, os direitos humanos passaram a ser vinculados a concepção de bem comum, como fundamentos da liberdade, da justiça e da paz no mundo, e os Estados Nacionais assumiram uma obrigação de eliminar todo o tipo de exploração e violência contra a pessoa humana. Este documento representa um verdadeiro Código e plataforma de ação mundial, caracterizando-se por ser um compromisso de ética universal e de valores a serem seguidos e efetivados pelos Estados, mediante a adoção de instrumentos de caráter nacional e internacional. (PIOVESAN, 1996, p. 155).

A rede internacional de tutela dos direitos humanos entende os direitos humanos como uma questão universal, que transcende o contexto nacional, baseado numa concepção jusnaturalista, onde os direitos humanos pertencem a uma consciência ética da humanidade. Não aceita a questão cultural como elemento de fundamentação dos direitos humanos e não se permite ao Estado excluir alguns direitos conforme seus interesses políticos. A rede tem como finalidade a garantia da dignidade e o aperfeiçoamento da personalidade humana, dando a todos os mesmos direitos de crescerem e se sentirem plenamente realizados, por meio do combate a todas as formas de opressão, exploração, violência e crueldade a que as pessoas possam ser submetidas em nome do poder.

Neste contexto de universalidade dos direitos humanos, da necessidade de uma tutela eficaz no combate aos crimes que lesão a humanidade, que deve ser entendido e analisado a criação e o exercício jurisdicional do Tribunal Penal Internacional.

3 A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: UM MARCO HISTÓRICO NA TUTELA UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

O Preâmbulo do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional traz a justificativa da sua criação, afirmando o compromisso dos Estados Parte em prevenir, combater e punir os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional e que constituem uma ameaça à paz, a segurança e ao bem estar da

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humanidade, pondo fim à imunidade dos autores que muitas vezes se escondem debaixo do manto inatingível das soberanias estatais.

O Tribunal Penal Internacional é um órgão que foi criado pela vontade soberana dos Estados, fruto de um acordo de vontades, mais precisamente de um tratado internacional. Por muito tempo, a divergência dos interesses econômicos, culturais e ideológicos dos Estados Nacionais Soberanos impediram a sociedade internacional de constituir um organismo para a punição das pessoas que desrespeitassem criminosamente os direitos humanos reconhecidos na ordem internacional.

A sua implantação somente foi possível após várias tentativas ao longo do ultimo século. A sua criação estava prevista desde 1948, na Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio. Mas, bipolarização do poder mundial vista durante a Guerra Fria a idéia ficou arquivada por trinta e cinco anos, ressurgindo somente após o final deste período, em 1989, com o retorno das discussões suscitadas por Trinidad e Tobago perante a Organização das Nações Unidas. (ACCIOLY; SILVA, 2002, p. 556, 557).

A sociedade mundial, durante o século XX, presenciou a imposição de tribunais de exceção para julgar crimes específicos de guerra, como ocorreu após a segunda Guerra Mundial, com a instalação dos tribunais de Nuremberg e de Tóquio, e mais tarde com a instalação dos tribunais na Iugoslávia, em 1993, e em Ruanda, em 1994. A implantação dos tribunais de exceção causou muita polêmica, pois na essência são mecanismos de repreensão que ofendem o direito do acusado de ter um justo e imparcial julgamento (ACCIOLY; SILVA, 2002, p. 558).

Em 1995, a ONU, por meio de um comitê específico de estudo, apresentou à comunidade internacional um projeto de Tribunal Penal Internacional. No ano seguinte, ocorreu uma mobilização da comunidade internacional, principalmente, das organizações não governamentais de tutela dos direitos humanos, para a implantação do referido tribunal. Essa forte pressão internacional resultou, em 17 de junho de 1998, na aprovação em Roma do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Na oportunidade a criação do Tribunal teve o apoio de 120 Estados, 21 abstenções e apenas sete votos contrários, entre eles: Estados Unidos, China e Israel. O Estatuto de Roma entrou em vigor em 11 de abril de 2002, contando com 65 ratificações, considerando que o mínimo exigido era de 60

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ratificações. Não permitiu reservas tendo a sua aceitação condicionada a todo o texto legal.

O Brasil assinou o Tratado de Roma em 17 de julho de 1998, tendo o Congresso Nacional aprovado o texto conclusivo pelo Decreto Legislativo n. 112, em 6 de junho de 2002. O Estatuto de Roma foi promulgado pelo Decreto n. 4388, de 25 de setembro de 2002, ingressando definitivamente na ordem interna nacional. A Emenda Constitucional n. 45, de 2004, estabeleceu no § 4 do artigo 5 da Constituição Federal que: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Esta norma constitucional reforça a preocupação nacional em tutelar os direitos humanos e de não tolerar condutas atentatórias a dignidade humana.

O Tribunal Penal Internacional tem caráter permanente e independente, e é dotado de personalidade jurídica de direito internacional. Está localizado nos Países Baixos, na cidade de Haia. Para a realização de suas funções, conta com uma estrutura administrativa, dividida em órgãos: Presidência; Seção de Recursos; Seção de Julgamento em Primeira Instância; Seção de Instrução; o Gabinete do Procurador, que é responsável pelas investigações e pela acusação; e a Secretaria, que é responsável pelos aspectos não judiciais da administração e do funcionamento do Tribunal. As suas despesas são financiadas pelas quotas dos Estados Partes e pelos fundos advindos da Organização das Nações Unidas, sujeitos à aprovação da Assembléia Geral.

O Tribunal é composto por 18 juízes. Os juízes são eleitos para exercer funções em regime de exclusividade. Os juízes serão eleitos dentre pessoas de elevada idoneidade moral, imparcialidade e integridade, que tenham a reconhecida competência em direito penal e direito processual penal e em temas relevantes de direito internacional. Qualquer Estado Parte no presente Estatuto poderá propor candidatos às eleições para juiz do Tribunal. Os juízes serão eleitos por escrutínio secreto, em sessão da Assembléia dos Estados Partes convocada para esse efeito. O Tribunal não poderá ter mais de um juiz nacional do mesmo Estado.

O Tribunal tem competência para julgar os crimes de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes de agressão, cometidos por sujeitos maiores de 18 anos. Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem.

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O artigo 6 do Estatuto define as condutas que configuram o crime de genocídio. Genocídio é entendido como um do ato praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, que envolva a pratica de: a) homicídio de membros do grupo; b) ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

Pelo artigo 7 do Estatuto, entende-se por crime contra a humanidade, atos cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque, envolvendo, como por exemplo: a) homicídio; b) extermínio; c) escravidão;d) deportação ou transferência forçada de uma população; e) prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) tortura; g) agressão sexual; h) perseguição de um grupo ou coletividade, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero; i) desaparecimento forçado de pessoas; j) crime de apartheid; k) outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

O artigo 8 define os crimes de guerra como as violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, entre elas: a) homicídio doloso; b) tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas; c) destruição ou a apropriação de bens em larga escala, de forma ilegal e arbitrária; d) o ato de compelir um prisioneiro de guerra a servir nas forças armadas inimiga; e) privação intencional de um prisioneiro a um julgamento justo e imparcial; f) deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade; g) tomada de reféns; h) ataques à população civil em geral; i) ataques ao pessoal, instalações, unidades ou veículos que participem numa missão de paz ou de assistência humanitária; j) ferir um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo mais meios para se defender.

Os crimes de agressões ainda não foram definidos, o que impossibilita a sua aplicabilidade.

A atuação do Tribunal Penal Internacional se orienta pelos princípios gerais de Direito Penal, como por exemplo: o princípio da legalidade penal, em que

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somente são crimes as condutas descritas no Tratado; o princípio da não retroatividade, podendo apenas ser julgados os crimes cometidos por após a entrada em vigor do seu Estatuto; o princípio da responsabilidade criminal individual, em que a pena será aplicada a quem deu causa ao resultado, não ocasionando qualquer penalização ao Estado; e o princípio da presunção de inocência, em que até que se prove o contrário todo acusado é tido como inocente.

O exercício da jurisdição do Tribunal Penal Internacional se dá por denúncia de qualquer Estado Parte ou do Conselho de Segurança da ONU ao Procurador, ou pelo Procurador diretamente no Tribunal. A denuncia deve narrar uma situação em que haja indícios de ter ocorrido à prática de um ou vários dos crimes de sua competência.

O Procurador poderá, por sua própria iniciativa, após apreciada a seriedade da informação recebida, iniciar uma investigação, podendo recolher informações suplementares junto aos Estados e as organizações internacionais, bem como recolher depoimentos escritos ou orais na sede do Tribunal. Se existir fundamento apresentará um pedido de autorização para instaurar um inquérito ao Juízo de Instrução, acompanhado da documentação de apoio que tiver reunido. A recusa do inquérito não impedirá o Procurador de formular ulteriormente outro pedido com base em novos fatos ou provas. Com base nas provas formuladas no inquérito o Procurador fará a denuncia ao Tribunal para seu julgamento.

O acusado terá o direito ao silêncio, não podendo ser submetido a qualquer forma de coação, intimidação ou ameaça, tortura ou outras formas de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. O acusado tem direito de conhecer da acusação que lhe é formulada e de ser defendido por um advogado da sua escolha ou por um defensor dativo. Durante a apreciação de quaisquer fatos constantes da acusação, o acusado tem direito a ser ouvido em audiência pública, conduzida de forma eqüitativa e imparcial. O acusado terá direito ao contraditório e a ampla defesa.

O Tribunal não poderá julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal, a menos que o processo nesse outro tribunal: tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; ou Não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional; ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se

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revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça. Portanto, a jurisdição do Tribunal é complementar a jurisdição dos Estados partes.

Os condenados pelos crimes de competência do Tribunal ficarão sujeitos: à pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite máximo de 30 anos; ou à pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem. Além da pena de prisão, o Tribunal poderá aplicar: multa e a perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa fé. Na fixação da pena, o Tribunal atenderá a fatores tais como a gravidade do crime e as condições pessoais do condenado. O Tribunal descontará, na pena de prisão o período durante o qual o acusado esteve sob detenção por ordem daquele.

O Tribunal indicará um Estado onde será cumprida a pena privativa de liberdade, a partir de uma lista de Estados que lhe tenham manifestado a sua disponibilidade para receber pessoas condenadas. O Tribunal fará o acompanhamento e controle da execução da pena privativa de liberdade. As condições de detenção serão reguladas pela legislação do Estado da execução e observarão as regras convencionais internacionais referentes ao tratamento dos reclusos.

Os Estados podem se retirar da Jurisdição do Tribunal Penal Internacional, da mesma forma que ingressaram, conforme ato de manifestação da vontade soberana, mediante notificação escrita e dirigida ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. Mas, a retirada só produzirá efeitos um ano após a data de recepção da notificação. O Estatuto deixa claro que a retirada não isentará o Estado das obrigações que lhe incumbem enquanto Parte do mesmo, incluindo as obrigações financeiras que tiver assumido, e a cooperação no âmbito de inquéritos e de procedimentos criminais que se iniciaram antes da data da retirada. A retirada em nada afetará a apreciação das causas que o Tribunal já tiver começado a analisar antes da data em que a retirada começou gerar efeitos.

4 CONCLUSÃO: A JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL E A RELATIVIZAÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA

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Em nome da soberania nacional, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional está restrita aos crimes cometidos nos territórios dos países membros, que livremente reconheceram e aceitaram a submissão as decisões do Tribunal. Esta norma limitadora da jurisdição do Tribunal Penal Internacional está em desacordo com o princípio da dignidade humana, considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, entende os direitos humanos como universais, independente de qualquer questão cultural, étnica, de ração, religião, origem nacional. O Tribunal Penal Internacional como instrumento do Regime Internacional de Tutela dos Direitos Humanos e em nome do Princípio da Dignidade Humana, deveria ter uma aplicabilidade também universal, sobrepondo ao interesse nacional soberano.

É necessário a ampliação da jurisdição internacional, defendendo a universalização da atuação do Tribunal Penal Internacional em nome da tutela da dignidade da pessoa humana e da relativização do poder soberano dos Estados, não admitindo que a cortina jurídica da independência estatal impeça a atuação da punição dos responsáveis por atos atentatórios a humanidade.

Existe um nítido paradoxo na jurisdição do Tribunal Penal Internacional: soberania estatal ou dignidade da pessoa humana. Daí nossos questionamentos: Qual princípio deve prevalecer numa situação de conflito entre ambos, que envolva a ocorrência de um crime de competência do Tribunal Penal Internacional?

O Tribunal Penal Internacional representou um passo notório da comunidade internacional na busca da efetivação dos direitos humanos e na responsabilização de criminosos que cometem graves violações aos direitos humanos. Por isso, é um símbolo da luta universal contra as atrocidades que aterrorizam a humanidade, que não pode ser limitado sua jurisdição em face da soberania dos Estados. Entre o conflito de interesses soberanos e dignidade da pessoa humana tem que prevalecer a dignidade.

A jurisdição do Tribunal Penal Internacional é complementar a jurisdição nacional, o que deixa evidente a preocupação de não se violar a soberania estatal. O seu exercício tem caráter excepcional, de forma que deverá ser exercido na ausência de capacidade das jurisdições nacionais, ou quando se verificar a falta de disposição de um Estado para exercer sua jurisdição primária. Este ponto é uma forma de se equilibrar juridicamente esses interesses opostos, no sentido de se

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chegar a uma solução que represente a convivência harmônica e pacífica dos dois princípios, correspondendo à eficácia da norma internacional.

Esta foi a intenção do artigo, repensar a soberania na ordem internacional, num mundo globalizado e sem fronteiras, onde os acontecimentos não são mais restritos as fronteiras estatais, mas tem repercussão imediata em todo o mundo. Se no inicio a concepção absoluta de soberania foi decisiva para a unidade nacional e a centralização do poder, que cominou com o nascimento do Estado Moderno, hoje, numa realidade nova, é preciso rever o conceito original, tentando enquadra-lo nos anseios da sociedade contemporânea e universal. Hoje o a ordem internacional esta preocupado mais com os direitos humanos do que com a soberania dos Estados. E o Direito Internacional como regulador dos interesses internacionais tem que seguir esta nova ordem que coloca a humanidade acima dos Estados, reclamando um rede de garantias jurisdicionais universais. (FERRAJOLI, 2003, p.7).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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