• Nenhum resultado encontrado

A funcionalização da boa-fé objetiva e os planos do fato jurídico / The functionalization of objective good faith and the plans of the legal fact

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "A funcionalização da boa-fé objetiva e os planos do fato jurídico / The functionalization of objective good faith and the plans of the legal fact"

Copied!
18
0
0

Texto

(1)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761

A funcionalização da boa-fé objetiva e os planos do fato jurídico

The functionalization of objective good faith and the plans of the legal fact

DOI:10.34117/bjdv6n11-293

Recebimento dos originais: 20/10/2020 Aceitação para publicação: 15/11/2020

Jussara Borges Ferreira

Doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC. Professora permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito da Universidade de Marília

- UNIMAR e do Programa de Mestrado em Direito e Cidadania da Universidade Paranaense - UNIPAR

Rua Ayrton Senna da Silva, 1055, sl. 1202, Ed. Square Garden – Gleba Palhano, Londrina-PR E-mail: jussara@bflaw.adv.br

Maristela Aparecida Siqueira D´Aviz

Mestranda do Programa de Mestrado em Processo e Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR. Juíza de Direito no Paraná

Praça Mascarenhas de Moraes, 4282, Umuarama – PR E-mail: siqueira.maristela@hotmail.com

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo relacionar as funções da boa-fé objetiva com os planos da existência, validade e eficácia, visando a verificação das consequências jurídicas da incidência desse princípio.

Palavras-chave: Direito Civil, Boa-fé objetiva, Contrato, Funções. ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze the functions traditionally of objective good faith with the plans of existence, validity and effectiveness, aiming to verify the legal consequences of the incidence of this principle.

Keywords: Civil Law, Objective good Faith, Contract, Functions.

1 INTRODUÇÃO

O escopo do presente trabalho é realizar abordagem do instituto da boa-fé objetiva, cláusula geral de natureza principiológica, para verificar em quais planos da Teoria do Fato Jurídico pode atuar.

Enquanto regra de conduta, aborda-se como o conceito ainda está em evolução, no sentido de que é construído ao seu tempo, possibilitando a concreção pela interpretação, o que só é logrado, justamente, por não ser estatuída em tipo fechado, segundo modelo casuístico. Seu vínculo reside nos usos e fins do meio social e econômico, nas práxis do local, no padrão médio de conduta e

(2)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 comportamento probo esperado, em influências assistemáticas. Logo, incumbe ao intérprete fundamentação adequada e racional de como chegou à concreção de seu conceito, ou melhor, preceito.

Nessa medida, busca-se por meio do presente contextualizar as funções da boa-fé objetiva, com maior aceitação na doutrina específica, com os planos do mundo jurídico – da existência, da validade e da eficácia.

Claramente, não se trata de aprofundar-se em mencionada teoria do fato jurídico e, sim, de maneira didática fazer a ligação entre esse princípio tão caro aos operadores do direito (mas, por vezes, tão vulgarizado, mal utilizado pela desmedida invocação) buscando instigar a reflexão sobre a necessidade de mínima dogmática sobre os efeitos e consequências de sua aplicação.

2 A BOA-FÉ OBJETIVA, UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO

O Princípio da Boa-fé Objetiva foi introduzido no ordenamento pátrio, na seara dos direitos das obrigações, tardiamente em comparação com outras legislações; foi graças aos estudos doutrinários e jurisprudenciais, que remontam à década de 90, do século XX, que o conceito e aplicação vieram a ganhar força em território nacional.

Até o momento, vigia o Código Civil de 1916 com raízes oitocentistas, apegado à noção de boa-fé subjetiva dos direitos reais, em que o elemento culpa, a crença, eram sua base de aferição. O Código Civil de 1916 possuía referência à concepção objetiva, em seu art. 160, inciso I1. Contudo, pouco aceita essa concepção até décadas de 50 e 70, mesmo sendo defendida pelo autor do Código, Clóvis Beviláqua (1973, p. 432-434) ao fazer referência ao abuso do direito:

A evolução do direito se tem operado no sentido do maior desenvolvimento e acentuação de seus intuitos ethicos, e correspondente redução dos seus elementos egoísticos. [...] Essa tendência depuradora do direito e a sua finalidade social exigem a socialização do exercício. O direito é a resultante das solicitações dos interesses do indivíduo e da sociedade. O seu exercício deve seguir a linha média traçada por essas duas solicitações. [...] A doutrina ainda não cristalizou, de modo definitivo, a noção de abuso do direito. [...] SALEILLES acha que o abuso está no seu uso anormal. [...] O brasileiro, art. 160, I, refere-se ao exercício irregular do direito. É a doutrina de SALEILLES. O exercício anormal do direito é abusivo. A consciência pública reprova o exercício do direito do indivíduo, quando contrário ao destino econômico e social do direito, em geral.

Pela análise do repositório de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nota-se que a década de 50 passou a ser marcada por litígios envolvendo o abuso de direito em matéria de direito de vizinhança – muito o mais se debatia a figura do abuso de direito processual. Data-se, de 11.10.1948,

1 Previa o dispositivo, que “NÃO CONSTITUEM ATOS ILÍCITOS:I- OS PRATICADOS EM LEGÍTIMA DEFESA OU NO EXERCÍCIO

(3)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 o RE 13.790/SP, cujo acórdão afasta a presença de propósito emulativo ou abusivo de direito pelo Recorrido. No caso, o Recorrido que se obrigara anteriormente com a destruição de um armazém e ausência de construção no alinhamento a recuo de 10 metros, viera a realizar alteamento do muro divisório, ao que se contrapunham os Recorrentes. Em prova pericial, constatou-se que a servidão de luz estava protegida e o ato não a cerceara, não constituindo abuso2.

De toda sorte, a boa-fé objetiva encontra referência no Direito Romano, que ao tratar da ideia de bona fides, dá uma ideia de comportamento individual ético. O Direito Romano foi absorvido e reconstruído pelo Direito Alemão. Assim, quem consagrou o que hoje entende-se por boa-fé objetiva foi o Código Civil Alemão (BGB), em seu § 242. Ele consagra uma expressão que em sua tradução literal não significa princípio da boa-fé, mas na tradução feita pela doutrina quer isso significar: Treu

und Glauben. Significaria semanticamente a noção de lealdade, crença e confiança.

Explica Cordeiro (1996, p. 9) que:

Impossibilitada, por razões de ordem política, que deram azo a uma unificação tardia, de proceder a uma codificação civil, antes do final do século XIX, a Alemanha viu-se na contingência de atravessar todo esse século na base no Corpus Iuris Civilis. Ora, durante esse longo e movimentado período, surgiam problemas, designadamente mercantis, que exigiam uma especial atenção dos tribunais de comércio. Estes, privados de leis actualizadas, iniciara uma técnica de decidir, em termos de ponderação e de razoabilidade comerciais, com apelo à velha bona fides. Criou-se, assim, uma tradição diversificada, apoiada em precedentes, que acabaria por encontrar um porto de abrigo natural, no §242 do BGB.

2 Para chegar às conclusões, o raciocínio utilizou-se da doutrina exponencial sobre o tema que à época surgia: “[...]

acena-se que a atitude do recorrido é tipicamente emulativa. Como teoria da vizinhança, adverte San Tiago Dantas, a da emulação é uma das mais incompletas que se conhecem. Modernamente mesmo os que ainda defendem o princípio de proibição dos atos emulativos, reconhecem que ela não resolve os conflitos de vizinhança mais graves e numerosos. O espírito de emulação é raro, e dificilmente o homem que se dispõe a molestar o vizinho deixa de resvalar além dos limites do seu direito e de invadir os domínios do ato lícito. O que é frequente é o conflito entre dois proprietários, que ambos procuram retirar dos respectivos imóveis proveitos legítimos e razoáveis, não podendo, porém, a satisfação de um ser obtida senão a custo da insatisfação do outro. Ora, para esse conflito a teoria da emulação não nos é do menor socorro, de sorte que devemos ir buscar alhures o critério de composição de que necessitamos. (O Conflito de Vizinhança e sua composição, n. 37, pgs. 98-00). O princípio da emulação está intimamente vinculado à teoria do abuso do direito. (...) ‘Duas razões práticas, acentua San Tiago Dantas, concorreram para o abandono da teoria da aemulatio. A primeira foi a raridade crescente dos conflitos presididos pelo espírito emulativo e a frequência dos grandes e graves conflitos industriais, para que eram de todo impotentes os princípios nela compreendidos. A segunda foi a dificuldade prática de fazer atuar a teoria, mesmo nos casos que ela podia colher: como a prova do dano, aliada à da inutilidade do ato para o seu agente, não era bastante para caracterizar a emulação, que ainda ficava sujeita à prova da intenção exclusiva de prejudicar’ escreve o dr. Pedro Batista Martins, ‘é fora de dúvida que, praticamente, ela estava destinada a uma inevitável bancarrota’ (O abuso do direito e o ato ilícito, pg. 24). ‘Inatual por um lado, pouco prática por outro, esta doutrina, segundo a observação de San Tiago Dantas, ainda teria o seu declínio abreviado pela ascendência de uma outra, que conquistava autores, tribunais e legisladores, substituindo o seu império ao da que se retirava. Queremos nos referir à doutrina do abuso do direito. A consagração legislativa que esta recebeu entre nós, sob a forma hesitante, tornou inútil a proibição dos atos emulativos, pois a qualquer deles se estende, sem o trabalho de apurar os extremos da intenção maliciosa, a regressão legal baseada no abuso do direito’ (ob. cit. Pags. 114-115, n. 46).”

(4)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 Desse conteúdo, o direito grego abstraiu sua fonte (art. 281). E essa comunhão de fontes ainda vai além. É do Código Civil Português, inspirado na literatura civil grega, a inspiração para o dispositivo contido no art. 187, do Código Civil de 2002; o art. 334 do Código Civil Português prevê “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e econômico desse direito” (Portugal, 1966).

A boa-fé objetiva obrigacional, assim, no modelo do Código Civil de 2002 veio a ser introduzida no art. 187, se relacionando com a licitude dos Atos Jurídicos; no art. 113, se relacionando à interpretação de quaisquer negócios jurídicos, mais especificamente os bilaterais, no art. 422; além do art. 927, na seara da responsabilidade extracontratual.

Em virtude da introdução clara e pontual do conceito legal, o Código Civil de 2002 veio atender aos reclamos de uma ordem jurídica justa; conceito e proteção já garantidos por legislações esparsas e pós-Constituição Federal de 1988, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, expurgando as resistências de adoção de um modelo de ilicitude bipartida (subjetiva e objetiva).

De bom alvitre pontuar que, ainda que expresso conceito apenas a partir do Código Civil de 2002, a jurisprudência se posiciona que a análise de contratos anteriores a esse marco também está condicionada a esse filtro3.

3NESSE SENTIDO, DECIDIU A MINISTRA NANCY ANDRIGHI: RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.

CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO. BEBIDAS. RESCISÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. BOA-FÉ OBJETIVA. PROIBIÇÃO DE CONDUTA CONTRADITÓRIA. SITUAÇÃO PRÉVIA AO CC/2002. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DISTRIBUIÇÃO CONFORME PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL. 1. AÇÃO AJUIZADA EM 30/05/1996, RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO EM 03/03/2016 E ATRIBUÍDO A ESTE GABINETE EM 15/12/2017.2. O PROPÓSITO RECURSAL CONSISTE EM DETERMINAR SE A RESCISÃO CONTRATUAL FEITA PELA RECORRENTE, POR MEIO DE NOTIFICAÇÃO VÁLIDA, APÓS O TERMO DE VIGÊNCIA DO CONTRATO ACERTADO EM ADITAMENTO CONTRATUAL, PODE GERAR DANOS AOS RECORRIDOS, EM FUNÇÃO DOS ALTOS INVESTIMENTOS DELES EXIGIDOS PELA RECORRENTE NO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO DO ADITAMENTO DO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO.ALÉM DISSO, ALEGA A RECORRENTE QUE O VALOR DE EVENTUAL INDENIZAÇÃO DEVE SER COMPENSADO COM OS CRÉDITOS QUE ELA POSSUI PERANTE OS RECORRIDOS, A SEREM AVALIADOS EM RECONVENÇÃO.TAMBÉM PLEITEIA A REDISCUSSÃO DA FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.A

RECORRENTE ALEGA, POR FIM, A OCORRÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 3. ANTE A AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE, NÃO SE VERIFICA NA HIPÓTESE A PRETENSA OFENSA AO ART.535 DO CPC/73.4. A AUSÊNCIA DE DECISÃO ACERCA DOS DISPOSITIVOS LEGAIS INDICADOS COMO VIOLADOS, NÃO OBSTANTE A INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, IMPEDE O CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.5.O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA EXERCE TRÊS FUNÇÕES:(I) A DE REGRA DE INTERPRETAÇÃO;(II) A DE FONTE DE DIREITOS E DE DEVERES JURÍDICOS; E (III) A DE LIMITE AO EXERCÍCIO DE DIREITOS SUBJETIVOS. 6. O ORDENAMENTO JURÍDICO REPELE A PRÁTICA DE CONDUTAS CONTRADITÓRIAS, IMPREGNADAS OU NÃO DE MALÍCIA OU TORPEZA, QUE IMPORTEM EM QUEBRA DA CONFIANÇA LEGITIMAMENTE DEPOSITADA NA OUTRA PARTE DA RELAÇÃO CONTRATUAL.7. MESMO NA VIGÊNCIA DO CC/1916 ERA POSSÍVEL IDENTIFICAR A EXIGÊNCIA DA BOA-FÉ E, ASSIM, É CORRETA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO À HIPÓTESE DOS AUTOS.8.NA HIPÓTESE, DEVE HAVER UMA NOVA DISTRIBUIÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBÊNCIAS, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ART.21 DO CPC/73 ("SE CADA LITIGANTE FOR EM PARTE VENCEDOR E VENCIDO, SERÃO RECÍPROCA E PROPORCIONALMENTE DISTRIBUÍDOS E COMPENSADOS ENTRE ELES OS HONORÁRIOS E AS DESPESAS").9.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO.(STJ, RESP 1726272/PE, REL. MINISTRA NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, JULGADO EM 05/11/2019, DJE

(5)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 Bem delineia Reale (2003) que a adoção do princípio da boa-fé como orientação ao Código Civil de 2002, o distingue do individualismo do Código anterior, superando posição positivista, proporcionando por meio de cláusula aberta que a conduta individual ou coletiva seja aferida em concreto.

Feito esse traço histórico, na busca de sistematizar o conceito, tem-se que a boa-fé em si traz a noção de cláusula aberta, que deve ser verificada segundo padrões médios de conduta dos envolvidos, que não está estagnado em modelo prévio legislativo, que determine sua extensão e liames. Dessa maneira, o tempo, as circunstâncias sociais e individuais é que trarão os seus contornos. Traz em si padrão de comportamentos humanos ligados à lealdade, honestidade, solidariedade e cooperação que o processo obrigacional exige.

Tratando-se de padrão de comportamento atemporal e mutável, a boa-fé objetiva se distingue dos entornos da boa-fé subjetiva (Guten Glauben). A boa-fé subjetiva tem cunho individual e traduz estado psicológico de inocência ou desconhecimento. Logo, sempre que a boa-fé consistir num estado psicológico será subjetiva. A boa-fé objetiva, por sua vez, consiste em uma cláusula geral que contém princípio, exigindo conduta ética, diretriz comportamental para consequências jurídicas. Diz-se que não está internalizada no agente, é uma regra objetiva de conduta a todos imposta.

Refere-se ao exercício contraditório, disfuncional e desmedido de um direito, como pontua Martins-Costa (2018, P.669). Apenas quando o exercício do direito ultrapassar os limites das posições

jurídicas lhe destinadas é que se fala em abuso do direito, ainda assim desprendido de qualquer elemento subjetivo relativo à intenção de prejudicar outrem (aonde reside o ato emulativo).

A verificação da ilicitude objetiva se dá no exercício do direito subjetivo pela contrariedade ao ordenamento, à lealdade, à eticidade e utilidade no seio das relações obrigacionais.

Cuida-se, enfim, de preceito de ordem pública, dirigindo em medida às diretrizes do campo negocial (art. 2.035, do CC), bem por isso se conclui que ela atua sobre os princípios basilares do direito negocial: ora sobre a força obrigatória dos contratos – pacta sunt servanda, ora sobre a autonomia privada, ora sobre a relatividade dos efeitos do contrato.

3 NEGÓCIO JURÍDICO E SEUS PLANOS

O negócio jurídico, como se sabe, pode ser examinado a partir de planos, os quais são há muito trabalhados no seio da doutrina e jurisprudência que tentam pontuar o conteúdo do mesmo em três momentos ou planos, ditos do mundo jurídico: existência, validade e eficácia.

(6)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 A construção dessa teoria geral foi trabalhada por Pontes de Miranda, em seu tratado, desencadeando o estudo na doutrina brasileira sobre o tema. Ocorre, no entanto, que seu lastro de debate é o Código Civil de 1916, sob a esteira do paradigma do positivismo, acentuando que “os sistemas jurídicos são sistemas lógicos” (MIRANDA,1999, P.13). Esse conceito é a base da Teoria do Fato Jurídico, mas deve também ser compreendida como produto do seu tempo, incumbindo a juristas e intérpretes, tentar garantir sua atualidade frente aos novos reclamos do ordenamento jurídico.

Eis a situação da aplicação de um princípio, extraído de uma cláusula aberta, fruto de um Estado Social, pós-positivista, como enlaçada a boa-fé objetiva, utilizada em equivalência com o modelo casuístico pelo legislador, possibilitando ao intérprete, juiz, transitar sobre conceitos extrassistemáticos.

Com efeito, o fato jurídico qualifica-se, pois, como o suporte fático suficiente no mundo real que sofreu a incidência de regra jurídica (MIRANDA,1999, P.126). Indo além, ao sofrer essa incidência,

diz Mello (1991, P.74-77) que essa parte relevante é transportada para o mundo jurídico, passando a

existir – plano da existência. Caminha, ou não, pela triagem pelo ordenamento jurídico, entre o que é perfeito ou não – plano da validade. Chegando, ou não ao plano da eficácia, “parte do mundo jurídico onde os fatos jurídicos produzem os seus efeitos, criando as situações jurídicas, as relações jurídicas com todo o seu conteúdo eficacial”.

Por sua vez, tratando ainda o tema, Miranda (1999, P.13)em síntese pontua que “o negócio

jurídico é o tipo de fato jurídico que o princípio da autonomia da vontade deixou à escolha das pessoas.”. Essa é a visão voluntarista4, ou de definição pela sua gênese. Ao passo que a ela se contrapõe,

a teoria objetiva ou de definição pela sua função, ou seja, a visão de negócio jurídico “antes um meio concedido pelo ordenamento jurídico para a produção de efeitos jurídicos que propriamente um ato de vontade” (AZEVEDO,2002, P.10).

Ao arremate, então, sustenta Azevedo (2002, P.17) a propriedade do negócio jurídico numa concepção estrutural, ou seja, visto como o fato jurídico, cuja declaração da vontade encontra lastro e efeitos queridos no ordenamento jurídico, respeitando os pressupostos de existência, validade e eficácia que a norma jurídica lhe impõe:

[...] quer-nos parecer que uma concepção estrutural do negócio jurídico, sem repudiar inteiramente as concepções voluntaristas, dela se afasta, porque não se trata mais de entender

4ACOMPANHA E COMPLEMENTA MELLO (1991, P.153) QUE NEGÓCIO JURÍDICO É O FATO JURÍDICO CUJO ELEMENTO

NUCLEAR DO SUPORTE FACTICO CONSISTE EM MANIFESTAÇÃO OU DECLARAÇÃO CONSCIENTE DE VONTADE, EM RELAÇÃO À QUAL O SISTEMA JURÍDICO FACULTA ÀS PESSOAS, DENTRO DE LIMITES PREDETERMINADOS E DE AMPLITUDE VÁRIA, O PODER DE ESCOLHA DE CATEGORIA JURÍDICA E DE ESTRUTURAÇÃO DO CONTEÚDO EFICACIAL DAS RELAÇÕES JURÍDICAS RESPECTIVAS, QUANTO AO SURGIMENTO, PERMANÊNCIA E INTENSIDADE NO MUNDO JURÍDICO.”

(7)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761

por negócio um ato de vontade do agente, mas sim um ato que socialmente é visto como ato de vontade destinado a produzir efeitos jurídicos. A perspectiva muda inteiramente, já que de psicológica passa a social. O negócio não é o que o agente quer, mas sim o que a sociedade vê como a declaração de vontade do agente. Deixa-se, pois, de examinar o negócio através da ótica estreita do seu autor e, alargando-se extraordinariamente o campo de visão, passa-se a fazer o exame pelo prisma social e mais propriamente jurídico.

Por outro lado, rejeitada como artificial a ideia do negócio como ‘norma jurídica concreta’, nem por isso a visão ora apresentada deixa de ser menos objetiva que a das concepções preceptivas. Não ficam, através dela, de forma alguma esquecidos os efeitos que do negócio resultam; esses efeitos, porém, não estão presos, como normas, a outras noras, mas sim, mais simplesmente, são relações jurídicas (em sentido lato) que o ordenamento jurídico, respeitados certos pressupostos (de existência, validade, eficácia) atribui ao negócio, em correspondência com os efeitos manifestados como queridos.

Nessa perspectiva, não se abandona a estrutura voluntarista, nem a objetiva, antes conjuga-as, possibilitando que os conceitos de base como a relação entre suporte fático (e seus elementos), incidência, fato jurídico, venham ser abordados tendo em vista a obrigação como um processo dinâmico.

Veja-se, a tradicional visão de obrigação vincula-se à presença de um credor e um devedor, interessados na satisfação do objeto, que é a prestação. Esse vínculo estabelecido transpassa, porém, a estrutura dogmática mencionada, que num primeiro momento fez nascer, pela autonomia privada, direitos e deveres. A necessidade de repersonalização das relações privadas, porém, impõe relação cooperativa entre credor e devedor, e mesmo com faceta protetiva a terceiros.

A obrigação como processo não prescinde da aplicação do princípio da boa-fé e a existência de deveres resultantes de sua concreção que não têm base na autonomia da vontade, como há muito Silva (2006, P.151) defendeu.

Ressalta Sanseverino (1997, p. 309) que a relação jurídica obrigacional, ao receber os influxos dos valores de liberdade, igualdade e fraternidade, com consequentes direcionamentos da boa-fé objetiva e da justiça contratual, transforma-se de um vínculo estático – entre credor e devedor em busca de satisfação de prestação – para um vínculo dinâmico, atento a sua função social.

Sob esse solar, tomando-se em conta que o negócio jurídico é uma espécie de fato jurídico, seu exame deve ser verificado sob os planos do mundo jurídico da existência, da validade e da eficácia, estrutura que possibilita o tráfego de obrigações privadas imanadas não apenas de visão satisfativa de interesse próprio, mas também inserta no meio social.

(8)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761

4 AS FUNÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA E A RELAÇÃO COM OS PLANOS DO FATO JURÍDICO

4.1 FUNÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA

A doutrina também se debruça ao estudo da funcionalização da boa-fé objetiva. A análise nessa perspectiva não pretende dizer o que é a boa-fé objetiva, antes pretende esclarecer a sua aplicação, delineando alternativas para a concreção dessa cláusula geral.

Martins-Costa (2008, p. 26-27) afirma que ao regrar relações intersubjetivas tratadas pelo direito, a boa-fé assumiria três funções: um, como cânone para interpretação dos negócios jurídicos – função hermenêutica; dois, como fonte de deveres de conduta (deveres de prestação e de proteção) – função integradora ou integrativa; três, como baliza para averiguação da licitude no modo de

exercício de direitos – função de correção do conteúdo contratual e do modo do exercício jurídico. Aliás, também pondera sobre o tema da funcionalização Azevedo (2000, P. 3):

[...] regra da boa-fé tem funções que chamo de "pretorianas" em relação ao contrato. O chamado "direito pretoriano", no direito romano, foi aquele que os pretores introduziram para ajudar, suprir e corrigir o direito civil. Havia o direito civil estrito

(direito civil mais rigoroso); o direito pretoriano veio adjuvandi, supplendi, vel corrigendi juris civilis gratia.

Essa mesma tríplice função existe para a cláusula geral da boa-fé no campo contratual, porque justamente a idéia é ajudar na interpretação do contrato, adjuvandi, suprir algumas das falhas do contrato, isto é, acrescentar o que nele não está incluído, supplendi, e eventualmente corrigir alguma coisa que não é de direito no sentido de justo, corrigendi. Esse é o papel da cláusula geral de boa-fé na fase estritamente contratual.

São, aliás, essas três funções os pontos que, nos países europeus, na doutrina da boa-fé, são mais salientados.

Essas funções, outrossim, são trabalhadas de outra maneira por Marques (2002, p. 05), que as estruturas segundo a doutrina germânica de Jauernig, professor da Universidade de Heidelberg, as denominando como funções potencializadas. Destarte, indica que a boa-fé teria (1) função de complementação ou concretização da relação; (2) função de controle e de limitação de condutas; (3) função de correção e de adaptação em caso de mudança das circunstâncias; (4) função de autorização para decisão por equidade.

Reputa-se que na abordagem realizada a distinção primordial reside no acréscimo das funções (3) e (4). Apesar disso, a função (3) encontra-se parcialmente inserida no ordenamento jurídico sistematizado como decorrência da teoria da imprevisão, no artigo 478, do Código Civil, quando ocorrer a quebra objetiva do contrato. Por sua vez, a função (4), ao permitir a decisão por equidade só é permitida no ordenamento quando prevista em lei.

(9)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 A relevância das funções, portanto, possibilita compreender e vislumbrar o impacto que a boa-fé objetiva representa sobre as obrigações contidas na relação contratual sobre as partes e até mesmo sobre terceiros, além disso já desnuda iniciais paradigmas ou standards comportamentais sobre a boa-fé objetiva contratual, no anseio de sufragar a utilização desenfreada do conceito de forma tão inapropriada, à larga escala e sem fundamento, como tem ocorrido, a gerar insegurança jurídica.

4.2 FUNÇÃO HERMENÊUTICA

A primeira função é encontrada no art. 113, do Código Civil, no qual o princípio da boa-fé destina-se a ser filtro do negócio jurídico entabulado, propiciando a aplicação no caso concreto dos feixes do instituto, para garantir se o agir está em harmonia com suas exigências. Atua, então, a boa-fé objetiva em auxílio a outros princípios de base, como o respeito à autonomia privada, o pacta sunt

servanda, e o da relatividade, devendo o intérprete se ater a todas as conjecturas do negócio jurídico,

levando em conta e respeitando ao manifestado pelas partes, conforme as circunstâncias, os fatos, os usos e mesmo a finalidade da avença.

Nesse sentido, a interpretação formulada por meio da boa-fé, nas lições de Reale (2003, P. 138), impõe que seja feita em concreto, ou seja, nas suas palavras “com isto quero dizer que a adoção da boa-fé como condição matriz do comportamento humano, põe a exigência de uma ‘hermenêutica jurídica estrutural’, a qual se distingue pelo exame da totalidade das normas pertinentes a determinada matéria.”

Para possibilitar a interpretação conforme a boa-fé, o interprete terá que buscar a finalidade e utilidade do contrato, a serem extraídas da declaração da vontade exprimida.

Com atenção à vontade que se interpreta, pontua Silva (2006, P. 32), o processo hermenêutico deverá conferir justa medida a ela, evitando subjetivismo e psicologismo do intérprete, que, enfim, deve ser guiado pelo interesse de ambos os contratantes, pelas duas volições da vontade.

Adentra-se, então, à dileta definição de negócio jurídico conforme sua estrutura, defendida por Azevedo (2002, P.17), de modo que o negócio jurídico não seria um simples fato com existência de vontade, a que a norma jurídica leva em consideração; indo além, é uma declaração de vontade, ou seja, uma manifestação da vontade cercada de circunstâncias negociais vista socialmente para produzir efeitos; uma manifestação de vontade qualificada. Ressalta, ainda, que a interpretação busque a finalidade do negócio, que o negócio não é o que o agente quer apenas, devendo o exame também ser feito pelo prisma social e jurídico.

(10)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 A finalidade e utilidade contratual desenharão os contornos da interpretação-concreção realizada, sendo o matiz da lealdade, da eticidade, da confiança no cumprimento das disposições, seu colorido a ser buscado.

Nesse cunho, reputa-se que a função hermenêutica tem seu papel de destaque no momento da verificação se houve compatibilidade entre as cláusulas contratuais, entre o negócio entabulado, entre a conduta das partes e esse matiz da lealdade, da eticidade, da confiança. Veja-se que a interpretação é um exercício posterior ao negócio jurídico entabulado, é um filtro à disposição do intérprete que a utilizará caso venham a ser questionados os liames e de forma objetiva, afastado da necessidade de perquirir causa ou volição.

Justamente por se voltar os olhos sobre os termos contratuais, realizando esse raciocínio de compatibilidade das condutas ou das cláusulas, é que não se pode dizer que a boa-fé objetiva operaria como elemento de existência. É dizer-se: o suporte fático já se operou e sofreu outrora a incidência de norma jurídica juridicizante, ingressando no plano da existência; substratos como o agente, o objeto, a forma e a vontade negocial mínima, já operaram.

Esse juízo regressivo, voltado para determinar e aclarar o sentido e alcance do contrato, toma em conta o padrão médio de conduta esperado conforme elementos extrassistemáticos – os valores do local, a práxis e a finalidade do meio econômico, a possibilidade de conduta diversa, as expectativas envolvidas – influirá e repercutirá para a verificação justamente das demais funções e, por isso, vislumbra-se que as consequências ponderadas às demais é que identificarão qual vínculo com o plano do negócio jurídico emergirá da função hermenêutica.

A função hermenêutica presta-se ao auxílio, integra as demais funções, não possuindo a visão de individualidade ou consequência jurídica autônoma; assim, ora operará no campo da validade, ora no campo da eficácia, como se demonstrará.

Essa conclusão se retira do seguinte e dileto raciocínio de Martins-Costa (2018, p. 485) para quem:

Consequentemente, ao interpretar determinado contrato à luz da boa-fé (função hermenêutica), o interprete poderá concluir que a conduta de uma das partes é contraditória com o que fora anteriormente manifestado em sua execução, exigindo, então a adstrição a uma linha de coerência, determinando consequências ressarcitórias ao exercício jurídico que trilha condutas contrárias ao mandamento de agir segundo a boa-fé (função corretora); ou ainda (com o que ingressará na função integrativa) impondo deveres de manutenção de conduta coerente e colaborativa com os fins do contrato.

(11)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 4.3 FUNÇÃO INTEGRATIVA OU INTEGRADORA

No que concerne à segunda função, integrativa ou integradora, é a que delineia a boa-fé como supedâneo para a concreção de deveres vinculados ao processo obrigacional visto pela perspectiva de uma relação de cooperação. Como pontua Silva (2006, P.30)deve-se se ater a um dever de consideração com o outro – o alter.

Nesta perspectiva, a boa-fé adquire característica dita nomogenética, ao passo que possibilita a concreção por meio de processo integrativo que visa o preenchimento de lacunas, com imposição às partes de deveres necessários ao cumprimento da finalidade e utilidade contratual – o adimplemento satisfativo.

A função integrativa, então, com lastro no art. 422, do Código Civil, possibilita que deveres anexos/instrumentais e deveres de proteção/laterais ao interesse da prestação principal da obrigação, tenham nascedouro por meio da concreção da boa-fé.

É de bom alvitre pontuar a diferença essencial entre o conteúdo desses deveres, sendo certo que há confusão doutrinária e jurisprudencial nas terminologias. Ocorre que independentemente da terminologia se deve levar em conta o interesse que se visa proteger. É assim que, das lições de Martins-Costa (2018, p. 239), retira-se que:

De fato, cada negócio jurídico é particularizado pela existência de um completo de deveres e de interesses (i) há deveres de prestação, principais e secundários; (ii) há deveres anexos ou instrumentais aos deveres de prestação; e, (iii) há deveres de proteção contra danos que poderiam advir do negócio jurídico. Essas três ordens de deveres correspondem a dois distintos interesses: há interesse à prestação e há interesse à proteção.

Os deveres de prestação, então, seriam os ligados ao adimplemento da prestação principal, núcleo da obrigação, consistente em um dar, fazer ou não fazer – ditos deveres primários. Os deveres secundários se relacionam com os deveres de prestação diretamente, lhes são acessórios.

Mas, veja-se, enquanto Martins-Costa (2018, P.240) adota a categoria acima, Silva (2006, P. 82) nomina de deveres secundários os ora mencionados com sentido diverso, equivalentes aos deveres anexos ou instrumentais.

De toda sorte, as lições de ambos os doutrinadores se equivalem quando tratam dos deveres anexos ou instrumentais. Essa categoria da concreção da cláusula geral da boa-fé objetiva se diz anexa pelo vínculo lateral que tem com o dever principal de prestação. Relacionam-se com os interesses de prestação, mas de forma paralela, propiciando e resguardando como a prestação principal será cumprida.

(12)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 O escólio de Silva (2006, P. 86) acrescenta ainda que os deveres anexos se dividem em dependentes e independentes, ao se relacionarem com o fim da obrigação principal, podendo remanescer ou não. São assim dependentes aqueles deveres que não subsistem após a obrigação principal, enquanto independentes os que perduram depois do cumprimento dela. Lembrando que a diferença é importante, pois o descumprimento dos deveres anexos ou instrumentais dependentes implicam no descumprimento do próprio interesse principal.

Difere-se ainda outra categoria decorrente da função nomogenética, que seria a criação de deveres de proteção. Mencionados deveres não se relacionam diretamente com o interesse principal da obrigação, caminham, ao contrário, de forma paralela ou lateral com ela, de modo que a sua existência ou término não culmine em consequências danosas para as partes ou para terceiros que se exponham a ela.

Veja-se, portanto, que os interesses e o enfoque dado relacionam-se à complexidade intra-obrigacional, sendo certo que o vínculo intra-obrigacional, como ressalta Cordeiro (2015, P. 586), acolhe “não um simples dever de prestar, simétrico a uma pretensão creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastante para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta”.

Por força do princípio da boa-fé e a integração que irradia é que deveres previstos, ou não, pelas partes pautam a conduta contratual, complementando o conteúdo da relação obrigacional. A integração visada, nessa perspectiva não visa jamais criar a vontade das partes, tampouco deveres de prestação principais ou secundários. Reside o papel de integração na lacuna não intencional, atuando para a formação de deveres coerentes com a pauta de base do contrato ou negócio.

O catálogo dos deveres anexos ou instrumentais e dos deveres de proteção não é pertinente, pois as necessidades práticas impõem a maleabilidade e um número infinito de situações. Cordeiro (2015, P.604), com base na evolução dos estudos da culpa in contrahendo no direito português, adota a tripartição entre deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade. Já no direito brasileiro, Martins-Costa (2018, P.573) adota a sistematização, dita sem caráter taxativo ou exaustivo, em deveres de cooperar, de informar e os de proteger contra danos, ressaltando que os deveres de lealdade estão abrangidos no de cooperar.

Por derradeiro, sobre a função integradora, duas características importantes devem ser marcadas em relação a boa-fé: sua aplicação para além das partes contratantes e nas fases prévias ou posteriores à execução contratual. Supera-se, assim, a autonomia privada e a relatividade contratual, possibilitando que o ordenamento jurídico influa sobre as condutas dos contraentes em todas as fases contratuais.

(13)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 Os deveres anexos ou instrumentais, assim quando passam a incidir sobre o negócio jurídico entabulado o fazem de forma auxiliar, refletindo sobre o modo como a execução contratual opera. Nesses moldes, acaso se vislumbre que essa obrigação foi descumprida, as consequências jurídicas estarão a refletir sobre o plano da eficácia do contrato. Explica-se.

A boa-fé objetiva como fonte de deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade opera sobre o campo da eficácia, na medida em que seu desrespeito implica em contrariedade aos efeitos almejados pelo negócio, apesar dele poder ser inclusive destacado e ter vigência própria mesmo depois de cumprida a prestação principal.

Como se disse, os deveres anexos ou os deveres de proteção visam a satisfação na maior medida da obrigação, são verdadeiramente uma qualidade ou atributo de funcionalização da ordem jurídica para chegar-se ao total adimplemento e também proteção dos envolvidos, assim o descumprimento gera o inadimplemento contratual, ao que se denominou de violação positiva do contrato. Logo, culminará em eficácia indenizatória, respeitados os requisitos necessários à responsabilidade civil.

4.4 FUNÇÃO CORRETORA

Passa-se a discorrer sobre a terceira função da boa-fé objetiva, qual seja a função corretora, que se distingue na concreção por meio de correção do exercício jurídico e correção do ajustamento do conteúdo contratual.

No aspecto da função de ajustamento do conteúdo contratual, afigura-se que o aplicador estará a realizar juízo de legitimidade ou coerência das cláusulas contratuais aos nortes que a boa-fé direciona, ou seja, se essas cláusulas se atentaram ao padrão de conduta, a comportamento probo, à honestidade. Volta-se, notoriamente, para as circunstâncias que delimitaram a estipulação contratual ao seu tempo e modo. A declaração da vontade, portanto, sobre os demais elementos do negócio jurídico, por meio das cláusulas contratuais será aferida pela compatibilidade ao ordenamento jurídico justo.

É claro que na atual concepção civilista, esse meio de controle implica em dirigismo contratual, visando corrigir abusividade e desequilíbrio contratual, sendo mais profícua a aplicação em contratos de adesão e no campo do direito consumerista. Nada impede, porém, a presença de desigualdade fática ou informativa nos contratos comuns, sem a presunção legal de vulnerabilidade.

Na perspectiva de correção do modo de exercício jurídico, como expõe Martins-Costa (2018,

P.666), corresponde “a uma atuação humana relevante para o Direito, abrangendo atos jurídicos lícitos

(14)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 Essa noção preliminar de atuação relevante para o direito é muito próxima do que sintetizou Miranda (1999, P.50-51):

O direito, com a dose de elemento estabilizador que o caracteriza, ou promete que o é, juridicamente, continuará de ser, ou que produzirá tais e tais efeitos. Ou o que é continua, até que produza os efeitos; ou continua de ser e de produzir. Também acode ele àqueles casos futuros, em que ocorrem mudanças, e diz quais as consequências e os efeitos. Eficácia jurídica é o que produz no mundo do direito como decorrência dos fatos jurídicos (...). Aliás, é sempre de atender-se a que não é ao suporte fático (Tatbestand) que corresponde a eficácia. Os elementos do suporte fático são pressupostos do fato jurídico; o fato jurídico é o que entra, do suporte fático, no mundo jurídico, mediante a incidência da regra jurídica sobre o suporte. Só de fatos jurídicos provém eficácia jurídica. (...) Só após a incidência de regra jurídica é que os suportes fáticos entram no mundo jurídico, tornando-se fatos jurídicos. Os direitos subjetivos e todos os demais efeitos são eficácia do fato jurídico; portanto, posterius.

O Código Civil de 2002, ao tratar do tema do exercício jurídico, separa nos artigos 186 e 187 as ilicitudes subjetivas e objetivas. Com relação a ilicitude objetiva, que compete a abordagem, resta qualificada como o ato lícito cometido pelo titular de um direito que, ao exerce-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, culminando então em ilicitude. Isolado, esse ato é lícito, mas analisado perante o contexto contratual, pelo filtro da boa-fé – aferindo a lealdade, finalidade, confiança, proteção ao alter, verificar-se-á sua ilicitude.

A ilicitude deve ser vista como contrariedade ao ordenamento jurídico, desprendida dos requisitos exigidos para a responsabilidade civil, que no Código de Beviláqua, era assim entendida como categoria única, “a ilicitude civil era vista, tradicionalmente, de forma amarrada à culpa, ao dano e à consequência indenizatória. O conceito de ilicitude civil não valia ‘por si’, não tinha campo operativo próprio, era mera ‘condição’ da responsabilidade civil” (Martins-Costa, 2008, p. 13).

Essa verificação, por decorrência da cláusula geral da boa-fé objetiva, somente poderá ser realizada nesse contexto fático, verificando se o exercício foi contraditório, disfuncional ou desmedido.

No exercício desmedido é onde residiria propriamente a figura do abuso do direito, segundo Martins-Costa (2018, p. 669). Veja-se que o art. 187, do Código Civil, não se trata de uma cláusula geral que preveja apenas a figura do abuso do direito. Ao contrário, bem sintetiza Cachapuz (2013, p.16) que:

Optando o legislador brasileiro por disciplinar sobre o desequilíbrio do exercício de posições jurídicas (art.187) no âmbito das ilicitudes, afastou-se da ideia do abuso do direito, como instituto residual da civilística, preferindo normatizar a hipótese de caracterização da ilicitude civil a partir do reconhecimento, pela ponderação, de que autorizada s apresenta a restrição a uma liberdade individual.

(15)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 A concreção da boa-fé e cumprimento de seu papel de correção do exercício jurídico está imiscuído na sistematização realizada pela jurisprudência e doutrina por meio do que se nomina figuras parcelares, que se prestam a catalogar o exercício jurídico ilícito, marcadas pela essencial busca de evitar o comportamento desleal, contraditório, que por não ser justificável pelas circunstâncias fáticas, torna-se ilícito.

Essas figuras parcelares são os nominados institutos do venire contra factum proprium, tu

quoque, nemo auditur propriam turpitudinem allegans, supressio e surrectio, exceptio doli.

Posto isso, como meio de controle de cláusulas contratuais, de correção do conteúdo contratual, a boa-fé objetiva implicará na verificação de compatibilidade do contrato com o ordenamento jurídico. Ela é norma cogente, de ordem pública, encontrando subsídio no art. 2.035, do Código Civil.

A validade, nas lições de Azevedo (2002, P. 41) é uma característica peculiar do negócio jurídico, por conta da declaração de vontade que o difere entre os fatos jurídicos. Declaração essa tida como manifestação da vontade vista socialmente como destinada à produção de efeitos jurídicos. O plano da validade, portanto, se justifica nos negócios jurídicos como fator de qualidade e verificação de conformação com a ordem jurídica.

Nessa medida, haverá de se verificar se as disposições contratuais merecem ser mantidas no plano da validade ou se serão expurgadas, por conta de nulidade virtual, como prevê o art. 166, inciso VII, do Código Civil.5

É de se lembrar, todavia, que vige nesse sistema o princípio da conservação, logo operando a boa-fé por cláusula aberta, possível que na maior medida, evite-se a declaração de nulidade, que implicará em efeitos ex tunc, muitas vezes mais danosa.

Defrontando-se, porém, com situação de aplicação de alguma das figuras parcelares, hipóteses de concreção de abuso do direito, tem-se que o plano da eficácia é que orientará os rumos. As consequências terão por intento, conforme as lições de Martins-Costa (2018, p. 674), de que a parte que tenha atuado em violação aos deveres legais e contratuais não exija o cumprimento da prestação pela outra parte ou ainda que não se utilize do seu próprio incumprimento para beneficiar-se; busca-se, pois, corrigir os efeitos do comportamento contraditório que as figuras parcelares reconhecem como abuso de direito.

Assim, o descumprimento dos deveres situa-se na seara da ineficácia superveniente e poderá gerar não apenas a indenização pelo abuso quando demonstrados os requisitos da responsabilidade civil

5 Assim dispõe: “É nulo o negócio jurídico quando: (...) - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem

(16)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 - tutela ressarcitória (art. 187, c.c. art. 927, ambos do Código Civil), como também propiciará a utilização de tutela de remoção do ilícito, da eficácia paralisatória e mesmo de vedação à repetição. Mais uma vez, o intérprete deve buscar, porém, a conservação do negócio principal em maior medida.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem realizada visou verificar como as funções do instituto da Boa-fé Objetiva, aplicadas em sede contratual, podem se relacionar com os planos do mundo jurídico, a partir de Pontes de Miranda.

A elaboração da Teoria do Fato Jurídico tratada pelo preclaro doutrinador foi sedimentado ao paradigma do pensamento positivista, guardando contemporaneidade ao começo do século XX, em que a subsunção imperava como técnica de aplicação das normas jurídicas.

Ocorre que no Estado Social o paradigma passou a ser outro, qual seja, o juspositivismo, lastreado por modelo de ordenamento jurídico com predileção a dispositivos legais abertos, amparado por diversos princípios, de modo que somente muito tarde, já na década de 1990, no Código de Defesa do Consumidor, e depois 2000, no Código Civil, houve a previsão normativa da boa-fé objetiva. Sua adoção na doutrina e jurisprudência, por influência do direito estrangeiro, caminhava a passos lentos; mas, despontava promissora.

Há muito, contudo, tratou Clóvis do Couto e Silva (2006) sobre a crise nas fontes das obrigações no ordenamento, devido à criação de deveres pelo princípio da boa-fé, de modo que conceituou a obrigação como um processo, como meio de colaboração e não mais como interesses para credor e devedor. Por sua vez, Judith Martins-Costa desponta ao estudo como doutrina de base aferição dos liames envoltos à boa-fé objetiva, como cláusula geral e principiológica que é, em obra que marca o término da década de 90.

Na esteira desses e outros pensadores, conclui-se que a boa-fé se relaciona principalmente com dois dos planos do fato jurídico: o da validade e o da eficácia.

Na perspectiva de função tripartite da boa-fé objetiva, vislumbra-se que a função hermenêutica se prende como meio para a concreção buscada pelas demais funções, de modo que o resultado do processo hermenêutico, realizado de forma posterior ao negócio jurídico, segue o mesmo caminho do resultado de aplicação das demais funções. Assim, constata-se que a função integrativa ou integradora ao criar deveres anexos ou instrumentais e também deveres de proteção, os quais caminham de forma lateral ao dever primário e secundário da obrigação, ao serem violados desatinam-se no plano da eficácia do negócio jurídico.

(17)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761 Por sua vez, a função corretora tem duas perspectivas de abordagem, podendo influir no plano da validade, quando se realize a correção do conteúdo contratual, enquanto o fará no plano da eficácia, quando operar meio de correção ou controle de exercício e posições jurídicas.

Como se pontuou, a compreensão do conceito de boa-fé evolui com o próprio caminhar social, ocorre, porém, que pouco se debate sobre a concreção dessa cláusula geral e a ausência de balizas para sua aplicação, marcada no tempo pelo uso desenfreado do princípio para justificar situações jurídicas que sequer guardam com ele correspondência. Logo, voltada a esses primeiros passos sobre os efeitos da concreção da boa-fé nos negócios jurídicos quis-se fomentar a discussão sobre como pode repercutir, possibilitando perspectiva para sistematização de suas consequências.

(18)

Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p. 88145-88162, nov. 2020. ISSN 2525-8761

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto de código civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 1, n. jan/mar. 2000, p. 3-12, 2000.

____. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado por Clóvis Beviláqua. Edição Histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1973.

CACHAPUZ, Maria Claudia. O papel das cláusulas gerais para a concreção de direitos fundamentais nas relações jurídicas entre privados. XXII Congresso Nacional do CONPEDI/ UNINOVE. 2013. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=91db811b080f2bcf>. Acesso em 10.09.2020.

CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. A boa fé nos finais do século XX. Revista da Ordem dos Advogados Portugueses, Lisboa, ano 56, v. III, p. 887-912, dez. 1996. Disponível em: https://portal.oa.pt/upl/%7B68b82e6d-8122-4488-a75e-dc38215d7c9f%7D.pdf. Acesso em: 24.08.2020.

____. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2015.

MARQUES, Cláudia Lima. Boa-fé nos serviços bancários, financeiros, de crédito e securitários e o Código de Defesa do Consumidor: informação, cooperação e renegociação?. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, Jul-Set/2002, vol. 43/2002, p. 215-257.

MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

____. Os Avatares do Abuso de Direito e o Rumo Indicado pela Boa-fé. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.) Direito Civil Contemporâneo. Novos problemas à luz da legalidade constitucional. Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro, 2008. Rio de Janeiro: Atlas, 2008, p. 57-95.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. 4 Ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas, t. I. São Paulo: Ed. Bookseller, 1999.

REALE, Miguel. A boa-fé no Código Civil. 2003. Disponível em:

<http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm>. Acesso em: 02.09.2020.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Estrutura clássica e moderna da obrigação. In: MEDEIROS, Antonio de Paula Cachapuz de. O Ensino Jurídico no Limiar do Novo Século. Porto Alegre: Edipucrs, 1997, p. 285-314.

Referências

Documentos relacionados

A democratização do acesso às tecnologias digitais permitiu uma significativa expansão na educação no Brasil, acontecimento decisivo no percurso de uma nação em

Portanto, mesmo percebendo a presença da música em diferentes situações no ambiente de educação infantil, percebe-se que as atividades relacionadas ao fazer musical ainda são

O soro dos animais vacinados com lipossomo, EBS e proteolipossomos foram coletados semanalmente antes e após a infecção experimental para a detecção da produção de anticorpos IgG,

Apesar de não ser puramente disabsortiva, o Bypass gástrico em Y de Roux pode provocar alteração da absorção de muitas vitaminas e minerais, considerando ainda o fato de

Benlanson (2008) avaliou diferentes bioestimulantes, (produtos à base de hormônios, micronutrientes, aminoácidos e vitaminas), confirmando possuir capacidade

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

Crisóstomo (2001) apresenta elementos que devem ser considerados em relação a esta decisão. Ao adquirir soluções externas, usualmente, a equipe da empresa ainda tem um árduo

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das