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A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NAS REVISTAS VEJA E ISTO É: ABDIAS NASCIMENTO, O MOVIMENTO NEGRO E O CENTENÁRIO DA ABOLIÇÃO ( )

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO

CURSO DE HISTÓRIA

MARIA GERLANE SANTOS DE JESUS

A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NAS REVISTAS

VEJA E ISTO É: ABDIAS NASCIMENTO, O

MOVIMENTO NEGRO E O CENTENÁRIO DA

ABOLIÇÃO (1978-1988)

FLORIANÓPOLIS, SC 2015

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MARIA GERLANE SANTOS DE JESUS

A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NAS REVISTAS

VEJA E ISTO É: ABDIAS NASCIMENTO, O

MOVIMENTO NEGRO E O CENTENÁRIO DA

ABOLIÇÃO (1978-1988)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em História, no Curso de História do Centro de Ciências Humanas (FAED) e da Educação, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Orientadora: Profa. Dra. Luciana Rossato

FLORIANÓPOLIS, SC 2015

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AGRADECIMENTOS

Talvez este seja um dos momentos mais tensos e intensos da conclusão de um trabalho. Agradecer a todos e todas que, de uma maneira ou outra, contribuíram para que este singelo e modesto TCC fosse concluído e devidamente defendido. Sentei em frente ao computador e não tenho como conter as emoções, pois é um momento de muita significação. Acredito que as palavras que definem o término desse trabalho sejam gratidão, companheirismo e, sobretudo, amor.

Primeiramente, as saudades de casa, de parte da minha família que continuam na Bahia, fazem com não consiga conter as emoções. Emoções essas que estão cercadas de felicidade por essa conquista. Então, os primeiros que gostaria de agradecer são os meus pais. Minha mãe Carmen e meu pai Genésio que sempre me encheram de orgulho e mesmo mediante às dificuldades mostravam que existia um futuro mais bonito e cheio de esperança. Sei que sou imensamente afortunada pelos pais que tenho e, por isso, só tenho que agradecer. Quero agradecer também às companheiras mais importantes da minha vida, minhas irmãs: Dedinha (Jésica) e minha Pequena (Renata) como é bom saber que podemos contar incondicionalmente com alguém. Agradeço pelo amor que recebo todos os dias, pelo apoio incondicional, pelas risadas, lágrimas... Agradeço por vocês existirem e estarem comigo a todos os momentos, por fazerem com que me sinta quase uma super heroína e mesmo quando falo das minhas limitações vocês duvidarem delas, obrigada. Agradeço também à minha irmã Geovânia que mesmo estando milhares de quilômetros distantes está sempre presente. Vocês estão na minha pele e são os mais lindos presentes que alguém pode ter.

Agradeço imensamente a professora Luciana Rossato por ter aceitado me orientar, agradeço a paciência, a dedicação e todas as oportunidades que a senhora me deu. Jamais esquecerei gestos tão bonitos.

Gostaria de agradecer também aos amigos que a universidade me deu. A pessoa que no primeiro dia de aula olhou pra mim e falou “senta aqui” e depois disso não nos separamos mais. A pessoa que chorou quando chorei e que sorriu quando sorri, que torceu por mim e quando necessário me deu três tapas na cara para que eu acordasse para a realidade, Adriana obrigada. Juntamente com a Adriana quero agradecer a Franciéle (Franzinha) e a Karla por não terem me deixado desistir. A Fran é uma amizade recente, mas cheia de significado e por isso agradeço, agradeço a doçura o

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amor, o companheirismo, a amizade sincera. Franzinha obrigada por me dar a mão sempre que me sinto perdida. A Karla quero agradecer pelo aprendizado que me proporciona, mas por acreditar em mim, mesmo quando esqueço que posso.

Em minha trajetória acadêmica Graziela através de um convite me proporcionou continuidade e permanência na vida acadêmica, foi ela também uma das primeiras pessoas a me falarem que eu era negra. Foi através dela que entrei no NEAB-UDESC e foi esse núcleo, o grande responsável pela minha permanência na universidade. No NEAB aprendi a ser negra, mas aprendi a importância de estar dentro da universidade. Importância não só pra mim, mas para os irmãos e irmãs negras/os e depois descobri que, além de ser importante para esses irmãos é importante também para os moradores do morro que moro, pois para eles significo que é possível uma mulher preta, pobre, nordestina, favelada ser também universitária. O NEAB é um espaço de intenso de conhecimento e gostaria muito de agradecer ao professor Paulino por acreditar em mim e por me ensinar até numa conversa informal no café no meio da tarde. Esse é um momento inesquecível, onde todos/as se juntam para comer e em alguns momentos as pessoas não conseguem se ouvir por conta da animação, mas é o espaço que você vê pessoas como você, onde você se sente acolhido e importante.

Gostaria de agradecer a outros membros do NEAB que fizeram parte de minha formação e que se transformaram em amigas/os. Minha queridíssima Camila Evaristo, minha companheira Ana Júlia, a lindíssima Simone que quero agradecer pelas palavras de incentivo que fazem com me sinta forte e importante. Quero agradecer também a Mariana Schlickmann, Carol Carvalho, Ticiane Caldas, Aline Ferreira, Filiphy Nogueira e a todos/as que fizeram parte de momentos únicos.

Agradeço a turma mais incrível da FAED 2011.2, ir assistir aula com vocês era momento de intensa aprendizagem, pois cada um tem um lugar de fala, mas também nos divertimos muito nessa jornada. Muitos de vocês posso considerar tranquilamente como amigos, pois estiveram comigo em muitos momentos, então, obrigada Gabrielli Debortoli, Maíra Andrade, Roberto Carlos Silva e Silva, Cleide Santos, seu Milton, Luiza Tonon, Kerollainy, Lima (Lucca).

As pessoas que conheci pelos corredores e que fiz disciplinas junto Baccin, Murilo, Paola, Ana Terra, Carolina, Jéssica Cristina e a todos/as que fizeram parte dessa aventura.

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Quero agradecer também aos professores do Departamento de História da UDESC por tudo que me proporcionaram: Claudia Mortari, Luisa Wittmann, Antero Reis, Marcelo Téo, Viviane Borges, Reinaldo Lohn, Edgar Garcia, Maria Tereza, Janice Gonçalves, Rogério Rosa, Rafael Hagemeyer, Barbara Giese, Luiz Felipe Falcão, Silvia Liebel, Mariana Joffily, Emerson Campo, Marlene de Fáveri e todos/as que foram fundamentais na minha formação. Agradeço também a professora Vera Marques, do CEAD, por me apresentar a extensão e de forma doce e tranquila me ensinar tanto.

Agradeço à equipe da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina por me receber para consultar e fotografar o acervo da Revista Isto É, etapa importante desta pesquisa. Muito grata pela ajuda e orientação.

Enfim, agradeço aos meus amigos que não ocupam os espaços acadêmicos, por estarem sempre por perto e me tirarem da loucura do meio acadêmico, muitas vezes, das noites que saímos pra jantar, beber, dançar. Obrigada Kenina, Deda, Rosimeire (afilhada querida), Geovane, Janio, Lucas, Márcio, Cleide, Vanda, Gilvan, Joseana, Renildo, Evandro, Ramon, Geovane, Jacinai.

A todos/as que estiveram comigo, meu muito obrigada, vocês foram essenciais para que essa conquista fosse realizada.

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RESUMO

No presente trabalho, procuramos destacar como os periódicos Veja e Isto É construíram abordagens e interpretações sobre o Movimento Negro brasileiro, o intelectual negro Abdias Nascimento e também uma memória sobre o Centenário da Abolição da Escravatura (1978-1988). O estudo foi pautado em fontes da imprensa, em especial das revistas já mencionadas, disponíveis on-line (Veja) e na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, impressa (Isto É). No primeiro capítulo foram utilizados como documentos reportagens e entrevistas da revista Veja que falavam sobre os negros brasileiros – focando, principalmente no Abdias Nascimento. No segundo capítulo foram utilizados dois cadernos especiais das Revistas Veja e Isto É que comemoravam/homenageavam o centenário da Abolição da Escravatura. Intentamos traçar apontamentos sobre as formas de construção das representações em torno destes temas e sujeitos históricos.

Palavras-chave: História. Imprensa. Movimento negro. Abdias Nascimento. Centenário

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ABSTRACT

In this study, we seek to highlight how periodicals Veja and Isto É have built approaches and interpretations of the Brazilian Black Movement, the intellectual black Abdias Nascimento, and also a memory of the Centenary of the Abolition of Slavery. The work was guided by media sources, in particular magazines already mentioned, available online (Veja) and the Public Library of the State of Santa Catarina, printed (Isto É). In the first chapter, we used reporting documents and magazine interviews from Veja who talked about black Brazilians – focusing mainly on Abdias Nascimento, as sources of information. In the second chapter, we used two special sections of magazines Veja and Isto É commemorating/honoring the Centenary of the Abolition of Slavery. We tried making notes on ways of construction of representations on these issues and historical subjects.

Keywords: History. Press. Black movement. Abdias Nascimento. Centenary of the

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Capa da Revista Veja, 1988. ... 31

Figura 2 - Capa da Revista Isto É, 1988. ... 32

Figura 3 - Destaque para personagens negros enfocados pela revista Veja ... 33

Figura 4 - Destaque para personagens negros enfocados pela revista Veja ... 34

Figura 5 - Destaque para personagens negros enfocados pela revista Veja ... 35

Figura 6 - Destaque para personagens negros enfocados pela revista Veja ... 35

Figura 7 - Foto de mulher negra tomando banho de mar na Revista Veja ... 36

Figura 8 - Concurso de mulheres negras na Revista Isto É ... 37

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 5

2 CAPÍTULO 1 – REPRESENTAÇÕES DO NEGRO NAS PÁGINAS DA REVISTA VEJA E ISTO É ... 13

2.1 ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A CONJUNTURA BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980 ... 13

2.2 ABDIAS NASCIMENTO E O MOVIMENTO NEGRO ... 17

2.3 REPRESENTAÇÕES NEGRAS NO CAMPO DAS ARTES ... 26

3 CAPÍTULO 2 - EM PAUTA O CENTENÁRIO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA ... 30

3.1 ANÁLISE DAS CAPAS ... 30

3.2 O QUE APARECE NAS FOTOGRAFIAS? ... 33

3.3 REFLEXÃO SOBRE O CONTEÚDO DOS CADERNOS ESPECIAIS ... 38

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 46

FONTES ... 48

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1 INTRODUÇÃO

A escolha por este tema para meu trabalho de conclusão de curso decorre de uma longa trajetória na vida e nas lutas por minha permanência na universidade. Primeiro, perceber-me enquanto mulher negra, componente de um espaço institucional, a universidade, que nem sempre esteve acostumada com a presença de homens e mulheres pobres, tampouco estudantes negros e negras. Este é o meu lugar de fala, de uma pessoa que organizou, de todos os modos possíveis, estratégias de sobrevivência e vínculos de estabilidade na universidade, período que culmina com este trabalhoso e singelo texto.

Após adentrar no curso de História, em 2011, conhecer e compreender a linguagem dos textos acadêmicos e me inteirar do mundo da academia, conheci o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-UDESC), laboratório onde atuei em projetos de extensão e ensino. Pude compreender a importância da luta cotidiana para que homens e mulheres tão diversos e plurais possam acessar a cidadania e, dentre os espaços de mobilidade social, a vida universitária, um curso de graduação.

Em 2014, tive a oportunidade de trabalhar em um projeto de pesquisa1 que, aliado às discussões teóricas possibilitadas por minha estada enquanto bolsista no NEAB-UDESC que contribuíram significativamente para os trabalhos e encaminhamentos necessários à pesquisa então em desenvolvimento naquele ano. Por meio desta ação pude compreender e refletir acerca da formação de periódicos de circulação nacional e discutir em que medida atendem a interesses e posturas de quem os produz, e também daqueles e daquelas que se utilizam destes materiais como fonte de informação e construção, ou análise da realidade do país e do mundo em determinado momento.

O objetivo desse trabalho é entender como a mídia, especificamente as revistas

Isto É e Veja, formadas majoritariamente por empresários, jornalistas e escritores

brancos, representavam Abdias Nascimento e o Movimento Negro, entre o final de década de 1970 e durante os anos de 1980, tentando pensar como os negros e seus

1

Em 2014 era bolsista da pesquisa “Revistas semanais e aprendizagem histórica: leituras do passado e projetos educacionais (1981-1990)”, desenvolvida na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e coordenada pela professora doutora Luciana Rossato. Este trabalho de conclusão de curso consiste em reflexões apreendidas também a partir desta experiência enquanto bolsista do referido projeto de pesquisa.

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projetos eram vistos pelas elites e classe média branca, público-alvo dessas revistas. Tentamos entender também como o evento do Centenário da Abolição da Escravatura é representado por essas revistas. A revista Veja comemorou o centenário da abolição da escravatura na edição de número 1027 no dia 11 de maio de 1988. Foram vinte e três páginas entre reportagens e fotos dedicadas ao evento (começa na página 20-43). A Isto

É publicou o caderno especial no dia 20 de abril de 1988 na edição de número 591, com

dezesseis páginas dedicadas ao evento.

O interesse nesta pesquisa surgiu quando folheava as páginas da revista Isto é e sempre que via reportagens sobre negros ficava pensando tanto nas pessoas representadas como nas pessoas que as representavam. O período estabelecido para esta pesquisa é de 1978-1988. A escolha dessa temporalidade ocorreu por conta da fundação do Movimento Negro Unificado (MNU) e por 1988 marcar a data de centenário da Abolição da Escravatura.

A presente pesquisa utiliza como fontes as reportagens publicadas nas revistas

Veja e Isto É no final da década de 1970 e na década de 1980. A revista Veja

disponibiliza todo o seu acervo digitalizado no site da editora Abril (http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx), sendo de fácil acesso aos interessados em pesquisá-la e manuseá-la. A revista Isto É encontrava-se disponível no acervo da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina2. Neste sentido, identificamos as reportagens que tratam do militante Abdias Nascimento3, do Movimento Negro brasileiro, e do Centenário da Abolição da Escravatura sendo estas reportagens fotografadas e arquivadas por esta pesquisadora.

A figura do Abdias Nascimento é sem dúvida emblemática no século XX e seu envolvimento na luta antirracista (e não só) é louvável, pois não temos como falar do século XX e da luta antirracista sem lembrar do nome do Abdias Nascimento, que lutou por essa causa tanto como militante, quanto intelectual, como artista. Foi influência para muitos militantes negros que a partir da década de 1970 passaram a entrar nos meios acadêmicos e assim, ao invés de verem suas histórias escritas por intelectuais predominantemente brancos, começaram, assim como Abdias nascimento, escrever suas

2

O acervo da Isto É foi doado a UDESC e encontra-se sob a guarda do Laboratório de Estudos da Cidade /LEC no prédio da FAED.

3

Sempre que me referir ao Abdias Nascimento, farei isso sem utilizar o “do” Abdias do Nascimento como é encontrado em vários espaços e trabalho sobre ele. Farei sem o “do”, pois segundo Eliza Larkin Nascimento, em 2004 Abdias Nascimento solicitou ao IPEAFRO, que uniformizasse seu nome para Abdias Nascimento.

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histórias, as histórias dos seus povos. Sueli Carneiro faz uma fala a “Ong Fábricade imagens4” em que lembra do Abdias Nascimento num grande evento feminista, mas que não tinha nenhuma mulher negra em posição de destaque na programação. Ela menciona que haviam dois homens convidados para fazer parte do evento por serem figuras importantes, um deles era o Abdias Nascimento, que, segundo Carneiro utilizando a performance de ator quando lhe é dado a palavra ele começa assim “porque nós mulheres negras”, e faz toda uma fala sobre a história das mulheres negras desde o período colonial e segue falando “na ausência delas aqui, eu me torno cavalo de cada uma, de todas as ancestrais, de todas as heroicas mulheres negras desse país que estão invisíveis aqui também”. Essa fala representa um pouco do que foi o Abdias Nascimento e de como ele estava engajado em diferentes frentes. Ao escrever sobre Abdias Nascimento não significa, no entanto, que voltarei a ideia de biografia do século XVIII onde figuras como “Rousseau não só acreditava ser possível [...] narrar a vida de um homem, como também entendia que essa narrativa podia ser totalmente verídica” (LEVI, 2005, p. 171).

Abdias Nascimento nasceu em 1914 na cidade de Franca, São Paulo. Foi artista plástico, teatrólogo, escritor, político, professor, poeta... Militante na luta contra a discriminação racial e pela valorização da cultura negra, bem como um importante ativista na luta pelos Direitos Humanos. Em 1930 foi um dos fundadores da Frente Negra Brasileira – movimento iniciado em São Paulo, na esteira de diversas entidades que se formaram no século passado. A missão da agremiação era criar ferramentas para integrar mulheres e homens negros e negras à sociedade. A Frente atingiu dimensões inusitadas, chegando, inclusive, a tornar-se um partido político. No entanto, em 1937, a partir de uma série de medidas restritivas do governo Vargas quanto a partidos políticos e mobilizações que pudessem agitar, ou abalar, sua política nacional, a Frente Negra foi colocada na ilegalidade. Cabe ressaltar que este espaço de organização proporcionou à população desassistida e marginalizada não só assistência social, mas um meio de organização e educação formal por meio da escolarização e combate ao preconceito. (NASCIMENTO, 2014).

Em 1941, Abdias Nascimento foi preso por resistir a agressões racistas em 1936 quando foi proibido de entrar num bar em São Paulo por ser negro e não aceitou a situação, para se defender saiu em luta corporal. Foi responsável pela fundação, dentro

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da penitenciária do Carandiru, o Teatro do Sentenciado, formado por presos que escreviam e encenavam suas próprias peças. Libertado em 1943, fundou, no ano seguinte o Teatro Experimental do Negro (TEN), em resposta à forma como era feito o teatro, no qual atores negros nunca tinham papel de destaque e quando o personagem era negro quem encenava era um branco pintado de preto. O TEN, além da valorização da cultura negra, tinha como objetivo alfabetizar e formar os artistas e colaboradores, uma vez que também eram feitas oficinas ministradas pelo próprio Abdias Nascimento.

Em 1945-46 organizou a Convenção Nacional do Negro, que teve como resultado a proposta apresentada à Assembleia Nacional Constituinte de 1945 de criação de políticas afirmativas e a definição da discriminação racial como crime de Lesa-Pátria. Em 1950 organizou o 1º Congresso do Negro Brasileiro, em que foi recomendado o “estudo das reminiscências africanas no país bem como dos meios de remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a formação de Institutos de Pesquisas, públicos e particulares, com esse objetivo” (NASCIMENTO, 1968, p. 293). Nascimento também questionava o sistema educacional, pois na visão dele e de outros intelectuais negros vinculados à luta contra a discriminação racial, a educação formal atuava como instrumento para a manutenção da discriminação racial, por meio de práticas e visões de mundo eurocêntricas, voltadas especialmente para o enaltecimento da história da Europa e dos EUA.

Em 1968, Abdias Nascimento se encontrava nos EUA quando foi promulgado o Ato Institucional Nº 55. Como tinha vários processos abertos contra ele ficou exilado nos EUA e na Nigéria até 1978. Nos EUA foi professor em várias Universidades. Abdias Nascimento, em 1978 foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, ano em que participou das lutas pela redemocratização do país e, ao lado de Leonel Brizola6, ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Em 1978, Abdias Nascimento foi um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU) surgido em São Paulo, como organização antirracista mobilizada, em especial, após dois atos de racismo extremo, o estopim para a criação do Movimento. O primeiro foi a morte de Robson da Silveira, jovem negro, que estava sob custódia da

5 O Ato Institucional nº 5, entrou em vigor em 1968 no governo de Costa e Silva vigorando até 1978, foi o período mais duro do regime militar, pois dava poder ao governo para punir duramente quem fosse considerado inimigo do regime.

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polícia, e não tinha nenhuma denúncia contra ele; e a segunda foi a expulsão de dois jovens também negros de um clube enquanto jogavam vôlei.

Para Amilcar Araujo Pereira (2010) Abdias Nascimento pode ser tido como um elemento de continuidade no Movimento Negro, isso, porque ele participou de várias entidades que lutaram em favor do negro, como a Frente Negra, Teatro Experimental do Negro e Movimento negro. Intelectuais como Amauri Mendes Pereira (2008) e Petrônio Domingues (2007) caracterizam o Movimento Negro em três fases e Abdias Nascimento participou ativamente de todas elas. São elas:

A primeira, do início do século até o Golpe do Estado Novo, 1937; a segunda, do período que vai do processo de redemocratização, em meados dos anos de 1940, até o Golpe militar de 1964; e a terceira, o movimento negro contemporâneo, que surge na década de 1970 e ganha impulso após o início da abertura política em 1974 (PEREIRA, 2010, p. 89).

Abdias Nascimento foi deputado federal pelo PDT de 1983-87, sendo o primeiro deputado a propor projetos de ação compensatória para construir a igualdade, bem como foi autor de projetos de leis que definiam o racismo como crime. De acordo com o próprio Abdias Nascimento:

Quando Brizola voltou ao Brasil a questão negra foi uma prioridade no programa do PDT. O partido criou e eu presidi a secretaria do movimento negro dentro do próprio partido, onde tínhamos autonomia e falávamos de igual para igual com os outros órgãos do PDT. Foi através dessa abertura que consegui me eleger deputado federal e depois senador.7

Abdias Nascimento foi senador entre 1997 a 1999, e responsável pela proposição do dia da consciência negra em 20 de novembro, a ser comemorado no dia da morte de Zumbi. A partir de 2006 alguns estados passaram a considerá-lo como feriado. Abdias Nascimento faleceu em 2011.

As ideias fundadoras do Movimento Negro estão pautadas tanto no Pan-africanismo como no movimento de Negritude. Nas palavras de Willian Robson Soares Lucindo,

por conta da ditadura militar de 1964, as organizações sociais tiveram um refluxo e, mesmo sem desaparecer, as associações de afrodescendentes tiveram problemas de atividades e de organizar protestos. No final da década

7

Entrevista cedida ao Portal Afro. Disponível em:

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de 1970 foi possível o surgimento de organizações políticas, inclusive o surgimento do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial – que depois abreviou seu nome e até hoje é chamado de Movimento Negro Unificado ou MNU (LUCINDO, 2014, p. 68).

Foi através do Movimento Negro que se iniciou a luta antirracista. As décadas de 1970 e 1980 foram de efervescência para um grupo de intelectuais negros que começaram a compreender que os problemas pelos quais os negros passavam não estavam circunscritos a esse grupo, e sim à sociedade brasileira. Para eles, a única forma de resolver esses problemas seria pressionando as autoridades públicas e privadas para direitos básicos como saúde e educação. O objetivo do MNU era conscientizar a população negra sobre a discriminação e as desigualdades raciais na sociedade brasileira e assim organizar grupos para pressionar o governo para combater o racismo na sociedade.

Nosso trabalho, enquanto profissionais da história, requer cuidados e perspectivas críticas no trato com as fontes. Neste sentido, para analisar os discursos e as representação de Veja e Isto É quanto aos temas de interesse deste trabalho, mobilizamos alguns suportes teóricos e metodológicos que contribuem para esta tarefa de análise das fontes e melhor mecanismos de interpretação de suas abordagens e conteúdos.

Utilizar impressos como fonte não constitui uma tarefa simplória. A utilização das revistas enquanto fontes constituem formas de representação de acontecimentos de um determinado período, sem, no entanto, serem uma verdade única. Trabalhar com as revistas como fontes históricas significa questioná-las, pensar a que público eram destinadas e cada reportagem precisa ser analisada e questionada. Faz-se necessário se perguntar qual o espaço que essa reportagem ocupa na revista? Pois não é só o que está escrito, todo o contexto deve ser levado em consideração, pois diferente do que é pregado pelos meios de comunicação, a dita imparcialidade não existe, e é partindo desse pressuposto que pretendo investigar como um homem negro, que integrava movimentos sociais e políticos era apresentado por um grupo majoritariamente branco que dominava a veiculação destes dois periódicos.

Heloisa Cruz e Maria do Rosário Peixoto (2007) problematizaram os usos correntes que os historiadores fazem da imprensa enquanto fonte de pesquisa, apresentando alguns procedimentos teórico-metodológicos para o trabalho com esse tipo de documento. Na visão destas pesquisadoras, é necessário compreender a

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importância dos meios de comunicação enquanto um campo interdisciplinar importante para o entendimento da vida contemporânea, contudo, deve-se ter em mente o campo de subjetividade e intencionalidade de quem produziu determinado periódico, necessitando ser problematizado. Na perspectiva das autoras, faz-se necessário refletir sobre a historicidade da imprensa, problematizando como se articula, sua constituição e veiculação (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 259).

A Veja, fundada em 1968, teve como objetivo primordial integrar o Brasil através da informação, uma vez que foi a primeira revista de informação de circulação nacional. Seus primeiros leitores eram principalmente os universitários. O projeto da

Veja é do Roberto Civita e demorou dez anos para ser colocado em prática, pois para o

período era um investimento alto. Em 1968, quando foi lançada, custou a Editora Abril em torno de 6 milhões de dólares. A revista Veja é uma revista semanal e desde a primeira edição investiu fortemente na distribuição dos seus exemplares, para isso a Editora Abril investiu pesadamente em novas tecnologias, tanto para que a revista fosse impressa rapidamente no sábado à noite - quando tem a edição fechada – quanto para que a revista chegasse ao começo da semana nas diferentes regiões do Brasil. A inauguração da revista foi um grande acontecimento, sendo inclusive amplamente noticiado nos espaços midiáticos (MIRA, 1997).

A revista Isto É foi fundada em 1972, pela Editora Três, mas começou a ser publicada somente em 1976 tendo como editor Mino Carta. A proposta da Isto É era apresentar uma crítica à sociedade brasileira e seus hábitos políticos. (LOHN, 2014, p. 98-99). A revista Isto É começou a circular no Brasil em 1976, tornando-se um periódico semanal que aborda temas de política, cultura, economia e sociedade. No entendimento de Silvia Arend e Reinaldo Lohn (2014), este periódico também atua na construção de realidades e formação da memória dos sujeitos leitores a respeito das temáticas abordadas e formas de abordagem que utiliza, estabelecendo conexões entre passado e presente. Neste sentido, não se trata apenas de registro ou emissão de uma opinião, mas de pensar como a revista participa "na construção social dos eventos e marcos de um tempo presente que passou a ser alvo da historiografia" (AREND; LOHN, 2014, p. 15). Os materiais utilizados, referentes a este periódico foram coletados na Biblioteca Pública de Santa Catarina, pois esta possui em seu acervo os exemplares da referida revista.

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Estes periódicos, assim como os impressos em geral, não são produzidos de forma ingênua, sem objetivos. Nesta direção podemos levar em consideração o aviso feito por Tânia de Lucca que diz que “é importante estar alerta para os aspectos que envolvem a materialidade dos impressos e seus suportes, que nada têm de natural” (LUCCA, 2005, p. 132). Para Roger Chartier (2011, p. 16) “sempre a representação das práticas tem razões, códigos, finalidades e destinatários particulares. Identificá-los é uma condição obrigatória para entender as situações ou práticas que são o objeto da representação”. Neste sentido, a representação muitas vezes diz mais sobre quem a faz do que sobre quem é representado. Por isso, entender as subjetividades contidas nas reportagens publicadas por este periódico é de extrema importância, pois a constituição de seu grupo de trabalho é composta de pessoas quase que majoritariamente brancas, letradas, urbanas e de classe média.

As questões abordadas acima citadas foram aquelas que me impulsionaram a pesquisar sobre Abdias Nascimento. Ao contrário da crítica feita por Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado (1980) sobre a utilização da imprensa apenas como fonte confirmadora de análises feitas em outros documentos, pretendo utilizar esses impressos como fonte, justamente por saber que são fontes pouco exploradas no campo de conhecimento acerca dos negros no Brasil. Levando em consideração o alcance destas revistas na década de 1980 e o seu público-alvo, creio que teremos materiais e fontes que, se bem questionadas, trarão materiais extraordinários. Não posso deixar de levar em consideração que estas revistas foram e são formadoras de opiniões e, por isso, é importante identificar como os negros foram representados.

Este trabalho de conclusão de curso está dividido em dois capítulos. O primeiro capítulo explora alguns apontamentos e faz uma análise de como as populações negras e militantes negros (incluindo Abdias Nascimento) são representados pela revista Veja, e Isto É, discutindo também a ausência de reportagens sobre o Movimento Negro nos periódicos. Destacamos também aspectos relativos à imprensa no período de 1978-1988 e analisamos algumas reportagens. Já o segundo capítulo adentra mais no universo de reflexão do Centenário da Abolição da Escravatura (1988), sendo que faremos essa análise a partir de dois cadernos especiais elaborados com intuito de comemorar/homenagear esse evento, momento em que diferentes militantes do Movimento Negro e antirracistas organizaram mobilizações, comemorações e materiais

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2 CAPÍTULO 1 – REPRESENTAÇÕES DO NEGRO NAS PÁGINAS DA REVISTA VEJA E ISTO É

Neste capítulo pretendemos analisar como o negro era visto pela imprensa brasileira no período de 1978-1888. Essa análise será feita através das reportagens da revista Veja que foi/é um importante veículo de comunicação no período, tendo grande influência na formação de opinião, em especial, de uma determinada classe social – a dita classe média. Como homens e mulheres negras aparecem nas reportagens? Qual o espaço dado a estes personagens? Quais os temas mais constantes? Pretendemos também perceber como as revistas Isto É e Veja representam a luta pelos direitos das populações historicamente marginalizadas, em especial as mobilizações e organizações concretizadas pelo Movimento Negro.

Como essas revistas noticiavam as ações do Movimento Negro do qual Abdias Nascimento foi co-fundador? Como a doutrina do quilombolismo idealizada por Abdias Nascimento era vista? Como a Constituição de 1988 e a inclusão de outros personagens foram interpretadas? Como foi vista a proposta de Abdias Nascimento de 1983, de políticas públicas de ações afirmativas? Quais discursos estavam em voga? Como eram vistos os projetos de leis apresentados por Abdias Nascimento? Como foi noticiado um século da Abolição da Escravatura?

Para responder estas perguntas e dialogar com os propósitos intencionados pelos periódicos, precisamos também entender como a mídia, especificamente as revistas Isto

É e Veja construíram narrativas a respeito destes sujeitos, em diferentes momentos e

sobre algumas temas mais recorrentes, como música, artes e problemas sociais, normalmente vinculados à estereótipos de cor/raça.

2.1 ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A CONJUNTURA BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980

Na década de 1970, o governo brasileiro, sob a ditadura civil militar instalada em 1964 começou a construir um projeto de organização social para o país, baseado, segundo Maria José de Rezende (2013), num sistema de ideias e valores sobre uma

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suposta democracia estritamente vinculada às suas estratégias de ação nas diversas esferas, ou seja, econômica, política e psicossocial.

O período dos anos 1970 inicia um ciclo no Brasil que ficou conhecido como “milagre econômico”, dado seu caráter de grandes investimentos em infraestrutura, acordos comerciais com diferentes países, despontando para um corpo diplomático que se fará presente em distintos países da Europa, da América e da África para estreitar relações políticas, econômicas e sociais.

Nesta conjuntura, mesmo tendo em vista alianças brasileiras estabelecidas com diferentes países africanos, a situação vivenciada no Brasil por homens e mulheres negras indicava um quadro de descaso com o racismo vigente e as políticas sociais demandas pelo Movimento Negro, mas ainda não efetivadas pelos governos.

É neste momento de tensões, de situações extremas de racismo e de descaso com os problemas sociais e raciais da população brasileira, em especial, a parcela significativa de negros e negras à margem de direitos da sociedade, que surge um novo Movimento. Nos anos 1970, militantes e organizações do movimento social negro passaram a buscar o conhecimento do passado africano, livre de rótulos e estereótipos. Segundo Amilcar Pereira e Verena Alberti (2007), a chamada “descoberta da África” vivenciada por esses sujeitos neste período teve uma função importante no processo de construção e consolidação da identidade negra brasileira. A realização de pesquisas, seminários e grupos de estudo, com foco na “discussão sobre a questão racial no Brasil e no mundo e a busca de informações sobre a África, era muito comum entre os militantes nas décadas de 1970 e 1980, nas diferentes regiões do país” (PEREIRA; ALBERTI, 2007, p. 35).

Andrews (1998) ressalta que esses jovens intelectuais e militantes negros estavam intrigados com os acontecimentos vivenciados no “Movimento Negro Internacional” pelo mundo, especialmente os Movimentos de Independência na África Portuguesa e os movimentos de lutas por direitos civis e o “Black Power” nos Estados Unidos. Para que essa mobilização política acontecesse e despontasse na criação de um Movimento Negro Unificado, pautado nas demandas e mazelas ocorridas com as populações negras brasileiras, alguns fatores merecem destaque por sua crucial importância, entre eles: a barreira que a classe média negra enfrentava por conta da questão racial, que impedia a ascensão social; a sensação de que a abordagem somente cultural em nada mudaria essa situação; os objetivos alcançados pelo movimento negro

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do exterior; a mobilização e organização que estava acontecendo no Brasil com a abertura política. Alguns militantes resolveram, a partir desses fatores, criarem uma nova Frente Única Brasileira (LUCINDO, 2014; ANDREWS, 1998).

O objetivo do Movimento Negro Unificado era conscientizar a população negra sobre a descriminação e desigualdades raciais na sociedade brasileira e assim organizar grupos para pressionar o governo para combater o racismo nas diferentes esferas da sociedade brasileira. Andrews aponta ainda que, entre 1979 e 1980, os partidos de esquerda passaram a enxergar nesse novo grupo um grande aliado e passaram a aglutinar suas bandeiras. Todos eles incluíram pontos antirracistas em suas plataformas e convidaram ativistas negros a se candidatar. O autor aponta que essa manobra fracassou, pois dos 54 candidatos negros, somente dois foram eleitos.

O Movimento Negro começou a se decepcionar com os partidos de esquerda por considerarem que para eles não era prioridade a luta contra a desigualdade racial, pois para os partidos socialistas tudo isso acabaria, pois todos seriam vistos como iguais e esse ponto de vista desconsiderava o racismo. Por conta disso esse movimento viu no trabalhismo instituído por Vargas uma espécie de solução. Nesta direção o Partido Democrático Trabalhista (PDT)conquistou um grande número de votos sob a liderança de Brizola e como citado anteriormente com o auxílio de Abdias Nascimento. (ANDREWS, 1998).

O apoio ao PDT não foi hegemônico, em São Paulo, por exemplo, esse partido não obteve o mesmo apoio que no Rio de Janeiro. O apoio aos ativistas negros que foram candidatos não teve o apoio da maioria dos negros de classe média, pois estes julgavam perigosa a agitação desse grupo contra os brancos, e os negros pobres, colocavam pouca fé nestes candidatos. (ANDREWS, 1998). Foi nesta configuração que Abdias Nascimento foi Deputado Federal. Segundo Andrews, o MNU direcionou sua atenção no início dos anos 80 aos negros mais instruídos e em ascensão e por isso teve pouca inserção entre os trabalhadores que não eram intelectualizados.

Para o autor estava bem claro que o candidato que utilizava como proposta de campanha a luta contra o racismo não conseguiria ser eleito e essa leitura fora feita por parte do Movimento Negro que passou a fazer alianças com movimentos “populares” a fim de combater as desigualdades sociais e econômicas no Brasil. Andrews afirma que “o Movimento Negro das décadas de 1970 a 1980 obrigou a sociedade brasileira a

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reconsiderar suas atividades públicas e privadas sobre questões raciais” (ANDREWS, 1998, p. 325).

Os anos de 1978-1988 foram extremamente movimentados e tiveram acontecimentos de extrema relevância. Em 1978 o ato Institucional de nº 5 foi revogado pelo então presidente Ernesto Geisel o que significou o início da abertura política no Brasil. Neste mesmo ano aconteceu um Congresso Nacional pela anistia em São Paulo. Os governadores começaram a ser escolhidos indiretamente. Para a imprensa foi um ano importante, pois acabou a censura prévia a que estavam submetidos. Neste ano também ocorre a primeira greve após o Ato institucional nº 5, que foi a greve dos metalúrgicos em São Bernardo dos Campo, em São Paulo. Para Eder Sader esse foi o ano em que os movimentos sociais entraram em cena.

A novidade eclodida em 1978 foi primeiramente enunciada sob a forma de imagens, narrativas e análises referindo-se a grupos E populares os mais diversos irrompiam na cena pública reivindicando seus direitos, a começar pelo primeiro, pelo direito de reivindicar. O impacto dos movimentos sociais em 1978 levou a uma revalorização de práticas sociais presentes no cotidiano popular, ofuscadas pelas modalidade dominantes de representação. Foram assim redescobertos movimentos sociais desde sua gestação no curso da década de 70. Eles foram vistos, então, pelas suas linguagens, pelos lugares de onde se manifestavam, pelos valores que professavam, como indicadores de emergência de novas identidades coletivas. Tratava-se de uma novidade no real e nas categorias de representação do real. (SADER, 1988, p. 26-27).

Em 1979 a Lei de Anistia foi sancionada e com isso mais de quatro mil pessoas foram beneficiados. Pessoas exiladas começaram a retornar ao Brasil. Em 1980 são regularizados o registro de seis partidos: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e Partido Democrático Social (PDS). Em 1984 começam as manifestações pelas Diretas Já que reuniu milhares de pessoas nas ruas em várias cidades do Brasil. A emenda constitucional proposta por Dante de Oliveira que pedia eleição direta para presidente foi rejeita. Com isso, em 1985, Tancredo Neves, primeiro presidente civil após 21 anos foi eleito através de eleição indireta. Com sua morte, quem assumiu o governo foi seu vice, José Sarney, cujo mandato se estendeu até a posse do primeiro presidente eleito diretamente, Fernando Collor de Melo.

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Em 1985 começaram os debates em torno da elaboração de uma nova constituição para o país. Ivair Augusto Alves dos Santos fez um estudo dos programas partidários que incluía a questão racial e dos partidos acima, todos contemplavam esse programa. Outros partidos criados a partir de 1985 como o Partido Socialista (PS), Partido Humanista (PH), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), entre outros, também apresentavam esse programa. Ele aponta partidos como o Partido Social Cristão (PSC), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido da Frente Liberal (PFL), Partido Liberal, dentre outros que não mencionavam questões raciais. Em 1988 é promulgada a Nova Constituinte Brasileira.

2.2 ABDIAS NASCIMENTO E O MOVIMENTO NEGRO

Durante a década de 1980 as ações do Movimento Negro e do próprio Abdias Nascimento foram noticiadas pela mídia. Abdias Nascimento relatou em entrevista para o Portal Afro que todas as notícias vinculadas na mídia sobre as populações negras e os militantes negros eram fragmentadas. Neste sentido, Fernando Conceição (1996), ao trabalhar com a representação de Zumbi nos jornais, chega à conclusão de que quando os negros/afro-brasileiros são retratados pela mídia, isso acontece de forma extremamente preconceituosa, o que evidencia o despreparo (bem como o preconceito) dos jornalistas ao tratar de temas raciais e/ou referentes as populações negras. Para Conceição, esse despreparo reforça uma imagem estereotipada do negro, construída desde o período escravocrata que considera os descendentes de africanos como inferiores.

Em sua dissertação de mestrado, Juvenal de Carvalho (2002) analisou as edições de Veja entre 1968 a 1985 e discutiu como o periódico produziu um discurso sobre o processo de independência de Angola. O que o autor percebeu é que, da forma como a revista Veja destacou, parece que Angola estava recebendo um favor de Portugal, e que não foi uma conquista dos próprios angolanos e de seus movimentos de independência. Investigando também as imagens de África, Carvalho percebeu que o olhar lançado sobre os acontecimentos no continente, cheios de valores e visões negativas, foi fundamental para a classe dirigente difundir e consolidar por meio da imprensa uma

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supremacia na sociedade, além disso, tratou-se de um aspecto decisivo na construção da identidade nacional brasileira.

Percebemos, neste sentido, o cuidado no trato com as fontes da imprensa, pois estas estão imbuídas de valores e também não são isentas de construções e mesmo de favorecimentos, ao legitimar a memória de uma luta a povos que não os próprios envolvidos no processo de independência.

Discutindo os modos como foram veiculadas as notícias sobre o Apartheid nos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo na década de 1980, Fabiana Vieira da Silva (2013) analisou de que forma estes dois grandes veículos da imprensa paulista construíram, em suas páginas, o regime segregacionista sul africano, em um momento de grande debate sobre o mito da democracia racial no Brasil. Segundo a percepção da autora, o segregacionismo, a exclusão e a marginalização dos não brancos como um problema “externo” dos sul-africanos ficou evidente nos periódicos em questão. As instituições de comunicação responsáveis pela cobertura dos acontecimentos naquele país, cuja segregação era oficial, assim, acompanharam, deram espaço, lançaram uma interpretação específica ao conjunto de eventos lá ocorridos, aos grupos e indivíduos atuantes que revelam muito mais sobre os projetos políticos, econômicos, sociais e culturais desejados pelos dois jornais do que o que a própria África do Sul estava propondo com suas reivindicações e lutas contra o regime segregacionista (SILVA, 2013, p. 131).

No âmbito de revistas semanais de informação geral, a revista Veja, seguiu os padrões de grandes revistas semanais veiculadas em grandes centros urbanos de países europeus e norte-americanos, difundindo temas do campo da política, da economia e do social, pautados também no uso de imagens e representações dos acontecimentos em formato imagético, visual. Para Cristiani Bereta da Silva (2014), a revista Veja desenvolve uma organização de suas publicações de modo a construir sentidos a um determinado acontecimento ou fato, atribuindo sentido a estes por meio de uma narrativa própria do periódico, em sua forma de escrita e articulação.

Quando iniciamos as pesquisas para este trabalho acreditávamos que como o Movimento Negro Unificado foi extremamente atuante a partir do final da década de 1970 (sua fundação foi em 1978) apareceria constantemente em reportagens e notícias nas páginas da revista Veja. Porém, ao longo desta pesquisa percebemos o quanto estávamos enganadas. Das 578 edições da revista Veja que foram analisadas não

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encontramos sequer uma reportagem em que o foco fosse o Movimento Negro Unificado. Umas das únicas referências publicadas sobre o Movimento negro foi uma resposta do Gilberto Gil em uma entrevista cedida à revista e publicada no dia 20 de janeiro de 1988.

Nesta entrevista, a Veja pergunta a Gilberto Gil: “alguns movimentos negros não querem mais considerar a data 13 de maio como como data de libertação dos escravos. Preferem comemorar em novembro, na data da morte de Zumbi dos Palmares. Você concorda com essa mudança?” (VEJA, 1978, p. 5). Essa pergunta elaborada pela revista tem tudo a ver com uma resistência de diversos setores da sociedade brasileira, em sua maioria branca, que discordam da resistência dos negros em aceitar a data 13 de maio como marco da “libertação” dos escravos pela princesa Isabel. Estes não conseguem perceber que ao responsabilizar somente a princesa Isabel e/ou os abolicionistas pela abolição da escravatura, deslegitimam os afro-brasileiros de toda a luta e resistência em torno da liberdade. Mas essa questão é compreensível a medida que a revista adota essa postura na grande maioria das suas reportagens, em que o negro é o foco ele aparece como sujeito sem ação, passivo...

Peter L. Eisenberg no prefácio do livro “Onda negra medo branco” fala de como os novos estudos historiográficos que surgem no Brasil a partir da década de 1970 apresentam os escravizados de uma forma totalmente diferente das anteriores, pois se antes eles eram tidos como dominado, sem vontades – como a imprensa continua a apresentar ainda - essa historiografia já apresentava esses sujeitos como autores da sua própria história. Ele aponta que:

Uma boa parte desta geração de historiadores entende que não foi nem a ação filantrópica de grupos “modernos” de consciência mais elevada, nem a lógica inexorável de um modo de produção cuja hora vinha chegando, que dava a direção e a velocidade aos acontecimentos do século XIX. Fundamentalmente, foi a luta de classe, como afirmaram Marx e Engels no início do Manifesto Comunista. A história da transição da escravidão para o trabalho livre no Brasil constrói-se a partir das ações e reações dos sujeitos históricos, que nunca, nem quando muitos deles foram caracterizados como mercadorias, deixaram de fazer sentir a sua presença. (AZEVEDO, 1987; p. 15)

A essa pergunta Gil deixa evidente que respeita essa postura, porém com algumas ressalvas. Eis a resposta:

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Acho legítimo que se queira mudar. As organizações negras querem mudar o foco da abolição para um outro, o de Zumbi, que simboliza melhor a resistência negra. Mas essa tentativa de mudança não deve ser feita à custa do escurecimento absoluto do foco que existia antes sobre o dia 13 de maios. O negro passa a contar, a partir do momento da abolição, com contingentes cada vez maiores de pensadores, intelectuais, artistas. A participação do negro na sociedade, a mudança da mentalidade do branco, ajudaram a criar o mito da democracia racial. (VEJA, 28/06/ 1978, p. 5).

Em seguida, no entanto, Gil pontua que considera justa a denúncia feita na data 13 de maio e que o reducionismo feito a participação dos negros neste processo é problemático. Encerra falando que “a abolição da escravatura não foi somente um autógrafo da princesa Isabel”. A ausência do Movimento negro nas páginas da Veja representa um silêncio, que, de certa forma, grita. E nos faz questionar: será que para uma revista que tinha por hábito apresentar os negros como sujeitos sem ação, de uma forma totalmente paternalista, é interessante mostrar que existe um movimento organizado, que luta contra o racismo, batalha por mais espaço de atuação e participação?

Outra esperança que tínhamos era a de encontrar algumas reportagens sobre Abdias Nascimento, levando em consideração sua atuação política, militância e por ser também um intelectual conhecido em diversas partes do mundo. No caso de Nascimento, a revista Veja apresenta três reportagens. A primeira é uma entrevista do dia 28 de junho de 1978, a segunda é uma resenha do livro O genocídio do negro

brasileiro – processo de um racismo mascarado e a terceira, do dia 26 de março de

1986, que fala de uma viagem do Abdias Nascimento a Gana.

A entrevista, cujo título é “Nossos negros solitários” é que será o foco de nossa análise, pois ocupa um espaço de destaque – já que são as primeiras páginas da revista e ainda tem uma cor diferenciada – amarela. Veja anuncia o entrevistado como "Um professor brasileiro corre o mundo e constata o patético isolamento em que vive o negro no Brasil, cortado de sua raiz africana." (VEJA, 28/06/1978, p. 3). Nela, Abdias Nascimento denuncia o racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira. Antes de analisar e destrinchar essa entrevista é necessário conhecer o Abdias Nascimento que despertou para as questões raciais quando

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Certa vez assisti minha mãe tomar defesa de um garoto negro e órfão, colega meu de grupo e chamado Felismino, a quem uma nossa vizinha branca surrava sem piedade. Minha mãe, invariavelmente tão tranquila, entrou em luta corporal e arrancou Felismino das mãos da vizinha. Esta cena, perdida nas dobras da longínqua infância, lá na pequena Franca natal, oeste do Estado de São Paulo, emerge e cresce na minha primeira lição de solidariedade racial e na luta pan-africana (NASCIMENTO, 1980, p. 21).

Abdias Nascimento, desde muito jovem, tinha consciência de suas origens africanas, mas seu contato com a cultura afro-brasileira se intensificou quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 1936. A partir de então, a representação que ele começou a fazer de si estava ligado a essa cultura. Stuart Hall aponta que “é somente pelo modo no qual representamos e imaginamos a nós mesmos que chegamos, a saber, como nos constituímos e quem somos” (HALL, 2003, p. 346).

A figura de Abdias Nascimento é amplamente estudada. Isto ocorre tanto por sua militância em prol dos direitos para os negros quanto pela sua vida acadêmica, cultural e artística. A maior parte dos estudos acerca deste pensador, professor, político, pintor, poeta possuem a proposta de estudá-lo enquanto militante ou enquanto intelectual. Minha proposta, porém, não desvincula o militante do acadêmico, o político do artista, porque a figura de Abdias Nascimento está cercada de múltiplos personagens.

A surpresa por encontrar uma matéria de destaque sobre Abdias Nascimento nas páginas da revista Veja se deu, justamente, por conta do público a que esse produto era (e é) destinado, pois não temos como analisar impressos sem antes levar em consideração quem são os colaboradores financeiros e para qual grupo social, econômico e político a revista é destinada. Na revista em questão, esse é um produto destinado à classe média, ainda majoritariamente branca. “Quem fala nestes meios, seja ele um repórter, redator, editor, correspondente é um ideólogo, dado que, não apenas reproduz, mas seleciona, hierarquiza e dá significados sobre aqueles os quais descreve, sendo, também constantemente influenciados por eles” (SILVA, 2013, p. 31).

A entrevista foi cedida a jornalista Mirna Grzich8 na volta do Abdias Nascimento ao Brasil depois de um autoexílio9 de dez anos nos EUA. A matéria tem como início uma longa lista do que foi realizado por Nascimento ao longo da vida e sobre a sua posição naquele momento. Grzich aponta que nada consta sobre o

8 Mirna Grzich é jornalista, escritora e terapeuta. Foi correspondente internacional, trabalhou em revistas semanais como: Visão, Veja e Isto é. Suas matérias eram voltadas para cultura e política.

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Nascimento que o torne indesejável para a pátria, pelo contrário, que ele é quase solitário na luta pela melhoria da vida do negro no país.

O primeiro questionamento é: Como o senhor vê o problema do negro

americano hoje? Abdias fala sobre o negro estadunidense10 e suas possibilidades que são maiores que a dos negros brasileiros, por exemplo. Para ele, o fato dos negros estadunidenses ocuparem mais espaços de destaque está ligado ao trabalho de terem tentado reatar os laços com a África, a partir de estudos das experiências da diáspora e assim revisando a história dos EUA. Outra questão importante para Nascimento é a importância que foi dada ao sistema educacional que teve a preocupação de descolonizar os negros das Américas.

Para Abdias Nascimento, esconder dos negros – através da educação – a história sobre os seus ancestrais que foram escravizados era estratégico. Essa posição pode ser percebida neste discurso proferido de forma enfática:

Não aceito o escapismo da “humanidade sem cor”, que simplesmente nos conduz ao endosso de nossa alienação cultural/racial, tão persistentemente patrocinada e advogada por aquelas ideias de supremacismo eurocentrista. Milênios antes que os europeus tentassem negar a África e os africanos através da desumanização escravista e da invasão colonial, com a simultânea negação de sua história e cultura, os negro-africanos11 se reconheciam como negros e não se envergonhavam de sua identidade concreta, muito pelo contrário, se orgulhavam dela. A revolução pan-africana deve assumir como tarefa prioritária a responsabilidade de garantir o resgate da consciência negra, a qual tem sido violada, distorcida e agredida de muita\s formas e maneiras (NASCIMENTO, 1980, p. 78-79).

Na resposta, Abdias Nascimento faz uma comparação direta entre o negro brasileiro e estadunidense. O que parece incomodá-lo é justamente o fato dos negros brasileiros corresponderem a mais de 50% da sua população, segundo a ONU, enquanto os negros estadunidenses não chegam a 10%, 12% desse percentual e serem os negros estadunidenses que mais ocupam posição de destaque – cargos públicos, posição política, etc. As comparações são válidas e importantes, porém não podemos comparar a

10 Quando o Abdias do Nascimento fala do negro estadunidense ele sempre o trata como o negro americano, porém quando for eu quem estiver falando, prefiro tratá-los como negros estadunidenses, isso, pois, parto do entendimento que todos que moram nas Américas possam reivindicar esse tratamento. 11

Embora seja está uma citação, não posso deixar de dizer que a ideia de existir negros em África, de acordo com os processos históricos não seria possível. “Não existem negros em África. Africanos/as se veem como pertencentes aos seus grupos/povos/nações (iorubá, zulu, angolano, por exemplo), ou até mesmo (...) em algumas populações mais atuais, como descendentes de portugueses, holandeses e assim por diante, devido ao processo colonizador” (CARDOSO; RASCKE, 2014, p. 16).

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forma como se deu a Abolição da Escravatura nos EUA e como aconteceu aqui no Brasil. Foram processos históricos diferentes.

A segunda pergunta foi elaborada a partir da resposta da primeira: Considerando

esse percentual, como se explica a ausência dos negros nas esferas de decisão do Brasil? Aqui Abdias Nascimento chama atenção para uma divisão que acontece entre os

negros desde o período colonial, que é o aspecto cor, apontando a divisão entre negros, mulatos e pardos. Essa, para ele, era uma forma de manipular a força negra brasileira através da separação. Ele também aponta para a ausência do quesito cor/raça no Censo Demográfico. Essa ausência de objetividade apontada seria sanada em 1982 depois de pressões dos movimentos sociais. Voltarei a esse tema no capítulo II desse trabalho.

Ao pensar nas possíveis respostas a essa questão, precisamos lembrar mais uma vez o público a que esse produto (a revista) era destinado. Neste sentido, a advertência de Fabiana Viera da Silva é extremamente válida:

São, então, tais meios carregados de sentido ideológico, e que se apresentam de formas diversas, na fala do dono do jornal, na construção da notícia, composição do texto, fundo histórico e que mantém constante diálogo com outros posicionamentos e com o meio social, de modo a refazer-se cotidianamente (SILVA, 2013, p. 31).

Ou seja, não se trata de desconhecimento ou algo do tipo, trata-se sim de uma posição ideológica que é seguido pelos meios de comunicação. Abdias Nascimento, no seu livro O Quilombismo, alerta para essa estratégia.

A luta comum dos povos negros e africanos requer o conhecimento mútuo e uma compreensão recíproca que nos tem sido negados, além de outros motivos, pelas diferentes línguas que o opressor branco-europeu impôs sobre nós, através do monopólio dos meios de comunicação, do seu controle exclusivo dos recursos econômicos, das instituições educativas e culturais. Tudo isso tem permanecido ao serviço da manutenção da supremacia racial branca (NASCIMENTO, 1980, p. 16-17).

Ainda na entrevista, Abdias Nascimento fala de como o negro brasileiro sempre foi deformado como ser humano dentro de um jogo convencional. Ele aponta que o negro sempre foi visto como pitoresco, engraçado e folclórico. Visto como “um cidadão de segunda classe”. Em seguida, ao analisar a posição brasileira em relação a outros

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países que também passaram pela diáspora, Nascimento pontua mais uma vez a ausência do negro nas esferas de governo. Para ele, a lógica de um governo legítimo no Brasil seria contar com pessoas que representassem a maioria, ou seja, a população negra, mas segundo ele isso nunca aconteceu, pois, o negro nunca pôde exercer sua identidade e dessa forma teria sido subordinado as ideias, concepções e paternalizações de origem europeia. Ele aponta, ainda, que o isolamento do negro brasileiro o impediu de renovar sua visão de mundo e com isso veio o impedimento de alimentar sua força social, econômica e política.

Nascimento aponta que retomar os laços com a África é muito importante, porém, para ele, isso deve ser feito no âmbito da cultura e não somente nos negócios como estava acontecendo na época. Os laços, a seu ver, teriam que ser retomados a partir do olhar dos negros no Brasil, para os africanos, pois se os laços fossem somente através de interesses econômicos e relações comerciais seria uma forma de manter a espoliação da qual eram os negros/os africanos vítimas desde o período da escravidão/colonização. Ele aponta que o contato teria que ser feito a nível popular e não oficial:

é que alguns privilegiados da elite econômica ou intelectual vão à África apenas para dar informações distorcidas do cotidiano do negro brasileiro. Vão fazer negócios, pintar um quadro que desperte o interesse pelo Brasil. Por que falariam das agressões que a cultura africana sofre aqui? (VEJA, 28/06/1978, p. 5).

Essas denúncias que o Abdias Nascimento traz são sintomáticas, visto serem feitas através de um meio de comunicação que é consumido principalmente pelas elites, porém, muitas vezes fiquei com a impressão de que tanto os brasileiros negros como os africanos não tinham nenhum tipo de poder de decisão. Sabemos que os negros no Brasil não teriam esse poder de decisão, pois não ocupam cargos nas esferas públicas, mas falar dos africanos que fazem negócios com o governo brasileiro como se não fossem por escolha é uma forma de apresentá-los como pessoas totalmente manipuláveis e isso os coloca como se eles não tivessem escolha, quando sabemos que essa escolha pode sim, ser uma estratégia. Compreendo também que nem todos os países tinham esse poder de decisão e o próprio Nascimento aponta para países como Senegal, Costa do Marfim, Zaire, que segundo ele, tinham uma grande dependência das

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antigas metrópoles. Para Nascimento, essa era uma estratégia muito eficaz adotada pelas potências coloniais para dividir e colocar um país da África contra outro. “Carente de unidade, a África está também carente de força, sendo obrigado a deixar para depois o grande sonho do pan-africanismo, que engloba toda nação negra, dentro e fora do continente africano” (VEJA, 28/06/1978, p. 6). Abdias Nascimento foi reconhecidamente um intelectual pan-africanista e isso é algo bem evidente nessa entrevista.

O pan-africanismo foi um movimento de contribuição fundamental para o processo de tomada de consciência das elites culturais africanas em questões econômicas, sociais, políticas e culturais do continente. As ideias centrais contidas no conjunto das escrituras pan-africanas sistematizaram questionamentos, formularam projetos e informaram uma práxis que combateu a opressão e a injustiça, propondo a conquista das independências em âmbito continental (HERNANDEZ, 2005, p. 157).

O Pan-africanismo não surge no contexto africano, e sim fora dele. Esse movimento começa sendo composto pelos filhos das elites africanas que estudam em seus países de nascimento, no continente africano, mas que depois tem sua ida financiada para a Europa e posteriormente para os EUA para cursarem o ensino superior. Importa dizer aqui que o racismo é um dos elementos fundamentais na construção desse movimento, pois uma vez fora do continente africano com todas as diferenças existentes e o todo o racismo existente, esses estudantes passam a criar grupos de solidariedade. Estes só passam a se ver como africanos a partir do momento que saem de África, pois até então esta ampla denominação não cabe. Assim como a identidade de negros não existe até o momento em que estes saem do continente africano.

Para os intelectuais africanos, a raça que por tanto tempo serviu como fator de inferioridade passa a ser valorizada, positivada, no sentido biológico. Este termo adquire um significado maior, passa a ser a denominação também de um caráter histórico e social, mas o mais importante é que o termo é utilizado para criar uma homogeneidade entre os africanos que são tão heterogêneos.

São esses alguns dos pressupostos seguidos pelos pan-africanistas e Abdias Nascimento mostra esse sentimento de fraternidade ao longo da entrevista. Para ele falta ao negro brasileiro a informação sobre a luta pan-africana, pois “só quando ele tiver

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acesso a essa representatividade e ao poder, esse país será uma grande nação e significará a descolonização cultural total do homem brasileiro” (VEJA, 28/06/1978, p. 6).

2.3 REPRESENTAÇÕES NEGRAS NO CAMPO DAS ARTES

Um dos pontos de destaque que chama atenção nos materiais analisados diz respeito às artes, pois muitos dos personagens negros retratados são do meio artístico, em especial aqueles mais conhecidos nas mídias. Os negros têm um espaço significativo quando o tema é música, mas uma questão importante neste caso é a ausência da cor, exceto, quando o próprio artista – negro, se identifica desta forma. Os artistas negros que aparecem com certa regularidade nas páginas da Veja no período pesquisado são Milton Nascimento, Gilberto Gil, Cartola, Luis Miranda, Martinho da Villa, Candeia.

A revista vai, ao longo dos anos, mostrando as diversas faces de Gilberto Gil, seja no campo artístico seja no político. Gil cede duas entrevistas para a revista, uma em 10 de janeiro de 1979 e outra em 20 de janeiro de 1988. Esses dados são importantes, pois as entrevistas de pessoas negras são bem esporádicas. Nestas duas entrevistas percebemos personalidades diferentes do mesmo Gil. Na primeira, ele aparece como artista e pouco fala de suas origens, só como a África Central influência nas suas composições, da sua carreira internacional e do disco que recém tinha lançado nos EUA. Na segunda entrevista, no entanto, aparece de outra forma, são nove anos de diferença e ele é consultado sobre as comemorações do centenário da abolição da escravatura e a entrevista é também para que ele fale da sua candidatura à prefeitura de Salvador.

A primeira pergunta feita ao Gil nessa entrevista é se ele gostaria de ser branco, conformando a pergunta, por si só, um grande problema a ser debatido. A resposta dada pelo cantor é sintomático:

Não tenho nenhuma necessidade de ser branco. A vida acabou me encontrando caminhos de redenção social. Hoje sou bem realizado intelectualmente, materialmente e conceitualmente. Tenho orgulho da minha humanidade. Além do mais não sou racista. Ou seja, não tenho mais esse problema de ser negro ou branco. E, nesse sentido, até posso desejar ser branco. Tenho todo o direito de desejar ser branco, amarelo, até por curiosidade. Mas pelo lado de compensar uma deficiência, uma inferioridade

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