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Da fotografia analógica à ascensão da fotografia digital

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Academic year: 2021

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Erivam Morais de Oliveira

Resumo: Com o surgimento da

fotogra-fia digital, qualquer cidadão com uma câmera embutida no celular tem a pos-sibilidade de desempenhar o papel an-tes reservado aos fotojornalistas. O pro-blema central dessa disputa passa por antigos dilemas da fotografia, que ga-nharam força com a facilidade da pré-edição e manipulação da imagem. Caso as previsões se concretizem, os fotojor-nalistas que sobreviverem aos cortes nas redações assumirão um papel diferenci-ado nos meios de comunicação, execu-tando apenas matérias especiais e con-vivendo com registros do cotidiano exe-cutados por fotógrafos amadores.

A fotografia surgiu na primeira metade do século XIX, revolucionando as artes visuais. Sua evolução deve-se a astrônomos e físicos que observavam os eclipses solares por meio de câmeras obscuras, princípio básico da má-quina fotográfica.

A câmera obscura tornou-se acessório bá-sico também para pintores e desenhistas, in-clusive para o gênio das artes plásticas Le-onardo da Vinci (1452-1519), que fez uso

Mestre em Ciências da Comunicação pela

ECA-USP. Docente da Faculdade Cásper Líbero. E-mail: erivam@globo.com / erivam.oliveira@gmail.com

dessa ferramenta e deixou dela uma descri-ção minuciosa em seu livro de notas sobre os espelhos, publicado muito depois de sua morte, em 1797. Antes dessa data, as obser-vações feitas em 1558 pelo cientista napo-litano Giovanni Baptista Della Porta (1541-1615) também continham uma descrição de-talhada da câmera obscura. A publicação do livro Magia Naturalis sive de Miracu-lis Rerum Naturalium impulsionou a utiliza-ção dessas câmeras, descrita por Della Porta como uma sala fechada para a luz com um orifício de um lado e uma parede pintada de branco à sua frente. Com o passar dos tem-pos, a câmera obscura foi sendo reduzida de tamanho, de modo que artistas e pesquisado-res pudessem carregá-la com facilidade por onde andassem.

Na virada do século XVII para o XVIII, as imagens feitas por meio de câmera obs-cura não resistiam à luz e ao tempo, desapa-recendo logo após a revelação. Foram vários os pesquisadores que conseguiram gravar es-sas imagens, mas todos encontravam dificul-dades em sua fixação.

Em 1816, o francês Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) dava os primeiros pas-sos no caminho do registro de imagens por meio de câmera obscura. Pesquisando um material recoberto com betume da Judéia e

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em uma segunda etapa com sais de prata, ele conseguiria gravar imagens em 1827. Niépce batizou a descoberta de heliografia. Existem, porém, dúvidas de que Niépce tenha real-mente se utilizado do nitrato ou cloreto de prata, uma vez que os documentos que com-provariam essa utilização não são esclarece-dores. O professor Mário Guidi tenta enten-der os motivos:

“A falta de maiores e mais precisas in-formações sobre os trabalhos e pesqui-sas de Joseph Nicéphore Niépce se deve a uma característica, até certo ponto pa-ranóica, de sua personalidade. Vivia sus-peitando que todos quisessem lhe roubar o segredo de sua técnica de trabalho. Isto ficará claramente evidenciado na sua tardia sociedade com Daguerre. Também em 1828, quando vai à Inglaterra visi-tar o irmão Claude, fracassa uma pos-sível apresentação perante a Royal So-ciety. Neste encontro, intermediado por um certo Francis Bauer, Niépce deveria apresentar os trabalhos por ele batiza-dos de heliografias. O evento não se re-alizou por ter Niépce deixado claro, de antemão, que não pretendia revelar seu segredo”.

No retorno da viagem à Inglaterra, Niépce conhece em Paris o pintor Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851), que traba-lhava em um projeto semelhante ao seu, e acabou por associar-se a ele. Daguerre, ao perceber as limitações do betume da Judéia e dos métodos utilizados por seu sócio, de-cide prosseguir sozinho nas pesquisas com a prata halógena. Suas experiências consis-tiam em expor, na câmera obscura, placas de cobre recobertas com prata polida e

sensibi-lizadas com o vapor de iodo, formando uma capa de iodeto de prata sensível à luz.

A pesquisa de Daguerre acabou sendo re-conhecida pela Academia de Ciências de Pa-ris, em 19 de agosto de 1839, sendo batizada como daguerreótipo, um método de gravar imagens por meio de câmera obscura. O fato provocou protestos por parte do inglês Willian Fox Talbot (1800-1877). Ele gra-vava igualmente imagens com câmera obs-cura, utilizando um processo parecido ao de Daguerre e Niépce, que passou para a his-tória com os nomes de talbotipia ou

caló-tipo. Hippolyte Bayrd (1801-1887) também

reivindicou a descoberta, tendo sido respon-sável pela primeira montagem fotográfica da história, em 1840, quando simulou a própria morte em protesto pelo não-reconhecimento de sua invenção pelas autoridades francesas. No Brasil, Antoine Hercule Romuald Flo-rence (1804-1879), um francês radicado na Vila de São Carlos1, pesquisou, entre 1832

e 1839, uma forma econômica de impres-são, sensibilizada pela luz do sol e sais de prata, método parecido com os que Niépce, Daguerre e Talbot utilizaram na Europa. Ele chegou próximo a uma descoberta batizada de photographie, seis anos antes que seu compatriota Daguerre em Paris.

Hércules Florence, como ficou conhecido no Brasil, obteve ajuda do botânico Joaquim Corrêa de Melo, mas nunca teve suas pesqui-sas reconhecidas. Inclusive, a palavra foto-grafia era utilizada por Florence e Corrêa de Melo desde 1832, antes que na Europa, onde, a partir de 1840, o astrônomo John Herschel passou a utilizá-la para unificar as diversas

1 Vila de São Carlos foi a primeira denominação

da cidade de Campinas, SP.

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descobertas envolvendo a câmera obscura, no período entre 1827 e 1839.

Com o anúncio da gravação da imagem por Daguerre na Europa, logo se instituiu uma grande polêmica entre os pintores. Eles acreditavam que o novo método acabaria com a pintura, não admitindo, portanto, que a fotografia pudesse ser reconhecida como arte, uma vez que era produzida com auxí-lio físico e químico.

A prematura discussão com representantes das artes plásticas fez com que pintores resis-tentes à utilização da fotografia procurassem por uma nova forma de expressão, dando ori-gem ao movimento impressionista, que, aos poucos, encontrou rumo e reconhecimento na história das artes visuais. A discussão re-torna, de algum modo, nos dias de hoje, en-volvendo duas formas distintas de captação de imagens, a fotografia analógica e a foto-grafia digital.

Desde que foi descoberta, a fotografia analógica pouco evoluiu. Permaneceu com seus princípios ópticos e formatos por mais de 100 anos, reinando absoluta na história, como se o processo descoberto pelos pionei-ros fosse, de fato, eterno.

No século XX, a fotografia passou a ser utilizada em grande escala pela imprensa mundial, em amplas reportagens fotográfi-cas, fazendo aumentar naturalmente a exi-gência de profissionais que trabalhavam com fotojornalismo. A cobrança por equipamen-tos mais leves e ágeis despertou nos fabri-cantes o interesse em investir no setor, pro-vocando uma renovação no mercado e cha-mando a atenção do grande público para as novidades tecnológicas e as belas imagens que surgiam no dia-a-dia da imprensa mun-dial.

A profissão de fotógrafo passou a ser co-biçada em todo o mundo, revelando profissi-onais altamente qualificados e, até, adorados em vários países, como Brett Weston, Car-tier Bresson, Edward Weston, Robert Capa, Robert Frank, Alexander Ródchenko, Pierre Verger e Jean Manzon, entre outros. Esses profissionais formaram uma geração de ouro do fotojornalismo mundial, mostrando muita criatividade e ousadia em suas fotografias, fazendo delas verdadeiras obras de artes, ad-miradas por milhões de pessoas.

Com o surgimento da fotografia digital, no final dos anos 1980, todo o glamour conquis-tado pela fotografia analógica tende a entrar em declínio. A evolução dos equipamentos digitais aponta para o aniquilamento gradual da fotografia analógica nos próximos anos. Os grandes fabricantes já anunciaram o fe-chamento de fábricas e a não-confecção de materiais para o amador da fotografia analó-gica, acabando com o fascínio exercido du-rante décadas pelos laboratórios fotográficos de revelação e ampliação e transformando a prática tão comum da fotografia analógica em coisa primitiva. Na opinião dos defen-sores da fotografia digital, a velha forma de captação de imagens sobreviverá apenas na memória de veteranos fotógrafos incapazes de se adaptar às novas tecnologias.

A fotografia digital provocou uma ruptura entres os profissionais da imagem, principal-mente fotojornalistas, dando origem a três categorias de profissionais no mercado de fo-tografia: a primeira é formada por vetera-nos fotógrafos, a segunda, por fotógrafos que vêm acompanhando a morte gradativa da fo-tografia analógica, e a terceira, por fotógra-fos mais jovens, que assistem ao nascimento da fotografia digital.

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A primeira categoria, a dos fotógrafos veteranos, conhecidos como geração analó-gica, é formada por profissionais que sempre se dedicaram à velha forma de captação de imagens. Eles encontram grande dificuldade de se adaptar às novas tecnologias. Compu-tadores e programas para tratamento de ima-gens não fazem parte do vocabulário desses profissionais, que, aos poucos, vão se vendo forçados a uma aposentadoria precoce.

Essa geração levanta questões relevan-tes em defesa da fotografia tradicional e, conseqüentemente, coloca a fotografia digi-tal em plano inferior. As alegações mais freqüentes são que a fotografia digital não inspira confiança e que as imagens armaze-nadas em disco virtual podem ser apagadas com facilidade. A “velha guarda” vê pro-blemas éticos na manipulação e tratamento das imagens, que aumentam as possibilida-des de fraupossibilida-des e de danos aos fotografados, ferindo o código de ética da categoria e co-locando em risco uma credibilidade conquis-tada, principalmente, pelo fotojornalismo.

O que esses profissionais dizem em rela-ção à manipularela-ção de imagens é importante e deve ser levado em consideração. A fo-tografia digital é um processo recente e sua manipulação merece regulamentação especí-fica, de modo a evitar transtornos causados por profissionais inescrupulosos que acredi-tam que tudo é possível para se obter uma notícia em primeira mão. O professor portu-guês Jorge Pedro Sousa analisa a tecnologia revolucionária da fotografia digital em rela-ção à rapidez no envio de fotos, mas faz co-mentários interessantes sobre a ética desse processo, no livro Uma história crítica do

fo-tojornalismo ocidental:

[...] Hoje, a tecnologia já permite a li-gação directa das máquinas aos compu-tadores e/ou a interfaces próprios, como modens que permitem o envio rápido das fotos. [...] Porém, alguns casos dos fi-nais dos anos oitenta e princípios dos no-venta vieram renovar o debate sobre as fotos e a sua capacidade de referenciar a realidade, evidenciando, igualmente, que as novas tecnologias vão provavelmente destruir de uma vez por todas a crença de que uma imagem fotográfica é um re-flexo natural da realidade. As “culpas” recaem sobre a fotografia digital2.

Como meio virtual em que a imagem é transformada em milhares de pulsos eletrô-nicos, a fotografia digital pode ser armaze-nada em computadores, disquetes, CD-Rom ou cartões de memórias e, dessa forma, ser transmitida por satélite logo após sua produ-ção, com a ajuda de um computador portátil e telefone. Uma rapidez de que a fotografia analógica não dispõe.

No meio desse conflito de idéias encontra-mos a segunda geração de profissionais do fotojornalismo, que participa ativamente da transição da fotografia analógica para a digi-tal. Essa geração aprendeu por necessidade a conviver com a fotografia digital. São profis-sionais que se preparam para sobreviver no mercado fotográfico atual, pois dominam a fotografia analógica e buscam conhecimen-tos na área digital. Conhecimenconhecimen-tos que se transformam muitas vezes em verdadeira ob-sessão, uma vez que esses profissionais têm plena consciência da importância e necessi-dade do mercado e sabem que somente

per-2Jorge Pedro Sousa. Uma história crítica do

foto-jornalismo ocidental. p. 212.

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