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A aprendizagem do filosofar através do texto poético

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Academic year: 2020

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outubro de 2014

Sara Tiago Gonçalves

UMinho|20 14 Sar a Tiago Gonçalv es

Universidade do Minho

Instituto de Educação

A Aprendizagem do Filosofar através do

Texto Poético

A Aprendizagem do F ilosofar atra vés do Te xto P oético

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Relatório de Estágio

Mestrado em Ensino de Filosofia no Ensino Secundário

Trabalho realizado sob a orientação do

Doutor José Carlos Oliveira Casulo

Universidade do Minho

Instituto de Educação

outubro de 2014

Sara Tiago Gonçalves

A Aprendizagem do Filosofar através do

Texto Poético

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DECLARAÇÃO

Nome: Sara Tiago Gonçalves

Endereço eletrónico: saratiagoncalves@gmail.com Número do bilhete de identidade: 13791115 Título do Relatório:

A Aprendizagem do Filosofar através do Texto Poético

Orientador:

Doutor José Carlos Oliveira Casulo Ano de conclusão: 2014

Designação do Mestrado:

Mestrado em Ensino de Filosofia no Ensino Secundário

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTE RELATÓRIO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, ___ /___ /_______

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Toute pensée commence par un poème. Alain (Émile Chartier)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, à orientadora cooperante Dra. Maria das Dores Braga, por toda a ajuda que me prestou ao longo do estágio profissional na escola secundária Alberto Sampaio. Os seus conselhos e as suas críticas construtivas foram fundamentais para o meu desempenho nas aulas que lecionei no 10ºC, turma à qual também estou muito grata. Nunca esquecerei os debates, tão ricos em termos filosóficos, que tive com os alunos da referida turma.

Agradeço também a todos os professores de Filosofia da Alberto Sampaio, à Dra. Helena Duque da Biblioteca e a todos os funcionários da escola pela forma calorosa como me acolheram. Agradeço ao meu supervisor de estágio, Doutor José Carlos Casulo, pela orientação do meu relatório de estágio.

Um sentido agradecimento a todos os meus professores de licenciatura e mestrado, que me abriram horizontes, proporcionando momentos de aprendizagem inexoravelmente enriquecedores.

Aos meus colegas de turma do Mestrado em Ensino da Filosofia no Ensino Secundário, com quem partilhei momentos inesquecíveis, outro ‘obrigada’.

A Susana Neto, Hélder Barbosa e Flávia Miranda, estou grata pela amizade e força que me deram ao longo do estágio.

Agradeço também a Marta Pedroso, Filipa Lázaro, João Inácio, André Duarte, Débora Ferreira, Vanessa Gomes, Brigida Vicente, Rita Maia, Adriano Sardinha, Isabel Conde, Cristina Costa, Sara Pinto, Rafael Alves e Bárbara Santos, que me ensinam, todos os dias, o significado de uma verdadeira amizade.

Sinto-me privilegiada por ter uma família que sempre acreditou em mim. Obrigada aos meus pais, Elsa Tiago e Jorge Gonçalves, e ao meu irmão, Rui Gonçalves.

Agradeço ainda a Paulo Carvalho pela força incondicional que me deu.

Finalmente, ao Professor António Eugénio Peixoto, que me incentivou a admirar poesia e a amar incondicionalmente filosofia, e a Maria da Conceição Abreu, eterna mãe e avó, a quem tudo devo.

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RESUMO EM PORTUGUÊS

O presente trabalho, intitulado A Aprendizagem do Filosofar através do Texto Poético, é o relatório de estágio profissional concretizado na turma 10ºC da Escola Secundária de Alberto Sampaio, em Braga, durante o ano letivo 2013-2014, no âmbito do Mestrado em Ensino da Filosofia no Ensino Secundário. O mesmo pretende mostrar que os poemas podem promover nos estudantes a desenvoltura do sentido crítico e da capacidade de problematização inerentes ao filosofar. Afinal, filosofia e poesia tratam de assuntos semelhantes respeitantes à vida humana e, por isso, podem muito bem caminhar juntas na estrada do ensino-aprendizagem. As aulas lecionadas em torno dos valores, ética, direito, política, estética e problemas do mundo contemporâneo foram, pois, conduzidas no sentido de despertar a consciência filosófica dos alunos através de textos poéticos prontos a promover interpretações e a desvelar sentidos.

Este relatório pretende, numa primeira parte, revelar aos leitores alguns pensamentos de autores que se dedicaram a pensar a poesia de um ponto de vista filosófico, oferecendo assim uma fundamentação científica à tese supramencionada; numa segunda parte, será dada a conhecer a forma como o projeto foi posto em prática, na sala de aula, e será feita uma avaliação sobre a sua realização.

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ABSTRACT

This work, entitled The Learning of Philosophize through the Poetic Text, is the report of traineeship achieved in 10 º C High School class of Alberto Sampaio, in Braga, during the school year 2013-2014 in the framework of the Master of Teaching Philosophy on High School. It is intended to show that poems can foster a critical sense of resourcefulness and the ability to problem-inherent to philosophize in students. After all, philosophy and poetry deal with similar issues relating to human life and, therefore, may well walk together on the road of teaching and learning. Classes taught around the values, ethics, law, politics, aesthetics, and problems of the contemporary world were therefore conducted in order to arouse the philosophical conscience of students through readings of poetic texts which are ready to promote interpretations and uncover meanings.

In its first part this report is intended to reveal to readers some thoughts of authors who have dedicated themselves to think poetry in a philosophical point of view, thus providing a scientific rationale to the above argument; a second part will describe how the project was put into practice in the classroom, and give an evaluation of its implementation.

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vii ÍNDICE AGRADECIMENTOS ……….. iv RESUMO EM PORTUGUÊS ……… v ABSTRACT ……….……….. vi INTRODUÇÃO ……….. vii

1.O PROJETO E O SEU CONTEXTO DE INTERVENÇÃO ……… 4

1.1. A Escola Secundária de Alberto Sampaio ………. 4

1.1.1.Nótula histórica sobre a escola ………. 4

1.1.2.Caracterização da ESAS e Projeto Educativo ……….. 5

1.1.3.Caracterização da turma ………. 8

1.1.4.Metodologia utilizada para a caracterização do contexto de intervenção …. 10 1.1.5.Justificação da relevância do projeto à luz do contexto e da literatura ……. 13

1.1.6.Intuitos do projeto e estratégias de intervenção no contexto ……… 16

2.UMA VISÃO FILOSÓFICO-EDUCACIONAL DO ENSINO DA FILOSOFIA ATRAVÉS DA POESIA ……… 18

2.1. Esclarecimentos concetuais: texto poético, aprendizagem, filosofia e filosofar…. 18 2.2. Filosofia e poesia: as raízes gregas da relação ………..……… 23

2.3. A Poesia do Pensamento, de George Steiner ………..……….. 24

2.4. A poesia segundo a hermenêutica contemporânea ………. 30

2.4.1. Wilhelm Dilthey e a visão poética da vida………. 30

2.4.2. Martin Heidegger e a Poesia como evento original……… 33

2.4.3. Hans-Georg Gadamer e a essência reveladora da linguagem poética…….. 35

2.5. A poesia filosófica portuguesa: Coimbra, Pascoaes e Pessoa ………. 37

2.5.1. Leonardo Coimbra e o reavivar do humanismo………. 38

2.5.2. Teixeira de Pascoaes e a filosofia da saudade……… 40

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3.O PROJETO POSTO EM PRÁTICA……… 45

3.1. A estrutura das aulas ………….……….. 45

3.2. Os poemas analisados em aula e a sua relação com a filosofia ………. 47

3.3. Atividade de celebração do dia mundial da poesia ……….………. 54

4. A AVALIAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA ………. 60

CONCLUSÃO ……… 66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……… 69

APÊNDICES ……… 74

Apêndice 1: Excertos de uma entrevista realizada à Dra. Manuela Gomes, ex-diretora da ESAS………. 75

Apêndice 2: Inquérito por questionário sobre a condição socioeconómica dos alunos do 10ºC………. 78

Apêndice 3: Exemplo de um plano e de um guião de aula ………. 80

Apêndice 4: Exemplo de um material para lecionação ………. 82

Apêndice 5: Exemplo de uma ficha formativa .………. 83

Apêndice 6: Exemplo de um quadro-síntese……….. 84

Apêndice 7: Marcador de livros de celebração do dia mundial da poesia 2014 ……… 85

Apêndice 8: Introdução da Revista Filosofia & Poesia ……… 86

Apêndice 9: Guião para a elaboração dos ensaios filosóficos do 3º período letivo ……… 87

Apêndice 10: Exemplo de uma ficha de avaliação quantitativa ……….……… 88

Apêndice 11: Inquérito por questionário sobre a relação entre a filosofia e a poesia (1) ……… 90

Apêndice 12: Inquérito por questionário sobre a relação entre a filosofia e a poesia (2)………. 91

Apêndice 13: Inquérito por questionário sobre as aulas de filosofia da professora estagiária ………….. 92

ANEXOS ………. 93

Anexo 1: Resposta de uma aluna numa ficha de trabalho sobre a teoria libertarista de R. Nozick (1)……….. 94

Anexo 2: Resposta de uma aluna numa ficha de trabalho sobre a teoria libertarista de R. Nozick (2)… 95 Anexo 3:Resposta de uma aluna num exercício de consolidação sobre a justificação do juízo estético. 96 Anexo 4: Certificado de dinamização da atividade do dia mundial da poesia……… 97

Anexo 5: Resultados das questões abertas do questionário sobre as aulas de filosofia da professora estagiária ……… 98

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho, intitulado A Aprendizagem do Filosofar através do Texto Poético, é o relatório de estágio profissional concretizado na turma 10ºC da Escola Secundária de Alberto Sampaio, em Braga, durante o ano letivo 2013-2014, sob a orientação da Dra. Maria das Dores Braga e a supervisão do Doutor José Carlos Oliveira Casulo, no âmbito do Mestrado em Ensino da Filosofia no Ensino Secundário da Universidade do Minho.

Para abraçar um projeto a ser aplicado numa escola é fundamental pensar nos ganhos que o mesmo poderá trazer aos estudantes envolvidos. Além disso, para pôr em prática certas ideias, é crucial haver uma caracterização prévia e cuidada das pessoas e do local envolvidos. Assim, não poderia avançar com o projeto A Aprendizagem do Filosofar através do Texto Poético sem me perguntar, primeiramente, qual o meu objetivo com ele e quais as peculiaridades da escola na qual escolhi estagiar, bem como da turma que me calhou.

Antes de escolher um tema a desenvolver no meu estágio profissional, pensei desde logo que deveria optar por incrementar algo novo, mas que não fugisse ao propósito geral de qualquer docente: o de elaborar um projeto, no espaço escolar, que tenha como objetivo uma melhoria significativa da qualidade de ensino. Quando menciono ‘projeto’, refiro-me, como diz Barbier, a “um processo a pôr em prática” (BARBIER, 1996: 57), um futuro a fazer. Ora, nada me parece mais certo que ansiar proporcionar a tal melhoria da qualidade de ensino oferecendo aos estudantes as ferramentas necessárias para que eles se consigam desenvolver humana, social e profissionalmente, tornando-se assim cidadãos capazes de trabalhar, de criticar, de discutir e de conviver civilizadamente. Tomando em consideração as palavras de Cortesão, Leite e Pacheco, há, portanto, que fazer de qualquer projeto “um plano de ação interessante que ajude os alunos a ‘crescer’, em diferentes dimensões, e que no meio de tudo isto proporcione alegria a quem o realiza” (CORTESÃO, LEITE & PACHECO, 2003: 42).

Foi, sobretudo, a enorme vontade que sempre existiu em mim de conciliar arte e filosofia que me fez enveredar pelo tema exposto. A arte é uma atividade humana que proporciona distintas sensações, intensas emoções e inúmeras reflexões acerca da natureza, da humanidade e do universo em si. É por isso que a considero tão próxima da filosofia: afinal, esta última, quando verdadeiramente vivida, também proporciona experiências de pensamento que nos dão um novo olhar sobre os sujeitos e o mundo que os cerca. Sónia Salomão Khéde teve razão ao

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alegar que “o acolhimento filosófico da divergência e da subjetividade aproxima a filosofia do campo da arte” (KHÉDE, 1984: 14).

Dado que seria demasiado ambicioso da minha parte tentar motivar os alunos para a filosofia através de distintas artes, optei por me focar apenas naquela que é, segundo o filósofo Martin Heidegger, a arte suprema: a poesia. Levar os alunos a aprender a filosofar mediante o texto poético parece ser uma missão um pouco mais modesta, mas nem por isso menos audaz e difícil de concretizar.

O meu principal intuito com este projeto foi tornar as aulas de filosofia um pouco diferentes, pois é da diferença que, muitas vezes, podem surtir bons frutos. A minha preocupação foi que os alunos percebessem que é possível filosofarmos ao ler e ao tentar compreender um poema, porque, tal como a filosofia, também o texto poético nos espanta. “Filosofia e Poesia emergem (…) de uma mesma atitude antropológica: a admiração e o espanto do sujeito perante o mistério do mundo e do homem. (…) Na sua origem comum, filósofo e poeta assumem o real como enigma” (TEIXEIRA, 1998: 8).

Se uma obra de arte espelha os mais variados problemas humanos e se a reflexão sobre os mesmos é feita, sobretudo, por espíritos filosóficos, por que não conciliar uma leitura poética com o filosofar? Afinal, os textos literários e, em particular, a poesia, podem contribuir para o levantamento e discussão de determinados problemas filosóficos. É claro que, por mais assuntos que a filosofia e a poesia tenham em comum, foi indispensável concentrar-me na seleção de poesias que tratassem de temas a ser abordados nas aulas de 10º ano. Assim, li e escolhi alguns textos poéticos com vista a motivar os alunos para a compreensão filosófica. O meu principal objetivo, com tal tarefa, foi promover a desenvoltura do sentido crítico e da capacidade de problematização dos estudantes, acabando por conduzir o ser humano àquele que era o grande ideal da época do Iluminismo: o sapere aude kantiano, que se traduz como ‘ousar pensar’1.

O presente relatório é o espelho de todo o labor desenvolvido ao longo do ano letivo em que exerci o meu estágio profissional. Não obstante, o mesmo não poderia apenas relatar a prática pedagógica, pois isso seria desprezar a fundamentação científica que qualquer trabalho académico deve conter. Posto isto, e de forma a irradiar tanto a teoria como a prática, este trabalho divide-se em quatro capítulos, cada um deles com alguns pontos: o primeiro visa

1 Sapere significa, ipsis verbis, ‘saber’. No entanto, atendendo à filosofia kantiana, não me parece desapropriado traduzir sapere por ‘pensar’,

pois, de acordo com o famoso texto de Immanuel Kant intitulado “Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo?”, só quem se atreve a pensar por si mesmo sem a influência de um tutor é que atinge a maioridade, isto é, a verdadeira sabedoria.

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apresentar o projeto e caracterizar a escola e a turma onde decorreu o meu estágio profissional; o segundo apresentar-se-á na sequência da ideia central de que é possível ensinar os alunos a filosofar através de poemas, aglomerando algumas reflexões que foram feitas por pensadores, poetas e filósofos que, de uma ou de outra forma, dedicaram alguns dos seus escritos ao assunto (refiro-me ao pensador francês George Steiner, autor de A Poesia do Pensamento, aos hermeneutas Wilhelm Dilthey, Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer e aos portugueses Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa). Dedicarei o capítulo seguinte ao relato do projeto posto em prática, que será feito da forma mais fiel possível (nele, irei apresentar a estrutura das aulas que lecionei, as estratégias e os materiais que utilizei nas mesmas com o intuito de aplicar o meu projeto, e farei também uma breve reflexão sobre a atividade que promovi, em conjunto com o 10ºC, para o dia mundial da poesia, na ESAS), e deixarei a última parte deste relatório para uma avaliação sobre o trabalho desencadeado ao longo do estágio profissional (a avaliação será feita, essencialmente, através de uma análise cuidadosa dos resultados obtidos com os inquéritos passados à turma 10ºC que tiveram como objetivo primordial saber se houve ou não uma evolução na forma como os estudantes passaram a encarar a relação entre a filosofia e a poesia, após as aulas que tiveram; não descurarei ainda um outro inquérito, que procurou deslindar a perceção que os alunos tiveram do meu trabalho em contexto de sala de aula).

No final, espero ter conseguido transmitir a ideia de que a poesia é, tal como defendeu Edgar Morin (1999), uma das artes que deve ser considerada como uma escola, pois ao ler poemas, qualquer adolescente consegue apropriar-se de experiências de vida, “reconhecer a sua vida subjetiva” e ainda “descobrir a revelação das suas aspirações, dos seus problemas, das suas verdades” (p. 52).

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1.O PROJETO E O SEU CONTEXTO DE INTERVENÇÃO

1.1. A Escola Secundária de Alberto Sampaio

1.1.1 Nótula histórica sobre a escola

O meu estágio profissional decorreu na Escola Secundária de Alberto Sampaio, em Braga, cuja origem remonta ao ano de 1884, altura em que a cidade passou a ser provida de ensino técnico. Tal modalidade de ensino começou por funcionar na Escola de Desenho Industrial, situada no Largo das Carvalheiras e dirigida pelo cirurgião Bernardino Alves Passos, tendo sido mais tarde denominada Escola Industrial Bartolomeu dos Mártires. Após o ano de 1936, a instituição ficou hospedada na Rua do Castelo. Doze anos depois, um decreto-lei estabeleceu a separação entre a Escola Industrial Bartolomeu dos Mártires e a Escola Industrial e Comercial Carlos Amarante, sendo que a 31 de maio de 1951 seguiu-se outro decreto que acabou por fundir as duas instituições na Escola Comercial e Industrial de Braga.

Através do decreto-lei 457/71 de 28 de outubro2, o ensino técnico secundário passou a ser ministrado, por um lado, pela Escola Técnica Carlos Amarante, que ficou com a parte industrial, e, por outro, pela Escola Comercial de Alberto Sampaio, que ficou com a comercial. Já com a publicação da portaria n.º 608/79, de 22 de novembro3, a Escola Comercial de Alberto Sampaio passou a chamar-se Escola Secundária de Alberto Sampaio e é esse o nome que hoje permanece. Situada na Rua Álvaro Carneiro, acabou por ser alvo de um projeto de intervenção, entre 2009 e 2010, e as suas instalações foram objeto de requalificação física e funcional, no âmbito da operação da Parque Escolar. A 5 de outubro de 2010, dia da implantação da república, foram inaugurados os novos espaços interiores e exteriores da escola.

2 Decreto-Lei 457/71 de 28 de outubro. Diário da República n.º254 – I Série. Ministério da Educação Nacional. 3Portaria n.º 608/79 de 22 de novembro. Diário da República n.º270 – I Série. Ministério da Educação.

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1.1.2. Caracterização da ESAS e Projeto Educativo

Feita uma nótula histórica sobre a escola, é chegada a altura de caracterizar a mesma. Após uma pesquisa focada no ano letivo 2013-2014, averiguei que a população escolar da ESAS4 é constituída por 1694 alunos. Destes, 58 frequentam o 3º Ciclo – 1 turma de 7º ano e 1 turma de 8º ano –, 1264 os cursos científico-humanísticos regulares – espalhados por 18 turmas de 10º ano, 22 turmas de 11º ano e 18 turmas de 12º ano – e 372 os cursos profissionais – Técnico de Eletrónica e Computadores, Técnico de Desenho Digital 3D, Técnico de Artes e Espetáculo, Técnico de Gestão de Programação de Sistemas Informáticos, Técnico de Turismo, Técnico de Vendas e Técnico de Secretariado. Relativamente a estes, existem, atualmente, 6 turmas de 1º ano, 6 turmas de 2º ano e 5 turmas de 3º ano. É importante referir que todos estes dados estão atualizados até à data de 12 de novembro de 2013, dia em que fiz a recolha das informações na secretaria da escola.

Como se constata dos dados anteriores, a oferta educativa da ESAS espelha uma enorme vontade de incentivar os alunos à sua desenvoltura a diferentes níveis: nesta instituição, podemos encontrar várias modalidades de formação de nível secundário – cursos científico-humanísticos; cursos profissionais; cursos de educação e formação de adultos; formações modulares; reconhecimento, validação e certificação de competências; e português para todos, orientado para estrangeiros.

Relativamente à ação social escolar, verifica-se que 29,8% dos alunos dos cursos científico-humanísticos do ensino secundário beneficiam de auxílios económicos (11,2%, aproximadamente, beneficiam de escalão A e 18,7%, aproximadamente, de escalão B), sendo que 70,2% dos estudantes não têm qualquer apoio a este nível. Estes dados são importantes, pois, como será visto adiante, relacionam-se com uma característica muito particular da ESAS: a vontade de receber todos os alunos, inclusive aqueles que têm mais dificuldades económicas (afinal, 29,8% é já uma percentagem bastante significativa).

A equipa docente, não só da ESAS, mas de todo o agrupamento5, é constituída por 304 professores – 15 do pré-escolar, 38 do 1º ciclo, 234 do 2º e 3º ciclos e ensino secundário, 4 professores de Ensino Técnico e Especial e 12 professores de Técnicas Especiais. Quanto à sua

4 A sigla oficial da escola pela qual será designada, doravante, a secundária Alberto Sampaio.

5 É de referir que a escola Alberto Sampaio faz atualmente parte do agrupamento de escolas de Nogueira. Neste mesmo ponto, só tive acesso

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situação profissional, dos 304 docentes, 23 pertencem ao “QZP – Nomeação”, 13 ao “QZP de Nomeação Definitiva”, 16 são “Contratados”, 59 do “Quadro”, 37 do “Quadro de Agrupamento”, 143 do “Quadro da Escola”, 1 do “Quadro da Escola – Nomeação” e 12 de “Outras situações”.

O pessoal não docente da ESAS é constituído por 47 trabalhadores – 44 pagos pelo Estado e 3 pela Câmara Municipal de Braga. Destes, 1 é coordenador técnico, 14 são assistentes técnicos e 32 são assistentes operacionais.

Ao nível das relações humanas, a ex diretora da ESAS, a Dra. Manuela Gomes, de História, confessou-me, numa entrevista realizada no âmbito de um trabalho académico para a unidade curricular opcional Organização de Escola, que, nesta escola, se sentem “menos as hierarquias entre os professores mais velhos e os professores mais novos, os professores e os funcionários, os professores e os alunos. Penso eu que aqui as pessoas são automaticamente integradas” (cf. apêndice 1).

Ao familiarizar-me com o Projeto Educativo da ESAS (2011), apercebi-me que seria possível levar o meu projeto de ensinar o filosofar a partir da leitura de poemas a bom porto, sobretudo pelo facto de o documento revelar que a instituição é inclusiva. Ora, ser inclusiva passa, a meu ver, não só por abraçar mais e diferentes alunos, como também por se abrir a reflexões promissoras.

No decorrer da entrevista já mencionada, a Dra. Manuela Gomes confessou-me também que a escola quer tanto integrar todos os seus alunos que até é contra a atribuição de diplomas de mérito aos melhores estudantes. O que se verifica na ESAS é, nada mais, nada menos, que “uma cultura de grupos, de afetos. Há uma afetividade dos professores com os alunos. Os afetos são um elemento crucial da cultura de escola. (…) No final do ano, quando vão embora, todos choram. Também gostamos muito de nos divertir. A felicidade do quotidiano é incontornável” (cf. apêndice 1)

Ainda a partir do Projeto Educativo da ESAS, verifiquei que uma das palavras-chave da escola é a palavra ‘diversidade’. A instituição tem um perfil profundamente heterogéneo, que integra alunos provenientes dos mais diversos meios sociais, económicos e culturais. “Do ponto de vista sociológico, esta escola integra alunos oriundos de famílias de nível social médio-alto e alto, mas também, numa parcela significativa, alunos oriundos de famílias de nível social médio-baixo e médio-baixo, portadores de níveis de instrução muito médio-baixos. Na proximidade da escola, na zona oeste e sul, situam-se alguns dos bairros mais degradados da cidade e com maiores problemas

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em matéria de segurança pública” (MEC, 2011: 14). É essa sua população estudantil diversificada que a escola pretende pôr a pensar, porque, como disse o seu patrono Alberto Sampaio (1841-1908), etnógrafo e historiador, “fazer pensar é tudo; e a agitação a única alavanca que pode deslocar esse mundo: pois que agitar quer dizer - instruir, ensinar, convencer e acordar” (apud MEC, 2011: 8).

Como menciona a introdução do Projeto Educativo, o que a escola pretende é ser um lugar de aprendizagem que origine uma identidade, incindindo, para isso, na qualidade das aprendizagens, na fomentação da cultura, da ciência e do conhecimento, da arte e da tecnologia. Neste ponto, é de salientar que a ESAS tem optado por uma grande diversidade no que respeita às metodologias utilizadas no ensino-aprendizagem, precisamente para se demarcar como uma escola de qualidade. Tal diversidade de metodologias começa desde logo no corpo docente: são organizadas, para os professores, várias ações de formação que visam garantir a adequada implementação das novas disciplinas/cursos ou modalidades de formação e ainda oficinas de formação para a construção de materiais didáticos. Uma vez que a ESAS também se preocupa com a fomentação de alunos cada vez mais autodidatas, é normal que as salas de estudo e a biblioteca estejam apetrechadas de materiais que auxiliem os estudantes no seu estudo (nestes espaços, a população estudantil pode aceder facilmente a computadores e à Internet, dois instrumentos de trabalho fundamentais na sociedade globalizada de hoje; além disso, a Biblioteca tem disponível um catálogo online6). As próprias salas de aula já estão equipadas com equipamentos tecnologicamente inovadores.

Ao nível da gestão da escola, apercebi-me, recorrendo novamente ao Projeto Educativo, que a ESAS continua a promover a implementação da Intranet, bem como a diversificar os gestores da página da escola de forma a garantir uma permanente atualização. O site de divulgação da ESAS foi todo alterado e melhorado no início deste ano letivo, tendo a escola vários blogues de divulgação de, por exemplo, materiais úteis ao ensino-aprendizagem dos conteúdos disciplinares7.

Antes de terminar, é de ressalvar que a ESAS também tem ao dispor dos estudantes e dos professores o Moodle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment), um software livre de apoio à aprendizagem proporcionada num plano virtual.

As informações recolhidas nos documentos oficiais e por testemunho, na própria escola, denotam que, de facto, a ESAS se preocupa em contribuir para a construção de uma realização

6 Para aceder ao catálogo online da Biblioteca basta ir a http://besas.webnode.com/catalogo-online2/. 7 A própria disciplina de Filosofia tem um blogue: http://filosofianaesas.blogspot.pt/.

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pessoal e profissional sólida. Sendo prioridade da escola a produção de uma identidade cultivada em cada um dos seus estudantes, resta saber se a instituição tem conseguido cumprir a sua missão. Para responder devidamente a esta questão, recorri ao último relatório de avaliação externa da ESAS, elaborado na sequência de uma visita efetuada entre 22 e 23 de novembro de 2011. É de ressalvar que as suas conclusões decorrem da análise dos documentos fundamentais da escola, em especial da sua autoavaliação, dos indicadores de sucesso académico dos alunos e das respostas aos questionários de satisfação da comunidade e da realização de entrevistas. O resultado que a escola obteve nos domínios avaliados responde à questão supramencionada: tanto ao nível dos ‘Resultados’, como da ‘Prestação do Serviço Educativo’ e ‘Liderança e Gestão’, a ESAS obteve a classificação de ‘muito bom’ (cf. IGEC, 2011).

Foi, pois, com base nos documentos oficiais da ESAS (em particular, no seu Projeto Educativo), na entrevista realizada à Dra. Manuela Gomes, na oferta educativa da escola e no que averiguei ao longo do tempo que lá passei, que me apercebi que a escola tenta difundir uma cultura de liberdade, de participação e reflexão. Por isso, comecei a pensar que seria pertinente levar a cabo o projeto da aprendizagem do filosofar através da poesia. Faz todo o sentido despertar espíritos autónomos e críticos a partir de textos poéticos, pois eles oferecem aos alunos uma cultura mais vasta e fazem com que o seu pensamento voe mais alto e mais longe. E, no fundo, é isso que a ESAS quer.

1.1.3. Caracterização da turma

As estratégias que delineei para levar a cabo a aprendizagem da Filosofia e do filosofar através do texto poético foram aplicadas na turma C do 10º ano, uma turma do curso de Ciências e Tecnologias, constituída por 29 alunos que têm, em média, 15 anos de idade.

Se é importante conhecer bem a escola onde vou fazer o meu estágio profissional, não é menos essencial haver uma noção prévia das características da turma em que irei lecionar. Assim, realizei uma entrevista, juntamente com o meu colega de estágio, Rogério Correia, no dia 8 de novembro de 2013, com o objetivo de recolher um conjunto de dados importantes, que me permitisse conhecer, nomeadamente, as condições socioeconómicas dos

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estudantes que a integram8. No que diz respeito à situação-emprego da mãe e do pai, constatei que 21 das 29 mães estão contratadas, 3 são domésticas e 5 estão desempregadas. Quanto à situação dos pais, 27 são contratados e apenas um está desempregado (houve um aluno que não respondeu a esta questão).

Já no que toca à formação académica da mãe, os dados obtidos foram os seguintes: uma das mães é doutorada, 5 têm licenciatura, 7 terminaram o ensino secundário, 8 têm o 3º ciclo do ensino básico, 5 o 2º ciclo do ensino básico e 3 o 1º ciclo do ensino básico. Relativamente à formação académica dos pais, 2 possuem doutoramento, 1 tem um mestrado, 3 possuem uma licenciatura, 6 frequentaram apenas o ensino secundário, 8 concluíram o 3º ciclo do ensino básico, 6 o 2º ciclo do ensino básico e 3 o 1º ciclo do ensino básico.

No que respeita ao seu percurso escolar, dos 29 alunos inquiridos, apenas 4 são repetentes. Porém, quando questionados sobre os seus hábitos de trabalho escolar, 16 confessam que estudam todos os dias e 13 admitem que não o fazem. Além disso, 15 dos estudantes informaram que já tiveram um/a explicador/a, ou seja, mais de metade da turma já precisou de um acompanhamento extraescolar.

Interpelados sobre as suas disciplinas preferidas, a maioria dos alunos afirma gostar mais de biologia e geologia, o que é compreensível, uma vez que frequenta o curso de Ciências e Tecnologias; a filosofia, talvez por ser nova no currículo destes estudantes, não aparece como favorita em nenhum questionário. As disciplinas de matemática e inglês são aquelas em que os alunos confessam ter mais dificuldades. A filosofia aparece, neste mesmo ponto, referenciada em dois dos inquéritos.

Situando-me, agora, na rotina diária dos alunos, constatei que a maioria dos estudantes da turma se deita entre as 22h30 e as 23h00 horas, dormindo, a maioria, cerca de 8 horas por noite.

Em relação aos seus hábitos alimentares, 28 estudantes afiançam que tomam o pequeno--almoço todos os dias, em casa, e 1 afirma que nunca toma o pequenopequeno--almoço. Ao almoço, 4 dos estudantes confessam nunca almoçar fora de casa e 25 confessam que, algumas vezes, fazem esta refeição fora de casa, mais no restaurante do que no refeitório da escola.

Relativamente ao meio de transporte utilizado pelos estudantes para se deslocarem à escola, o automóvel e os transportes públicos são os meios mais utilizados.

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Por fim, no que respeita às atividades que os estudantes realizam com mais frequência, verifica-se que ver televisão e ouvir música foram as opções mais escolhidas (25 estudantes), seguindo-se o navegar na Internet (23 estudantes). É de ressalvar que 20 estudantes identificaram a ajuda nas tarefas domésticas como uma das atividades que realizam com mais frequência e 17 assinalaram que praticam desporto. Além das atividades referidas, 6 dos estudantes informam que desenvolvem práticas religiosas, 7 declaram que estão a aprender a tocar um instrumento musical e são também 7 que afirmam ler com frequência.

Fazendo agora uma caracterização mais pessoal da turma, após o que constatei nas aulas, apesar de ter 4 alunos repetentes, descrevo o 10ºC como profundamente empenhado, participativo e interessado em aprender e em discutir as temáticas filosóficas. Nas aulas, a maioria dos estudantes respondeu sempre de forma oportuna às questões levantadas e, nas suas intervenções, notei uma excelente base de cultura geral.

Não posso deixar de referir que as aulas do 10ºC foram lecionadas com recurso ao manual de filosofia adotado pela ESAS – o 50 Lições de Filosofia9, da autoria de Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, da Didática Editora. Confesso que este me obrigou a fazer um trabalho de bastidores bastante árduo, pois é pequeno e vai direto ao essencial em muitas matérias. De qualquer forma, o 50 Lições é um daqueles manuais que, por ser sucinto, apela a que os estudantes ousem pensar por si mesmos, pesquisando noutras fontes e questionando a professora, na sala de aula.

Pesquisar, questionar. Foi isto que o 10º C fez ao longo de todo o ano letivo 2013-2014. E não só: a turma apreendeu o significado do verbo ‘argumentar’ e mergulhou na Filosofia de uma forma absolutamente encantadora para qualquer professor.

1.1.4. Metodologia utilizada para a caracterização do contexto de intervenção

Antes de dar a conhecer os referentes que utilizei para a caracterização do contexto de intervenção do meu estágio profissional, importa definir metodologia e método. A palavra metodologia tem origem nos vocábulos gregos metà, odòs e logos, aludindo assim a algo ‘para além de’, a um ‘caminho’ e a um ‘estudo’, respetivamente. No fundo, é a sistematização dos

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métodos e técnicas necessários para levar a cabo o processo de investigação. O seu objetivo é, essencialmente, como alegam Cohen, Manion e Morrison, em Research Methods in Education, “to help us to understand, in the broadest possible terms, not the products of scientific inquiry but the process itself” (COHEN, MANION & MORRISON, 2007: 47). Já por método entende-se, recorrendo à etimologia da palavra – methodos – ‘caminho para chegar a um fim’. No fundo, os métodos são os instrumentos que conduzem ao sucesso de um projeto.

Ora, para levar a cabo um projeto, tenho de começar por investigar o local onde vou intervir, neste caso, a escola Alberto Sampaio e a turma C do 10ºano. Revela-se, pois, imprescindível adotar determinados meios de investigação que permitam uma caracterização o mais cuidada possível do local onde vou estagiar bem como do público-alvo da investigação (os alunos da já referida turma, com quem quis pôr em prática a tese de que é possível ensinar filosofia através de textos poéticos). Urge, então, perguntar: o que fazer para conhecer a escola e a turma com as quais sabia que ia lidar ao longo de um ano? Decidi responder a esta questão recorrendo a algumas técnicas de investigação das ciências sociais, nomeadamente: a observação direta, a observação indireta ocorrida durante os seminários semanais com a professora orientadora cooperante, a exploração do contexto através da leitura de documentos oficiais e da execução de uma entrevista realizada no âmbito da unidade curricular opcional inserida no plano de estudos do meu mestrado – Organização de Escola; a concretização de um inquérito por questionário relativo à condição socioeconómica dos alunos do 10ºC.

Quando falo de observação, refiro-me a observar algo (o quê?), em alguém (em quem?), através da utilização de algumas técnicas (como?). Ora, no âmbito de um estágio profissional importa ter um problema ao qual se quer dar uma resposta – “será viável ensinar filosofia e o filosofar através de textos poéticos? –, e tal resposta procura-se precisamente num certo local, com determinados indivíduos que nos vão elucidar sobre a viabilidade do projeto – a turma do 10ºC da ESAS.

Talvez a estratégia mais importante que alguém pode adotar para conhecer um determinado contexto seja passar o máximo de tempo possível no local, com as pessoas envolvidas. A esta damos o nome de observação direta, que, como especificam Quivy e Campenhoudt (2008), tem as suas vantagens, entre elas: “a apreensão dos comportamentos e dos acontecimentos no próprio momento em que se produzem”; “a recolha de um material de análise (…) relativamente espontâneo”; “a autenticidade relativa dos acontecimentos em comparação com as palavras e com os escritos” (p.199).

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Andar pela escola, observando a sua arquitetura e a sua dinâmica, falar com os funcionários e com os professores, frequentar a sala de professores e a sala de departamentos, ir à reprografia levantar fotocópias, ir à biblioteca requisitar livros, tudo isto contribuiu, sem dúvida, para um conhecimento mais aprofundado do espaço. Além disso, a interação com os alunos do 10ºC, antes das aulas, nas aulas e depois das aulas, permitiu-me conhecer melhor os estudantes e tecer um perfil mais conciso da turma.

Para caracterizar a escola e o público-alvo da minha investigação, além da observação direta, também recorri à observação indireta: os seminários semanais que tive na sala de departamentos com a professora orientadora do meu estágio profissional, a Dra. Maria das Dores Braga, realizados sempre às sextas-feiras, entre as 10h10 e as 11h40, foram exemplo disso. Tais reuniões foram fundamentais para a aquisição indireta de mais informações sobre a escola e a turma do 10ºC, em particular.

Outra das técnicas utilizadas para conhecer o contexto onde ia intervir durante o ano letivo 2013-2014 foi a leitura dos documentos oficiais da escola. Tentei familiarizar-me ao máximo com o Projeto Educativo da ESAS (2011) e com o seu Relatório de Avaliação Externa (2011), pois tais textos são bastante esclarecedores em relação aos principais ideais e objetivos da escola, bem como à forma como a mesma procede para cumprir as metas que estabelece para si própria (tal ficou patente, aliás, no ponto 1.1.2. deste relatório). Consultei também, várias vezes, o site da ESAS, na Internet, pois verifiquei que o mesmo era outro poço de informação preciosa, que me iria permitir estar, por exemplo, a par das atividades ocorridas na escola, atividades que são, aliás, uma marca irrevogável da cultura que uma determinada instituição preza (ver novamente o ponto 1.1.2.).

Para além das leituras que fiz dos documentos oficiais, tive a sorte de fazer uma entrevista exploratória semiestruturada, isto é., com perguntas formuladas antecipadamente e com outras que iam surgindo à medida que a entrevista ia decorrendo, à Dra. Manuela Gomes, de História. Como se pode averiguar pelo que foi expresso no ponto 1.1.2. (ver também apêndice 1)deste relatório, as palavras da ex-diretora da ESAS elucidaram-me sobre as diretrizes que a escola segue a nível organizacional, sobre a cultura que os elementos constituintes da ESAS preservam e ainda me esclareceram sobre algumas consequências da intervenção da Parque Escolar na requalificação da escola.

Finalmente, e para conseguir um conhecimento mais aprofundado da turma C do 10º ano, optei por realizar um inquérito por questionário no dia 8 de novembro de 2013. Ora, porquê

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a elaboração de um inquérito por questionário para um maior conhecimento da turma? Três dos autores já anteriormente mencionados respondem que “the questionnaire is a widely used and useful instrument for collecting survey information, providing structured, often numerical data, being able to be administered without the presence of the researcher, and often being comparatively straight forward to analyse” (COHEN, MANION & MORRISON, 2007: 317). Relatada a importância deste instrumento, resta-me esclarecer que o inquérito por questionário que apliquei ao 10º C englobou questões fechadas e questões abertas, todas elas relativas à condição socioeconómica dos estudantes, ou seja, referentes ao seu apoio social, ao nível de instrução dos seus pais, às suas preferências na escola, à sua rotina diária e ao seu próprio quotidiano (ver apêndice 2).

1.1.5.Justificação da relevância do projeto à luz do contexto e da literatura

Como alegam os autores de Research Methods in Education, qualquer projeto que se pretenda pôr em prática tem de ser viável: “viability is thus a requirement for both quantitative and qualitative/naturalistic research” (COHEN, MANION & MORRISON, 2007: 133). Por isso, antes de lecionar aulas ao 10ºC, tive de me questionar se, efetivamente, seria exequível, mediante as condições disponíveis, ensinar a filosofia e o filosofar através de textos poéticos.

Após a caracterização da escola e da turma onde decorreu o meu estágio profissional, feita com base nos instrumentos referidos no ponto 1.1.4., percebi que o meu projeto de ensinar filosofia através da poesia era, de facto, realizável. Primeiro, porque me apercebi que a ESAS é uma instituição que valoriza o aprofundamento da autonomia pessoal dos estudantes que a integram. Ora, ensinar filosofia de uma forma diferente vai ao encontro dessa mesma intenção, pois inovar nos métodos de ensino é sinónimo de se ser autónomo. Se os docentes demonstrarem que, apesar de terem um programa imposto pelo Ministério da Educação para cumprir, conseguem promover um ensino inovador e de qualidade, recorrendo a vários e diversificados instrumentos, os alunos acabam, eles próprios, por sair do seu terreno seguro e embarcam na aventura que é aprender. Aprender de uma forma que nunca antes tinham experimentado.

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O 10ºC, como referi na parte deste relatório dedicada à caracterização da turma, revelou-se desde o início do estágio empenhado e cumpridor. Penso que o facto de ensinar alunos da área de Ciências e Tecnologias foi uma benesse para pôr em prática o meu projeto, pois a maioria dos estudantes que integram tal curso preocupa-se muito com os seus resultados escolares e, por isso, dedica-se vivamente às disciplinas que integram a sua componente curricular. Mesmo não gostando de uma determina matéria ou de uma determinada forma de ensinar, os alunos preocupam-se em aprender e em executar devidamente as tarefas que os professores lhes pedem.

Como irei relatar mais à frente, na parte dedicada à componente pedagógica, quando os alunos souberam que o meu ideal era ensinar-lhes conteúdos filosóficos a partir de poemas, mostraram-se algo descontentes. A afirmação “professora, não gosto de poesia!” foi ouvida muitas vezes, nas primeiras aulas que lecionei. Contudo, aos poucos, os jovens aperceberam-se de que tinham de se adaptar a uma nova forma de aprender filosofia e, preocupados em realizar um bom trabalho na disciplina, acabaram por aderir ao projeto e até com entusiasmo.

Após justificar a relevância do meu projeto à luz do contexto, isto é, da escola e da turma que iria integrar, tenho de ressalvar que também a literatura comprova a viabilidade do ensino da filosofia mediante a utilização de textos poéticos. Qualquer projeto exige uma seleção cuidada de potenciais leituras e a adoção de um método de trabalho que permita retirar dessas mesmas leituras o máximo de informação possível. Assim, antes de pôr o meu projeto em prática no 10ºC, tive o cuidado de pesquisar sobre a relação entre a filosofia e a poesia em bibliotecas, em artigos publicados na Internet e também perguntei a alguns professores da universidade se conheciam escritos sobre o assunto. Tal trabalho de investigação revelou-se frutífero e comprovou a viabilidade do meu projeto. Percebi que havia muitas leituras a fazer, leituras que me iriam, por certo, revelar novas aceções sobre as duas áreas em mira. Parece-me pertinente inserir aqui o que Quivy e Campenhoudt advogam sobre a importância das leituras: dizem os autores que quando alguém investiga um assunto, não basta ser um recetor de informações, tem de ser também um bom pensador. Tem de “explorar as teorias, de ler e reler as investigações exemplares (…) e de adquirir o hábito de refletir” (QUIVY & CAMPENHOUDT, 2008: 50).

Se a metodologia referida no ponto 1.1.4. permitiu caracterizar a escola e a turma C do 10º e constatar a viabilidade do meu projeto, resta desvendar o que alguns textos e alguns livros me ensinaram sobre a relação entre a filosofia e a poesia. Houve uma obra que, neste sentido,

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se revelou indispensável: A Poesia do Pensamento, de George Steiner. Nela, o autor defende a proximidade entre as duas áreas:

a filosofia assemelha-se à poesia. É um ‘poema do intelecto’ e representa ‘o ponto em que a prosa se aproxima mais da poesia’. A proximidade é recíproca, porque é muitas vezes o poeta que recorre aos filósofos. Baudelaire reporta-se a De Maistre, Mallarmé a Hegel, Celan a Heidegger, T.S. Eliot a Bradley (STEINER, 2012: 25).

Depois, através da disciplina de Hermenêutica, descobri que os filósofos Dilthey, Heidegger e Gadamer apresentam alguns escritos sobre a poesia, escritos esses aos quais deveria, dada a sua relevância, recorrer, para fundamentar o meu projeto. Finalmente, lembrei-me da proximidade entre a filosofia e a poesia expressa nas obras de grandes autores portugueses, nomeadamente nas obras de Coimbra, Pascoaes e Pessoa. Apesar de me focar mais especificamente nos autores e escritos anteriormente mencionados, não posso deixar de referir que também tive em conta algumas leituras que fiz sobre os poemas elaborados pelos filósofos pré-socráticos e sobre a dura crítica que Platão teceu aos poetas na sua República.

No fundo, a literatura veio comprovar que a ideia de ensinar a filosofia e o filosofar através da poesia pode ser difícil, mas não é de todo descabida. Ralph Barton Perry, num artigo chamado “Poetry and Philosophy”, advoga mesmo a existência de seres humanos que são ao mesmo tempo poetas e filósofos: “the philosopher-poet is one who, having made the philosophical point of view his own, expresses himself in the form of poetry” (PERRY, 1902: 589). De facto, há poesia que não se revela, de todo, filosofia, mas, apesar disso, “when the poetic imagination restores philosophy to immediacy, human experience reaches its most exalted state” (PERRY, 1902: 591).

O que quero provar é que há poesia que, tal como a filosofia, procura interpretar a vida. Se assim o é, não é preciso recorrer sempre a textos narrativos escritos pelos mais consagrados filósofos para pôr os alunos a pensar. A poesia pode muito bem despertar as mentes jovens para certas preocupações existenciais. “And it is to the philosopher-poet that we turn, in the hope that under the genial spell of poetry we may be brought with understanding to the more forbidding land of philosophy” (PERRY, 1902: 576).

Feita a justificação do meu projeto A Aprendizagem do Filosofar através do Texto Poético à luz do contexto e da literatura, irei apresentar, no próximo ponto, quais são os meus grandes

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objetivos com o referido e quais as estratégias que utilizei para o pôr em prática durante o meu estágio profissional.

1.1.6.Intuitos do projeto e estratégias de intervenção no contexto

Para a construção do meu ‘Projeto de Intervenção Pedagógica Supervisionada’, comecei por refletir sobre como poderia promover um ensino mais inovador. Como sabemos, o nosso sistema educativo está cada vez mais voltado para a meritocracia e esquece, dia após dia, a lecionação de aulas diferentes e motivadoras. A filosofia, a minha área, é particularmente difícil, pois os estudantes sentem-se sempre pouco motivados para a sua aprendizagem. Comumente, ouvimos dizer que esta disciplina não tem utilidade. Não obstante, a filosofia tem uma serventia muito própria: ela esforça-se, antes de mais, por fazer o ser humano questionar-se sobre si e sobre o resto do mundo. Posto isto, para fazer ver aos alunos a importância de uma razão que pensa autonomamente e para lhes mostrar a relevância de um pensamento filosófico, lembrei- -me de procurar na arte algum tipo de estímulo para uma educação enriquecedora. Ora, uma vez que a filosofia e a poesia tratam de assuntos semelhantes – tais como a vida, a morte, o destino, Deus, entre outros –, elas podem muito bem caminhar juntas na estrada do ensino- -aprendizagem.

Como alegam Quivy e Campenhoudt, é essencial começar por escolher um fio condutor tão claro quanto possível para o projeto que se quer pôr em prática. Este deve ser desde logo enunciado numa pergunta de partida “através da qual o investigador tenta exprimir o mais exatamente possível o que procura saber, elucidar, compreender melhor” (QUIVY & CAMPENHOUDT, 2008: 32). Segundo estes dois autores (2008), a pergunta de partida deve assumir características como a clareza (a pergunta deve ser precisa, unívoca); a exequibilidade (a pergunta deve ser realista); a pertinência (ter em vista compreender um dado fenómeno) (p.44). Atendendo a estas características enumeradas por Quivy e Campenhoudt, lancei a seguinte questão de partida: “será possível ensinar a filosofia e o filosofar através de textos poéticos?”.

O meu principal intuito com o projeto A Aprendizagem do Filosofar através do Texto Poético foi mostrar que os poemas podem promover, nos estudantes, a desenvoltura do sentido crítico e da capacidade de problematização inerentes ao filosofar. Com a poesia e a sua

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consequente reflexão sobre problemas humanos e mundanos, creio que os alunos vão abraçar o desejo de ‘ousar pensar’ (sapere aude!) por si mesmos, de forma autónoma.

Lançada a questão de partida e expostos os intuitos do meu projeto - sem nunca esquecer os contratempos e as vicissitudes que podem surgir (como, por exemplo, os alunos não gostarem de poesia) - é crucial escolher uma série de estratégias para perceber, neste caso, se os alunos conseguem ver na filosofia e na poesia alguma relação e, claro, se conseguem filosofar a partir de textos poéticos.

Para concretizar os meus ideais, optei por me concentrar nas seguintes estratégias: a) observação e diálogo com os alunos (apresentando nas aulas alguns poemas e pedindo aos alunos que os relacionassem com as temáticas filosóficas trabalhadas, colocando, entre outras, a seguinte questão: “qual é a temática filosófica tratada no poema?”; esta estratégia teve como principal objetivo perceber se os alunos conseguiram ou não consolidar a matéria dada com o texto poético facultado); b) grelhas de observação e análise (para registar, por escrito, as conclusões retiradas da alínea a); c) fichas de trabalho (passadas, em algumas aulas, para que os alunos indicassem o tema tratado no poema que leram, relacionando-o também com a matéria aprendida); d) dois inquéritos por questionário (um primeiro, passado ainda na fase de observação que antecedeu a implementação do projeto – mais concretamente, no dia 8 de novembro de 2013, dia em que fiz também o inquérito por questionário sobre a condição socioeconómica da turma -, e um segundo passado após o término das aulas; o principal intuito com a passagem destes inquéritos por questionário foi perceber se houve uma evolução por parte dos alunos na forma de encarar a relação entre a poesia e a filosofia).

Obviamente que uma outra estratégia que utilizei logo desde a fase de elaboração do projeto de intervenção pedagógica supervisionada foi a investigação científica sobre a relação entre as duas áreas que constituem o foco da minha atenção. Daí que a forma como tentei conduzir a aprendizagem da filosofia através da poesia foi sendo, ao longo do ano, influenciada por alguns livros e artigos que li sobre o assunto (cf. ponto 1.1.5.). O facto de muitos dos autores com os quais me familiarizei terem refletido seriamente sobre a proximidade entre as temáticas tratadas pelos poetas e os assuntos pensados pelos filósofos ajudou-me a lecionar as aulas com mais entusiasmo e a acreditar ainda mais na viabilidade do meu projeto.

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2. UMA VISÃO FILOSÓFICO-EDUCACIONAL DO ENSINO DA FILOSOFIA

2.1. Esclarecimentos concetuais: texto poético, aprendizagem, filosofia e filosofar

A filosofia nasceu quando os pré-socráticos decidiram questionar-se sobre a origem do mundo no qual habitavam. Tais pensadores dedicaram-se a refletir sobre um problema muito específico: “qual é o princípio que preside à organização do mundo (arkhe)?”. Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes, entre outros, mostraram o ponto de partida para o verdadeiro filosofar: o lançamento de uma questão e a meditação séria sobre ela.

Também este trabalho propõe-se refletir sobre uma pergunta muito particular, dando-lhe mesmo uma sugestão de resposta. Ei-la: “Conseguirá o texto poético incentivar os alunos à aprendizagem da filosofia e do filosofar?”. A tese que pretendi defender ao longo de todo o meu estágio foi esta: “sim, o texto poético pode muito bem incentivar os alunos à aprendizagem da filosofia e do filosofar”. À questão “como é isso possível?” irei responder mais à frente, após uma cogitação sobre a investigação que levei a cabo sobre o assunto.

Não poderia partir para a apresentação de argumentos a favor da tese supra mencionada sem antes proceder à clarificação de algumas definições, nomeadamente as de “texto poético”, “aprendizagem”, “filosofia” e “filosofar”. Sem um esclarecimento concetual prévio, não conseguirei defender devidamente a minha posição acerca do problema. Por isso, prosseguirei com o referido esclarecimento e, a ele, irei acrescentar ainda uma questão didática que me permitirá avançar até à minha tese central: como ensinar aos alunos a filosofia e o filosofar?.

2.1.1.O que é o texto poético?

O texto poético diz respeito a um género literário que se caracteriza, sobretudo, por exprimir o estado de alma de quem o escreve. Recorrendo à etimologia da palavra, ‘poesia’ deriva do verbo grego poein que significa "produzir, fazer, criar, compor". A poesia é, pois, a criação de um poeta – o criador - que quer desabafar sentimentos ou comunicar vivências.

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Assim, é legítimo alegar que nela prevalece a subjetividade em detrimento do mundo objetivo que a ciência, desde há longos séculos, se tem encarregado de explicar. Além disso, outra característica patente nos textos poéticos é que eles aparecem, normalmente, escritos em verso. Por verso entende-se uma das linhas que compõe uma estrofe de um poema e por estrofe compreende-se um conjunto de versos.

Dada uma breve definição de texto poético, urge perguntar: será que estes textos têm um propósito? T. S. Eliot, em Ensaios de Doutrina Crítica, alega que sim: em primeiro lugar, um poema deve dar prazer. Mas que tipo de prazer? Nas palavras do poeta, “se me perguntarem que espécie de prazer, apenas poderei responder que [é] aquela espécie de prazer que a poesia dá” (ELIOT, 1997: 58). Para além do prazer, qualquer poeta tem algo mais a oferecer: “a comunicação de uma experiência nova qualquer, ou qualquer nova apreensão do que é familiar, ou ainda a expressão de algo que experimentámos mas para que nos faltam palavras” e tudo isto “alarga a nossa consciência” (cf. ELIOT, 1997: 58). Ora, alargar a sua consciência é, nada mais, nada menos, aquilo que qualquer filósofo deve ambicionar.

2.1.2. O que entender por aprendizagem?

Por aprendizagem entende-se “uma construção pessoal, resultante de um processo experiencial, interior à pessoa e que se traduz numa modificação de comportamento relativamente estável” (TAVARES & ALARCÃO, 1990: 86). As palavras destacadas em itálico indicam que o processo de aprendizagem tem de ser levado a cabo por um indivíduo em particular, neste caso o aluno, que com vontade e dinamismo pretende adquirir novos saberes, durante um período de tempo que não pode ser fugaz. A aprendizagem é morosa, leva tempo, e talvez seja precisamente na calma que ela exige que reside o seu fascínio. Quem mergulha nela acaba por revelar, mais tarde, modificações no seu comportamento observável e são essas mesmas mutações que denotam que a pessoa, efetivamente, aprendeu.

Se encararmos a aprendizagem no sentido de ação educativa, podemos alegar que a mesma “tem como finalidade ajudar a desenvolver no educando as capacidades que lhe permitam ser capaz de entrar numa relação pessoal com o meio em que vive (físico e humano) servindo-se (…) das suas estruturas sensoriomotoras, cognitivas, afetivas e linguísticas”

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(TAVARES & ALARCÃO, 1990: 90). Ora, todo e qualquer professor que ame a sua profissão deve, tanto quanto possível, conduzir os seus alunos num processo de aprendizagem que terá como resultado a aquisição de uma autonomia responsável, que trará, com certeza, repercussões quer na esfera privada, quer na esfera pública.

2.1.3. O que é a filosofia?

Recorrer à etimologia da palavra filosofia e advogar que ela é o amor à sabedoria é, a meu ver, redutor. Prefiro contentar-me com a não definibilidade da disciplina, o que não significa que considere que a filosofia não tenha objetivos específicos como as outras áreas do saber. A meu ver, a filosofia tem como principais intuitos apelar a que o ser humano reflita sobre si e sobre o mundo que o rodeia e conduzi-lo a um estado de insegurança que o faça vacilar, ao ponto de interrogar-se, à maneira cartesiana, sobre a sua própria existência.

Olhando para a história e para os filósofos que nela deixaram o seu cunho, conseguimos perceber como é que esta disciplina pode ser um marco no percurso dos estudantes de ensino secundário: através do seu estudo, as mentes jovens passam a conhecer as respostas que alguns pensadores deram ao problema da origem e possibilidade do conhecimento, aos fundamentos de uma vida ética, ao ideal de uma sociedade justa ou ainda ao problema da definição da arte. Todas as asserções feitas pelos filósofos em torno dos problemas anteriores auxiliam os estudantes na busca de um pensamento mais autónomo, crítico e perspicaz. No fundo, aprender história da filosofia é essencial para despertar nos jovens uma colossal vontade de compreender melhor o sentido da existência. Por isso, Desidério Murcho afirma que “as posições que temos sobre temas filosóficos antes de estudar filosofia são tão irrelevantes como as opiniões do padeiro que nada sabe de medicina sobre a gripe” (MURCHO, n.d.: 25).

Com a história da filosofia, posso, então, levar os alunos a compreender melhor o que certos filósofos defenderam e como o defenderam. No entanto, aprender filosofia é algo distinto de aprender a filosofar: Aprender a filosofar, como irei mostrar adiante, significa aprender a pensar por si, de uma maneira crítica; aprender filosofia (ou história da filosofia) significa conhecer as respostas que os autores do passado deram aos vários problemas que rodeiam o ser humano, o que não deixa de ser substancial.

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2.1.4. O que é filosofar?

Aristóteles defendeu, na Antiguidade, que o filosofar é inevitável na vida dos seres racionais. O autor de Metafísica advogou que qualquer ser humano detentor de razão tem uma aptidão natural para tal exercício, e fê-lo através do seguinte argumento (cf. apud MURCHO, 2008):

Se há que filosofar, há que filosofar. Se não há que filosofar, há que filosofar. Logo, em qualquer caso, há que filosofar.

Com isto, Aristóteles quis dizer que, mesmo que os homens rejeitem o filosofar, ao rejeitarem-no através de argumentos já estão a filosofar, pois qualquer que seja a razão contra o exercício, a mesma terá de ser filosófica ou, de outro modo, terá de se basear em intentos filosóficos. Cabe ao autor demonstrar ou não esses mesmos argumentos: se ele não os demonstrar, então nada há para aceitar em desfavor do filosofar; se, pelo contrário, o autor os demonstrar, nesse caso, ele entra num processo de auto refutação, porque ao argumentar contra o filosofar já está a filosofar.

Sendo ou não uma capacidade inata dos indivíduos, o filosofar é, no meu entender, imprescindível a uma vida mais esclarecida. Por isso, Immanuel Kant defendeu, no século XVIII, que todos os seres humanos deveriam fazer um uso autónomo da sua própria razão e esse exercício deve começar mal os adolescentes consigam entender as potencialidades da sua racionalidade. Também o filósofo existencialista Karl Jaspers advogou, dois séculos depois do autor das Críticas, que “filosofar significa estar-a-caminho” (JASPERS, 1993: 14). Filosofar significa estar a caminho, acrescento, de uma vida mais esclarecida.

Como professores, devemos conduzir os estudantes na aprendizagem do pensamento não doutrinado, devemos fazer com que eles caminhem por si mesmos. Qualquer docente que ame a sua profissão deve querer “estimular, por todo o lado, a aptidão crítica e a autocrítica, fermentos insubstituíveis de lucidez, e por todo o lado encorajar à compreensão humana, tarefa fundamental da cultura” (MORIN, 1999: 59).

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2.1.5. Como ensinar aos alunos a filosofia e o filosofar?

Após a apresentação que fiz da filosofia e do filosofar (e digo ‘apresentação’, porque se dissesse ‘definição’ estaria a ir contra a ideia que defendo: a de que a filosofia e o filosofar não se definem), temos de reconhecer que o seu exercício conjunto é imprescindível: não só as nossas posições filosóficas devem apoiar-se em bons argumentos (filosofar), como também devem alçar-se sobre um conhecimento sólido das teorias filosóficas (filosofia).

Ora, não é sensato deter uma opinião sobre um certo assunto sem conhecer minimamente o que os pensadores da história disseram sobre esse mesmo tema. Estudar as teorias dos filósofos ajuda, a meu ver, qualquer mente, a iniciar a tarefa prazerosa e difícil que é filosofar. Como defende João Boavida, ao aprender história da filosofia “somos obrigados a repensar o passado. O que, equivalendo a uma certa apropriação pessoal, implica a atribuição de uma dada interpretação ou tonalidade pessoal ao pensado por outrem” (BOAVIDA, 1991: 41).

Ensinada devidamente, a filosofia pode contribuir para mais tarde os alunos saberem filosofar por eles próprios. Nunca é demais reforçar a ideia de que só assim os discentes conseguirão vir a obter uma reflexão prolongada e séria sobre os problemas que os rodeiam. O que desejo é que, depois da escola, os alunos consigam fazer reflexões sobre os mais diversos assuntos de forma independente.

No seu livro Educação Filosófica. Sete Ensaios, João Boavida concebe três objetivos operacionais que, a meu ver, nos dão umas luzes sobre como processar a aprendizagem da filosofia e do filosofar. O primeiro consiste em implementar atividades concretas que desenvolvam as competências dos estudantes; o segundo remete para a necessidade da existência, nas aulas, de um enquadramento disciplinar e histórico, através da incorporação, por parte dos alunos, de, por exemplo, conceitos básicos; finalmente, Boavida apresenta um terceiro objetivo fundamental, que é aquele onde “face a um tema ou texto, pede-se ao aluno que interprete e desenvolva, (…) utilizando a experiência, a cultura e a informação que o tema solicita”, reformulando o mesmo “em termos pessoais” (cf. BOAVIDA, 2010: 153). Ora, atentando nestas propostas operacionais, verifico que também Boavida crê que a filosofia e o filosofar devem ser ensinados conjuntamente. Não se pode optar, simplesmente, por ensinar um ou despertar o outro.

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2.2. Filosofia e poesia: as raízes gregas da relação

Os filósofos pré-socráticos costumavam expressar-se em linguagem poética. Talvez Parménides, que escreveu um poema em hexâmetros, seja o maior exemplo disso. Logo no seu Proémio, o filósofo tentou transmitir em versos uma distinção filosófica entre a opinião do comum dos mortais e uma investigação mais racional que atingisse parâmetros transcendentes. Dirigindo-se a uma deusa, Parménides disse:

Convém que tudo aprendas, tanto o ânimo inabalável da rotunda verdade, como as opiniões dos mortais, em que não há verdadeira confiança. Todavia, aprenderás isto também, como aquilo em que se acredita deve sê-lo sem qualquer dúvida, fazendo passar todas as coisas através de tudo (apud KIRK et al., 2008: 253).

Posteriormente, o filósofo grego Platão veio criticar a arte, nomeadamente em dois aspetos: primeiro, porque toda a arte se encontra três pontos afastada do Mundo das Ideias, onde reside a Verdade. Ora, os artistas afastam-se dela, pois copiam o que já é uma cópia da realidade: existem as Ideias, depois os objetos do mundo sensível que são uma cópia das Ideias e, por fim, existem as representações feitas por artistas, que mais não são que imitações dos objetos do mundo sensível. Em segundo lugar, e não obstante alargar a sua crítica a toda a arte, Platão condena particularmente a poesia: o discípulo de Sócrates discordava dos atenienses, que alegavam que poetas como Homero eram autênticas autoridades. Para ele, os poemas não podem ensinar práticas guerreiras ou outros assuntos técnicos, muito menos aconselhar em temas que digam respeito ao campo da moral. Afinal, para Platão, só um filósofo poderia ser fonte de conhecimento moral.

Os poetas são falsos guias e, portanto, deviam ser expulsos do Estado ideal delineado na República. A arte poética, como mimesis, “está bem longe da verdade, e se executa tudo, ao que parece, é pelo facto de atingir apenas uma pequena porção de cada coisa, que não passa de uma aparição” (PLATÃO, República: 598b). Mais: segundo o filósofo, a poesia afetava os seus leitores, deixando-os fora de si, levando-os pelas estradas da emotividade e não pelo caminho seguro da razão. No diálogo Íon, um diálogo entre Sócrates e um rapsodo10, Platão destacou a forma irracional como a poesia era criada, tendo por consequência o alimentar de paixões e o despontar de risos, sendo assim um mau exemplo para todos os cidadãos. O que o filósofo

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queria era um Estado onde os filósofos fossem reis e onde toda a arte fosse banida, à exceção dos hinos militares, que até poderiam contribuir para o aperfeiçoamento moral dos cidadãos. No fundo, Platão procurou “disciplinar o demónio sensual, turbulento, que há dentro de nós, e cujo potencial contrasta radicalmente com o daimon da justiça” (STEINER, 2012: 59).

Quando o pai da República decidiu expulsar os poetas da sua cidade ideal, assistimos, como defende Bornheim, a uma “abdicação por parte da filosofia de um significativo campo do pensamento” (BORNHEIM, 1984: 92). A poesia é importante para o exercício filosófico, quanto mais não seja porque “as imagens enigmáticas da poesia permitem que as intuições filosóficas rompam à luz do dia” (STEINER, 2012: 68). Além disso, as duas áreas são verdadeiramente ambiciosas no que respeita ao conhecimento do significado do que é ser humano e preocupam-se com o mundo no qual os homens vivem. A verdade é que tanto os autores de textos poéticos como os filósofos “identificam o real através da linguagem, tomando como horizonte de referência um mundo de coisas e de acontecimentos” (FERREIRA, 1995: 130).

Tal como Aristóteles advogou, a filosofia começa quando o ser humano se espanta. A meu ver, também é o espanto que está na base da criação poética. Filosofia e poesia começam pelo espanto e acabam por possuir ambas uma conceção metafísica, mais especificamente ontológica. Metafísica, porque filósofos e poetas abordam temas que dizem respeito a algo superior ao viver humano como, por exemplo, a existência ou não existência de Deus; ontológica, porque, como já foi dito anteriormente, tentam desvelar o significado de ser e de pertencer a este mundo.

Nos próximos pontos, irei provar que não sou a única que vê uma estreita relação entre a filosofia e a poesia.

2.3. A Poesia do Pensamento, de George Steiner

Além de partirem do mesmo pasmo pelo mundo, há quem acredite que tanto para poetas como para filósofos o estilo da linguagem utilizada seja o mais importante. É essa a tese de George Steiner (1929 -), natural de Paris e, atualmente, professor de Literatura Comparada na Universidade de Oxford e de Poesia em Harvard, nos EUA. Segundo ele, “a filosofia perdura graças à sua realização estilística” (STEINER, 2012: 77) e é essa, precisamente, uma das

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