ESTADO CONFUSIONAL AGUDO
Laura Monteiro Magalhães Rafael Mondrzak Bruno Luiz Guidolin Paulo Roberto Zimmermann UNITERMOS
ESTADO CONFUSIONAL AGUDO; DELIRIUM/diagnóstico diferencial; DELIRIUM/manejo.
KEYWORDS
ACUTE CONFUSIONAL STATE; DELIRIUM/differential diagnosis; DELIRIUM/management.
SUMÁRIO
Estado confusional agudo é um termo utilizado na prática médica para a designação de delirium, uma síndrome neuropsiquiátrica aguda decorrente de uma patologia orgânica subjacente. Apesar de ser altamente prevalente e um potencial alerta para um distúrbio em evolução, o delirium pode passar despercebido. Os autores fazem uma revisão sobre o assunto, com ênfase no diagnóstico etiológico de suas principais patologias de base.
SUMMARY
Acute confusional state is a termination used in the clinical practice to designate delirium, an acute neuropsychiatric syndrome due to an underlying organic pathology. Despite being highly prevalent and a potential alert for an ongoing disorder, delirium may go unnoticed. The authors make a review about the subject, emphasizing the etiologic diagnosis of its main base pathologies. INTRODUÇÃO
O estado confusional agudo, ou delirium, é um distúrbio frequente em emergências e internações clínicas, apresentando-se tipicamente como pensamento incoerente, desatenção e desorientação. Este transtorno ocorre em 10 a 45% dos pacientes internados em hospitais gerais,1 sobretudo idosos,
após procedimentos invasivos e em unidades de tratamento intensivo, onde a prevalência chega a 81% na vigência de ventilação mecânica.2 Apesar de
potencialmente reversível, o delirium é indicativo de um pior prognóstico e está associado a maiores taxas de morbimortalidade e internações mais longas.1-3
Fisiopatologia e Fatores de Risco
A principal teoria sobre a fisiopatologia do delirium sugere que o mesmo seja causado por uma disfunção generalizada de funções corticais superiores decorrentes de uma hiperatividade dopaminérgica e de uma hipoatividade colinérgica.1 Indivíduos com reserva funcional diminuída, por idade avançada,
doença cerebral prévia, comprometimento cognitivo ou abuso prolongado de álcool, apresentam maior risco para desenvolver a síndrome.2
Etiologia
De forma geral, qualquer situação que possa interferir no funcionamento do sistema nervoso central pode provocar delirium (Tabela 1). Em idosos, infecções sistêmicas, medicações, desordens metabólicas e acidentes vasculares encefálicos (AVEs) são as causas mais comuns; já nos jovens, são apontados como principais etiologias o abuso de álcool e drogas e a abstinência alcoólica.4
Tabela 1 - Algumas causas de Delirium.5
Neurológicas Trauma cranioencefálico (TCE), convulsões, estado pós-ictal, AVE, encefalite,
encefalopatia hipertensiva, doenças degenerativas, hematoma sub/epidural.
Metabólicas Insuficiência renal (uremia), insuficiência hepática, hipóxia, hipoglicemia,
endocrinopatias, distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos.
Nutricionais Deficiência de tiamina (encefalopatia de Wernicke), vitamina B12, folato.
Cardiopulmonares (hipóxia) Infarto agudo do miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca descompensada, arritmias
cardíacas, choque, insuficiência ventilatória, anemia grave.
Doenças sistêmicas Intoxicação ou abstinência de substâncias, infecções, neoplasias, trauma grave,
privação sensorial, hipo/hipertermia, pós-operatório.
Frequentemente, o delirium é a principal ou única manifestação de infecção no idoso. As pneumonias e as infecções do trato urinário – tanto baixas, quanto altas – devem ser sempre consideradas nos quadros de alteração do estado mental nesta faixa etária.
Dentre os distúrbios hidroeletrolíticos, merecem especial atenção a hiponatremia e a desidratação, afecções comuns e potencialmente causadas por diuréticos, fármacos de ampla utilização na prática clínica. Hipoglicemia, uremia e insuficiência hepática são outros distúrbios metabólicos importantes.
A introdução e a suspensão de medicações são responsáveis por até 40% dos casos de delirium.3 Qualquer fármaco pode desencadear um quadro
confusional; destacam-se, contudo, as drogas com efeito anticolinérgico, como atropina, anti-histamínicos, antieméticos, antipsicóticos e antidepressivos (principalmente tricíclicos); as substâncias dopaminérgicas, tais como os antiparkinsonianos; os sedativos/hipnóticos e os corticoesteroides.
Segundo o DSM-IV, o indivíduo com delirium apresenta-se como perturbação da consciência e redução da atenção, de instalação aguda (horas a dias), com flutuações ao longo do dia, e objetos da história, exame físico e/ou de exames complementares evidenciam a etiologia orgânica do quadro.6 Sendo
um transtorno agudo da função cognitiva global, o delirium pode se manifestar das mais variadas formas (Quadro 1), o que dificulta seu diagnóstico. Em geral, entretanto, estão presentes os distúrbios da atenção e do nível de consciência.
Quadro 1 - Alterações do estado mental no Delirium.1,5
Nível de consciência: hipervigilância vespertina e noturna e sono pela manhã; inversão do ciclo sono-vigília, pesadelos vívidos. Piora ao anoitecer (fenômeno conhecido como sundowning).
Atenção: distração, dificuldade de concentração.
Cognição: prejuízo na memória (recente), desorientação (temporal), linguagem confusa. Pensamento: afrouxamento associativo, tangencialidade (“não diz coisa com coisa”), delírios. Sensopercepção: ilusões, alucinações e distorções mais visuais que auditivas; zoopsias.
Comportamento:inquietação, agitação psicomotora, medo, letargia, catatonia.
Humor: labilidade emocional, ansiedade, depressão, irritabilidade, apatia, euforia.
Abordagem Diagnóstica
O médico deve estar atento às mais sutis manifestações de distúrbios do nível de consciência, como distração, letargia ou sonolência. Alterações mentais em adultos sem psicopatologia prévia ou fator psicogênico desencadeante e com sintomas ou sinais neurológicos chamam a atenção para uma etiologia orgânica.
O estado confusional do paciente nos leva a buscar informações com familiares e cuidadores, que podem relatar a sensação de ver um conhecido tornar-se um desconhecido. É essencial que se tente traçar uma relação temporal entre o início ou a piora dos sintomas e possíveis etiologias, como as relacionadas na Tabela 1, além de checar o passado médico e psiquiátrico do indivíduo. Em pacientes internados, a consulta ao prontuário deve investigar os sinais vitais e os registros anestésicos, nos casos de pós-operatórios.
Se o paciente estiver acordado, funções cognitivas como atenção, orientação, memória e pensamento devem ser avaliadas, buscando identificar as alterações características do delirium, descritas acima. No caso de dúvidas, pode-se recorrer a escalas como o CAM (Método de Avaliação de Confusão Mental).7 O exame físico deve procurar sinais corporais de doenças sistêmicas,
como o edema na insuficiência cardíaca descompensada e a icterícia na falência hepática, entre outros.
A avaliação neurológica visa diferenciar encefalopatias focais de difusas. As primeiras manifestam-se com lateralizações, como hemiparesia, hemianopsia ou afasia, e ocorrem nos TCEs, AVEs, tumores e abscessos cerebrais. Já as encefalopatias difusas não apresentam sinais focais e tem como causas os distúrbios sistêmicos e a alguns tipos de epilepsia.
Alguns dados semiológicos podem ser sugestivos de determinadas etiologias (Tabelas 2 e 3 – em negrito, causas de delirium ameaçadoras da vida). As causas ameaçadoras da vida devem ser sempre suspeitadas e descartadas, pois demandam tratamento imediato. Até provado o contrário, todo paciente diabético com agitação e agressividade possui hipoglicemia. Em quadros em que a confusão vem acompanhada de perda de consciência e cefaleia intensa, há de se pensar em hemorragia subaracnóidea, e o delirium em idoso com mínima ou nenhuma atividade motora, sem etiologia definida ou sem melhora com tratamento deve levantar a suspeita de status epilepticus não convulsivo.
Tabela 2 - Possíveis etiologias de acordo com dados da anamnese. HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes mellitus; CAD: cetoacidose diabética; EHHNC: estado hiperglicêmico hiperosmolar não-cetótico.
DADOS COLETADOS POSSÍVEIS ETIOLOGIAS
A NA M N ES E
Uso de medicamentos, abuso de substâncias * Abuso de álcool e desnutrição
Intoxicação/abstinência
* Deficiência de tiamina (Wernicke)
Quedas ou outros traumas TCE, hemorragia sub/epidural, choques
Febre Infecções (ITU, pneumonia, sepse)
Crises convulsivas Confusão pós-ictal
Retenção urinária Insuficiência renal aguda/uremia
Doenças cardiovasculares (HAS, dislipidemia, DM, IC, arritmias, cardiopatia isquêmica)
AVE, infartos lacunares, hipóxia
História de DM / Hipertireoidismo Hipoglicemia, CAD, EHHNC / crise tireotóxica
História de demência Delirium sobreposto a demência
História pessoal ou familiar de epilepsia Status epilepticus não-convulsivo
Tabela 3 - Possíveis etiologias de acordo com dados do exame físico.8
ACHADOS POSSÍVEIS ETIOLOGIAS
EXA M E FÍ SIC O Bradicardia Taquicardia
Encefalopatia hipertensiva, hipotireoidismo Hipertireoidismo, infecção, insuficiência cardíaca ↓Pressão arterial (PA)
↑ PA, papiledema
Choque, hipotireoidismo, insuficiência adrenal
Encefalopatia hipertensiva, lesão expansiva intracraniana Taquipneia
Resp. superficial
Acidose (ex.: CAD), pneumonia, IC, hipertermia, doença pontina Intoxicação por álcool ou outra substância
Rigidez de nuca Meningite, meningoencefalite, hemorragia subaracnóide Lacerações em boca Evidências de crises tônico-clônicas generalizadas Arritmia cardíaca Baixo débito (hipóxia), embolias
Hálito... ...etílico: Abuso de álcool. ...cetótico: DM descompensado Hepatomegalia Cirrose, insuficiência hepática
Avaliação complementar
Toda a avaliação complementar visa confirmar as hipóteses diagnósticas das patologias que podem estar provocando o delirium, e sua descrição detalhada vai além do objetivo deste trabalho. Exames comumente solicitados incluem glicemia, eletrólitos, hemograma, creatinina, ureia, exame de urina e radiografia de tórax. Algumas situações podem requerer testes toxicológicos, gasometria, culturas, eletrocardiograma, enzimas hepáticas, função tireoidiana, exames de imagem e análise do líquor.
O eletroencefalograma é uma ferramenta de grande utilidade nos diagnósticos sindrômico e etiológico do delirium, apresentando, neste caso, um padrão de lentificação global característico (exceto no Delirium tremens).
Diagnóstico diferencial
O delirium pode mimetizar diversos transtornos mentais, como esquizofrenia, demência e transtornos de humor. De maneira geral, seu caráter agudo, com flutuação dos sintomas e maior prevalência em idosos ajudam a diferenciá-lo.
Manejo
O manejo do estado confusional baseia-se, principalmente, no tratamento da patologia de base; entretanto, medidas gerais estão indicadas em todo quadro de delirium, pois condições ambientais podem exacerbá-lo. Subsídios para a orientação do paciente, como calendários e janelas, estímulo sensorial em nível adequado, como luz discreta acesa no quarto à noite, e a presença de poucos familiares são desejáveis. Procura-se evitar mudanças no ambiente e restabelecer a nutrição e a hidratação do paciente.
Em determinadas ocasiões, o tratamento farmacológico do delirium também é preconizado, sempre na menor dose possível, pelo mínimo tempo necessário. Os antipsicóticos são os fármacos de primeira linha, sendo o haloperidol a droga de escolha por possuir poucos efeitos sedativos, embora atualmente muitos antipsicóticos atípicos também estejam sendo usados.
CONCLUSÃO
O delirium é a síndrome psiquiátrica mais comumente encontrada no hospital geral, devendo ser suspeitado em qualquer quadro de confusão mental. Seu reconhecimento, aliado à identificação de patologias subjacentes e seu consequente tratamento deve fazer parte das habilidades de todo médico.
REFERÊNCIAS
1. Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2012.
2. Caplan JP, Cassem NH, Murray GB, et al. Delirious patients. In: Stern TA, Fricchione GL, Cassem NH, et al. Massachusetts General Hospital handbook of general hospital psychiatry. 6th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2010. p.93-104.
3. Cordioli A, organizador. Psicofármacos: consulta rápida. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2011. 4. Guidotti M, Chiveri L, Mauri M. Acute encephalopathies. Neurol Sci. 2006;27:s55-6.
5. American Psychiatric Association. Practice guideline for the treatment of patients with delirium. Washington: The Association; 1999.
6. American Psychiatric Association. Delirium. In: The Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM-IVTM. 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995. p.122-6.
7. Inouye SK, Van Dyck CH, Alessi CA, et al. Clarifying confusion: the Confusion Assessment Method. A new method for detection of delirium. Ann Int Med, 1990;113:941-8.
8. Sadock BJ, Sadock VA. Kaplan & Sadock compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clínica. 9ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.