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Emigração portuguesa no século XVIII: de Entre-Douro-e-Minho para o Brasil

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(1)

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Em

2015 comemorâm-se

ó00

anos

da

Conquista de Ceuta,

expe-dição que

envolveu m¿is

de

duas

centenas

de

navios

de

guera

e

cerca de

30.000 homens

em armâs,

comandados pessoalmente

por

D.

João

I.

Este terceiro número

da

revista AmPHora' que

surge

agorâ com uma periodicidade anual, pretende divulgnr

trabalhos

realizados

no

contexto de

investigação

e/ou

na prática letiva

sobre

a

expansão

portuguesa.

Neste

âmbito,

apresentam-se textos sobre o

Reino

do

Algarve

no período

dos descobrimentoso sobre

a

fronteira

luso-maroquina entre

1415

e

1578, sobre as

atividades produtivas

em Pernambuco

entre

1530

e

1630

e sobre

a

emigração

da

região de

Entre-Douro-e-Minho pnra

o

Brasil

no

século

XVIil.

Estes

con-tributos

resultam de

investigações

de alunos do Programa

Inter-universitário

de

Doutoramento

em

Histéria (PIUDHist)r

Quê

deco-rre

na Universidade de

Lisboao

no ISCTE-Instituto Universitário

de Lisboa, na

Universidade

Católica e na

Universidade de Évora.

Paralelamente

apresentam-se

uma

série

de

atividades

pedagógicas

pâra

o 5.o e 8.o ano de escolaridadeo assim como

um conjunto

de fontes

primáriasn praticamente

desconhecidas,

do

manuscrito

das viagens

Jan

Thceoen

v-cul

Zillebeke,

viajante

ffamengo

que

passou por

Lisboa, em 1514. Tendo em conta a riqueza e diversidade dos

trabalhos

apresentados,

tal

como a sua

pertinência

e

importância,

acreditamos

que, uma vez

mais,

o

conjunto de

textos

publicados

nesta revista

serão de

grande

utilidade

para

professores e alunos do ensino básico

e secundário. 2 a t 1 t I 1 t , . ' t ) ! t t t

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Propriedade: Associaçío de P¡ofessores de l{istmia lvloreda: Ru dasAçuceuas. lt. 7 - loi¿ t2, 1300-003. Lishoa

Coordc'nação editori¿l: Ana Sofìa Pìr¡io, Iv{iguel lJarros, Pedro ,Almeída Fe¡reír: Apoio,Adrrunistratito: Ausenda ìVlarqu.'s

Colaþoraram ¡esta ediçãût Anâ Renk), .A¡a l,ircia Ribc'iro, Andreia Fidalgo, Arihur Curv!'lo, Conçalo ivlatos Ramos e Pedro A1meid¿ Feneira

Revìsão: Ivf igucl Banos

Data de publicação: outub¡o de 2015; Periodìcìdade: aurnl Colceção grálica e pagilação: Ana Soåa Pinto e:\lcides lliguei Silva Impressão: Gráiìca Digital ARP (Rua rlos Anjos, n."1 7 B. I 150-033 ï-,isboa) -f

iragt'm: I 50 exemplares ISSN:2183-2307

'Ioclos os artigos assitarios são da r'xclusir-a responsabilidade dos auto¡es. É permitida a reprodução dos anigos publícrdos. para firo di<láticos e pedagógicos, sem fins comsci¿ìs, desde que i¡tircada a fonte. Esta revista contán rrúgos qne sesuen a gralia do r\cordo Onogråñco de 19.{5 e arrigos que seguem a grafia do Acordo C)rtográlìo de 1990 (atralmente em vigor).

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(3)

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Artigo

Andreia

Fidalgo

De Lagos a Tavira: O Reino do Algarve no contexto da Expansão

Portu-9uesa...

...4

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I

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Artigo

Gonçalo

Matos Ramos

Oposição e composição na fronteira luso-marroquina:

Represen-tação do espaço e redes de circulação no Mediterrâneo Ocidental (1415-1578)...

I

Artigo

Arthur

Curvelo

PERNAMBUCO

NO ANTE

BELL(IM.

Notas introdutórias sobre

ativi-dades produtivas no Norte e no Sul da Capitania

(1534-1630)...

... 13

Artigo

Pedro

Almeida

Ferreira

Emigração porfuguesa

no

século

XVIil.

De

Entre-Douro-e-Minho

para o

Brasil

...

l8

Fontes

Primárias

Pedro

Almeida

Ferreira

Lisboa em 1514. O relato de

Jan

Thccoen van Zillebeke...23

Proposta Pedagógica

Ana

Lúcia

Ribeiro

Atividades sobre os descobrimentos 25

Reflexão

Ana

Bento

A

escola e os Descobrimentos, reflexão sobre como é(ra) possível motivar os

alunos para o esfudo desta

temá1ica...

...26

4Tì

(4)

ARTIGO

Ernig-ação

porúugrresÐ

séeulo

XYIII:

Ile

Enúre-Ilorlf()qe-I}finho

pÐrð o

BrasÍI.

A província de Entre-Douro-e-Minho,

existente até à reforma administrativa

de 1832, situava-se no NorteAtlântico

de

Portugal continental, abrangendo

cidades importantes como

o

Porto, Braga, Viana do Castelo e Guimarães,

todas elas com mais de 5.000

habi-tantes em 1800. À data, a região teria

cerca

de

667.536 habitantes, sendo

l8 AMPHoRA AExpansäoUltramar¡naPortuguesa

que

87,3% corresponderia

à

popu-laçäo rural

e

12,7o/o

à

populaçäo ur-bana. Apesar de ser ultrapassada em

percentagem pelo Algarve, Alentejo e

Estremadura, o número total de popu-laçäo a residir em áreas urbanas é só

superado pela Estremadura, que

in-cluía cidades como Lisboa, Abrantes,

Santarém

e

Setúbal.

(Cardoso e

rr()

Por Pedro

fllmcido fcrrci¡o*

Ferreira, 2014) Este dado demonstra

desde logo a grande densidade

pop-ulacional

da

região, fator essencial

para uma predisposiçäo para a

emi-gração. No Minho a propriedade esta-va dividida em pequeRas parcelas. As

melhores terras eram mantidas pela

aristocracia rural, pela igreja ou

(5)

comuns

aos

pequenos proprietários eram pobres

e

os terrenos

predomi-nantemente rochosos. Praticava-se

a

policultura, sendo

o

milho

o

princi-pal

cereal cultivado. lntroduzido no

século XVl, o milho tinha permitido o

aumento de população, concorrendo

para a pressão demográfìca. A

econo-mia era centrada no sistema familiar

da

casa camponesa,

subordinando-se

a

ela

o

ciclo de desenvolvimento

do

agregado doméstico

e

conse-quentemente

os

comportamentos

demográficos. Uma casa

constituía-se

como uma unidade complexa, e

para

ser

viável, dificilmente

pode-ria ser

divisível. (Rowland, 1998a)

lnfelizmente,

no

que reporta

a

indi-cadores demográficos

é

difícil obter uma comparação com os dois

sécu-los anteriores sem ser por estimativa ou analisando dados parciais. Mesmo

a

fonte

a

que

se

refere

as

informa-ções descritas sobre a distribuição da

populaçäo -

o

Recenseamento Geral

do Reino, de D. João

Vl, de

1801

-apresenta as suas debilidades, na

re-colha, mas também nas informações

que presta, não apresentando a

dis-tribuição da população por profissäo

ou por ramos e setores de atividade.

Este censo tinha como principais

ob-jetivos o reordenamento das divisões

administrativas e o recrutamento mili-tar. (Cardoso e Ferreira ,2014) Só em

1864

se

realiza

o

I

Recenseamento

Geral

da

população

portuguesa,

apoiado

em

princípios estatísticos

credíveis. Contudo, no que concerne

à

ocupação dos recenseados

e

ex-trapolando

para

Portugal

os

dados

recolhidos pelo censo espanhol de

1797, podemos vislumbrar

as

linhas gerais de uma sociedade

pré-industri-al, admitindo o predomínio da

agricul-tura, ern particular dos trabalhadores

jornaleiros, seguido dos fabricantes e

artistas, estes últimos em muito menor número (ibidem). Esta tendência é

confirmada por Bretell (1991) que dá

ainda conta

das

divisões

em

meio

rural, entre

a

aristocracia,

os

lavra-dores-proprietários

de

terras,

e

os

jornaleiros, caseiros e

lavradores-ren-deiros. A populaçäo era heterogénea

e o sistema de estratificação

baseava-se, essencialmente, na posse da terra.

A entrada para o século XVlll as

cau-sas para

a

emigração pareciam ser múltiplas. Logo

no

início

do

século,

e

Pouco tempo depois da guerra de

restauração (1640-1668), portugal

participa ao lado de outras potências

europeias na guerra de sucessão de

Espanha (1702-1714). Verificam-se

perdas de vidas, deslocações de po-pulaçäo e perturbações na economia. Muitos homens fogem com a

possibili-dade de recrutamento neste período,

outros continuarão

a

fugir devido à

perseguição religiosa. (Costa, 2010)

Até ao final deste século, Lisboa foi

também um porto comercial muito im-portante e um eixo de ligaçäo entre os portos da Áfr¡ca, Ásia eAmérica, assim como com os portos mais importantes

da

Europa, aproximando

as

popula-ções

de

outros destinos. Apesar da

sua

importância comercial, Portugal

tinha

problemas económicos estru-turais - tendo dificuldade em fixar as

riquezas do império, dependendo de

outras naçöes europeias no

abasteci-mento de bens manufaturados e não

conseguindo uma autossubsistência

na produçäo de cereais,

consequên-cias de uma indústria atrasada

e

de

problemas variados

na

agricultura.

Estes fatores limitavam

os

recursos

de que a populaçäo dispunha, sendo

que em algumas regiöes a situação

pi-orava pela pressão do regime senho-rial e pelas disposiçöes legais respei-tantes aos procedimentos sucessórios

não igualitários, que prejudicavam os filhos segundos obrigando-os a

procu-rar outros caminhos e oportunidades,

mesmo que pudesse implicar por vezes

algum tipo de desclassificação social.

(Russel-Wood, 1998; Pedreira, 1998)

É neste cenário que a emigração para

o

Brasil

vai

aumentar

exponencial-mente, destino que desde

o

século XVI ganhara cada vez maior

importân-cia, resultado do desenvolvimento da

produção de açúcar, do tabaco

e

da

criação

de

gado.

(Pedreira, 1998)

Neste fluxo estiveram envolvidos os

portos

e as

populações

do

norte e

centro de Portugal que até aí tinham sido menos ativos no processo de ex-pansão, direcionada sobretudo para

oriente.

Os

processos

da

inquisição

confirmam esta tendência

ao

referi-rem que nos finais do século XVI 59%

dos cristãos-velhos processados nas

capitanias da Baía e de Pernambuco,

durante a primeira visitação ao Brasil,

eram naturais

do

Minho.

A

tendên-cia

mantém-se

no

século

XVll,

se

analisarmos os processados pela in-quisição em Minas Gerais, entre 1700

e 1800. (Ramos, 1993) Outros estudos

indicam gue cerca de metade da po-pulação portuguesa residente em Sal-vador da Baía, entre 1685 e 1699, era originária do Minho. (Rowland, 1998b)

A

relativa proximidade

do

norte e

nordeste

da

América

Portuguesa

tornava

as

viagens mais rápidas e

seguras.

O

clima,

a

insalubridade,

a

insegurança,

a

falta de

oportuni-dades económicas,

o

custo de vida

e a

escassez de profissionais

quali-ficados (médicos, pilotos, pedreiros,

carpinteiros, etc.) impediam os

desti-nos africanos de se constituírem como

alternativas.

(Russel-Wood, 1998)

As

redes familiares

e

de vizinhança foram também fundamentais. A ida de

um conhecido para o Brasil, associa-da a histórias de sucesso e ao mito do

mineiro significou um incentivo para

que outros se lhe juntassem. (Bretell,

1991; Pedreira, 1998) Assim

aconte-ceu em Minas Gerais, como veremos

adiante,

onde

as

raízes

minhotas

estão ainda hoje bem presentes. A

descoberta de ouro em 1697, primeiro

na região do Rio das Velhas

e

mais

tarde noutros locais,

foi

o

principal

catalisador desta alteraçäo. De forma acelerada, a emigraçäo com objetivos

agrícolas, muitas vezes patrocinada

pelo reino, foi substituída pela feåre

do ouro

e

por uma emigração

moti-vada por decisöes pessoais,

indepen-dente de solicitações oficiais.

Estava--se perante uma emigração massiva,

que chegou a atingir um número

pró-ximo das 10.000 saídas por ano, e que afetou sobretudo, como já foi referido,

a

regiäo

do

Minho. (Godinho, 1978

apud. Rowland, 1998b) Os principais

portos de partida eram Lisboa, Porto, Viana do Castelo e Setúbal. Os princi-pais portos de chegada, Salvador, Rio

de Janeiro, Recife e, mais tarde, São Luís

e

Belém. (Russel-Wood, 1998)

Neste movimento

de

saída

é

pos-sível

traçar

algumas

linhas

gerais sobre as origens e projetos pessoais

dos

migrantes. Frades, sacerdotes,

agricultores

e

artífices abandonaram muitas vezes

as

suas vocaçöes ou

ocupaçöes prévias

na

tentativa de encontrar fortuna. (Souza, 2012) Os relatos

do

jesuíta italiano Andreoni,

em

1711, reproduzidos

por

Pedreira

(1998),

são bom

exemplo

da

he-terogeneidade dos que chegavam às zonas de mineração: "a mistura é de toda a condição de pessoas: homens

e

mulheres, moços e velhos, pobres

e

ricos, nobres

e

plebeus, seculares

e

clérigos,

e

religiosos

de

diver-sos institutos, muitos dos quais não

têm

no

Brasil convento nem casa".

O

auge

da

mineração termina por volta

de

1760, reforçando-se a com-ponente comercial que se tinha con-stituído entretanto como

uma

>))) AMPHORA A Expansão Ultramar¡na Porluguesa 19

(6)

ARTIGO A emigraçäo m¡nhota Para o Bras¡l

atividade da maior importância' Muitos

dos antigos emigrantes desviaram-se paras as cidades, muitos novos emi-grantes continuaram a chegar. As

prin-cipais cidades, onde se incluíam Sal-vador e o Rio de Janeiro, prosperaram como grandes entrepostos comerciais

alimentando-se de mercadorias

e

de pessoal a partir do reino. (Júnior, 1957 :

Alves,

1994

apud

Rowland, 1gg8)

Os estudos que podem auxiliar a

de-terminar guem eram as pessoas que

engrossavam estes fluxos migratórios

são os que se têm dedicado a investigar

setores profissiona is específicos, como

acontece com os Homens de Negócio

da

Baía

de

Jorge Pedreira (1998).

O

texto

de

Pedreira (1998) aponta

para algumas tendências centrais da

emigração minhota para

o

Brasil. O

desequilíbrio verificado entre regiões

do

Portugal metropolitano era ainda

maior nesta área de atividade. Entre 1680

e

1740, a proporçäo de negoci-antes da Baía originários da regiäo de

Entre-Douro-e-Minho

era

de

60,60/o,

e

entre 1790

e

1807,

de

49,4o/o. A

mesma proporçäo

é

encontrada em

Recife,

entre

1654

e

1759, onde,

através

de

um perfil prosopográfico,

George Cabral de Souza (2012)

con-cluiu que cerca

de

49,5o/o dos

com-erciantes identificáveis eram naturais

do Minho e Trás-os-Montes

e

19,7o/o

da região do Douro,

o

que colocaria

a região de Entre-Douro-e-Minho com

uma proporçäo bem acima dos 60%.

Este padrão verificou-se também

en-tre a comunidade mercantil do reino. Um estudo sobre o retorno dos reinóis

(naturais

do

reino) indica

percenta-gens semelhantes. A este propósito,

interessa também referir que

a

taxa

de retorno era muito elevada. A

du-raçäo da atividade era breve e a

flui-dez

da

comunidade mercantil muito

grande.

Obviamente

com

impacto

nos ganhos de cada indivíduo.

Ape-sar disso, muitos ficavam no Brasil,

sobretudo

os

mais

bem-sucedidos.

Estes convertiam-se em senhores de

engenho (acumulando por vezes com

a

atividade anterior), contudo nunca perdendo a ligação ao reino e

continu-ando

a

patrocinar alguns protegidos.

Para quem nåo tinha capitais próprios,

a passagem pelo Brasil poderia

ofer-ecer

uma rápida mobilidade social.

(Pedreira, 1998; Ramos, 1993) No

entanto, é importante referir que esta

emigração, apesar de provir de gente

de condiçäo humilde, não é uma emi-gração dos mais pobres do reino -

es-tes dirigiam-se sobretudo

a

Espanha

20 AMPHORA AExpansãoUltmmarlnaportuguesa

e ao Alentejo, porque existiam certas

condiçöes que tinham que ser reuni-das. No século XVlll a educação -

par-ticularmente

o

domínio de um ofício

ou saber ler

e

escrever

-

era

indis-pensável para o emigrante português

que viajava para

o

Brasil, sobretudo

para poder dedicar-se à atividade

co-mercial. Para

o

trabalho braçal

privi-legiava-se

a

utilização de escravos e

indígenas, pelo que existia um esforço

das famílias para proporcionar

a

es-tes migrantes uma formaçäo prévia. Essa educação, a renúncia ao

produ-to do seu trabalho durante

o

período

de formação,

e

as despesas de

via-gem para

o

Brasil, eram fatores que

implicavam um grande investimento.

(Pedreira,

1998;

Rowtand, 1998b)

O recrutarnento dos homens de

negó-cio no

Minho processava-se entre

os artesãos

e

as gentes do campo,

naturais, geralmente, das freguesias

mais rurais. (Cabral

de

Mello, 1995

apud Pedreira, 1998) No entanto, é

pouco crível que fossem maioritari-amente jornaleiros, caseiros ou

lavra-dores-rendeiros, tendo em conta que

muitos destes viviam em grande mis-éria, sendo o seu salário muito baixo e

irregular. (Bretell, 1991) É que estudar

estava apenas ao alcance de uma mi-noria, ou então, no caso dos mais po-bres, só era possívelcom o patrocínio

de alguém influente. Esta informação

é parcialmente confirmada por Bretell (1991), que na sua etnografia identifi-cou vários lavradores-proprietários de

terras que tinham enriquecido devido

a dinheiro ganho no estrangeiro,

geral-mente reinvestido em terras no

retor-no. Mas não só filhos de lavradores

seguiam nesta marcha. A análise dos testamentos da zona de Guimarães in-dicou que seguiam também filhos das

famílias mais ricas, muitas vezes os

próprios herdeiros. (Rowland, 1 gg8a)

Estes emigrantes saíam com idades

compreendidas entre

os

12

e

os

15

anos, consequentementesolteiros.

Ra-ramente ultrapassavam os 20 anos. A opção pelo Brasil era frequentemente

tomada já depois de se ter iniciado o

percurso migratório, tende este, regra

geral, Lisboa ou

o

Porto como ponto

de

passagem

e

de

aprendizagem

acerca

dos

conhecimentos básicos

do ofício e dos contactos necessários

pa'.a

a

instalação

na

nova morada. (ibidem) Chegados

ao

litorat brasil-eiro começavam geralmente pelos es-calões inferiores da atividade

mercan-til,

nomeadamente como aprendizes

ou

caixeiros, podendo fazer longas

viagens conduzindo escravos,

víve-res, utensílios e vestuário

-

trabalhos

muito duros - até progredirem para o

negócio de grosso trato

e

por conta

próprià; ou seja, até

se

envolverem

em

grandes operaçöes financeiras

envolvendo os fluxos transaflânticos

de comércio. (Pedreira, 1998) Muitas

vezes, e como forma de consolidar a

sua posição económica, estendiam a

sua atividade também a ramos como

a

arremataçäo dos contratos

de

im-postos,

a

propriedade

de

embarca-ções

de

cabotagem,

a

exploração

de engenhos ou ao acesso às

com-panhias de ordenança

e

aos postos militares. (Fragoso e Florentino ,20A1)

Emigração

e

Mercado de Trabalho na região minhota:

Pensar

os

impactos

da

emigração

para

o

Brasil,

no

mercado

de

tra-balho

em

Portugal continental, em

particular

na

região

do

Minho, näo

se

configura

como uma

tarefa

fá-cil. A ausência de dados estatísticos

credíveis, mas também

a

emigraçäo

ilegal

ou

o

trabalho doméstico, são

fatores por

si

só fundamentais para

que exista uma margem de erro muito

significativa

em

qualquer proposta.

De qualquerforma, é sempre possível

apresentar

algumas linhas

gerais.

Portugal viu as suas estruturas sociais

serem influenciadas pelas

oportuni-dades e recursos, nomeadamente as

de carácter mercantil, mas também as

ligadas ao serviço da coroa que se ger-avam nas conquistas. (Pedreira, 1998)

Analisar

o

mercado

de

trabalho em

Portugal sem considerar a importân-cia dos números dos que partiam, dos que ficavam, dos que regressavam, e

também os seus percursos,

condicio-na negativamente toda as

interpreta-ções possíveis. Os números ilustram

a

¡mportância

de

garantir

a

análise

deste contexto.

No

primeiro quartel

do

século XlX, Portugal continental, Madeira e Açores, tinham pouco mais

de 3.000.000 de pessoas, vivendo na

diáspora mais do dobro. (Bretelt, 1991) A emigração para

o

Brasil, no

sécu-lo XVlll,

a

partir da região

de

Entre-Douro-e-Minho,

foi

quase

exclusi-vamente uma realidade de homens.

No

sul do

Brasil,

em

1801-1802 os

homens constituíam 95,8o/o da

popu-lação

nascida

em

Portugal.

(Row-land, 1998b) Este fenómeno terá um

impacto grande

nas

característícas

demográficas

da

região,

e

(7)

tra-Juntas da Real Fazenda. 't4lrti ,- ,-¡ : t I

balho. (Bretell, 1991; Ramos, 1993)

Acrescente emigração obrigará à mo-bilizaçäo, cada vez maior, no reino, de

mäo-de-obra feminina

e

infantil para

a agricultura, normalmente à jorna, e na indústria artesanal, que nesta

al-tura começara

a

funcionar como um

complemento à economia baseada no

minifúndio. (Bezerra, 1785 e Murphy,

1795 apud Bretell, 1991)

A

mão-de-obra feminina e infantilera geralmente

mais desqualificada

e

desvalorizada

socialmente,

o

que

a

tornava

tam-bém

mais barata.

As

mulheres

fa-ziam de tudo, como é possível verifi-car através do relato de um viajante:

"Duas coisas

se

fazem notáveis e

singulares nesta gente

do

campo:

a

primeira, que

as

mulheres cavão,

arão,

e

fazem todo o trabalho de

la-voura, como os homens;

a

segunda,

que sendo

o

seu ordinário sustento,

uma comida rústica e frugal, aturam as maiores fadigas. Sem que sucumbam

ao trabalho, ou estraguem

a

saúde."

(Costa, 1789

apud

Bretell,

1991)

Não

é

claro

o

impacto

da

mäo-de-obra feminina

e

infantil nos salários

pagos

à

época, parece contudo que

não

foi

suficiente para travar

o

au-mento dos salários nos campos que

António Travassos, num discurso

pro-ferido em 1792, qualifica como

nefas-to, apontando a emigração como um

problema nacional. (Bretell, 1991) O

que outrora fora uma válvula de

es-cape para a forte pressão

demográ-fica na

região, parecia constituir-se,

no

final

do

século

XVlll,

como um

perigo

para

a

economia nacional. O desequilíbrio da composição sexual

dos emigrantes limitou o crescimento

natural da populaçäo de colonos, ex-igindo fluxos contínuos de

emigrant-es de

forma

a

permitir

a

ocupação

de mais território. Se no século XVll

tinha sido relativamente habitualo

pa-trocínio para fixação de colonos por

parte da coroa, no século XVlll essa

questäo

pouco se colocava. Aliás,

logo

em

1709 passou

a

ser

obriga-tório

o

passaporte

para

quem pretendia viajar para

o

Brasil,

resul-tado

da

preocupação

com

a

falta

de braços que se

se começaria a

sentir

em

Portugal. (Russel-Wood,

1998)

A

medida teve pouco

suces-so, devido

à

ineficácia dos sistemas

de

controlo

à

partida

de

Portugal e

à

chegada

ao

Brasil, obrigando a

Coroa a legislar novamente em 1720

no mesmo sentido, limitando as saí-das a funcionários e particulares que pudessem justificar

a

partida com

negócios importantes

ou

assuntos

oficiais,

e

prevendo

a

possibilidade de se fazerem buscas aos navios de transporte

e

a

aplicaçäo

de

multas

aos

infratores.

O

insucesso desta

política

é

patente no surgimento de novas providências

em

1760, 1790, 1810 e 1811. (Rowland,

1998b)

D>> AMPHORA A Expansão Ullramar¡na Portuguesa 2l

(8)

ARTIGo A em¡graçãÔ minhota para o Bras¡l

O

peso

da

emigraçäo Para

o

Bra-sil

na

reduçäo

da

PoPulaçäo ativa

no

reino

ganha

ainda maior

im-portância, se considerarmos que em

meados

do

século

XVlll

dá-se um

crescimento da população em

Portu-gal. (Bretell, 1991) Ao que parece o

crescimento natural

no

reino

näo

era suficiente para compensar

a

es-cassez

de

mão-de-obra provocada

por estes fluxos. Só em 1740 se

re-gressou ao número de habitantes do

século anterior. (Russel-Wood, 1998)

Apesar do foco deste ensaio ter sido

os

migrantes que provinham de

zo-nas mais interiores de Entre-Douro-e-Minho, o litoral e as profissões ligadas

ao

mar

engrossaram também este

fluxo,

contudo

em

menor número.

Pescadores, marinheiros

e

trabalha-dores dos estaleiros também

emigra-ram para

o

Brasil, sobretudo numa

primeira

fase,

correspondente ao

período anteriormente referido como

corrida

ao

ouro.

(Rowland, 1998a)

A

mäo-de-obra que emigrou para o

Brasil proveniente do Minho, em

par-ticular para as atividades ligadas ao

comércio, era qualificada. Vários

jo-vens formavam-se em diferentes cen-tros da região, nomeadamente em

po-los de especializaçäo artesanal, diferen

ciando-se da populaçäo sem ofício e/

ou analfabeta. Essa decisão era na

maior parte das vezes tomada pelo pai. Seguir para o Brasil era por vezes

mais importante

que

outras formas

de

colocaçäo profissional

no

reino.

(Alves, 1994 apud Rowland, 1998a)

Feira de Caxias do Sul, século XlX.

": I ' ' .ì

,,,fi;'

¡

Com o decorrer do século XlX, à

me-dida que o trabalhador imigrante pas-sou a substituir o trabalho escravo e a

não coexistir com ele, o perfil do

emi-grante foi-se alterando. Este

fenóme-no é ímpar no contexto português,

de-monstrando que alguns dos

estereó-tipos construídos naquela época, no

Brasil, sobre

o

emigrante português,

em

particular

o

minhoto,

não

cor-respondiam

à

realidade. Ser

alfabe-tizado, num país que

alfabetizou

a generalidade da sua população no

decorrerdo séculoXX, funcionava como

fator de distinção e mobilidade social.

Desconhece-se

qual

o

impacto da

emigração

sobre

as

condiçöes de trabalho, a evoluçäo dos salários ou a

tipologia de relações laborais. O que

se sabe é que o desemprego e a

po-breza eram endémicas

e

que

a

pro-dução agrícola da região não era sufi-ciente para afastar a má nutrição e ou-tros problemas de saúde. Tal como em todo o país, o mercado de trabalho só

se irá alargar com alguma expressão

na segunda metade do século XlX,

com

a

modernização

e

desenvolvi-mento

económico

proporcionados

pela

Regeneração.

Ainda

assim,

por um curto período,

que a crise

filoxérica

no

Douro nas décadas de

1870

e

1880 irá restringir novamente

os

empregos disponíveis.

A

mobili-dade, a diversidade e a irregularidade

do

trabalho assalariado

constituem--se como três características que se

vão estender até ao século

XX.

lll

.

PlUDHist - Programa lnteruniversitário de Doutoramento em História. Associado da APH

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