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VULNERABILIDADE AMBIENTAL EM UMA COMUNIDADE RURAL NO ENTORNO DO PARQUE NACIONAL DA RESTINGA DE JURUBATIBA (RJ, BRASIL)

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ENTORNO DO PARQUE NACIONAL DA RESTINGA DE JURUBATIBA (RJ, BRASIL)

ENVIRONMENTAL VULNERABILITY IN A RURAL COMMUNITY IN

THE SURROUNDING AREA OF THE RESTINGA DE JURUBATIBA NATIONAL PARK (RJ, BRAZIL)

Fernanda Lerner

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental Profissional pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFRJ) – Macaé (RJ), Brasil.

Maria Inês Paes Ferreira

Doutora em Ciência e Tecnologia de Polímeros pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora Adjunta do IFRJ – Macaé (RJ), Brasil. Endereço para correspondência: Coordenação Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental do Instituto Federal Fluminense – Rodovia Amaral Peixoto, Km 164 – Imboassica –

27932-050 – Macaé (RJ), Brasil – E-mail: fernandalerner@gmail.com

RESUMO

No Brasil, os assentamentos da reforma agrária são normalmente localizados em antigas áreas monocultoras degradadas ambientalmente. O Assentamento João Batista Soares, situado no município de Carapebus, Rio de Janeiro, Brasil, surgiu com a desapropriação de uma dessas áreas. O assentamento é limítrofe com o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, criado para proteger os ecossistemas de restinga e de lagoas costeiras. Por meio deste artigo, investigou-se se a alocação desses assentados na atual área inicia ou intensifica um processo de vulnerabilidade ambiental. Para isso, foram investigadas questões como pedologia, áreas de preservação permanente, distribuição dos lotes e uso e cobertura da terra, em 2005 e 2015, em ambiente de Sistemas de Informações Geográficas (©QGIS), com o objetivo de procurar evidências do processo de vulnerabilidade ambiental na área. No assentamento, há um processo de vulnerabilidade ambiental instalado, decorrente do potencial agrícola dos solos, do uso das terras e da distribuição dos lotes. A vulnerabilidade ambiental pode vir a afetar o parque, além de contribuir para a vulnerabilidade socioeconômica dos assentados. Palavras-chave: Assentamento de Reforma Agrária João Batista Soares; Unidade de Conservação da Natureza; restinga; conflitos ambientais.

ABSTRACT

In Brazil, the settlements of agrarian reform are usually located in environmentally degraded previous monoculture areas. This is the case of the Settlement João Batista Soares in the municipality of Carapebus, in the north of the Rio de Janeiro state, Brazil. The settlement is in the surrounding area of the Restinga de Jurubatiba National Park, created to protect restinga and coastal lagoons ecosystems. In this article, we investigated if the presence of the settled people in the studied area starts or intensifies an environmental vulnerability process. In order to do so, we investigated issues such as soil characteristics, permanent preservation areas, distribution of lots, and land uses and cover, in 2005 and 2015, in Geographic Information Systems (©QGIS), with the objective of seeking evidence of the environmental vulnerability process in the area. In the settlement, there is an installed environmental vulnerability process as a result of the agricultural potential of the soils, historical land uses and distribution of lots. The environmental vulnerability could potentially affect the National Park and contribute to socioeconomic vulnerability of the settled people.

Keywords: João Batista Soares Agrarian Reform Settlement; Nature Conservation Unit; restinga; environmental conflicts.

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INTRODUÇÃO

O acesso à terra proporcionado pela reforma agrária

representa um novo momento e um novo lugar na ex-periência de vida das pessoas assentadas. Os assenta-mentos tendem a promover um rearranjo do processo produtivo no entorno das regiões onde se instalam. A diversificação da produção agrícola, a introdução de atividades mais lucrativas e as mudanças tecnológicas refletem-se na composição da receita dos assentados, afetando o comércio local, a geração de impostos e a movimentação bancária. Assim, tanto no lado social como no econômico, a reforma agrária passa a ser mais que uma política pública de acesso à terra. Quando≈a-nalisada em sua totalidade, pode ser vista como um programa de desenvolvimento com diferentes dimen-sões (LEITE, 2000).

Martins (2005) aponta que a reforma agrária brasilei-ra é realizada em um passivo ambiental significativo. Esse passivo é fruto da priorização de áreas degrada-das para agricultura ou da seleção de áreas em que o desmatamento ainda é necessário para a implantação dos sistemas de produção agrícola.

De maneira geral, as terras e os recursos naturais dos assentamentos no Brasil não possuem uma qualidade ambiental propícia para a produção no contexto da agricultura de mercado. Dessa forma, utilizam-se pro-cessos e tecnologias a fim de possibilitar e aumentar a produtividade, que acabam por ampliar questões relacionadas com os impactos ambientais negativos decorrentes do uso de agrotóxicos, do uso e manejo inadequado do ecossistema e do solo; a eutrofização acelerada das águas; e o uso de sementes transgênicas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BRASIL, 2011), 46,7% das pessoas em condi-ções de extrema pobreza no Brasil vivem no meio rural. Uma das principais causas da pobreza rural em todo o Brasil é a desigualdade da posse da terra e a concen-tração das boas terras agrícolas nas mãos de poucas pessoas. A maioria dos pobres das áreas rurais vive em áreas de escasso potencial agrícola, em áreas de-gradadas e em terrenos propensos à erosão, com solos frágeis e com declividade acentuada. Essas populações dependem, no geral, para a sua sobrevivência, dos re-cursos oferecidos pelo ambiente, como água, alimen-tos, energia e abrigo. Quando esses recursos são de má qualidade ou escassos, essas populações não possuem

outra saída para sobreviver a não ser ultrapassar os li-mites da capacidade de suporte daquele ecossistema e esgotar seus recursos (FIDA, 2011).

O Assentamento João Batista Soares é um assentamento rural localizado no Município de Carapebus (RJ, Brasil), no entorno do Parque Nacional da Restinga de Juruba-tiba (PARNA JurubaJuruba-tiba). Ele foi criado em 2008, com a desapropriação da Fazenda Boa Sorte, que produzia em sua área cana-de-açúcar. O assentamento tem área to-tal de 1.208,82 ha, comportando atualmente 65 famílias provindas de vários municípios do Estado do Rio de Ja-neiro. A área do assentamento possui sérias restrições ambientais decorrentes de seu uso durante 70 anos para o cultivo monocultor de cana-de-açúcar. Cita-se, nes-se contexto, o uso das queimadas, a ausência de flora e fauna originais, a ausência de matas ciliares, a retilini-zação dos cursos hídricos, a compactação do solo, entre outros usos negativamente impactantes ao ambiente (INCRA, 2011).

O PARNA Jurubatiba foi criado pelo Decreto s/n°, de 29 de abril de 1998 (BRASIL, 1998), com o intuito de preservar amostras dos ecossistemas ali existentes e possibilitar o desenvolvimento de pesquisa científica e de programas de educação ambiental. Parque é uma categoria de Unidade de Conservação da Natureza (UC) do grupo Proteção Integral. O acesso a seus recursos é indireto e seu uso só pode ser feito conforme as re-comendações do Plano de Manejo e seu Zoneamento Ambiental (BRASIL, 1998; BRASIL, 2000).

Para Scherl et al. (2006), as comunidades residentes próximo das áreas protegidas nos países em desen-volvimento são frequentemente pobres e marginali-zadas. Isso pode ser pelo fato de muitas dessas áreas protegidas se localizarem nas terras menos produti-vas para a agricultura ou em regiões rurais afastadas, para onde comunidades foram relegadas pelas socie-dades dominantes. Na opinião do autor, essas comu-nidades rurais são normalmente as últimas a obterem oportunidades ou serviços sociais e a serem efetiva-mente envolvidas nos processos de tomada de deci-são, principalmente os que afetam a apropriação dos recursos naturais.

Quando há uma sobreposição de um quadro com uma comunidade pobre ou socioeconomicamente

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frágil1 instalada sobre uma área de risco ambiental, um ecossistema frágil, uma área protegida ou degra-dada, configura-se um cenário de vulnerabilidade ambiental. Áreas vulneráveis ambientalmente se-riam então zonas onde pode existir um risco ambien-tal associado e/ou áreas com ecossistemas frágeis. Segundo Rosa e Costa (2009), os riscos ambientais aumentam proporcionalmente conforme o cresci-mento da população. No caso dos países subdesen-volvidos, crescem com a urbanização de sítios mais vulneráveis, como as planícies aluviais e as encostas. A área da antiga Fazenda Boa Sorte, onde hoje está alocado o Assentamento de Reforma Agrária João Ba-tista Soares, utilizava um manejo dos recursos naturais do tipo monocultor extensivo de cana-de-açúcar, com intenso uso de adubação química e de agrotóxicos. Como problema, este artigo questiona se o antigo uso e a cobertura da terra praticados na área de estudo promovem e/ou intensificam o processo de vulnerabili-dade ambiental no assentamento e, consequentemen-te, no PARNA Jurubatiba. Acredita-se que a alocação dos assentados nessa área intensifica um processo de vulnerabilidade ambiental já existente, devido ao so-breuso e mau uso dos recursos.

O objetivo deste trabalho foi buscar evidências do pro-cesso de vulnerabilidade ambiental na área do Assen-tamento João Batista Soares, associando as condições socioambientais desse território. Os objetivos específi-cos foram:

• caracterizar o assentamento e seu ambiente; • investigar se a instalação dos assentados e a

dis-tribuição dos lotes promovem ou intensificam um processo de vulnerabilidade ambiental e se esse processo pode afetar o PARNA Jurubatiba;

• discutir a problemática do processo de assentamen-tos da reforma agrária no Brasil e as questões am-bientais nele imbricadas.

Os procedimentos metodológicos executados neste trabalho envolveram: pesquisa exploratória de gabi-nete por meio de revisão bibliográfica e pesquisa do-cumental; elaboração de mapeamentos em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (SIG), a fim de caracterizar o assentamento e evidenciar possíveis mu-danças na área e em sua qualidade ambiental; e reco-nhecimento de campo por meio de entrevista aberta com informantes-chave.

Este trabalho se torna importante quando se conside-ra que o PARNA Jurubatiba é o único parque exclusi-vamente de restinga no Brasil. Há poucos fragmentos preservados desse ecossistema, devido ao padrão de ocupação do território brasileiro, concentrado nas áreas de litoral. São incipientes os estudos sobre a relação entre as populações do entorno e a forma-ção da restinga de Jurubatiba e o PARNA Jurubatiba. Cerca de 75% do entorno do PARNA é composto por áreas rurais e comunidades que faziam uso dos recur-sos desse ecossistema. O assentamento João Batistas Soares é o único assentamento que está localizado no entorno imediato do parque. Além disso, uma das vias de acesso à UC corta ao meio o assentamento (ICMBIO, 2008).

Também há uma queixa geral por parte dos assentados sobre “o solo do assentamento não ser bom” ou “não ser propício”2 para a atividade agrícola, o que segun-do eles dificultaria a produção e a obtenção de ganhos monetários. Os assentados relatam escassez hídrica, que atrapalha a produção e a dessedentação de ani-mais. Devido à relevância desses dois espaços (UC e Assentamento de Reforma Agrária) torna-se pertinen-te discutir os aspectos relacionados com a qualidade ambiental de ambos e as relações que podem se esta-belecer entre eles.

1Considera-se neste artigo que os beneficiários de programas de reforma agrária recém-instalados nos lotes são indivíduos economicamente frágeis, pois dependem de subsídios go-vernamentais para ter acesso à terra e aos demais recursos, como insumos, por exemplo.

2Informação levantada com o Presidente da Associação dos Produtores Rurais do Assentamento João Batista Soares, em março de 2015.

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MATERIAIS E MÉTODOS

Este trabalho foi construído com vários procedimentos

metodológicos, entre eles:

• pesquisa exploratória de gabinete com revisão bi-bliográfica e pesquisa documental por meio de da-dos secundários fornecida-dos pelo IBGE e pelo Insti-tuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA – RJ), em relação ao Assentamento;

• reconhecimento de campo com coleta de informa-ções por meio de entrevista aberta com informan-tes-chave (um agricultor assentado, o Presidente da Associação de Produtores Rurais do Assentamento João Batista Soares e o Chefe do PARNA Jurubatiba); • elaboração de mapeamento de áreas úteis sobre-pondo: dados de pedologia fornecidos pelo INCRA (2009); dados de rede hidrográfica, nascentes e re-serva legal fornecidos pelo INCRA (2011); Área de Preservação Permanente (APP) elaborada com a ferramenta buffer do ©QGIS, em torno da rede hidrográfica e nascentes fornecidas pelo INCRA (2011)3; disposição dos lotes do João Batista Soares, a partir dos dados de polígonos de área fornecidos pelo INCRA (2011);

• mapeamento de uso e cobertura da terra do As-sentamento João Batista Soares, em 2005 e 2015 (a elaboração de duas cartas-imagem em períodos temporais diferentes teve por objetivo avaliar a diferença de uso e cobertura da terra e dos recur-sos naturais entre o momento anterior ao assenta-mento (2005) e o atual; a escolha da elaboração da carta-imagem em 2005 deve-se à circunstância do

ortofotomosaico 1:25.000 fornecido pelo IBGE ser desse período).

O mapeamento de uso e cobertura da terra nos dois períodos foi editado em tela no SIG ©QGIS com o polí-gono de área do João Batista Soares fornecido pelo IN-CRA (2011), com escala 1:10.000 (ININ-CRA, 2011) como limitante da área das edições. Todos os dados estão no Sistema de Projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), datum SIRGAS 2000 e Zona 24 K.

A carta-imagem de 2005 foi elaborada a partir da edi-ção de vetores das feições de interesse do ortofoto-mosaico 1:25.000 (IBGE, 2006). O ortofotoortofoto-mosaico foi reprojetado no ©QGIS para atender ao Sistema Geo-désico Brasileiro (SGB). A carta-imagem de 2015 foi elaborada a partir do mosaico de imagens de 2014 e 2015 do Google Earth (GOOGLE EARTH, 2014; 2015), aberto no ©QGIS por meio do complemento Openla-yers e do on the fly, a fim de atualizar a visualização das cenas de satélite do Google Earth ao SGB. Com isso, não houve conflito durante a edição da carta-imagem. A escala de edição em tela foi 1:5.000.

Em ambas as cartas-imagem as feições caracterizadas no formato de polígono de área foram: pastagem; pasto degradado; cana-de-açúcar; áreas úmidas; vegetação flo-restal; formação florestal de restinga; formação de restin-ga em moitas e cordões arenosos; cultivos temporários; reflorestamento; acampamento e vilas. Também foram editados no formato de linhas a malha viária e a rede hi-drográfica e, no formato de pontos, as edificações.

REVISÃO DE LITERATURA

Agricultura, assentamentos rurais e vulnerabilidade ambiental

Boa parte dos assentamentos rurais pelo Brasil está

lo-calizada em ecossistemas frágeis ou em APP. Além dis-so, muitos desses assentamentos são constituídos em áreas antes usadas para cultivos monocultores e que atualmente encontram-se muito “desgastadas ecologi-camente” (MEDEIROS et al., 1999).

Leite (2000) observa que a existência de assentamentos em áreas inapropriadas para o desenvolvimento da agricultura é bastante recorrente. Assim, é recursiva a existência de assentamentos instalados em terras com baixa capacidade produtiva ou mesmo impróprias para o desenvolvimento da agricultura, em razão do estágio avançado de degrada-ção e dos mais variados tipos de estresse ambiental. Quando se refere a assentamentos de reforma agrária, Mancio (2008) aponta que se deve considerar o fato 3Áreas elaboradas respeitando as devidas determinações em

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de estarem localizados em regiões diferentes daquelas de origem dos beneficiários. Isso dificulta o uso do co-nhecimento dos trabalhadores a respeito do ambiente natural e social, a fim de possibilitar aos agroecossis-temas um desenho mais sustentável, visto que o terri-tório do assentamento é estranho aos trabalhadores. O conhecimento do ambiente local é de fundamental importância para os assentados, pois traz a possibili-dade de uso e o manejo racional dos recursos, além de potencializar a convivência e as limitações postas pelo novo ambiente. Nesse sentido, a falta de conhecimen-to ou o conhecimenconhecimen-to parcial do ambiente pelas famí-lias torna-se um obstáculo para a exploração sustentá-vel dos agroecossistemas.

Segundo Caporal e Costabeber (2004), o aumento da produção e da produtividade agrícola proporcionada pela Revolução Verde foi fomentado com enormes sa-crifícios sociais e ambientais e não garantiu os espera-dos acréscimos nos rendimentos físicos da agricultura. A intensificação no uso de insumos químicos e me-cânicos na agricultura acelera a degradação de solos, a contaminação do ambiente e da água e a agressão aos recursos naturais, refletindo diretamente na quali-dade de vida das populações rurais e urbanas.

Quando se considera a questão ambiental dos assenta-mentos no norte e nordeste do Rio de Janeiro, além do processo da Revolução Verde, o histórico de ocupação da região é importante. No caso do norte e nordeste fluminenses, se deu pela economia canavieira e pela criação de gado. Para Alentejano (1997 apud GONÇAL-VES, 2004), a cana vem disputando com a pecuária o espaço agrário da área. O gado foi o motor inicial de toda a ocupação do norte fluminense, onde muitas terras eram de propriedade de donos de engenho da capital, Rio de Janeiro. Com o passar do tempo foi de-senvolvida a cultura canavieira estimulada pela chega-da chega-da Corte Portuguesa ao Brasil, a partir do início do século XIX.

No norte fluminense, a falência de muitas usinas de açúcar e álcool devido à crise do setor monocultor canavieiro, no entorno do município de Campos dos Goytacazes, promoveu uma explosão do desemprego, refletindo-se na disseminação dos conflitos no campo nessa região (MEDEIROS et al., 1999). Essa região vem se destacando como polo de reforma agrária no Estado do Rio de Janeiro, com a instalação de vários projetos

de assentamentos, o que se deve, além da decadência do setor sucroalcooleiro, ao novo dinamismo social ins-talado na região pela atividade petrolífera iniciada na Bacia de Campos.

O monocultivo da cana-de-açúcar possui inúmeros problemas ambientais que são persistentes no tempo. Esses são relatados por Andrade e Diniz (2007), como: • redução da biodiversidade, pela implantação

de monocultura;

• contaminação das águas superficiais e subterrâneas e do solo, devido ao excesso de adubos químicos, corre-tivos minerais, herbicidas e defensivos agrícolas; • compactação do solo, devido ao tráfego de

máqui-nas pesadas durante o plantio, tratos culturais e co-lheita;

• assoreamento de corpos d’água, devido à erosão do solo4.

Outro problema das lavouras de cana-de-açúcar são as queimadas, prática de manejo com custo nulo, comu-mente usada nas diferentes regiões do Brasil. A queima da palha da cana antes da colheita tem por objetivo eli-minar a palha e a vegetação localizada no entorno dos pés de cana-de-açúcar (COSTA, 2013). Quando os pro-gramas de reforma agrária são instalados sobre essas áreas monocultoras de cana, os beneficiários herdam o passivo ambiental deixado por essa atividade.

Organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) defendem que a melhor forma de organização de assentamentos rurais de reforma agrária seria por meio do modo de produção agroecológico. Essa reco-mendação recorre no sentido de evitar que a agricul-tura convencional/comercial não volte a forçar a saída dos agricultores da terra conquistada.

Apesar das indicações desses órgãos, que promovem e norteiam as iniciativas em assentamentos rurais no Bra-sil, apontarem para o sistema agroecológico, uma vez

4 Cita-se, ainda, o consumo intenso de óleo diesel nas etapas de plantio, colheita e transporte, a concentração de terras e condições sub-humanas de trabalho do cortador de cana.

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assentados, muitos agricultores não conseguem im-plementar tais sistemas. Os motivos vão desde as con-dições agroecológicas até programas de assistência técnica promovidos no assentamento. Com isso, esses agricultores acabam utilizando o pacote tecnológico convencional de agricultura, voltando à dependência do sistema de produção, à exclusão mercadológica, à expulsão da terra e possivelmente à pobreza.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento (PNUD, 2001 apud COSTA, 2006), pobres são mais do que aquelas pessoas que não podem co-mer, vestir-se, receber atendimento médico ou educa-cional. O julgamento do que é pobreza deve ir além das condições de avaliação monetária de uma população e deve ser pensada também em relação às oportunida-des e privações. Conforme Sen (2000) e Cosbey (2004), para reduzir a pobreza e gerar desenvolvimento, os in-divíduos devem ser os sujeitos de mudança e ser im-buídos com diferentes tipos de liberdades5.

Para Correa (2010), os ganhos monetários não podem ser os únicos a explicar a pobreza. A avaliação do bem-estar deve considerar múltiplas dimensões, entre as quais estão suas relações com a qualidade do ambiente. Pobres são os mais vulneráveis a fenômenos naturais, têm menos acesso às políticas públicas e mais dificuldade de encon-trar voz ativa na sociedade.

Para FIDA (2011), muitos lugares entram e saem da condição de pobreza em repetidas ocasiões em ques-tão de anos. Assim, enquanto há lugares e populações na pobreza persistente e crônica, outra proporção re-lativamente grande da população é considerada pobre apenas em uma determinada época. Isso se deve a problemas de saúde, colheitas ruins, dívidas contraí-das para fazer frente a gastos sociais, conflitos sociais e agrários e catástrofes ambientais.

Assim, segundo FIDA (2011), além das diferentes rendas monetárias, a pobreza rural tem origens vinculadas tam-bém a diferentes oportunidades de crescimento distri-buídas no espaço geográfico, a fatores históricos, às re-lações sociais e políticas entre classes sociais e camadas, grupos étnicos, homens e mulheres. Todos esses fatores podem contribuir para a pobreza criando “desvantagens

interconectadas”. As desvantagens podem compreender distintas formas de discriminação, desempoderamento, exclusão no acesso a recursos, falta de educação e capa-cidades coletivas limitadas. A pobreza, assim, é um fenô-meno de múltiplas dimensões, e alguns desses fatores, ou todos eles juntos, podem ser a causa das principais características da pobreza, que nem sempre guardam relação com a renda monetária.

De acordo com o PNUD (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005), os efeitos negativos da degradação dos serviços ecossistêmicos têm recaído de forma despro-porcional sobre as populações mais pobres e aumentado as desigualdades e disparidades entre diferentes grupos populacionais, sendo o déficit nos serviços ecossistêmicos o principal fator gerador de pobreza e conflitos sociais. Conforme Correa (2010), alguns aspectos podem po-tencializar a relação entre meio ambiente e pobre-za. Esses aspectos dizem respeito à vulnerabilidade quanto a:

• sensibilidade: pessoas se tornam mais vulneráveis a mudanças no ambiente quanto maior for a depen-dência dos recursos naturais para viver;

• maior exposição a desastres ambientais, já que a boa parte da população rural pobre se concentra em locais geográficos com grande risco de eventos extremos do clima ou em zonas com maior degradação ambiental; • maior vulnerabilidade por interações com aspectos

sociais, políticos e econômicos relacionados com res-trições no acesso a serviços públicos de água potável, saneamento básico, cuidados de saúde, acesso a edu-cação, condições precárias de habitação e infraestru-tura, entre outros, assim, não ter acesso à água potá-vel aumenta a probabilidade de doenças como febre tifoide, cólera e infecções intestinais (a problemática

5Para ver mais sobre as diferentes liberdades, consultar Cos-bey (2004).

6Nos países pobres da África, onde há escassez hídrica, há uma incidência muito maior de pobreza sobre mulheres e meninas. Para obter água, é necessário percorrer gran-des distâncias, o que é normalmente feito por mulheres em companhia de crianças, especialmente meninas que são retiradas do espaço escolar para a procura de água. En-tão, nesse caso, a deficiência dos serviços dos ecossistemas apresenta maior peso sobre as mulheres (CORREA, 2010).

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da água pode afetar mais profundamente os pobres, pois são eles que têm limitado alcance ao recurso)6. Especialmente em relação à água, Sullivan e Meigh (2006) mostram que ter acesso a abastecimento de água de qualidade para o uso doméstico e para a produção rural está ligado ao desenvolvimento de capacidades como a de se manter vivo, a de se as-segurar a reprodução biológica, a de ter uma vida saudável, a interação social e a ter conhecimento e liberdade de expressão e pensamento, o que contri-bui para uma população não ser pobre. Ainda, a água com qualidade apropriada e disponível no momento certo é atributo necessário para satisfazer as neces-sidades básicas e melhorar a produtividade da terra, trabalho e outros insumos produtivos (SULLIVAN & MEIGH, 2006).

Nesse contexto, cerca de 75% das pessoas mais pobres do mundo vivem em áreas rurais e para elas o acesso à água pode significar a diferença entre a vida e a morte. A disposição da água é altamente relevante, pois é im-possível escapar da pobreza extrema sem acesso ade-quado a água (SULLIVAN & MEIGH, 2006; SULLIVAN; FAURÈS; SANTINI, 2006).

Para o FIDA (2011), a maioria das pessoas mais vulnerá-veis nas áreas rurais vive em lugares de escasso poten-cial agrícola, degradados, terrenos propensos à erosão, com solos frágeis e com declividade acentuada. Essas populações dependem, para a sua sobrevivência, dos recursos oferecidos pelo ambiente, como água, ali-mentos, energia e abrigo. Quando esses são de má qualidade ou escassos, as populações não possuem outra saída para sobreviver a não ser ultrapassar os li-mites da capacidade de suporte daquele ecossistema e assim esgotar seus recursos.

Segundo a CEPAL (2002), vulnerabilidade seria a in-capacidade de dar respostas no tocante a enfrentar riscos ou pela inabilidade de adaptar-se ativamen-te à situação de perigo. Assim, pessoas vulneráveis teriam menos condições de aproveitar as oportuni-dades oferecidas pelo mercado, Estado e sociedade. Segundo Rosa e Costa (2009), deve-se considerar vulnerável a situação de pessoas quanto à inserção e estabilidade no mercado de trabalho, à debilidade de suas relações sociais e ao grau de regularidade de acesso aos serviços públicos ou outras formas de proteção social.

Para Acselrad (2006), a vulnerabilidade é então social-mente construída e está sempre associada a um ponto de vista7. Ocorrem diferentes concepções do que seja tolerável ou intolerável nas condições de existência para diferentes grupos sociais. Assim, existem diferen-tes dimensões da vulnerabilidade: vulnerabilidade so-cial, econômica e ambiental são algumas delas.

Segundo Rosa e Costa (2009), a vulnerabilidade social está relacionada com a capacidade de indivíduos, famí-lias ou comunidades de enfrentarem riscos; por exem-plo: o nível de vulnerabilidade social de uma família se refere à capacidade de controlar as forças que agem sobre ela e isso depende dos recursos requeridos para aproveitar as oportunidades que o meio oferece para que a família se desenvolva.

Já a vulnerabilidade econômica é normalmente asso-ciada à questão monetária e “pobreza”. Segundo o ín-dice utilizado pelo Brasil (2014), o parâmetro para se considerar uma pessoa pobre é: limite superior a in-cidência da pobreza de um salário mínimo, portanto, R$ 788,00 per capita por família; incidência da pobre-za, R$ 154,00 per capita por família; e limite inferior à incidência da pobreza, R$ 77,00 per capita por famí-lia. Em outras palavras, acima de um salário mínimo a família não é considerada pobre; com R$144,00 ela é stricto sensu pobre e abaixo de R$70,00 a família é mi-serável (BRASIL, 2014).

Para Shaffer (2008), vulnerabilidade econômica não é exatamente pobreza, é a probabilidade de cair nela ou acirrar ainda mais essa situação. Segundo Costa (2006), a relação entre pobreza e vulnerabilidade econômica é muito próxima. Uma população nessa condição tem propensão de tornar-se pobre e uma população pobre que está vulnerável a diferentes situações e condições

7Não é objetivo do trabalho discutir a questão epistemológi-ca da vulnerabilidade. Existem divergências entre diferentes autores no que se refere à vulnerabilidade, e se ela é um fato dado, uma condição, processo ou uma consequência. Alguns autores a consideram um processo, como Acselrad (2006). Para ver mais sobre a temática, consultar Chambers (1989). A discussão epistemológica adotada neste trabalho é a de Acselrad (2006), que considera a vulnerabilidade um processo e uma relação, e a delimitação de vulnerabilidade utilizada é a de Rosa e Costa (2009).

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tende a intensificar a sua situação de pobreza em fun-ção de sua vulnerabilidade.

Assim, a vulnerabilidade econômica está no limiar da pobreza. As pessoas em estado de vulnerabilidade eco-nômica, ao receberem um choque, podem ficar pobres ou se já o são podem piorar ainda mais sua situação. Para Costa (2006, p. 59), “quanto mais pobres são as pessoas mais vulneráveis elas tendem a ser e quanto mais vulneráveis as pessoas estão, mais perto da po-breza elas se encontram”. Pobres são os mais frágeis a fenômenos naturais, os que têm menos acesso a apa-relhos institucionais e os que possuem mais dificulda-des de encontrar voz ativa na sociedade.

Quando há uma sobreposição de um quadro de uma comunidade pobre ou socioeconomicamente frágil ins-talada sobre uma área de risco ambiental, sobre um ecossistema frágil, área protegida ou degradada, con-figura-se um cenário de vulnerabilidade ambiental (ROSA & COSTA, 2009).

De acordo com Rosa e Costa (2009), entre os fatores que incrementam a vulnerabilidade ambiental de uma região estão aspectos humanos e de meio. Entre os aspectos humanos estão: o crescimento e concentra-ção populacional; a urbanizaconcentra-ção acelerada em assen-tamentos humanos não planejados; a localização de comunidades em áreas de risco; a piora nas condições de saúde pública; a intensificação da industrialização; a carência de infraestruturas ou equipamentos territo-riais, entre outros. Entre os aspectos do meio, estão: a degradação do ecossistema; a perda da cobertura flo-restal e da diversidade biológica; a alteração dos ciclos hidrológicos; o aumento do escoamento superficial; o aumento dos resíduos; entre outros.

Em relação à vulnerabilidade ambiental e a econô-mica, a situação se torna mais complexa quando

co-munidades rurais e assentamentos estão localizados no entorno de UC: as comunidades podem se bene-ficiar de forma indireta pelos serviços ecossistêmicos gerados pelas UC ou pode lhes ser negado o acesso a recursos no interior da área, quando o uso dela é mais restritivo.

Muitas das comunidades rurais consideradas pobres no mundo estão localizadas dentro e/ou no entor-no de áreas protegidas pela legislação. Tais áreas normalmente são criadas com intuito de proteger zonas ricas em biodiversidade e recursos naturais. Porém, a implantação dessas áreas possui um lugar controverso como ferramenta de sustentabilidade, já que muitas vezes elas foram criadas à custa das comunidades que vivem em sua volta, provocando deslocamentos e desapropriações (MURUVI, 2011; SCHERL et al., 2006).

Alguns autores consideram a criação de UC como res-ponsável pela perpetuação da pobreza por meio da contínua negação do acesso à terra e a outros recursos naturais. Por esses recursos serem protegidos, acaba--se limitando ou excluindo o acesso das populações do entorno (MURUVI, 2011; SCHERL et al., 2006).

Por outro lado, segundo Scherl et al. (2006), as áreas protegidas podem oferecer às comunidades pobres do entorno serviços ecossistêmicos e alimentos, caso se estabeleça um sistema de gestão que: permi-ta determinadas atividades de subsistência; forne-ça estratégias de redução da pobreza; proporcione oportunidades para desenvolver a indústria do turis-mo; e favoreça o acesso à infraestrutura, como es-tradas, eletricidade, comunicações e serviços de saúde mais eficientes, associado à infraestrutura da área protegida.

O PARNA Jurubatiba e o Assentamento João Batista Soares

O PARNA Jurubatiba foi criado em 29 de abril de 1998.

Ele se localiza no nordeste do Estado do Rio de Janeiro, com área total de 14.860 ha, originalmente pertencen-tes aos municípios de Macaé (1%), Carapebus (34%) e Quissamã (65%) (ICMBIO, 2008).

A região abrangida pelo parque protege trechos de restingas e lagoas em uma planície litorânea que foi formada na era quaternária, por meio da ação

con-junta de fatores como fontes de areia, correntes marinhas de deriva litorânea, variações no nível do mar e obstáculos de retenção de sedimentos. A for-mação das planícies está quase sempre relacionada com os cordões arenosos formados pela consequên-cia de elevações e abaixamentos do nível do oceano. Esses eventos geológicos resultaram em pequenas baías preenchidas por sedimentos quaternários e

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la-gunas em avançado processo de deposição de mate-rial. No parque estão localizados 16 corpos hídricos lagunares, permanentes ou não, que por suas origens podem ser denominados lagunas ou lagoas costeiras8 (ICMBIO, 2008).

Nos últimos anos, a ocupação das áreas urbana e ru-ral adjacentes à área do PARNA Jurubatiba apresentou alta taxa de crescimento, resultado do desenvolvimen-to da agricultura e da atividade industrial. Ocorre a pressão antrópica do seu entorno, resultando na reti-rada da vegetação das áreas próximas, desenvolvimen-to de pecuária e agricultura com uso intenso do solo, de fertilizantes, agrotóxicos e incêndios. Os poluentes e excesso de nutrientes escoam para a rede de drena-gem das bacias hidrográficas que abrandrena-gem o parque e isso acaba acelerando a eutrofização dos ecossistemas aquáticos, o que compromete a biodiversidade e a via-bilidade ambiental (SANTOS, 2008).

Segundo a Associação Amigos do PARNA Jurubatiba (APAJ, 2002 apud ICMBIO, 2008), as principais pressões do entorno que o parque recebia em 2002 eram: os im-pactos negativos das atividades industriais, sendo a re-gião o epicentro da indústria brasileira de exploração e produção de petróleo offshore; a ocupação desordena-da no entorno; desmatamento para criação de gado ou plantio e para construção de moradias; contaminação dos corpos hídricos e do lençol freático; poluição das lagoas e da praia por lixo, esgotos domésticos, industriais, resíduos de defensivos agrícolas e efluentes de matadouros clan-destinos; manejo inadequado dos recursos naturais; e re-tirada descontrolada de recursos minerais (areia, areola e saibro), plantas, animais e “produtos” da restinga.

Por isso, existem relações conflituosas envolvendo o PAR-NA Jurubatiba e as comunidades ao seu redor. Dentre esses conflitos, podem ser citados: a pesca de subsistência, por exemplo, na Lagoa de Carapebus (SANTOS, 2008); a ocu-pação desordenada nas adjacências do parque; a constru-ção de estaconstru-ção de tratamento de esgoto dentro dos limites

cartográficos da UC; o uso do fogo nas propriedades do entorno, o extrativismo sem orientação adequada e as ati-vidades de caça proibidas por lei (ICMBIO, 2008).

Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conserva-ção (SNUC [BRASIL, 2000]), as UC, excetuando as áreas de proteção ambiental e as reservas particulares de proteção da natureza, devem ter uma zona de amor-tecimento onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. A zona de amortecimento, segundo o SNUC, poderá ser definida na ocasião da criação da UC ou a posterio-ri. O PARNA Jurubatiba possui uma proposta de zona de amortecimento no seu Plano de Manejo de 2008. Até o atual momento não houve publicação de portaria ou decreto que aprove essa proposta. Acredita-se que até este ano ainda haja alguma publicação em relação a essa zona, uma vez que esse é o prazo limite que o Ministério Público ofereceu ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para tal. Enquanto isso, a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA n.° 428/2010) passou recen-temente a regulamentar as zonas de amortecimento. Subentende-se, por meio dessa resolução, que o raio da zona de amortecimento do PARNA seja de dois ou três quilômetros. Seja pela proposta de zona de amor-tecimento constante no Plano de Manejo, que conside-ra 10 km de conside-raio no entorno, ou, pela Resolução CONA-MA n.° 428/2010, o Assentamento de Reforma Agrária João Batista Soares se encontraria dentro dessa zona (ICMBIO, 2008; BRASIL, 2010a).

Por se localizar, assim, no “entorno imediato” à área do João Batista Soares, está sujeito a algumas normas gerais, como:

• a proibição de disposição de resíduos químicos e nucleares;

• o uso de agrotóxicos deve obedecer às normas do Plano de Manejo do PARNA, não sendo permitida a aplicação de agrotóxico por aeronave (na faixa de um quilômetro contígua às áreas do PARNA Juruba-tiba e APP);

• as edificações que vierem a ser construídas nessa zona não poderão interferir na qualidade paisagís-tica do PARNA;

8Designa-se laguna um corpo hídrico lêntico que permanece ligado ao mar por fluxo e refluxo. Designa-se lagoa um cor-po hídrico lêntico que se isola do mar, sem fluxo ou refluxo (ESTEVES, 1998). Tanto a laguna como a lagoa possuem uma rede hidrográfica que as abastecem. Já o lago não possui rede hidrográfica que o abastece, sendo formado por afloramento de água ou por derretimento de geleiras nas montanhas.

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• o uso da água, em especial para irrigação e empre-gos industriais, só será permitido após a solicitação de outorga para isso;

• o cultivo da terra será feito de acordo com as práticas de conservação do solo e da água recomendadas pe-los órgãos oficiais de extensão rural atuantes na região do parque e toda a queima controlada para renovação de pastagens nessa zona dependerá de anuência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Na-turais Renováveis (IBAMA – ICMBIO, 2008).

O assentamento foi criado pela Portaria do INCRA-RJ de 16 de dezembro de 2008 e, segundo os dados forne-cidos pelo INCRA (2011), tem área total de 1.208,82 ha, sendo sua reserva legal de 242,50 ha e APP de 160 ha (em torno de nascentes, córregos, canais e em torno da Lagoa de Carapebus). Inicialmente era prevista a cria-ção de 40 unidades agrícolas familiares (INCRA, 2011). No entanto, são 60 famílias assentadas, somando cerca de 180 pessoas. Dessas 60 famílias, nove são antigos trabalhadores da Usina Carapebus.

A área do assentamento fazia parte da Fazenda Boa Sor-te, que pertencia à massa falida da Usina Carapebus e era usada para a produção de cana-de-açúcar. A fazen-da Boa Sorte9 foi considerada improdutiva pelos técni-cos do INCRA, em 1998, e foi ocupada por integrantes do MST no início de abril de 2004 (FOLHA DE S.PAULO, 2004). Em Decreto s/n°, de 20 de abril de 2004, a Fazen-da Boa Sorte foi declaraFazen-da de interesse social para fins de reforma agrária (BRASIL, 2004). O assentamento foi concretizado por meio da ação da Federação dos Traba-lhadores na Agricultura (FETAG) e MST.

As famílias assentadas têm origem geográfica distin-ta, sendo que cerca de 50% se declararam de origem rural antes do assentamento. Os assentados, antes do acampamento, mantinham outras formas de trabalho,

observando-se que 52% tinham alguma ligação com a agricultura (INCRA, 2011).

Quanto aos aspectos físicos, o assentamento está di-vidido em duas unidades geomorfológicas. A primeira abrange praticamente 75% da área do assentamento e é composta por planícies costeiras fluviais de influência marinha, com sedimentos arenosos e argiloarenosos, com ocorrência de ambientes lacustres e brejosos. A segunda unidade geomorfológica são os feixes are-nosos de Jurubatiba, compostos por cordões areare-nosos, dunas e restingas litorâneas situadas ao sul do assen-tamento (INCRA, 2011). Devido às características geo-morfológicas, o solo nessa área é de baixa fertilidade e considerado praticamente inapto para a agricultura, exceto em alguns casos como a cocoicultura. Essa uni-dade é onde se localiza a maior parte da reserva legal do assentamento e ela confronta diretamente o PARNA Ju-rubatiba. O assentamento se encontra entre duas bacias hidrográficas: a da Lagoa de Carapebus e a da Rodagem. O relevo é suficiente para separar dois sistemas de dre-nagem, que seguem por bacias distintas e alimentam os ambientes costeiros de restinga (INCRA, 2011).

O uso de poços subterrâneos é a principal fonte de supri-mento de água do assentasupri-mento. Normalmente rasos, os aquíferos estão aproximadamente de quatro a seis me-tros de profundidade (INCRA, 2011). Com a alta permea-bilidade apresentada pelo tipo de solo, a baixa profundi-dade do lençol freático e a não instalação de saneamento básico, o lençol freático pode estar contaminado.

Segundo o relatório do INCRA (2011), com o processo de ocupação da área pelas famílias, a plantação de cana vem sendo substituída por uma agricultura de baixo im-pacto ambiental e com elevado potencial agroecológico. Os sistemas produtivos encontrados no assentamento consistem na combinação de atividades produtivas des-tinadas ao mercado e ao autoconsumo. Os gêneros cul-tivados com mão de obra familiar são aipim (Manihot esculenta), abóbora (Cucúrbita moschata), quiabo (Abel-moschus esculentus), milho (Zea mays), feijão (Phaseo-lus vulgaris) e crotalária (Crotalaria juncea). Cada gênero tem área de 0,5 a 1,0 ha por cultura.

A presença dos canaviais tem sido uma das limitações na expansão dos cultivos. Junto à cana se mistura a vegetação pioneira e se torna difícil sua retirada, difi-cultando o manejo dessa vegetação e, consequente-9Segundo o laudo agronômico de fiscalização elaborado pelo

INCRA, em 1998, 770 ha do imóvel (64%) estavam tomados pelos canaviais, cerca de 70 ha da área eram inaproveitáveis e cerca de 25 ha representavam macegas e capoeiras, e 347 ha eram considerados APP, em especial a área de restinga ao sul do imóvel (BRASIL, 2007).

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mente, da produção agrícola. Em relação às práticas na produção animal, destacam-se atividades de baixo ní-vel tecnológico de manejo extensivo e semiextensivo, como a bovinocultura leiteira, a avicultura, a caprino-cultura, ovinocultura e suinocultura (INCRA, 2011). Os assentados relatam como fatores limitantes à ob-tenção de maior produção: o escoamento da produ-ção; o não acesso ao crédito; a frequência de

intem-péries diversas (ataque de pragas e doenças); o vento excessivo; as técnicas rudimentares de produção e as secas prolongadas. Além disso, o solo é caracterizado por ter sido muito explorado pela Usina Carapebus, o que o tornou empobrecido devido ao monocultivo histórico e às queimadas frequentes. O manejo quí-mico com pesadas doses de agrotóxicos também con-tribuíram para esse empobrecimento (INCRA, 2009; INCRA, 2011).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante a elaboração dos mapeamentos de uso e

co-bertura da terra, de áreas úteis e da análise do Plano de Desenvolvimento de Assentamento (PDA) do João Batista Soares, constatou-se que existem três limites cartográficos (áreas) distintos para o assentamento: 1. o “oficialmente” utilizado neste trabalho é o

for-necido pelo INCRA, no arquivo vetorial nomeado como limite;

2. o disposto nos dados de pedologia do assentamen-to INCRA (2009);

3. o constante no PDA, baseado no mapa de lotes e APP do INCRA (2011).

Optou-se por usar o primeiro arquivo, pois esse foi o que mais se aproximou da área total do assentamento e o que continha “coincidências” de traçado com mar-cos físimar-cos, como cursos de água e malha viária. A Figura 1 apresenta o mapa temático com a delimita-ção do assentamento, delimitadelimita-ção dos lotes, pedologia, hidrografia e APP. O mapa da figura foi elaborado com base em informações fornecidas pelo INCRA (2009; 2011) e com as orientações contidas nos manuais de uso da terra e pedologia do IBGE (2007; 2013).

No Assentamento João Batista Soares são encontradas três categorias principais de solos: neossolos (25% da

área do assentamento), gleissolos (9% da área) e latos-solos (66% da área)10.

Neossolos são solos minerais, geralmente profundos, não hidromórficos e pouco evoluídos pela reduzida atuação dos processos pedogenéticos, por característi-cas inerentes ao material ou por influência dos demais fatores de formação. Normalmente são solos essen-cialmente quartzosos, com textura arenosa. Por sua constituição, esses solos são pobres em macro e mi-cronutrientes, apresentando baixa capacidade de troca de cátions, impossibilitando a liberação de nutrientes para o solo e plantas (EMBRAPA, 2006; INCRA, 2009). No assentamento, os neossolos estão localizados na parte sul e coincidem com quase toda a reserva legal. Gleissolos são solos formados em áreas que estão perio-dicamente saturadas por água. São solos mal ou muito mal drenados e se desenvolvem em várzeas, áreas depri-midas, locais vinculados a excesso de água ou em áreas de surgência de água (EMBRAPA, 2006). Esses solos têm sérias limitações ao uso agrícola, devido à presença de lençol freático elevado e ao risco de inundações ou alagamentos frequentes. A drenagem é imprescindível para torná-los aptos a maior número de culturas (INCRA, 2009). A maior parte dos gleissolos no assentamento se localiza nas APP e, nesse sentido, estão sujeitas a restri-ções legais (INCRA, 2011; BRASIL, 2012).

Latossolos são solos profundos, apresentam pouca diferenciação de horizontes, bem drenados, normal-mente ácidos e bastante intemperizados, e possuem pequena reserva de nutrientes para as plantas. Contu-do, com aplicações adequadas de corretivos e fertili-zantes aliadas à época propícia de plantio de cultiva-res adaptadas obtêm-se boas produções (EMBRAPA, 2006). Se privados da matéria orgânica durante o pe-ríodo seco, pode ocorrer agregação dos minerais fer-10No mapa de solo foi apresentada a classificação geral do

tipo de solo, não abordando suas subclassificações, uma vez que não é objetivo do trabalho caracterizar cada subclassifi-cação de solo.

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Figura 1 – Mapa temático de pedologia, delimitação de lotes, áreas de preservação permanente,

nascentes e reserva legal do Assentamento de Reforma Agrária João Batista Soares13.

Pedologia Legenda Água Gleissolo 1 Gleissolo 2 Latossolo 1 Latossolo 2 Neossolo 1 Neossolo 2 Lotes Reserva Legal APP Nascentes 500 0 500 1000 1500 2000 m Rede Hidrográfica

Mapa temático de Áreas Úteis do P.A. João Batista Soares Edição: Fernanda Lerner PPEA IF Fluminense Fonte: Mapa de Pedologia 1:10.000 (INCRA, 2009) Rede Hidrográfica 1:25.000 (IBGE; INCRA, 1997) Lotes 1:25.000 (INCRA, 2010)

Nascentes 1:25.000 (IBGE; INCRA,1997) Reserva Legal 1:10.000 (INCRA, 2011) Sistema de Proteção Transversa de Mercartor datum: SIRGAS 2000 Zona: 24 K – QGIS

-2530000.00

-4630000.00

-2530000.00

-4630000.00

13Deve-se observar na figura a incongruência entre os limites disponibilizados pelo INCRA. Como limite oficial (linha vermelha), o limite do assentamento conforme a delimitação dos lotes (linhas pretas) e o limite oferecido pela pedologia (cores). Em muitas áreas esses limites não são os mesmos, o que pode vir a gerar conflitos futuros sobre determinadas áreas.

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rosos, denominada laterização, que leva ao endureci-mento irreversível do solo. No caso do assentaendureci-mento, correspondem a terras cultiváveis que exigem práticas especiais para serem cultivadas, com produção entre médias e elevadas de culturas anuais. Podem apresen-tar erosão laminar ligeira e por isso práticas de controle de erosão também devem ser adotadas (INCRA, 2009). Conforme exposto pelo INCRA (2011), a maior parte dos solos do assentamento (62%) é formada por la-tossolos. Pelas recomendações do INCRA (2009), pa-rece não haver grandes limitações quanto ao seu uso, pois esse tipo de solo é cultivável durante todo o ano, com problemas simples de manejo por possuír redu-zido estoque de nutrientes. Suas propriedades físicas e morfológicas, inclusive a textura, são perfeitas para atividades agrícolas.

Segundo o INCRA (2009), para a potencialização da ca-pacidade produtiva dos latossolos são recomendadas práticas de calagem e adubação, além de manejo com a conservação dos solos, de maneira que as atividades escolhidas possibilitem de forma racional e conservacio-nista a máxima otimização das terras e seu potencial de exploração agrícola ao longo dos anos. Em uma primeira análise não haveria motivos para que houvessem recla-mações por parte dos assentados com relação à fertili-dade do solo, sendo que a calagem e o manejo correto “resolveriam” os problemas de potencialidade agrícola. Entretanto, acredita-se que seja necessária uma aná-lise química da superfície desses solos para verificar se eles são realmente “produtivos” em decorrência do uso histórico da área para a produção de cana-de-açú-car, com aplicação de agrotóxicos, fertilizantes quími-cos e uso de queimadas.

A delimitação dos lotes do assentamento se deu com base nas propriedades pedológicas da área e APP (INCRA, 2011). O objetivo foi a distribuição equilibrada entre os solos produtivos, menos produtivos e restrições de uso APP em cada lote. Entretanto, os lotes localizados mais a noroeste (Figura 1) podem se tornar mais vulneráveis ambientalmente, pois concentram maior área de gleis-solos e APP. A vulnerabilidade ambiental é causada pela redução da área útil de produção dos assentados. Nes-se caso, o gleissolo requer cuidados e estabelecimento de culturas específicas que demandam conhecimento e renda dos assentados. Se não manejados de forma corre-ta, os solos desses lotes podem não produzir ou produzir

pouco, levando assim também à vulnerabilidade econô-mica dos indivíduos ali alocados. A APP possui restrições legais que limitam o seu uso para a agricultura tradicional, o que pode aumentar o processo de vulnerabilidade. Em caso de fracionamento do imóvel rural, a qualquer título, inclusive para os programas de reforma agrária, será considerada, para título de reserva legal, a área do imóvel antes do fracionamento da área. Essa estra-tégia permite aos assentados uma maior área útil em cada lote, mas por outro lado pode impossibilitar a formação de corredores ecológicos e a conservação da biodiversidade, por exemplo, em áreas onde não exis-tem APP. Pelo art. 17 do Código Florestal, admite-se a exploração11 econômica da reserva legal mediante ma-nejo sustentável. A exploração pode se dar de forma comercial ou para uso próprio, dependendo do órgão executor competente a autorização para a prática co-mercial. Entre as atividades permitidas na exploração econômica estão a livre coleta de produtos florestais não madeireiros, tais como frutos, cipós, folhas e se-mentes, devendo-se observar épocas de maturação e de reprodução das espécies (BRASIL, 2012). A reserva legal do assentamento se localiza sobre os neossolos, o que de certa forma contribui para a sua preservação. Observa-se, na parte sudeste da Figura 1, que dois lotes estão completamente sobrepostos em sua área à reser-va legal do assentamento. Mediante as restrições de usos que são dados à reserva legal, os assentados loca-lizados nessa porção do espaço não poderão usar essas áreas, exceto com manejo sustentável, coleta de produ-tos florestais, entre outros usos indireprodu-tos. Se essa sobre-posição não for resolvida, esses indivíduos não poderão efetuar a atividade de agricultura tradicional, proposta pelo assentamento. Com isso, eles podem sofrer o pro-cesso de vulnerabilidade ambiental, social e econômica, em um mesmo espaço e tempo. As Figuras 2 e 3 repre-sentam as cartas-imagem de uso e cobertura da terra do

11Ainda para o cumprimento da manutenção da área de re-serva legal, os imóveis rurais classificados como pequenas propriedades e em assentamentos e projetos de reforma agrária, plantios de árvores frutíferas, ornamentais ou in-dustriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas da região, ou ainda em sistemas agroflorestais, poderão ser computados nas áreas de reserva legal (BRASIL, 2012).

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Legenda Edificações Rede hidrográfica Malha viária

Uso e cobertura da terra Cana-de-açúcar Vegetação florestal Área úmida

Pastagem Acampamento

Formação florestal de restinga Formação de restinga em moitas e cordões arenosos Cultivos temporários

Carta-imagem de uso e cobertura da terra do P.A. João Batista Soares (2005) Edição: Fernanda Lerner, 2015 PPEA IF Fluminense

Fonte:

Ortofotomosaico 1:25.000 (IBGE, 2005) Sistema de Projeção Transversa de Mercartor datum: SIRGAS 2000 Zona: 24 K QGIS -4630000.00 -2530000.00 -2530000.00 -4630000.00 250 0 250500 750 1000m

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Legenda Edificações Rede hidrográfica Malha viária

Uso e cobertura da terra Vegetação florestal Área úmida

Pastagem Vila

Formação florestal de restinga

Formação de restinga em moitas e cordões arenosos

Cultivos temporários

Carta-imagem de uso e cobertura da terra do P.A. João Batista Soares (2014-2015)

Edição: Fernanda Lerner, 2015 PPEA IF Fluminense

Fonte:

Cenas do Google Earth (OPENLAYERS, 2014–2015)

Sistema de Projeção Transversa de Mercartor datum: SIRGAS 2000 Zona: 24 K QGIS -4630000.00 Pasto degradado Reflorestamento -2530000.00 -2530000.00 -4630000.00 250 0 250500 750 1000m

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Assentamento de Reforma Agrária João Batista Soares, em 2005 e 2015, respectivamente.

As primeiras alterações notadas, ao comparar as duas figuras, referem-se à demografia. Em 2005, havia 12 edi-ficações na área do atual assentamento; em 2015, as edificações somaram 83. Outro fato observado foi o aumento da extensão da malha viária e o estabelecimen-to de uma nova via de acesso, asfaltada, que liga a Praia de Carapebus ao centro do município. A nova estrada corta o assentamento e, por isso, pode beneficiar os as-sentados no escoamento da sua produção (PREFEITURA DE CARAPEBUS, 2015). Pelo aumento das edificações na área já se pode afirmar que houve uma mudança social no uso e cobertura da terra no local.

Outro dado visualizado na carta-imagem de 2005 é a loca-lização do antigo acampamento na área, adjacente à

ma-lha viária, ao norte do assentamento, local onde os assen-tados permaneceram de 2004 a 2009, quando ocorreu a primeira divisão das terras da área do assentamento12. O uso e a cobertura da terra e suas modificações entre 2005 e 2015 são apresentados na Tabela 1. A tabela mostra as principais tipologias de uso e cobertura da terra, em 2005 e em 2015, segundo a classificação do Manual de Uso e Cobertura da Terra do IBGE (2013). A primeira tipologia de uso e cobertura da terra obser-vada em 2005 foi a cana-de-açúcar. Aproximadamen-te 65,42% da atual área do assentamento são ocu-pados por glebas com plantações de cana-de-açúcar. Nota-se na carta-imagem de 2005 (Figura 2) a confi-guração das glebas e seus limites. Entre os limites das glebas de cana foram observadas vias utilizadas para seu escoamento, que não foram editadas em tela por não constituírem a malha viária oficialmente informa-da. O relatório técnico expedido pelo INCRA, em 1998 (BRASIL, 2007) dava conta de que a antiga Fazenda Boa Sorte tinha área de 770 ha de cana-de-açúcar. Os valo-12A informação da localização do acampamento foi

confirma-da por um pesquisador Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Fluminense, que na época trabalhava no PARNA Jurubatiba, em área limítrofe ao assentamento.

Tipologia de uso e cobertura da terra 2005 (ha)Área em assentamento – 2005% atual área do 2015 (ha)Área em assentamento – 2015% atual área do

Cana-de-açúcar 790,80 65,42 - -Vegetação florestal 2,11 0,18 9,01 0,75 Área úmida 91,47 7,57 130,87 10,83 Pasto 11,76 0,97 57,05 4,72 Vila 2,79 0,23 0,16 0,02 Acampamento 2,88 0,24 - -Floresta de restinga 120,42 9,96 111,08 9,19

Moita de restinga em cordões arenosos 186,53 15,43 192,25 15,90

Cultivos - - 13,85 1,15

Pasto degradado - - 669,48 55,39

Reflorestamento - - 25,01 2,06

Valor da área fornecida pelo INCRA

como limite do Assentamento – 1.208,86 1.208,76 100,00 1.208,76 100,00 Tabela 1 – Tipologia e área de uso e cobertura da terra no Assentamento João Batista Soares, em 2005 e 2015, com base no mapeamento de uso e cobertura da terra. Elaborado pelos autores em 2015.

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res das áreas de 1998 do INCRA e de 2005 encontradas no mapa são coincidentes.

Na análise da carta-imagem de 2015 não se observam mais as glebas de cana-de-açúcar. No entanto, a cana ainda representa um problema para os assentados, pois a sua retirada não foi completamente concreti-zada. A remoção da cana é de difícil manejo, pois ela é uma gramínea pioneira agressiva. Com o abandono dessas áreas, as espécies pioneiras de capoeiras se de-senvolveram junto à cana, dificultando o desenvolvi-mento da agricultura.

No que diz respeito à cobertura vegetal original da área do assentamento, percebe-se um aumento dessa tipo-logia de 2005 (2 ha) para 2015 (9 ha). Evidencia-se uma recuperação gradual da vegetação florestal da área por meio da sucessão natural. O aumento da vegetação original ocorreu em torno da área úmida ao sul do as-sentamento e em áreas esparsas na parte norte. A área de pasto ocupava, em 2005, cerca de 1% da atual área do assentamento, sendo que em 2015 essa área se estendeu para 5%. Os pastos são usados na pecuá-ria extensiva. Aproximadamente 55% do assentamento em 2015 é representado pela tipologia de pasto degra-dado, inexistente em 2005, pois predominava nessas áreas a cana-de-açúcar.

Acredita-se que tal tipologia seja uma sucessão entre os resquícios da cana-de-açúcar da antiga Fazenda Boa Sorte associados à vegetação pioneira. Devido à difi-culdade de manejo desse “consórcio”, grande parte da área do assentamento está sendo ocupada por essa ti-pologia. Acredita-se também que essas áreas podem também estar sendo utilizadas como pastagens para animais, o que tende a aumentar os processos erosivos já iniciados. Quando somadas as áreas de cana-de-açú-car e de pasto, em 2005, obtêm-se 66,40% da área do assentamento; somando a área de pastagem degrada-da e a de pasto, em 2015, obtêm-se 60,11% degrada-da área. No que diz respeito à sucessão da cana-de-açúcar por ou-tros tipos de vegetação no assentamento, o INCRA (2011) aponta que, a partir da implantação do assentamento, a prática intensiva da mecanização e o uso constante de agrotóxicos foram cessados, abrindo espaço para as ini-ciativas familiares de produção. O plantio diversificado de alimentos, o manejo pelo consorciamento, o cultivo

ma-nual da terra e o emprego de adubos verdes são evidên-cias do estabelecimento de um novo agroecossistema. Em 2011, o INCRA relatava que a não conclusão do processo de parcelamento dos lotes representava uma limitação para o desenvolvimento dos aspectos produ-tivos, uma vez que as famílias não sabiam onde se lo-calizaria seu lote e por esse motivo não faziam grandes investimentos em relação a esses aspectos. Em 2011, 6,75% do total do imóvel eram utilizados para a produ-ção de alimentos. Atualmente, os lotes já estão demar-cados e é valido investigar quais os gêneros cultivados no assentamento.

Pelo que consta, o uso de agrotóxicos e de fogo tem sido pauta de discussões entre os agricultores, sendo que estes têm tido cautela na expansão de seus cul-tivos, sobretudo pelas fragilidades encontradas no ambiente. Segundo o INCRA (2011), os agricultores entenderam que os usos agrícolas e pecuários devem respeitar os princípios da agroecologia, por estarem no entorno do PARNA Jurubatiba.

No que diz respeito aos cultivos temporários, em 2005, essa tipologia era quase inexistente. Já em 2015, mesmo com a escala utilizada para a edição da carta-imagem (1:5.000), já se pode observar 1,5%, (cerca de 15 ha) da área ocupada por cultivos temporários. Em 2010, por con-ta de entreviscon-tas realizadas com os assencon-tados, o INCRA (2011) havia contabilizado um total de 84,4 ha de cultivos alimentares na área do assentamento (durante o ano). A diferença da área de cultivos temporários encontra-dos entre a carta-imagem e os daencontra-dos do INCRA (2011) pode estar ligada a vários fatores:

• a escala de mapeamento não permite a identifica-ção desses cultivos;

• a carta-imagem abrange um período fixo, uma data exata de análise (janeiro de 2015), enquanto o diag-nóstico do INCRA se refere a cultivos temporários praticados durante o ano todo; assim, áreas podem ser utilizadas de forma diferente durante o ano, po-dendo ser incorporadas aos cultivos;

• no período, foi registrada grande estiagem, que pode ter prejudicado o desenvolvimento das mais diversas culturas (tal fato foi relatado por um dos assentados na ocasião da visita ao assentamento).

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O reflorestamento da área do assentamento com a re-cuperação de APP de nascentes e de lagoas está con-tido no Projeto de Recuperação de Áreas Protegidas do INCRA (2011). Na carta-imagem de 2005, os canais naturais e artificiais estão sem cobertura vegetal, sen-do que a cana-açúcar ocupa toda a área onde de-veria ter algum tipo de vegetação florestal e em alguns casos ainda invade os próprios canais e áreas úmidas, como no caso dos canais a noroeste do assentamen-to. Os cursos d’água e as nascentes foram impactados negativamente, expondo as águas aos fatores de con-taminação por fertilizantes e agrotóxicos e à erosão (INCRA, 2011).

Na carta-imagem de 2015, é possível verificar o proces-so de reflorestamento das nascentes e canais, o qual foi confirmado por representantes do ICMBio do PARNA e pelo representante do INCRA-RJ. Esse reflorestamento das nascentes e canais foi uma medida compensató-ria por parte de empreendimento da empresa PETRO-BRAS S/A. Como a carta-imagem de 2015 foi montada a partir de um mosaico de cenas de satélites, que une imagens de 2014 e 2015, nem todas as áreas reflores-tadas podem ser observadas nela.

A tipologia de formação florestal de restinga, moita de restinga e cordões arenosos se localiza ao sul da área do assentamento. Não houve mudanças significati-vas em sua composição de 2005 para 2015. É nessa

área que estão os neossolos, com baixíssima aptidão para agricultura.

Por se constituir zona de amortecimento, a área do assentamento está sujeita a algumas restrições gerais, como a proibição de disposição de resíduos químicos e nucleares, a não utilização de agrotóxicos, queimas controladas, entre outros, conforme já citado. O pró-prio fato de o assentamento se localizar em uma zona de amortecimento e de determinadas atividades serem restringidas ou proibidas, no futuro, pode vir a tornar o assentamento vulnerável economicamente (por ter li-mitantes no uso de determinadas tecnologias). Por ou-tro lado, o fato do assentamento se localizar na zona de amortecimento pode se tornar um estímulo para o correto manejo de recursos e boas práticas, tendo em vista as exigências legais.

O fato de não haver uma zona de amortecimento le-galmente delimitada traz vulnerabilidade para o PAR-NA, uma vez que, se os mecanismos infrarregulamen-tadores jurídicos existentes são frágeis, as restrições estabelecidas pela legislação também não podem ser impostas a empreendedores ou a agricultores. A não delimitação de uma zona de amortecimento, junta-mente com o não esclarecimento da real extensão de reserva legal do assentamento, que aparentemente entra em conflito com os lotes e é limite com o PARNA, podem colocar o assentamento e o PARNA em uma si-tuação de vulnerabilidade ambiental.

CONCLUSÕES

O Assentamento de Reforma Agrária João Batista Soares

não foge à regra em relação à questão ambiental da maio-ria dos assentamentos no Brasil. Os beneficiários foram alocados em uma área já degradada, com um passivo am-biental advindo de no mínimo 70 anos de monocultura de cana-de-açúcar. Uma das soluções para recuperar o passivo ambiental dessa área seria o uso dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde. No entanto, quando usados de forma inadequada, intensificam o passivo ambiental da área. Os assentados ainda não possuem acesso a crédito, o que impossibilita a compra desses pacotes tecnológi-cos. Como alternativa, indica-se o uso de boas práticas e manejo sustentável do solo (sistemas agroflorestais, rotação, curvas de nível, pousio, adubação verde, uso de leguminosas, irrigação por gotejamento, entre outros). Esse tipo de manejo vai ao encontro de indicações e

res-trições de uso e manejo do solo e recursos naturais para zonas de amortecimento de Parques Nacionais.

A ferramenta SIG foi fundamental para o estudo de uso e ocupação das terras do assentamento, em virtude de esclarecer diversas divergências de informações, além de mostrar a evolução dos usos e cobertura da terra na localidade. Conclui-se, a partir da análi-se dos dados obtidos pela ferramenta, que ocorreu no período de 2005 a 2015, no geral, a substituição da tipologia cana-de-açúcar pela de pasto degradado. O cultivo de cana, em 2005, apesar de ter impactado negativamente os solos, oferecia maior cobertura ve-getal protetora a intempéries. A substituição da cana por pastagens intensificou o processo de erosão dos latossolos na área do assentamento, tanto que se

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ob-serva em diversos lotes com esse tipo de solo a feição de pastos degradados.

As áreas onde se encontram os pastos degradados são predominantemente formadas por latossolos. Tais áreas podem estar sendo usadas para pastoreio, o que não é recomendado em função da fragilidade à erosão e compactação desse tipo de solo. Recomen-da-se que haja uma orientação aos assentados para o melhor manejo desse tipo de solo, desaconselhando o pastoreio e aconselhando o uso das áreas para lavou-ras permanentes e sistemas agroflorestais com uso de espécies endêmicas. Também devem ser traçadas es-tratégias para a interrupção dos processos erosivos e sua mitigação.

Acredita-se que a consolidação do assentamento, em outubro de 2014, a definição permanente dos lo-tes e o futuro acesso ao crédito pelos assentados pode mudar a realidade do uso e cobertura da terra da área. No entanto, atualmente o quadro é de vulnerabilidade ambiental dos assentados devido: aos tipos e às carac-terísticas dos solos da área; ao uso e cobertura históri-ca da terra do assentamento; à falta de investimentos na conservação e manejo sustentável dos solos; ao não acesso ao crédito; e à ausência de alternativas para contornar o passivo ambiental do assentamento. Conclui-se que os assentados são vulneráveis ambien-talmente e que existem indicações de vulnerabilidade social e econômica que devem ser investigadas mais profundamente. Acrescenta-se ainda que a vulnera-bilidade ambiental pode ocorrer em outras instâncias ainda desconhecidas. Por isso devem ser investigadas: • a qualidade da água subterrânea e de superfície,

a fim de averiguar sua possível contaminação; • as características químicas e biológicas do solo, com

o intuito de auxiliar na escolha de corretivos, técni-cas de manejo e espécies a serem cultivadas; • a abrangência, os estágios e as causas dos

proces-sos erosivos na área;

• as medidas para o manejo da cana-de-açúcar rema-nescentes e para o pasto degradado.

Tais informações podem subsidiar o manejo adequado da área e seus recursos pelos assentados e, também,

apontar a intensidade do processo de vulnerabilidade ambiental já reconhecido por meio deste trabalho. Seria interessante também a elucidação dos limites cartográficos do assentamento e sua reserva legal, uma vez que existem três limites fornecidos pela insti-tuição, oficializando de forma definitiva a área, seu tra-çado e sua abrangência, dando assim o primeiro passo para uma gestão adequada. Por outro lado, seria fun-damental também a promulgação da zona de amorte-cimento do PARNA, pois essa influencia tanto na gestão do assentamento como na do PARNA.

Aceita a hipótese de que existe um processo de vul-nerabilidade ambiental instalado no assentamento, devido a problemas de qualidade ambiental, ao pas-sivo adquirido e à alocação dos assentados, vislum-bra-se também um quadro de vulnerabilidade eco-nômica e social desses indivíduos. A vulnerabilidade é algo subjetivo; cada indivíduo se julga vulnerável ou não a um elemento ou processo. Então, a investi-gação empírica da percepção do que é vulnerabilida-de ambiental, social e econômica é necessária para a análise do caso. Ao mesmo tempo, é interessante conhecer qual a relação que os assentados fazem entre vulnerabilidade, pobreza e renda.

O estudo dessas questões subsidiará de forma mais ro-busta a análise da vulnerabilidade econômica e social, pois somente assim pode se verificar o desenvolvimen-to dessa comunidade com extensão de capacidades e desenvolvimento endógeno. Consideram-se nessas análises fatores como renda, formação e capacitação, acessibilidade a serviços públicos e infraestrutura, acesso a tecnologias, subsídios, financiamento e boas práticas e manejo de recursos naturais.

Por se localizar no entorno imediato do PARNA Ju-rubatiba, também é importante investigar a per-cepção que os assentados têm da UC, bem como a percepção dos membros do Conselho Consultivo do PARNA acerca do Assentamento de Reforma Agrá-ria João Batista Soares. Assim, poder-se-á buscar a relação entre o assentamento e a UC, aprofundan-do a hipótese da existência de um possível conflito (com todo o campo de conhecimento associado à temática dos conflitos ambientais) e, caso confir-mada tal hipótese, se esse conflito influencia no processo de vulnerabilidade tanto do assentamen-to quanassentamen-to do PARNA.

Imagem

Figura 1 – Mapa temático de pedologia, delimitação de lotes, áreas de preservação permanente,  nascentes e reserva legal do Assentamento de Reforma Agrária João Batista Soares 13 .
Figura 2 – Carta-imagem de uso e cobertura da terra da atual área do Assentamento João Batista Soares em 2005.
Figura 3 – Carta-imagem de uso e cobertura da terra da atual área do Assentamento João Batista Soares em 2015.

Referências

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