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6º Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais. Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição

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Belo Horizonte/MG – 25 a 28 de julho de 2017

Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa

O POLICIAMENTO FRONTEIRIÇO DAS FORÇAS DE SEGURANÇA BRASILEIRAS NO COMBATE AO TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS

Helena Salim de Castro - Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP).

Belo Horizonte 2017

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Resumo

Com a diminuição das guerras clássicas, realizadas entre Estados devido às disputas territoriais, as forças de segurança dos países voltaram-se para o combate à criminalidade. A mudança nas preocupações de segurança dos governos acompanhou o processo de globalização que, além de dinamizar o comércio e a comunicação entre as sociedades, impulsionou o tráfico de serviços e mercadorias ilícitos, dentre elas as substâncias entorpecentes. Diante da transnacionalização do crime organizado houve uma transformação nas funções policiais e militares. Houve um processo de expansão da ação policial, acompanhado da atuação dos militares nas questões de segurança interna. O objetivo deste artigo foi analisar estes dois processos no Brasil. A necessidade de combater o tráfico de drogas impulsionou a atuação das instituições policiais para além das fronteiras nacionais, de forma unilateral ou em conjunto com agências estrangeiras, e o uso dos militares como “força de polícia”, atuando diretamente na repressão aos grupos organizados. Restringimos a análise às operações desenvolvidas na fronteira com a Bolívia, pois é com este país que o Brasil divide sua maior fronteira terrestre, além de que, mais da metade da cocaína que entra em território brasileiro, seja para atender ao mercado interno ou de passagem para a Europa, vem deste vizinho andino. Fazendo de ambos os países grandes cooperantes na matéria. Assim, observamos como essas mudanças nas funções policiais e militares se refletiram nas operações de policiamento do combate ao tráfico de drogas desenvolvidas na faixa de fronteira do Brasil com a Bolívia e assinalamos algumas consequências do mesmo.

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1 Introdução

O tráfico de drogas ilícitas é uma das atividades do crime organizado transnacional. Os grupos envolvidos nesta atividade se organizam em redes com vínculos em diversos países conformando uma cadeia de cultivo, produção, transporte e comercialização das substâncias entorpecentes. A percepção do abuso de drogas e do tráfico de ilícitos como uma ameaça à segurança dos Estados foi consequência de um processo de construção social, impulsionado, em grande parte, pelo governo dos Estados Unidos.

Em 1971, no governo de Richard Nixon (1969-1974), é lançada a “guerra às drogas”, com o objetivo de impedir a entrada destas substâncias em território norte-americano. Posteriormente, com o aumento da entrada de cocaína nos Estados Unidos, esta política foi expandida para a América Latina pelo presidente Ronald Reagan (1981-1989), impulsionando os países da região à adotarem políticas repressivas no combate ao tráfico de drogas e a fiscalizar e controlar o cultivo de substâncias entorpecentes, muitas vezes com a utilização das Forças Armadas.

Diversas agências policiais foram estabelecidas nos países e acordos de cooperação para o policiamento das regiões de fronteira foram se desenvolvendo entre as forças de segurança nacionais. A agência antidrogas dos Estados Unidos, DEA (Drug Enforcement Admnistration), criada em 1974, que atua em diversos países auxiliando e influenciando na condução das políticas de combate ao tráfico de drogas, ilustra este processo. Ademais, podemos apontar o estabelecimento do Conselho Federal de Entorpecente (CONFEN), em 1980 no Brasil – que foi substituído posteriormente pelo Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) em 1998 –, e do Conselho Nacional de Luta contra o Tráfico Ilícito de Drogas (CONALTID), em 1987 na Bolívia. Ambos responsáveis pelo estabelecimento e atualização das políticas sobre drogas em seus respectivos países.

Assim, na década de 1990 todo o continente estava, em diferentes níveis, inserido nesta “guerra” contra o inimigo comum: o tráfico de drogas. A necessidade de combater os grupos narcotraficantes somada ao processo de internacionalização da sociedade impulsionaram os países a estabelecerem acordos e operações conjuntas, através do compartilhamento de informações e tecnologia, num movimento, denominado pela literatura, como “transnacionalização do policiamento”. Como consequências deste movimento temos a expansão do policiamento e a prerrogativa da atuação dos militares como força policial, principalmente no combate ao tráfico de drogas nas fronteiras.

Nosso objetivo neste trabalho é analisar este duplo processo no Brasil, observando as características das operações realizadas pelas forças de segurança brasileiras e assinalando algumas das consequências da expansão da atividade policial e da atuação direta dos militares na repressão aos grupos narcotraficantes. Observaremos as operações e

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acordos estabelecidos para o combate ao tráfico de drogas na região de fronteira com a Bolívia.

Para alcançar o objetivo central deste trabalho, dividiremos a análise em três sessões, além desta Introdução e das Considerações Finais, onde apontaremos alguns questionamentos: i) A Expansão da Ação Policial e O Policiamento das Forças Armadas - apresentaremos as discussões da literatura sobre a “transnacionanalização do policiamento”, com foco nas transformações das funções das forças de segurança; ii) As Políticas de Combate ao Tráfico de Drogas no Brasil – discorreremos sobre as políticas e leis brasileiras que concernem a problemática do tráfico de drogas e sobre os atores responsáveis pelo seu combate ; e iii) O Combate às Drogas na Fronteira com a Bolívia – nesta terceira sessão analisaremos o processo de expansão policial e de ampliação da atuação dos militares no combate ao tráfico de drogas na região de fronteira do Brasil com a Bolívia.

2 A Expansão da Ação Policial e O Policiamento das Forças Armadas

Conforme supracitado, o tráfico de drogas ilícitas se caracteriza como uma atividade criminosa transnacional, a qual perpassa as fronteiras territoriais, se valendo das debilidades institucionais e policiais das regiões e Estados. Esta característica de que se vale as organizações criminosas pode ser percebida como um empecilho para as forças de segurança nacionais, que são constrangidas pelos seus ordenamentos jurídicos e tem sua ação limitada em respeito ao princípio da soberania dos Estados.

No entanto, a transnacionalidade não é uma característica única de grupos e atividades criminosos. Há um movimento internacional de compartilhamento de informações e operações entre agentes e organizações policiais, que a literatura denomina de “transnacionalização do policiamento” (SHEPTYCKI, 1998; BOWLING, 2009; BOWLING; SHEPTYCKI, 2012). Embora o nome seja novo, data da década de 1990, se trata de um processo antigo, que remete à exportação do “modelo colonial” de policiamento europeu do século XX (SHEPTYCKI, 1998, p.488).

As operações de combate ao tráfico de drogas inserem-se neste conceito. De acordo com Sheptytcki (1996, p.73), a “guerra às drogas”, levado a cabo pelo governo dos Estados Unidos na América Latina a partir da década de 1980, é considerada “o maior empreendimento de aplicação da lei atualmente, tanto transnacionalmente quanto dentro dos domínios nacionais”. Este movimento de internacionalização do policiamento, a fim de responder ao aumento do tráfico de ilícitos, por sua vez, gera algumas transformações na condução das políticas de combate aos grupos criminosos.

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Nas últimas décadas as preocupações de segurança dos Estados se modificaram. O declínio das guerras clássicas travadas com o objetivo de expansão dos territórios e por disputas fronteiriças alterou as funções das forças de segurança nacionais. Estas passaram a atuar no combate ao crime organizado, dentro do próprio país. Andreas e Price (2001) questionam a lacuna existente entre as preocupações de segurança atuais dos Estados e as análises tradicionais de geopolítica. Para os autores, o aumento das preocupações com o combate à criminalidade, em detrimento das guerras interestatais, responde à uma mudança de paradigma da segurança no pós-Guerra Fria, no que denominam de mudança de ênfase de uma função de “warfighting” (combate na guerra) para “crimefighting” (combate à criminalidade) (ANDREAS; PRICE, 2001, p.35).

Embora a ênfase no “warfighting” tenha declinado, Andreas e Price (2001, p.33) argumentam que o aparato coercitivo do Estado orientado para ações externas tem persistido, sendo que um de seus mais importantes aspectos é a expansão do policiamento. E este inclui uma “redefinição das preocupações da aplicação da lei como preocupações de segurança” (ANDREAS; PRICE, 2001, p.51). As agências, antes preocupadas com a defesa do território, estão voltadas para dentro das fronteiras (BIGO, 2000, p.320).

Por sua vez, estas transformações têm tornado mais turvas as distinções entre as funções militares, originalmente de orientação externa, e as funções policiais domésticas. Bigo (2000, p.320) assinala que a transnacionalidade destas questões de segurança, em especial o tráfico de drogas, obscurece a distinção entre interno e externo. Para Andreas e Price (2001, p.43), estas mudanças se refletem em dois processos: na militarização1 da polícia e na “domesticação” da função dos militares.

Os agentes policiais, que eram responsáveis pela proteção e garantia da segurança dos cidadãos, passam a atuar em operações de caráter transnacional, em um processo de expansão do policiamento. Esta atuação para além das fronteiras nacionais pode ser realizada unilateralmente, através das ações de forças de segurança de um único país em território estrangeiro, ou conjuntamente entre instituições ligadas a governos distintos.

As forças militares também têm suas funções modificadas. Tradicionalmente responsáveis pela defesa do território, os militares passam a atuar nas questões de segurança pública. Ganham a prerrogativa de agir como força policial, podendo atuar diretamente nas tarefas de repressão ao tráfico de drogas. De acordo com Bigo (2000, p.322), há uma “união” entre os policiais e as forças militares.

1 O processo de militarização em detrimento do combate ao crime se reflete nas novas ferramentas e mecanismos

de vigilância e fiscalização e nas ações violentas utilizadas pelos agentes no tratamento com a sociedade. Não obstante, neste trabalho não daremos ênfase à militarização da ação policial, visto a necessidade de analisarmos outros conceitos e questões mais profundos e que exigiram um outro artigo. Nos restringiremos a análise do processo de expansão do policiamento e da ampliação da ação dos militares no combate ao tráfico de drogas.

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A expansão do policiamento para o combate à criminalidade e o uso de militares em questões de segurança interna, por sua vez, geram diversos debates sobre os limites e consequências da ação de forças de segurança nacionais em territórios estrangeiros. O processo de expansão das forças de segurança de um país para outros territórios depende de alguns fatores como a harmonização das normas e leis dos Estados e a aproximação política ou ideológica entre os governantes. Cockayne (2007, p.12) aponta que o policiamento bilateral e o compartilhamento de inteligência entre agências e organizações policiais são necessários para um combate efetivo do crime organizado transnacional.

Os esforços internacionais para controlar o crime organizado exigem uma mistura de cooperação de inteligência e policiamento bilateral, policiamento extraterritorial, desenvolvimento de capacidade bilateral e multilateral e o desenvolvimento de normas multilaterais (COCKAYNE, 2007, p.12). Estas normas constrangem os Estados e por vezes podem ir contra as próprias legislações nacionais. Assim, nos casos de cooperação bilateral, a concordância com as regras das operações e o incentivo ao compartilhamento de inteligência policial dependem da harmonização das legislações dos países envolvidos, caso contrário, pode ocorrer em conflitos políticos e diplomáticos (DEL TORO, 1996, p.626).

Estes processos e questionamentos derivados da “transnacionalização do policiamento” podem ser observados nas operações desenvolvidas pelo governo brasileiro na faixa de fronteira com a Bolívia. Entretanto, anterior à esta análise, discorreremos na próxima sessão sobre as políticas e legislações desenvolvidas no Brasil para o combate ao tráfico de drogas.

3 As Políticas de Combate ao Tráfico de Drogas no Brasil

O Brasil durante os anos 1970 e 1980 não participava ativamente dos fóruns regionais e internacionais sobre o problema das drogas. O país não era visto como um importante produtor e nem consumidor, era a princípio um crescente país de trânsito destas substâncias ilícitas. Ademais, a falta de instituições internas que tratassem a questão impedia uma maior atuação externa do Brasil. O principal ator brasileiro responsável na época era o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN).

Nas décadas seguintes se observou a maior participação e atuação do Brasil nas discussões regionais e internacionais a respeito da problemática do abuso e tráfico de drogas, principalmente a partir dos anos 2000. Podemos citar, em especial a atuação do governo brasileiro dentro da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD)2.

2 A CICAD é um organismo dentro do âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Foi

criada em 1987, como um dos resultados da Conferência Especializada Interamericana sobre o Tráfico de Entorpecentes, realizada em 1986 na cidade do Rio de Janeiro. Esta Comissão foi instituída, a

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Em paralelo, este movimento no âmbito externo foi acompanhado pela elaboração de mecanismos nacionais de fiscalização. O primeiro neste sentido foi o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), criado em 2002, um “mecanismo responsável pela organização e compilação de estatísticas e informações” sobre o problema das drogas no país (SILVA, 2013, p. 241).

Posteriormente, temos a aprovação da Política Nacional sobre Drogas (PNAD)3, em 27 de outubro de 2005, pelo Conselho Nacional de Política sobre Drogas (CONAD) – substituto do antigo CONFEN. A PNAD se baseia no princípio da responsabilidade compartilhada e adota uma estratégia de cooperação mútua e a articulação de esforços entre governo, iniciativa privada, terceiro setor e cidadãos (SENAD, 2011). Dentre os pressupostos que guiam essa Política há desde iniciativas para a prevenção e conscientização da sociedade quanto ao uso de drogas e o tratamento diferenciado entre usuários e traficantes, até a prerrogativa de intensificar a cooperação nacional e internacional, através dos fóruns sobre drogas (SENAD, 2011, p.13).

A construção de um aparato legislativo do governo para lidar com o abuso e tráfico de drogas se consolidou com a criação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), em 23 de agosto de 2006 através da Lei nº 11.343. No artigo primeiro da Lei foi instituído que o Sisnad “prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes”. E a lei claramente proíbe “o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas”, em todo território nacional (DOS DEPUTADOS, 2012, p. 9).

Esta Lei ainda versa sobre a cooperação internacional. No Artigo 65, Título V, é estabelecido que o governo brasileiro, sob a “conformidade dos princípios de não intervenção, igualdade jurídica e respeito à integridade territorial dos estados e às leis nacionais”, prestará cooperação com outros países e organismos internacionais, quando solicitado, e também poderá solicitar colaboração nas seguintes áreas:

I – intercâmbio de informações sobre legislações, experiências, projetos e programas voltados para atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes de drogas; II – intercâmbio de inteligência policial sobre produção e tráfico de drogas e delitos conexos, em especial o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro e o desvio de precursores químicos;

princípio, como um foro de coordenação política entre os países do hemisfério, a fim de incentivar a cooperação nos níveis bilateral e multilateral (SILVA, 2013, p. 217)

3 Esta política foi aprovada após um processo de discussão que envolveu três momentos distintos de

preparação: um internacional – através do Seminário Internacional de Políticas Públicas sobre Drogas –; um regional – que se deu pela realização de seis fóruns regionais para discutir a temática –; e um nacional – o Fórum Nacional sobre Drogas.

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III – intercâmbio de informações policiais e judiciais sobre produtores e traficantes de drogas e seus precursores químicos (DOS DEPUTADOS, 2012, p.29).

A repressão ao tráfico de drogas é constitucionalmente uma tarefa de responsabilidade da Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. O artigo 144 da Constituição Federal que versa sobre a Segurança Pública, mais especificamente no parágrafo 1º, assinala que a Polícia Federal, entre outros fins, destina-se à: “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência” (BRASIL, 2016, p.77).

Em conjunto com a Polícia Federal, outras instituições policiais também atuam nestas tarefas de fiscalização e repressão. Polícia Rodoviária Federal, polícias militares e civis também participam em algumas operações destinadas à apreensão de veículos que transportam drogas e ao desmantelamento de grupos criminosos. São ações que incentivam a cooperação nacional, envolvendo governos municipais e estaduais em conjunto com o Governo Federal. Além de atuarem em parceria com órgãos policiais de outros países, como é o caso das operações conjuntas com a polícia nacional boliviana.

Não obstante, as ações de fiscalização e repressão ao tráfico de drogas nas fronteiras não são executadas apenas por estas instituições policiais. Durante a administração do presidente Luís Inácio Lula da Silva, houve uma expansão do policiamento no Brasil, as mudanças legislativas ampliaram o aparato repressivo do Estado com relação ao tráfico de drogas. Estas modificações permitiram que as Forças Armadas brasileiras passassem a atuar diretamente na região fronteiriça, seja em ações isoladas ou em conjunto com as demais forças de segurança, modificando o caráter das operações de policiamento.

A primeira lei criada neste sentido foi a Lei do Abate de 20044. Esta Lei prevê medidas de destruição a aeronaves suspeitas de envolvimento com o tráfico de drogas, que não se identificarem e não atenderem aos procedimentos coercitivos de averiguação, intervenção e persuasão. Os disparos com o objetivo de destruição da aeronave considerada hostil só podem ser efetuados após a execução de todas as medidas coercitivas e com a autorização do Presidente da República ou da autoridade por ele delegada (BRASIL, 2004a).

4 A primeira interceptação de aeronave suspeita realizada pela Força Aérea Brasileira (FAB), sob os

auspícios da Lei do Abate, ocorreu em junho de 2009 no estado de Rondônia. Em outubro do mesmo ano, uma aeronave da FAB por pouco não abateu um avião de pequeno porte que transportava cocaína vinda da Bolívia, no estado de Goiás. Após realizar um tiro de advertência e não obter resposta dos criminosos, foram efetuados dois tiros de abate, que, embora não tenha resultado na queda da aeronave, forçaram o pouso dos traficantes (LUIZ, 2009). O caso mais recente de interceptação de aeronaves suspeitas foi em outubro de 2015, perto da fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. A assessoria da FAB informou, na ocasião, que uma aeronave sem plano de voo foi interceptada e acompanhada em voo. Entretanto, não foi relatado se houve o abatimento da mesma (AERONAVE..., 2015).

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Ainda no mesmo ano de 2004, no dia 2 de setembro, foi sancionada a Lei Complementar nº117, que alterou a Lei Complementar nº97 de 1999, a fim de estabelecer novas atribuições às Forças Armadas. Com a Lei nº117, os militares obtiveram a prerrogativa de atuar em operações com outros órgãos federais para a repressão de delitos de repercussão nacional e internacional. Tanto a marinha, a aeronáutica e o exército passariam a auxiliar, quando necessário, no apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução (BRASIL, 2004b).

Para fins de ampliar a atuação do exército nas tarefas de repressão ao tráfico de drogas, foi acrescentado o artigo 17A, que assinala novas atribuições para esta força militar, dentre elas, o item IV menciona: “atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo”. O exército passaria a executar ações de: “a) patrulhamento; b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e c) prisões em flagrante delito (BRASIL, 2004b).

Esta prerrogativa, de atuar como poder de política para o combate ao tráfico de drogas, concedida ao exército foi ampliada para as demais forças armadas, aeronáutica e marinha, a partir da Lei Complementar nº136, de 25 de agosto de 2010. Esta ampliação da atuação dos militares na repressão ao tráfico de ilícitos está determinada no artigo 16 da Lei nº136:

Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo [...] (BRASIL, 2010).

Uma vez garantido o poder de polícia para os militares no que concerne o combate ao tráfico de drogas, o governo federal instituiu uma nova política de proteção das fronteiras nacionais, com o objetivo de ordenar as ações das diversas instituições e agências de policiamento do país. Em 8 junho de 2011, sob a administração da presidente Dilma Rousseff, foi lançado o Decreto nº 7.496, que instituiu o Plano Estratégico de Fronteiras (Pefron)5, com o objetivo de reforçar a presença do Estado nas fronteiras terrestres do Brasil, através de ações de “fortalecimento da prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos fronteiriços e dos delitos praticados na faixa de fronteira brasileira” (BRASIL, 2011).

5 O Pefron propõe a ação integrada dos órgãos de segurança pública (federais, estaduais e municipais),

da Secretaria da Receita Federal e das Forças Armadas, além da criação de Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras (GGIFs) e Câmaras Temáticas de Fronteiras (CTFrons), nos onze estados fronteiriços. O objetivo deste é dinamizar e atualizar as políticas de segurança nas regiões fronteiriças, incentivando a colaboração entre os órgãos nacionais e estrangeiros (BRASIL, 2011).

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Os dois eixos de combate à criminalidade que compõem o Pefron são: Operação Ágata e Operação Sentinela. A Operação Ágata é conduzida pelo Ministério da Defesa. Consiste no emprego das Forças Armadas em pontos específicos da fronteira brasileira a fim de realizar operações de caráter pontual e temporário. A Operação Sentinela é de responsabilidade do Ministério da Justiça. Executada pela Polícia Federal, esta operação tem caráter permanente. Também podem atuar em conjunto na Sentinela a Polícia Federal Rodoviária e a Força Nacional de Segurança, além do apoio logístico dos militares (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL, 2011, p.27).

Este conjunto de leis assinala a crescente preocupação do governo brasileiro com o problema das drogas, propondo ações combativas em todas as fases, desde o cultivo de substâncias entorpecentes até o comércio da droga pelos grupos criminosos. O aumento do consumo6 de drogas no Brasil e o cultivo e produção de algumas substâncias entorpecentes no território, embora pequenos em comparação a outros países da América do Sul, exigiram do governo brasileiro a reformulação de suas políticas antidrogas e dos mecanismos de repressão e combate ao tráfico. Os documentos formulados também apontam para a possibilidade de cooperação internacional, através da expansão da ação das agências policiais.

Ademais, as mudanças na legislação nacional possibilitaram que as Forças Armadas se constituíssem como mais um braço do país na luta contra o tráfico de drogas. Enfatizando a postura repressiva e combativa do Brasil. Estas transformações no modus operandi das forças de segurança brasileiras podem ser observadas como consequência do movimento de transnacionalização do policiamento. Estes processos serão observados e analisados na próxima sessão, ao abordarmos as operações desenvolvidas pelas forças de segurança brasileiras na região de fronteira com a Bolívia, seja de forma unilateral ou em conjunto com os agentes bolivianos.

4 O Combate às Drogas na Fronteira com a Bolívia

O Brasil e a Bolívia compartilham uma extensa fronteira terrestre. São 3.423,2 km que circunscrevem quatro estados brasileiros: Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do

6 O consumo de cocaína, por exemplo, aumentou no país a partir dos anos 2000. De acordo com o

relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes de 2010, a Argentina e o Brasil são os principais mercados consumidores de cocaína da América do Sul, com um número absoluto de mais de 9000 e 6000 usuários respectivamente (UNODC, 2010, p. 179). Em 2011, foi constatada a prevalência do consumo de cocaína em 1,75% da população brasileira entre 16 e 64 anos (JUNTA INTERNACIONAL DE FISCALIZACIÓN DE ESTUPEFACIENTES, 2014, p. 69). Ademais, o Brasil, no período de 2007-2012, foi o maior importador de permanganato de potássio, substância química utilizada no processamento da pasta de coca em cocaína, numa quantidade por volta de mil toneladas por ano (UNODC, 2014, p. 69).

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Sul. Essa fronteira é fonte de atenção por parte dos órgãos estatais de ambos os países, devido ao grande fluxo de atividades ilícitas, dentre elas o tráfico de drogas. A Bolívia é o terceiro maior produtor de cocaína da América do Sul, precedida pela Colômbia e pelo Peru. A produção da cocaína no país andino é beneficiada pelo fato do cultivo da folha de coca no território boliviano ser uma prática antiga, ligada à tradição cultural de mastigação da folha e ao uso medicinal da mesma pelos camponeses, além de compor a base da economia do país.

Esta prática, que foi considerada ilegal durante décadas, gerou um processo de militarização da luta antidrogas, principalmente a partir dos anos 1980 (ESCOBAR, 2008, p.134). Entretanto, com a entrada de Evo Morales, líder do partido Movimento para o Socialismo (MAS), na presidência da Bolívia em 2006, iniciou-se um movimento nacional e internacional de revalorização da folha de coca e de reconhecimento desta como patrimônio cultural do país7. Não obstante, o governo boliviano ainda condena e combate ao tráfico de cocaína e outras substâncias ilícitas. As ações de fiscalização e repressão aos grupos narcotraficantes são efetuadas pela polícia nacional, pela Força Especial de Luta Contra o Narcotráfico (FELCN) e pelos militares, principalmente na região de fronteira.

A maioria da cocaína que entra no território brasileiro, seja para atender o mercado interno ou com destino à Europa, vem da Bolívia. Em 2011, registrou-se que mais da metade desta droga apreendida no país veio da Bolívia (54%), seguido do Peru (38%) e da Colômbia (7.5%) (UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME, 2013, p.42). O departamento de Santa Cruz, fronteira com o Brasil, aparece como local de maiores apreensões destas substâncias, além de ser uma das principais saídas para a cocaína boliviana. No departamento de Beni, também fronteira com o território brasileiro, há uma grande concentração de pistas clandestinas, utilizadas pelos traficantes bolivianos e estrangeiros para enviar a cocaína processada do departamento de Cochabamba até o estado de Rondônia, no Brasil (UNODC, 2010; SCHULTZE-KRAFT, 2010, p.444).

Essa intensa atividade ilegal nas regiões de fronteira exige que o governo brasileiro desenvolva diversas políticas e ações de fiscalização e vigilância. O Departamento da Polícia Federal, conforme supracitado, é historicamente responsável por estas ações. Entretanto, a intensificação da atuação do governo federal nestas regiões nas últimas décadas gerou uma diversificação e superposição das ações e de órgãos públicos (SALLA et al, 2014, p.10).

As operações passaram a ser desenvolvidas pelas tropas do exército em parceria com outras agências policiais e a aeronáutica e a marinha, como no caso das Operações Cadeado e Cadeado VI; a Curare III e a Atalaia. A primeira Operação Cadeado foi desenvolvida pelo

7 De acordo com a Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia, estabelecida em 2007 pelo

presidente Evo Morales, a folha de coca é considerada fator de coesão social, devendo ser protegida pelo Estado e a sua “revalorização, produção, comercialização e industrialização será regida mediante a lei” (BOLIVIA, 2007, p.143).

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exército em novembro de 2009, para fiscalizar as fronteiras do Brasil com a Bolívia e o Paraguai. Liderada pelo Comando Militar do Oeste (CMO) com o apoio de outras agências policiais, do Ibama e da Receita Federal, o objetivo da operação foi a repressão e prevenção dos crimes transfronteiriços, dentre eles o tráfico de drogas (OPERAÇÃO..., 2009). Em novembro de 2010, já após o estabelecimento da Lei Nº 136/2010, o CMO deflagrou outra operação com as mesmas características, a Operação Cadeado VI, também na região de fronteira com a Bolívia, em parceria com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (CUIABANO, 2010).

A Curare III foi deflagrada pela 17ª Brigada de Infantaria de Selva, nos meses de setembro e outubro de 2011, nos estados do Acre e Rondônia, nas regiões de fronteira com a Bolívia e o Peru. O objetivo principal desta operação foi fortalecer a presença do exército na faixa de fronteira da Amazônia Ocidental brasileira, a fim de evitar a ocorrência de delitos transfronteiriços e ambientais (OPERAÇÃO..., 2011). Outra operação que reflete a ampliação do escopo de ação do exército a partir da Leis Nº117/2004 e Nº 136/2010 foi a Operação Atalaia, realizada em julho de 2012. Sob a coordenação da 13ª Brigada de Infantaria Motorizada, o exército brasileiro com o apoio de órgãos de segurança pública e de fiscalização estaduais e federais intensificou a vigilância ao longo da faixa de fronteira que vai do estado de Rondônia ao estado do Mato Grosso do Sul, com o objetivo de combater os crimes transfronteiriços na região (EXÉRCITO..., 2012).

As operações desenvolvidas no âmbito do Pefron (Operação Sentinela e Operação Ágata) desde 2011, também representam o investimento das autoridades nacionais em segurança nas cidades e estados que fazem fronteira com os países vizinhos produtores de drogas, em especial a Bolívia. Diversas edições destas operações já foram desenvolvidas. Em 13 de junho de 2016, por exemplo, foi realizada a Operação Ágata 11. As Forças Armadas (exército, aeronáutica e marinha) em cooperação com órgãos de segurança pública, sob a fiscalização do Ministério da Defesa, realizaram ações de caráter cívico e militar nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com o objetivo de combater o tráfico ilegal na região de fronteira com a Bolívia (FERNANDES, 2016; MINISTRO..., 2016).

Em paralelo à essas operações unilaterais, houve um crescimento das ações realizadas em conjunto entre as forças de segurança brasileiras e bolivianas. A cooperação entre os dois países foi intensificada a partir da expulsão da DEA do território boliviano, em novembro de 2008, ao ser acusada por Morales de estar realizando espionagem e conspiração no país (MAYORGA, 2009, p.33). Assim, as ações chaves desta agência passaram gradualmente a outros atores externos, como a Polícia Federal brasileira (MOLINA, 2010, p.157).

A consolidação na cooperação bilateral se deu com a assinatura de uma nota conjunta em 21 de novembro de 2008. Os Ministros da Justiça, Tarso Genro (Brasil) e Celina Torrico

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(Bolívia), concordaram em uma série de medidas para o controle e combate do tráfico de armas e drogas na fronteira entre Brasil e Bolívia, como a utilização de aeronaves não tripuladas (VANT) para a vigilância aérea. Ademais, essa nota conjunta assinalava a possibilidade de atuação da Polícia Federal no território boliviano (PF..., 2008).

A partir deste momento uma série de acordos e operações passaram a ser desenvolvidas em conjunto pelas agências policiais de ambos os países. Em fevereiro de 2009, a Polícia Federal Brasileira assinou um termo de estratégia de cooperação policial com a Polícia Nacional da Bolívia, prevendo a troca de informações de inteligência, apoio logístico e capacitação policial no combate ao crime organizado (DIAS, 2015, p.7). No ano de 2011 foi desenvolvida a Operação BRABO entre a PF e a Força Especial de Luta Contra o Narcotráfico (FELCN) da Bolívia. Durante nove dias, os agentes realizaram tarefas de fiscalização e apreensão nas estradas que ligam as cidades fronteiriças de Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto Suárez (VITORINO, 2011).

Mais recentemente, em junho de 2016 foi deflagrada a Operação Quijarro. Com o objetivo de desmantelar uma organização criminosa envolvida com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, a PF junto com a polícia boliviana decretou a prisão de 14 pessoas, além da apreensão de imóveis e veículos que eram utilizados para o transporte da cocaína boliviana, que tinha como destino final o mercado consumidor da Espanha (JUSTI, 2016).

Operações conjuntas também são realizadas entre as Forças Armadas do Brasil e da Bolívia. Atuando diretamente na repressão ao tráfico de drogas, os militares exercem tarefas tradicionalmente das forças policiais, como ocorrido nas Operações BRASBOL e BOLBRA. Sendo que primeira envolve exercícios conjuntos da Marinha do Brasil e a Armada Boliviana, e já teve quatro edições desde sua primeira realização em 2010. A BOLBRA, por sua vez, é uma operação das forças aéreas dos dois países, tendo seu primeiro exercício binacional realizado em agosto de 2010 (DIAS, 2015, p.8).

Estas operações refletem a maior preocupação do governo brasileiro com o tráfico de drogas em seu território, a qual gerou algumas transformações nas ações das forças de segurança. Houve um processo de expansão da ação policial, em que as instituições brasileiras e bolivianas, em especial a Polícia Federal e a Polícia da Bolívia, passaram a atuar para além das fronteiras nacionais, desenvolvendo treinamentos e operações em território estrangeiro. Ademais, observou-se o aumento da atuação dos militares nas questões de segurança interna, agindo como força policial. Características do movimento de “transnacionalização do policiamento”.

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Os agentes brasileiros e bolivianos responsáveis pelo policiamento do combate ao tráfico de drogas ao cooperarem expandem suas ações para além dos territórios nacionais. Além da troca de informações e tecnologia, o caráter transnacional do tráfico de drogas e a atuação em rede das organizações criminosas exige a realização de exercícios binacionais conjuntos e o apoio direto de membros das forças de segurança de um país em ações realizadas no território vizinhos.

Entretanto, este processo de expansão do policiamento, caracterizado pela realização de operações conjuntas, possui alguns limites e pode ocasionar em conflitos entre os países envolvidos. Um destes limites se refere às diferenças de políticas entre os governos. O problema das drogas é abordado de forma distinta entre o Brasil e a Bolívia, principalmente no que concerne o cultivo da folha de coca. Enquanto no primeiro país é proibido o cultivo de qualquer substância entorpecente, no país andino a coca é um patrimônio cultural e base da economia. Assim, as políticas e operações conjuntas entre os dois países devem ser realizadas com cautela devido à esta divergência, e qualquer ação unilateral – como a fumigação de áreas de plantio de folha de coca pelas forças de segurança brasileiras – pode ocasionar conflitos entre ambos os governos.

Outro aspecto do processo de policiamento que deve ser analisado com cautela é a ampliação da ação militar nas tarefas de combate ao tráfico de drogas. A pesquisadora brasileira Lia Osório Machado (2007, 2010) discute as medidas institucionais de controle ao tráfico de drogas na região da bacia amazônica. De acordo com suas análises, a ampliação das atribuições das Forças Armadas para ações de repressão ao tráfico de ilícitos acaba por “confundir as atribuições constitucionais e a hierarquia institucional de cada órgão federal” (MACHADO, 2010, p.100).

Para a autora, a atuação direta dos militares brasileiros no combate ao tráfico de drogas foi consequência da Estratégia Nacional de Defesa (END)8, elaborada em 2008 no governo Lula (MACHADO 2010, p.100-101). Embora receosos quanto à atuação em questões de segurança pública, os militares tiveram um incentivo em exercer tais funções, pois a END aumentou o orçamento desta instituição e propôs um maior diálogo destes com outros setores do governo, abrindo o precedente para sua utilização no combate ao tráfico de ilícitos9 (MACHADO, 2010, p. 101).

8 A Estratégia Nacional de Defesa foi publicada com a finalidade de tornar claro os princípios,

fundamentos e objetivos da defesa brasileira, assim como a projeção estratégica do Brasil. O objetivo das estratégias apresentadas na END é a modernização da estrutura nacional de defesa, a partir de ações de médio e longo prazo, que envolvam uma “reorganização das Forças Armadas, reestruturação da indústria brasileira de material de defesa e política de composição dos efetivos das Forças Armadas” (JOBIM; UNGER, 2008).

9Uma das ações estratégicas estabelecidas pela da END foi a utilização das Forças Armadas como

mecanismo auxiliador na garantia da lei e da ordem. O documento afirmava que todas as instâncias do Estado devem contribuir para este fim, e os diversos ministérios ajudariam, conjuntamente com o

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Entretanto, a utilização de mecanismos repressivos, característica destas instituições, não garantem a resolução do problema, ao contrário, aumentam a desconfiança e distanciamento da população com os militares (MACHADO, 2010, p.101). As Forças Armadas possuem uma estrutura hierárquica, meios e instrumentos de ação distintos dos órgãos policiais, constitucionalmente responsáveis pela segurança dos cidadãos. Os militares são treinados para agir frente às ameaças externas, garantindo a defesa do território. Consideram qualquer indivíduo e grupo que represente uma ameaça como um inimigo que deve ser aniquilado. A utilização das Forças Armadas nas questões de segurança interna, como o problema do tráfico de drogas na região de fronteira, pode ocasionar em abusos e violência contra os cidadãos.

Ademais, o patrulhamento interno dos militares e a ação em postos de fiscalização representam um retrocesso para a região (ISACSON, 2015, p.88). O período de transição para a democracia, em muitos países da América Latina, representou um esforço de devolver a condução das políticas nacionais para os civis. Numa tentativa de diminuir a participação das Forças Armadas nos problemas de segurança interna foram criadas instituições policiais independentes, que possuíssem um ordenamento interno distinto, capaz de dialogar com a população. Portanto, o estabelecimento de leis que visam garantir a expansão da ação militar e o desenvolvimento de operações entre órgãos policiais e as Forças Armadas para o enfrentamento de questões de segurança interna, como é o caso do tráfico de drogas, devem ser analisados com cautela e de forma crítica. Devemos questionar e balancear os ganhos deste processo para a diminuição do tráfico em relação às consequências geradas para os indivíduos, sociedade e democracia brasileiras.

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