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O estado burguês e a psicologização da “Questão Social” / The burguish state and the psychologization of the “Social Issue”

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761

O estado burguês e a psicologização da “Questão Social”

The burguish state and the psychologization of the “Social Issue”

DOI:10.34117/bjdv6n3-438

Recebimento dos originais: 02/02/2020 Aceitação para publicação: 27/03/2020

José Rangel de Paiva Neto

Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba e especialista em Psicologia do Trânsito pela

Faculdade Unyleya. E-mail: rangelneto@live.com

Ingridy Lammonikelly da Silva Lima

Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Serviço Social pela mesma instituição e especialista em Gestão Pública pelo Instituto Federal da Paraíba.

E-mail: ingridylima17@gmail.com

Bernadete de Lourdes Figueiredo de Almeida

Doutora em Serviço Social; Docente associado do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. Líder do Setor de Estudos e Pesquisas em Análise de Conjuntura e Políticas Sociais (SEPACOPS) na Universidade Federal da Paraíba.

E-mail: blfameida@uol.com.br

RESUMO

Este estudo introduz a discussão embasada nos elementos fundamentais que perpassam o entendimento dos nexos conceituais entre a psicologização e a alienação. A seguir, são operacionalizadas as estratégias psicologizantes no trato da “Questão Social” pelo Estado burguês através das politicas sociais na contemporaneidade. Nessa proposição investigativa, utiliza-se do método materialista histórico dialético de modo a proceder à aproximação sucessiva com a essência do movimento real do objeto desta análise. Metodologicamente, desenvolve-se uma pesquisa bibliográfica de cariz qualitativo com recorte na dinâmica entre psicologização da “Questão Social” e o Estado burguês.

Palavras-chave: “Questão Social”, Psicologização, Estado burguês”

ABSTRACT

This study introduces the discussion based on the fundamental elements that permeate the understanding of the conceptual links between psychologization and alienation. Next, the psychologizing strategies in the treatment of the “Social Question” by the bourgeois state are

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761 made operational through social policies in contemporary times. In this investigative proposition, the dialectical historical materialist method is used in order to proceed to the successive approximation with the essence of the real movement of the object of this analysis. Methodologically, a bibliographic research of a qualitative nature is developed, focusing on the dynamics between the psychologization of the “Social Question” and the bourgeois State.

Keywords: "Social issue”, Psychologization, bourgeois state"

1 INTRODUÇÃO

O princípio do sistema capitalista, enquanto modo de produção permite o desenvolvimento das forças produtivas e inaugura a pobreza atrelada à desigualdade. Esse novo formato de sociabilidade humana dá-se dicotomicamente entre duas classes antagônicas, uma apropriada dos meios de produção e indultada com os lucros obtidos da exploração e outra expropriada, a qual aliena sua força de trabalho em troca de condições de reprodução. O Estado, nesse modo de produção, também adequa-se e insere-se na lógica de conservação desse sistema, cuja postura gravita em torno da preservação da propriedade privada e da regulação dos interesses sociais de classe.

As análises realizadas em torno das fases mais contemporâneas do capitalismo revelam o agudizamento da contradição central entre capital x trabalho, que se expressa na “questão social” através das mazelas que afligem o sistema. Tais expressões passam a ser constatadas através do reconhecimento de classe em si dos trabalhadores, que passam – através das lutas sociais – a reivindicar ações no enfrentamento das péssimas condições de vida e de trabalho advindas da contradição capitalista.

Em sua essência, o real papel do Estado relaciona-se a proteger os interesses da manutenção do sistema capitalista. Assim, afirma-se que o Estado burguês reconhece e busca apaziguar as expressões da “questão social”, mas tal reconhecimento não significa declarar que o Estado passa a enfrentar o capital ao lado dos interesses da classe trabalhadora. Ao contrário, o Estado burguês que tem em seu alicerce influências do ideário liberal trata de engendrar ações contínuas ou pontuais para amenizar as mazelas advindas da contradição, garantindo a mínima reprodução da classe trabalhadora e a máxima eficiência possível do ciclo do sistema capitalista.

O Estado, no atual cenário neoliberal, se afasta cada vez mais da função de intervenção sobre as sequelas da “questão social”, revigorando mecanismos de desresponsabilização. Desse modo, acaba por intervir minimamente em ações esporádicas para classe trabalhadora,

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761 patenteando sua faceta de “comitê executivo da burguesia”, enquanto repassa a responsabilidade frente às expressões da “questão social” à sociedade civil, numa tendência que estimula a culpabilização e a individualização, articulando uma pseudo-filantropia e crescendo o voluntarismo. Essa irresponsabilidade do Estado diante do social estimula o aumento das ações privatistas, o que inflete diretamente no desmonte do bem público. Nesse quadro, depara-se com um Estado mais centralizado na economia, travestido por um discurso de crise, em que todas as forças devem estar voltadas para o crescimento econômico de fortalecimento ao capital financeiro.

De tal modo, as ações estatais materializadas em políticas estratégicas de governo, que já não davam conta de solucionar as mazelas sociais no nível da aparência, fincam-se na responsabilização da sociedade civil, robustecendo ainda mais o traço “psicologizante” da “questão social”.

A presente proposta investigativa apresenta como direcionamento uma análise materialista histórico dialética, na qual deslinda categoricamente as diversas determinações históricas, econômicas, sócio-culturais e politicas que buscam aproximar da essência do objeto real. A materialidade é concebida como pressuposto ante qualquer tipo de subjetivação e interpretação, portanto ponto de partida a se deter para além da existência fenomênica do objeto, objeto este que apreende existência processual e histórica e que se apresenta enquanto dialético devido ao caráter mutável, dinâmico e por diversas vezes contraditório de sua existência. (NETTO, 2011)

Na discussão que segue, realiza-se um levantamento bibliográfico de autores e respectivas obras, sob a perspectiva da sociologia crítica, da economia política e da política social com aproximação ao materialismo histórico-dialético, de modo a proceder à análise investigativa com maior aproximação do movimento real, contextualizada na análise da conjuntura social, cultural, econômica e política que se apresenta na contemporaneidade.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 PRINCÍPIOS DA PSICOLOGIZAÇÃO.

A histórica da existência humana e sua organização em sociedade perpassam a condição primitiva de caça e coleta, desenvolvendo suas forças produtivas a ponto de algumas tribos abandonarem sua característica nômade e, através da transformação da natureza e da consequente transformação de si mesmo criarem condições históricas de dominação de

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761 técnicas para garantir sua reprodução, assim como a criação e satisfação de novas demandas. (ENGELS, 1986)

Esse movimento de transformação da natureza parte de uma necessidade concreta e das condições objetivas existentes enquanto possibilidades para uma projeção previamente idealizada na consciência daquela que se julga a alternativa viável, a fim de promover uma objetivação, culminando, a partir dessa transformação, em um instrumento novo que atenderá as necessidades almejadas, criando assim um valor de uso. Tal processo de transformação dá-se o nome de trabalho e é característica fundante do homem enquanto dá-ser social, diferindo-o das demais espécies animais. (TONET; LESSA, 2011)

Com razão, diz Marx: “O trabalho como formador de valores de uso, como trabalho útil, é uma condição de existência do homem, independentemente de quaisquer formas de sociedade é uma necessidade natural eterna que tem a função de mediar o intercâmbio entre homem e natureza, isto é, a vida dos homens”. (LUKÁCS, 1981, p.14)

Para Lukács (1981), o trabalho é pressuposto ontológico e ato teleológico fundamental do ser humano como ser social e consequentemente possibilita a constituição de formas cada vez mais complexas. Esse ser é o responsável mesmo nas suas formas mais rústicas pelo desenvolvimento de contínuas condições de reprodução divergentes das pautadas pela natureza. Costa (2017, p.20) afirma que “[...] o trabalho impulsiona sempre para além de si mesmo”, de forma que ao mesmo tempo preserva elementos primários do processo criativo e proporciona bases para o avanço e complexificação, modelando a posteriori toda prática social.

Alcântara (2014) interpreta que o processo de trabalho se complexifica através do próprio movimento da dialética materialista (em que a materialidade antecede a idealização), proporcionando consequentemente a constituição histórica dos moldes de sociabilidade e individualidade/subjetividade no ser humano.

Na ponta do processo de trabalho, Alcântara (2014) ao resgatar as ideias de Lukács, compreende que o fenômeno da exteriorização garante a transformação no homem promovida pela objetivação (transformação do objeto, dos instrumentos, do saber-fazer), adequando de tal forma o sujeito a enxergar-se no que foi produzido enquanto possibilidade escolhida no trabalho e avaliar retroagindo ao nível da consciência.

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O sujeito do trabalho tem de realizar conscientemente a escolha entre alternativas postas pela realidade, e essa decisão tem por base um valor que é atribuído ao objeto pelo sujeito trabalhador. Ao fazer escolhas o sujeito revela a sua subjetividade que irá expressar-se no resultado do seu trabalho. Ele se reconhece no trabalho realizado e se percebe distinto do objeto produzido. Além do mais, o resultado do trabalho revela o sujeito que o produziu, pois registra a exteriorização do sujeito. (ALCÂNTARA, 2014, p. 41)

Faz-se necessário ressaltar que a exteriorização apenas faz presente mediante processo de objetivação, impossibilitando o ser humano de transformar-se tautologicamente pelas vias da ideação; o homem apenas transforma-se através da materialidade das ações humanas. Tal condição de exteriorização pode sofrer um desenvolvimento desigual, não acompanhando o desenvolvimento das forças produtivas, pois estas podem ser atravessadas por vias que possibilitam o falseamento da consciência.

O desenvolvimento das forças produtivas é necessariamente também o desenvolvimento das capacidades humanas, mas – e aqui emerge plasticamente o problema da alienação – o desenvolvimento das capacidades humanas não produz obrigatoriamente aquele da personalidade humana. Ao contrário: justamente potencializando capacidades singulares, pode desfigurar, aviltar, etc., a personalidade do homem (LUKÁCS apud ALCANTÂRA, 2014, p. 49)

Como apontado por Alcântara (2014), a discrepância entre o desenvolvimento das forças produtivas e o desenvolvimento individual/subjetivo traduz a limitação das possibilidades e as não possibilidades do desenvolvimento enquanto ser humano genérico. Esse formato limitante tem sua origem, segundo Musto (2014) ao resgatar os Manuscritos

Econômicos Filosóficos (1844) de Karl Marx, na estranheza frente ao trabalho e na potência

independente que a mercadoria toma ante o seu objetivador, gerando a alienação.

Marx elencou quatro diferentes tipos de alienação que indicavam como na sociedade burguesa o trabalhador seria alienado: 1) do produto de seu trabalho, que se torna um “objeto estranho e possuidor de um domínio sobre ele”; 2) na atividade de

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trabalho, que é percebida como “voltada contra ele mesmo [... e] a ele não pertencente”; 3) do gênero humano, uma vez que a “essência específica do homem” é transformada em “uma essência estranha a ele”; e 4) dos outros homens, isto é, em relação “ao trabalho e ao objeto de trabalho” (MARX, [1844]1976, p. 301-304), realizados pelos seus semelhantes. (MUSTO, 2014, p.65)

O desenvolvimento das forças produtivas e as transformações que o processo de trabalho promoveu, garantiu a humanidade a consequente estruturação de sua organização social, possibilitando desenvolver cada vez mais categorias que complexificam as relações do homem. Essa sociabilidade e individualidade organizam os homens por meio de modos de produção que permitem garantir sua reprodução.

A categoria alienação esteve inserida historicamente nos diversos modos de produção: a relação do escravo com seu proprietário, a relação do servo com o senhor das terras e a divisão social do trabalho, a qual assentiu o distanciamento entre produzido e produtor. (ALCÂNTARA, 2014)

O processo revolucionário engendrado pela burguesia facultou aos homens adentrar ao modo de produção mais contemporâneo em que chegou a humanidade: o Modo de Produção Capitalista. Esse processo revolucionário detinha um caráter de transformação, numa ofensiva contra o absolutismo na perspectiva de desenvolver o modo de sociabilidade (a ciência, a cultura, os formatos de produção) possibilitando, como apregoavam os ideais iluministas - a liberdade, igualdade e fraternidade - para todos aqueles que compunham a classe antagônica à classe burguesa.

No entanto, ao concretizar o processo histórico, a burguesia abandona os aspectos ideológicos emancipadores e adota a postura de conservação do sistema. A esse movimento de giro ao conservadorismo, Lukács vai denominar de “decadência ideológica da burguesia”, tornando-se detentora dos meios de produção e, consequentemente detentora da acumulação de riquezas e da direção ideológica enquanto nova classe burguesa. Contraditoriamente, funda-se uma funda-segunda clasfunda-se no processo produtivo capitalista: a clasfunda-se trabalhadora, que é imposta a vender a única coisa que lhe resta, a sua força de trabalho.

A esse sistema de produção interessa a transformação de tudo em mercadoria, mercadoria que é objeto de desejo/fetiche a todas as classes e possui como fim último: a retroalimentação da acumulação centralizada e concentrada de riquezas através da exploração de classe. (TONET; LESSA, 2011)

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O processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o processo de separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho, processo que, por um lado, transforma em capital os meios sociais de subsistência e de produção e, por outro, converte os produtores diretos em trabalhadores assalariados. (MARX, 2013, p. 786).

A sociedade capitalista amplifica de forma catastrófica a categoria alienação. Konder (2009) afirma que a propriedade privada impulsionada pela expansão das forças produtivas, perpassa desde a manufatura até a industrialização, eliminando a individualidade e as características potencialmente humanas, com cada vez mais crescente a divisão social do trabalho pela lógica mercadológica, em que até mesmo as pessoas são produtos.

Processa-se uma descaraterização das coisas e não apenas uma redução dos homens à condição de coisas. “A propriedade privada não aliena apenas a individualidade dos homens, mas também a individualidade das coisas. A terra não tem nada a ver com a renda do latifundiário, a máquina não tem nada a ver com o lucro. Para o latifundiário, a terra só tem a significação da renda que lhe proporciona” (MARX; ENGELS apud KONDER, 2009, p.146)

A classe burguesa adota aspectos conservadores para manutenção da relação contraditória e essencial para existência desse modelo de sociedade, a relação Capital x Trabalho, na qual o primeiro sobrevive pela e sobre a exploração do segundo. Dessa conexão deriva todas as mazelas sociais, todas as expressões da chamada “questão social”1 que têm no

pauperismo a sua expressão máxima.

O Modo de Produção Capitalista inaugura a pobreza, não mais advinda do minguado desenvolvimento das forças produtivas, mas sim, a pobreza decorrente da produção constante de desigualdade; a pobreza fadada à classe trabalhadora frente à concentração descomunal de riquezas da classe burguesa. Esse movimento possibilita ascender à necessidade de transformação da sociedade pela classe trabalhadora que, para tanto, utiliza da luta social,

1 De acordo com Iamamoto (1998, p.27) “A Questão Social é apreendida como um conjunto das expressões das

desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761 enquanto recurso da consciência de classe a fim de alcançar a igualdade e a emancipação. (NETTO, 2006)

As mazelas sociais dimanadas da desigualdade intrínseca ao modus operandi do sistema capitalista só são reconhecidas historicamente enquanto expressões da “questão social”, derivadas da contradição Capital X Trabalho na ordem dos monopólios. Anterior a esse contexto, no período definido como “capitalismo concorrencial”, encontram-se ações pontuais, de cunho ora repressivo, ora apaziguador no sentido apenas de estabelecer um controle social sobre a classe trabalhadora. (BEHRING; BOSCHETTI, 2009)

O Capitalismo continua a desenvolver seu potencial, culminando na fase dos monopólios. Essa fase funda-se através do controle de mercado que possibilita enquanto recurso estratégico as mais variadas fusões, acordos de incorporações empresariais (pools, cartéis, trustes) que transformam a concorrência, e de certa forma, estava mais presente nos períodos anteriores, numa imensa falácia, pois com a concentração e centralização do capital em monopólios agudiza-se ainda mais a discrepância entre trabalho x capital. Dessa maneira, esse formato re-oxigenado da organização capitalista, por consequência, amplia e padroniza o preço da mercadoria, criando para além de um consumo, um mercado infinitamente mais precário do subconsumo, crescendo gradativamente as margens de lucro e elevando a taxa de acumulação, além de “economizar” trabalho vivo e ampliar o processo de exploração da classe trabalhadora ao passo em que investe em novas tecnologias. (NETTO, 2006)

Esse autor destaca outros dois elementos decorrentes da monopolização que são de fundamental importância para compreensão dessa dinâmica: o fenômeno da supercapitalização, no qual o capital encontra dificuldade de valorização, devido ao seu excesso e encontra como via de solução parcial o autofinanciamento ou o escoamento para gastos com atividades que não geram valor; e o fenômeno do parasitismo, em que os novos modos organizacionais em especial o capital financeiro possibilitou a separação entre ser proprietário e ser gestor, deixando o capitalista isento de qualquer atividade à frente da estrutura organizacional, participando apenas ativamente da obtenção de lucros.

A produção de riqueza se alastra na mesma proporção da produção de pobreza. O capitalismo monopolista passa a desenvolver funções que cada vez mais amplia as expressões da “questão social”. As péssimas condições de vida, materializadas pela fome, moradias insalubres e o desemprego tratam de pôr em evidência a essência desse sistema, de modo que o acirramento e a desigualdade entre as classes se torna ainda mais latente.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761 O reconhecimento da classe trabalhadora, enquanto classe em si, capaz de se organizar politicamente, exige o reconhecimento e ações diante das expressões da “questão social” que passam a ser pensadas pelo Estado – nesse momento intervencionista e mediador – a fim de minimizar ou ao menos mascarar os efeitos danosos dessa contradição, garantindo ao mercado/ capital a sua reprodução.

2.2 A MATERIALIDADE DA PSICOLOGIZAÇÃO E O ESTADO BURGUÊS.

A compreensão que mais se aproxima do movimento da categoria Estado na realidade, destacam os escritos postulados por Karl Marx, que se contrapunham a compreensões de teóricos anteriores, que caracterizavam o Estado enquanto produto do ideal humano e consequente gerador do capitalismo. Marx, por sua vez, compreendia que o modo de produção por estar na base de todas as relações, ou melhor, na infraestrutura, possibilitava a modificação nas demais instituições ou organismos que se encontravam baseadas nela, portanto numa estrutura superior ou superestrutura. Portanto para Marx, a lógica capitalista proporciona o Estado burguês e não o inverso.

Marx não se deteve a produção de um estudo, cujo o objeto fosse a dinâmica do Estado, exatamente por compreender que a lógica para a compreensão das relações sociais não advinham do papel do Estado, mas sim da base produtiva que se ancorava na lógica da burguesia. No entanto, a análise obtida por Marx possui aspectos que configuram uma visualização e discussão sobre o papel do Estado, dentro da análise da lógica do capitalismo e podem ser encontradas especialmente na “Questão Judaica”, na “Crítica da filosofia do direito

de Hegel”, em “A Ideologia Alemã” e “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”.

O Estado não é, pois, de forma alguma, um poder imposto à sociedade de fora para dentro; tampouco é “ a realização da ideia moral” ou “a imagem e realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes, um produto da sociedade num determinado estágio de desenvolvimento; é a revelação de que essa sociedade se envolveu numa irremediavel contradição consigo mesma e que está dividida em antagonismos irreconciliaveis que não consegue exorcizar. No entanto, a fim de que esses antagonismos , essas classes com interesses economicos conflitantes não se consumam e não afundem a sociedade numa luta infrutifera, um poder, aparentemente acima da sociedade, tem-se tornado necessário para moderar o conflito e mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, surgido na sociedade,

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mas colocado acima dela e cada vez mais alienado dela, é o Estado [...] Na medida em que o Estado surgiu da necessidade de conter os antagonismos de classe, mas também apareceu no interior dos conflitos entre elas, torna-se geralmente um Estado em que predomina a classe mais poderosa, a classe econômica dominante, a classe que, por seu intermédio, também se converte na classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida. O Estado antigo era acima de tudo, o Estado dos proprietários de escravos para manter subjugados a estes, como o Estado feuderal era o órgão da nobreza para dominar os camponeses e servos, e o moderno Estado é o instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado. (CARNOY,1998, p.69-70)

Segundo Mandel (1982), o Estado burguês desenvolve três funções centrais para a legitimação do desenvolvimento capitalista na contemporaneidade, ou seja no estágio maduro do capitalismo. A primeira delas é criar as condições que possibilitam a produção capitalista, as quais não podem ser subsidiadas pelos setores privados da burguesia. Em outros termos, o capitalismo não emprega diretamente recursos da classe burguessa, ao contrário, exige do Estado para que produza formas e condições de pensar e executar estratégias e ações necessárias para a reprodução do sistema.

A segunda característica destacada pelo referido autor trata da força opressora do capitalismo que é função do Estado, a exemplo da Polícia e do Exército que estão sempre de prontidão, camuflado por um discurso de Segurança Nacional, mas que na essência servem para proteger a propriedade privada dos senhores burgueses.

E a terceira particularidade vincula-se diretamente à reprodução da ideologia burguesa que vem mediando a relação com Estado na sociedade. O Estado reproduz a ideologia capitalista como única saída para a harmonia societária, garantindo a manutenção do modo de produção, além de intervir em assuntos diversos e executar a função de Estado provedor dos interesses burgueses.

Para concretude e legitimação dos imperativos do capital, o Estado é, nessa fase, impulsionado por estratégias da clase burguesa a encontrar formatos de enfrentamento das expressões da “Questão Social”, ao criar, por exemplo, políticas de cunho social. Porém, o enfretamento das expressões da “Questão Social” não significa afirmar que o Estado passa a contrariar os interesses do capital e estabelecer ações ao lado da classe trabalhadora. Inversamente, o Estado engendra ações que camuflam suas intenções, ao disponibilizar as condições mínimas de enfrentamento, ao mesmo tempo em que as insere à lógica privatista,

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761 individualizante e moralizante que falseia da consciência dos trabalhadores os elementos do caráter público dessas ações, ao estimular que estas sejam de natureza privada.

Para essa estratégia de desresponsabilização, o Estado munido do ideário liberal, transforma políticas, ações e serviços que têm o caráter público e coletivo em formato fragmentado e individualizado, “problemas sociais isolados”. Desse modo, o Estado utiliza as mais diversas formas “psicologizantes” para implementar ações estratégicas ao nível da consciência humana, ao adotar aspectos subjetivistas como universais, moralizando a “questão social”. (NETTO, 2006).

Autores referenciados nacional e internacionalmente no campo de análise crítica da conjuntura política, econômica e social, como Netto (2006), Guerra (2007/2014), Yazbek (2009), Barroco (2003), Abreu (2002), e outros compreendem que as medidas ideológicas e morais no trato da “questão social” são recursos amplamente forjados pelo capitalismo desde os primeiros enfrentamentos da “questão social” pelo Estado. A adoção de recursos morais individualizantes que se materializam e são cada vez mais recorrentes na contemporaneidade, entende-se como “psicologização” da “Questão Social”.

A “psicologização” da “Questão Social” subentende um mecanismo burguês, expressão da categoria alienação, ou seja, da incapacidade conciliatória dos processos de objetivação e exteriorização proporcionados pelo modo de produção capitalista, que busca obnubilar a essência material, sob a aparência fenomênica ideológica liberal. Consiste no enfoque dos aspectos mentais e morais, desviantes do enfrentamento político da “Questão Social”, como forma de maior absorvimento da naturalização das desigualdades, afastando do foco classista e enfraquecendo a luta de classes.

De acordo com Abreu (2002, p.90) a psicologização “[...] atribui à natureza as leis do movimento histórico, subtraindo dos sujeitos a direção consciente na construção desse movimento e remetendo para a esfera moral o específico do social”. Na apreensão de Barroco (2003, p.94) trata da: “[...] tendência ao “ajustamento social”, a psicologização da questão social, transforma as demandas por direitos sociais em ‘patologias’”. Para Guerra, Ortiz, Santana e Nascimento (2007, p.250) a psicologização: “[...] se expressa como individualização da “questão social”, transformada em problemas pessoais, essa forma de expressão é apenas uma dentre outras maneiras de o pensamento conservador conceber a ‘questão social’”. Segundo Yazbek (2009, p.19), o enfoque individualista, psicologizante e moralizador da “questão social” condensa uma mesma esfera: “[...] que define a questão social como de responsabilidade dos indivíduos que a vivem, quer por seus problemas psicológicos, quer por

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761 suas condutas morais inadequadas.” E conforme Guerra (2014), a psicologização direciona a comportamentos que limitam e designam a solução da expressão da “questão social” ao seu portador, culpabilizando e responsabilizando através da operacionalização de medidas instrumentais para controlar a sociedade.

Assim, as ações estatais materializadas em políticas estratégicas de governo, que já não conseguem solucionar as mazelas sociais, fincam-se na responsabilização da sociedade civil. Decerto, a “psicologização” tem causado fortes impactos nas principais políticas sociais existentes, sobretudo na Política de Assistência Social, que embora componha o tripé da Seguridade Social, junto com a Saúde e Previdência Social, a mesma possui especificidades que a inserem numa posição ainda mais vulnerável. O caráter universal e não contributivo da Política de Assistência Social, seus pressupostos históricos conservadores de lógica caridosa e filantrópica e suas práticas atuais ecléticas – entre a filantropia e a cidadania - mesclam a lógica puramente assistencial a novos elementos identitários, antropológicos e individualizantes.

3 CONCLUSÃO

O desmonte progressivo dos direitos sociais e das politicas sociais no atendimento das demandas da classe trabalhadora, que amainariam as expressões da “questão social”, a cada dia assumem “novos” mecanismos para sua efetivação. A psicologização que consiste nos aspectos mentais e morais do desvio do enfrentamento político da “Questão social”, não é novidade enquanto recurso proveniente do capitalismo para sua reoxigenação, porém vem sendo ampliada no sentido do apassivamento da classe trabalhadora a partir de mecanismos adotados pelos governos, como forma de maior naturalização das desigualdades, desviando o foco e enfraquecendo a luta de classes.

Configura-se como uma forma mais branda do que a repressão do aparelho coercitivo do Estado que incide sobre a perda de direitos e a destituição cada vez mais intensa e cruel das politicas sociais públicas que possibilitariam melhores condições de existência para a classe trabalhadora. Não que a coerção não seja usada enquanto ferramenta quando necessário, pelo contrário a mesma continua posicionada lado a lado com o “comitê executivo da burguesia” e que não mede esforços para adotá-la em momentos oportunos.

Paralelamente, de forma mais naturalizada, a “psiocologização” é aplicada no sentido de atuar no trato das expressões da “Questão Social” como desvios morais auto

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n 3,p 15592-15606 mar . 2020. ISSN 2525-8761 culpabilizantes, sobretudo no atual contexto neoliberal de recorrência cada vez mais aos setores privados e de satanização do Estado, seguida da desresponsabilização do mesmo na implementação das políticas sociais e do consequente esvaziamento da dinâmica pública na consciência da classe trabalhadora.

Contra essas medidas devem ser reforçadas as formações de base politica em escolas, sindicatos, igrejas, universidades, mídia, partidos politicas e nas diversas formas de comunicação virtual para que possam criar e fortalecer novos mecanismos que suscitem a discussão sobre o público x privado e a crítica sobre a lógica privatista e o Estado burguês, como vem gerindo as políticas sociais, além de também centrar o debate em torno das nuances do neoliberalismo e do próprio lugar da classe trabalhadora e respectivo projeto politico de transformação social. Trata-se de retomar a consciência de classe e assumir o real papel para a superação do modelo capitalista de sociedade, em defesa de um projeto político pautado na igualdade substantiva e na emancipação política e humana.

REFERÊNCIAS

ABREU, M. M. Serviço Social e a Organização da Cultura: perfis pedagógicos da pratica profissional. São Paulo: Cortez, 2002.

ALCÂNTARA, N. Ontologia e Alienação. São Paulo: Instituto Lukács, 2014.

BEHRING, E; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2009. (Biblioteca Básica de Serviço Social; v.2).

BARROCO, M.L.S. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2003.

CARNOY, M. Estado e Teoria Política. Campinas: Papirus, 1998.

COSTA, G. Indivíduo e Sociedade: sobre a teoria da personalidade em Georg Lukács. 2ª Edição. São Paulo: Instituto Lukács, 2017.

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Referências

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