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EL CORONEL NO TIENE QUIEN LE ESCRIBA: DO TEXTO LITERÁRIO À TRANSPOSIÇÃO FÍLMICA

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Academic year: 2021

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EL CORONEL NO TIENE QUIEN LE ESCRIBA: A AMÉRICA LATINA POR MEIO DA ESPERANÇA E INTEGRIDADE DO CORONEL, DA NARRATIVA

LITERÁRIA À FÍLMICA

Paloma de Melo Henrique ∗

Resumo: No presente ensaio, a novela de Gabriel García Márquez, El coronel no

tiene quien le escriba (1961), e o filme de mesmo título, produzido em 1999 pelo diretor mexicano Arturo Ripstein, são discutidos com base em sua adaptação cinematográfica. O trabalho procura considerar o diálogo existente entre literatura e cinema com uma abordagem que valida esse diálogo frente às diversas mídias existentes atualmente e as relações entre os diferentes sistemas semióticos. Além disso, busca ressaltar a importância dessas considerações quando estas diferentes manifestações artísticas são associadas no ensino.

Palavras-chave: El coronel no tiene quien le escriba. Da narrativa literária à fílmica. Resumen: En el presente ensayo, la novela de Gabriel García Márquez, El coronel

no tiene quien le escriba (1961), y la película de mismo título, producida en 1999 por el director mexicano Arturo Ripstein, son discutidas en lo que se refiere a la adaptación cinematográfica. El trabajo busca considerar el frecuente diálogo existente entre la literatura y el cine con un abordaje que lo legitima frente a los distintos medios de comunicación existentes en la actualidad y las relaciones entre los diferentes sistemas semióticos. Además, busca resaltar la importancia de esas consideraciones cuando estas diferentes manifestaciones artísticas están asociadas en la enseñanza.

Palabras-clave: El coronel no tiene quien le escriba. De la narrativa literaria a la película.

Introdução

Este trabalho pretende analisar a narrativa de Gabriel García Márquez, El coronel no tiene quien le escriba, em comparação com a produção cinematográfica de mesmo título de Arturo Ripstein. Essa análise tem como objetivo demonstrar algumas diferenças percebidas entre as duas obras, com a tentativa de corroborar a ideia de que um filme produzido com base em um texto literário não precisa necessariamente adotar os mesmos elementos específicos presentes nesse texto, tais como personagens, conflito, espaço e tempo. Nesse viés, as duas obras, em seu caráter eminentemente artístico e ficcional, funcionam como dois sistemas semióticos distintos que, por si só, exigem determinadas mudanças no processo de tradução.

Graduanda em Letras – Língua Portuguesa, Língua Espanhola e suas respectivas Literaturas - pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), Portugal. Contato: paloma.meloh@hotmail.com

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As duas narrativas, contudo, tratam da mesma história: um veterano de guerra, velho e doente, aguarda esperançosamente por uma pensão do governo para que possa sustentar a si e a sua família. O filme e o livro podem se constituir, desse modo, como dois materiais acessíveis, que reúnem em si subsídios para um trabalho acerca do contexto social e político da América Latina na primeira metade do século XX e todas as possíveis interseções que o cinema e a literatura podem proporcionar.

Literatura e cinema: duas formas diferentes de ler e pensar o mundo Quando falamos em leitura, normalmente associamos esse ato à palavra escrita, lembramos quase que imediatamente da leitura de textos escritos, como livros, jornais e revistas. A leitura, contudo, faz mais parte do nosso dia a dia do que imaginamos, pois o ato de ler não está vinculado somente às palavras escritas, mas a todo o mundo ao nosso redor, e às nossas vivências, na medida em que percebemos a “leitura” como um processo de interpretação, e como textos tudo aquilo que possa construir um significado. Podemos, desse modo, ler filmes, músicas, poesia, propagandas, ações, gestos, enfim, tudo o que for passível de uma ou mais interpretações. Como seres humanos, somos capazes de questionar o mundo à nossa volta e as mensagens que ele nos transmite, e, dessa forma, lemos o mundo e tudo o que faz parte dele (GOMES, 2009).

O mundo se constitui de diversas fontes de sentidos, como a escrita, a linguagem oral, a ideográfica, a iconográfica, a musical, entre muitas outras, e, diante dessa multiplicidade de manifestações, não é aconselhável que valorizemos apenas uma delas. A sociedade, no entanto, privilegia, muitas vezes, a escrita, apontando que, mesmo que a imagem esteja hoje muito presente na vida das pessoas, o texto escrito ainda tem sido considerado como o de maior significação (ibid.).

De acordo com Diniz (1994), toda vez que utilizamos uma linguagem, estamos produzindo algum sentido. No entanto, podemos significar por meio de outros atos, como os que fazemos ao nos movimentarmos, ou quando levantamos bandeiras, ou colocamos sinalizações nas estradas. Também quando fazemos um filme, escrevemos um conto, uma peça ou um poema.

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Todas essas atividades semióticas têm um sistema de sentido diferente, elas não se constituem como linguagens em seu modo de expressão, mas procedem de um modo que permite a especificação de seus processos e práticas semióticas distintivas.

A literatura e o cinema, nesse sentido, representam atividades semióticas, uma vez que existem para significar. Precisamos, todavia, conhecer os aspectos específicos de cada uma dessas atividades para entendermos a natureza artística de cada uma delas, ou seja, é necessário que saibamos que tipo de signo utiliza e como esses signos são organizados. Assim, ao ter dois textos, um literário e outro fílmico, que se apresentam como signos icônicos um do outro, ou seja, que sejam signos numa mesma cadeia semiótica, podemos dizer que é possível considerarmos um como uma transformação ou uma tradução intersemiótica do outro.

Por meio dessa tradução, temos de ver o outro texto como um signo em outro sistema semiótico (ibid.), uma vez que “o cinema é um sistema de códigos audiovisuais e a literatura, um sistema de códigos verbais baseado no alfabeto gráfico” (CREUS, 2006, p. 28). Define-se então essa tradução como um processo de transformação de um texto construído por meio de um sistema semiótico específico num outro texto, de outro sistema semiótico, o que implica que, ao decodificar essa dada informação em um determinado meio de expressão e codificá-la através de um outro sistema semiótico, “é necessário mudá-la, nem que seja ligeiramente, pois todo sistema semiótico é caracterizado por qualidades e restrições próprias, e nenhum conteúdo existe independentemente do meio que o incorpora” (DINIZ, 1994, p.1003).

No entanto, além das diferenças de linguagens dos respectivos meios, precisamos também levar em conta os aspectos que modificam a experiência do espectador, no caso do cinema, ou do leitor, no caso do texto escrito, e ainda as diferentes subjetividades do tradutor, ou seja, do cineasta, e do escritor do texto literário, no que diz respeito a seus valores culturais, políticos e ideológicos específicos, o que implica também em propósitos e sensibilidades distintas. A adaptação, desse modo, dialoga não só com o texto, mas também com o contexto, tanto histórico, com relação ao momento em que é produzido o filme, quanto pessoal, com relação aos propósitos do

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cineasta. Mesmo quando ele procura passar os mesmos valores do escritor e da obra literária, a tradução fílmica sofre uma atualização, como num processo de recriação.

As manifestações que procuram maior integração entre as artes afloraram durante o século XX (DINIZ, 1994). Nesse contexto, a literatura e o cinema interessam porque ocuparam um lugar de dominância na sociedade (como hoje acontece com as mídias digitais). Tanto para os estudos de cinema, quanto para os de literatura, é importante compreendermos os processos de transferência, transformação, tradução, adaptação entre as duas modalidades de linguagem, assim como entendermos de que modo ambas representam ou deixam de representar a realidade (MÜLLER, 2007).

Até bem pouco tempo, todavia, os estudos sobre cinema e literatura se restringiram, muitas vezes, à questão da adaptação, questão que hoje se mostra bastante desacreditada, visto que a adaptação não é em si uma questão irrelevante, mas que se torna irrelevante quando a tratamos superficialmente. Isso tudo porque geralmente os trabalhos sobre adaptação no ramo dos estudos literários ainda partem (ou partiram) de um pressuposto um tanto preconceituoso: o de que é preciso primeiramente conhecer a obra literária, e que a adaptação, mesmo sendo muito boa, vai ser sempre inferior ao texto de origem (ibid.). Esses estudos, entretanto, não devem ter levado em conta que também ocorrem processos inversos, ou seja, do cinema para a literatura, como a influência dos espetáculos de fantasmagoria na literatura gótica ou a utilização do conceito cinematográfico de montagem na poesia modernista.1

Assim, em meio às diversas mídias existentes atualmente, o cinema não deve ser visto como algo que se apropria, muitas vezes, da literatura e que sua obra é inferior, ou ainda que torna ultrapassado o texto literário, mas deve, sim, ser visto como uma tradução de linguagem que não é pior nem melhor, mas diferente. Desse modo, “as abordagens entre literatura e cinema devem tornar-se englobantes” (MÜLLER, 2007, p. 82), visto que a transposição fílmica, como foi destacado anteriormente, é um processo que envolve texto e contexto, que produz uma obra artística distinta.

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Ninguém escreve ao coronel ou El coronel no tiene quien le escriba: a representação do contexto social da América Latina na figura

incorruptível do coronel, na novela literária e no cinema

A partir dessa discussão entre literatura e cinema, tomamos para análise a novela de Gabriel García Márquez, El coronel no tiene quien le escriba, publicada em 1961, e a versão fílmica de mesmo título, produzida em 1999 e dirigida por Arturo Ripstein. Serão apontadas algumas divergências da tradução fílmica com relação ao texto literário, divergências essas que correspondem principalmente a personagens e suas ações e deslocamentos temporais que tornam os enredos um tanto distintos.

A segunda novela publicada por Gabriel García Márquez, El coronel no tiene quien le escriba, é uma narrativa curta e extremamente aflitiva. Trata-se da história de um veterano de guerra que ultrapassa seus setenta anos e ainda espera pela chegada de uma carta do governo que lhe conceda sua tão esperada pensão por haver participado em uma das guerras civis ocorridas em seu país. Nesse contexto, ele vai ao porto todas as sextas-feiras, incansavelmente, esperar a lancha que traz o correio. Acompanhado de sua esposa, que sofre tanto quanto ele, o coronel põe suas maiores esperanças de vida num galo de briga que herdou do único filho - morto nove meses antes pela polícia, por carregar informações clandestinas contra o governo. Numa situação de miséria, o coronel e a esposa suportam tanto o quanto podem a crescente degradação e violência que o sistema político, econômico e social lhes impõe.

Desse modo, através de uma coletividade e de um ilusório anonimato das personagens da novela, a obra configura-se como uma denúncia da situação política e econômica da América Latina dos meados do século XX. Essa coletividade e ilusório anonimato se explicam, conforme Lontra (1995), porque na novela existem duas categorias de personagens: as nominadas e as não nominadas. As personagens que têm relações com Agustín, o filho falecido do coronel, fazem parte do grupo das nominadas; assim, os alfaiates que trabalhavam com Agustín são chamados pelo nome: Álvaro, Germán e Afonso. O padre da cidade, Ángel, e o padrinho do jovem, Don Sabas, também são personagens conhecidas pelo nome. As personagens

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não nominadas, como o coronel e a mulher, assim como o médico, o alcaide, o administrador do correio e o advogado, fazem parte de um conjunto de personagens citadas apenas por suas funções sociais, constituindo-se, ao redor delas, uma história muito mais abrangente do que o limite da ficção. Portanto, mesmo que seja no coronel (principalmente, por isso o caráter de ilusório) e na esposa que se encontra a faceta mais cruel de tal sociedade, a coletividade das personagens, que se evidencia por meio do anonimato, também são feridas por tal situação.

Além disso, o título da obra sugere não só a interpretação factual de que o coronel não recebe cartas, mas também a de que o coronel “não tem quem o escreva”, porque ele já está escrito, já está completo, pois sua identidade não precisa ser acrescida de novos componentes, uma vez que ele já está inscrito na História, não como um ser particular, mas como a coletividade de um povo (LONTRA,1995).

Partindo para uma tentativa de cotejo da obra literária com relação ao filme, tomaremos como foco as personagens para, por meio delas, entrarmos em aspectos tanto pontuais quanto referentes ao contexto geral da história.

Tomando como ponto de partida o protagonista da novela, tanto no texto literário quanto no filme, o coronel tem uma personalidade forte, pois, mesmo quando passa por situações extremamente degradantes, ele não perde sua identidade, seus princípios, sem se deixar subornar. Nesse sentido, faz de tudo para não se desfazer do galo, que é espécie de memória viva de seu filho, opondo-se ao desejo da esposa, que considera o animal culpado pela morte do mesmo. Deixa de comer, dessa forma, para alimentá-lo e resiste a propostas de compra da ave, que era considerada o melhor galo de rinha da cidade: “El gallo no se vende” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2008, p.92). Além disso, mesmo depois da morte de Agustín, o coronel continua com seus ideais e distribui clandestinamente informações contra o governo: “El coronel se dirigió a la sastrería a llevar la carta clandestina a los compañeros de Agustín. Era su único refugio desde cuando sus copartidarios fueron muertos o expulsados del pueblo” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2008, p.29). O coronel, inclusive, não se arrepende de nada do que fez

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durante a revolução, mesmo que não tenha recebido o que era seu por direito:

- Veinte años esperando los pajaritos de colores que te prometieron después de cada elección y de todo eso nos queda un hijo – prosiguió ella -. Nada más que un hijo muerto.

El coronel estaba acostumbrado a esa clase de recriminaciones. - Cumplimos con nuestro deber – dijo.

(GARCÍA MÁRQUEZ, 2008, p.67-68). No entanto, há algumas discrepâncias no filme quanto a algumas características pessoais do coronel, assim como o modo com que é representada a pobreza. Na obra literária, o coronel parece menos vaidoso, pois se arruma sem se olhar no espelho “pues carecía de espejo hacía mucho tiempo” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2008,p. 11); não usa chapéu, dizendo “no lo uso para no tener que quitármelo delante de nadie” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2008, p.77). Carece também de guarda-chuva, e como a chuva é algo muito presente nas narrativas de García Márquez, ela se faz presente em quase toda a história, sendo que algumas vezes o coronel houve de alguém “coronel, espérese y le presto un paraguas” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2008, p.13). No filme, todavia, o coronel não sai de casa sem o seu chapéu nem sem seu guarda-chuva, além de que o uso de espelhos é constante na encenação, visto que ele cuida da aparência, que lhe mostra a passagem do tempo presente nas marcas da pele.

Podemos dizer que a representação de pobreza é diferente no filme, pois as personagens principais, o coronel e a esposa, detêm objetos que não possuem na obra literária, dado que possuem, inclusive, roupas melhores. Essa escolha do diretor faz sentido porque o cinema se utiliza de imagens, portanto, a própria casa em que o coronel e a esposa vivem, além da maior tensão das ações das personagens, é suficiente para demonstrar tamanha degradação. O espectador, assim, se compadece não só da situação de pobreza, mas principalmente da situação de abandono; e o escritor necessita para isso de mais recursos, apegando-se, desse modo, à falta de objetos de necessidades pessoais.

Quanto à esposa do coronel, na obra literária, ela parece ser muito mais impositiva em relação às ações do marido. Na tentativa de conseguir vencer a crise, ela faz com que o coronel se submeta a pedir favores e a cumprir com as suas determinações, como vender o galo. No filme, ela se

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mostra muito mais compreensiva - pois lembra o coronel de ir ao porto nas sextas-feiras, ao invés de rechaçá-lo por essa atitude, como ocorre no texto literário - e carinhosa, chegando mesmo a se preocupar com o galo de rinha quando este fica doente.

Outra divergência que igualmente diz respeito à representação de pobreza é o fato de a personagem ferver repolhos em uma grande panela para demonstrar ao marido que há comida, e não pedras, como ocorre no livro: “Varias veces he puesto a hervir piedras para que los vecinos no sepan que tenemos muchos días de no poner la olla.” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2008, p. 67). Essa passagem do texto é, também, representativa do quanto a esposa é resignada pela situação em que vivem, além de que demonstra um pouco de seu caráter de se deixar levar pelo capital, ao contrário do coronel. Essa diferente escolha do diretor nos dá mais uma personagem que merece nossa atenção e respeito na história, elevando-se quase ao mesmo nível do protagonista, e não uma personagem que torna, de certo modo, a vida do coronel ainda mais desgraçada, como às vezes sugere a novela de García Márquez.

Um fato interessante também referente a essa personagem ocorre no filme, mas não na obra literária. Os amigos alfaiates de Agustín vão à casa do coronel, num momento em que ele não se encontra, para apanhar o galo e levá-lo a uma rinha de treinamento e, nessa situação, a mulher se opõe que o levem. No texto, essa passagem apenas é citada pela esposa do coronel que diz “Dijeron que se lo llevarían por encima de nuestros cadáveres” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2008, p.91) no momento em que ele chega a casa já com o galo - o qual ele viu na rinha, por acaso, ao passar pelo circo. O diretor, no entanto, optou por dar mais enfoque a esta passagem, o que produziu um deslocamento temporal, pois a cena em que o galo é levado da casa à força é uma das mais dramáticas, dado que acontece uma intensa luta corporal entre a mulher e os jovens, ocasionando um grande momento de ação no conflito. Outro fato que diverge é a questão da hipoteca da moradia, que no livro ainda vencerá em dois anos, enquanto que no filme, a cobrança se faz presente, dando mais dramaticidade à história.

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Ainda existe, no filme, a introdução de uma personagem, Júlia, uma prostituta que teria um possível relacionamento com Agustín antes da morte do mesmo. Ela tem grande estima pelo coronel e pela esposa, e, dessa forma, leva algumas compras para a mulher que não aceita. Em outro momento, a personagem bate palmas exaltadamente quando o coronel não aceita a proposta de compra do galo feita por Nogales, que poderia ser o responsável pela morte de Agustín.

Essa personagem, igualmente, é discrepante no filme, porque, de certo modo, não aparece na novela. No texto de García Márquez, Agustín foi morto pela polícia por carregar papéis com informações clandestinas, e isso aparece já nas primeiras páginas da história: “acribillado nueve meses antes en la gallera, por distribuir información clandestina” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2008, p.20). No filme, no entanto, a morte de Agustín é dissimulada – tal como acontecia nos regimes ditatoriais - de modo que muitas pessoas pensam que ele foi morto por Nogales, um circense, numa das rinhas de galos, porque simplesmente brigaram. Assim, na ocorrência policial aparece que Agustín foi morto em uma briga de arena. Ao final do filme, todavia, o coronel se convence do que ele sempre desconfiou: Nogales matou Agustín porque era compartidário do regime e sabia que ele trazia consigo informações clandestinas. Além disso, a relação de Júlia com Agustín também contribuiu para que a falsa briga acontecesse, pois ela mantinha um relacionamento com os dois.

O coronel se depara, na obra literária, com o assassino de Agustín numa passagem de reprimenda da polícia, que ocorre num estabelecimento em que ele se encontra, mas esse encontro não é muito representativo na história, além de que se localiza separado temporalmente da rinha na qual o galo participa sem o consentimento do coronel. No filme, ele, do mesmo modo, se depara com Nogales, no circo. Nessa passagem, ele vai buscar o animal dentro da arena, que foi levado de sua casa, e, para sua surpresa, o galo que era de Agustín disputa com o galo do assassino do seu filho. Por isso, o coronel retira a ave da arena desesperadamente, afirmando que seu galo não disputa com o galo do seu inimigo.

Germán, que levou o galo para a disputa, diz ao coronel que fez isso porque era o povo que pedia, em memória de Agustín. Nogales, por sua vez,

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avisa que não foi por mal que participou do ocorrido, e assegura que “deve uma” ao coronel, pois também possui um pai e, por isso, pode conceder-lhe sua tão esperada pensão num piscar de olhos, afinal, possui muitos contatos; e, além disso, oferece dinheiro em troca do galo. O coronel, muito enérgico, contesta que não se sujeitaria a ele nem por todas as aposentadorias nem por todo o ouro do mundo. Desse modo, mais uma vez, mas agora no filme, o coronel mantém-se incorruptível.

Considerações finais

As diferenças fazem parte do processo de adaptação cinematográfica, as quais dizem respeito às discrepâncias presentes num meio de expressão por meio de som e de imagem em relação a uma fonte escrita e que, por isso, necessita de outras formas de sentido, sem que, contudo, haja necessariamente uma mudança no produto final. Desse forma, tanto a obra literária de Gabriel García Márquez quanto o filme de Arturo Ripstein são primorosos ao retratar a imediata realidade vivida num contexto de desenvolvimento do capitalismo global e o respectivo subdesenvolvimento da América Latina. O clima de instabilidade política, a miséria sofrida pelo povo e as mazelas de um Estado burocratizado e extremamente opressor são constantemente constatados nas vivências dessa personagem tanto no filme quanto no livro.

Além disso, a linguagem do texto perfeitamente simples e concisa faz com que a obra literária seja possivelmente trabalhada nas aulas de língua e cultura hispano-americana nas escolas brasileiras, podendo trazer uma abordagem do ensino da língua espanhola com caráter interdisciplinar e tornando possível um estudo que passe pela língua, pela literatura e pela história, sem contar com o fato de ser possível um estudo comparatista ou de interartes. Nesse sentido, o caráter imagético da narrativa torna muito importante os movimentos do coronel, assim como carrega de simbologia muitos objetos e cenas da paisagem à volta, sem revelar grandes intervenções do narrador. Isso tudo faz com que a obra cinematográfica seja também de perfeito acesso como complemento para o estudo e possível comparação das duas obras.

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Referências bibliográficas

CREUS, Tomás Enrique. Do Conto ao Filme: a transposição da narrativa breve ao cinema e seus modos de transformação. Porto Alegre: UFRGS, 2006.

DINIZ, Thais Flores Nogueira. A Tradução Intersemiótica e o Conceito de Equivalência. In: IV CONGRESSO DA ABRALIC: LITERATURA E

DIFERENÇA, 1994, São Paulo. Disponível em http://www.thais-flores.pro.br/pesq_lit.htm#pub> Acesso em: 26 nov. 11.

DINIZ, Thais Flores Nogueira. Tradução Intersemiótica: do texto para a tela. In: Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. n. 3. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5390. Acesso em: 02 set. 15.

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. El coronel no tiene quien le escriba. 11ª ed. Buenos Aires: Debolsillo, 2008.

GOMES, Lidiane Marques. Bibliotecas e filmes: uma outra leitura. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso em Biblioteconomia). Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.

LONTRA, Hilda O. H. A afirmação da identidade: Ilusão que custa caro em Ninguém escreve ao coronel. In: Ciências e Letras. Revista da Faculdade Porto Alegrense. 1995, n. 15, p. 45-55.

GÁRCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. El coronel no tiene quien le escriba. 11ª ed. Buenos Aires: Debolsillo, 2008.

MÜLLER, Adalberto. Além da Literatura, aquém do cinema? Considerações sobre a intermidialidade. In: Estudos de Cinema. São Paulo: Annablume, Socine, 2007.

RIPSTEIN, Arturo. El coronel no tiene quien le escriba. Europa Filmes, 1999. 1 DVD (118 min).

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