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Jean Guilaine responde a Victor Gonçalves

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Academic year: 2021

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Clio/ArlfuBolo6ia

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Revista da UNIARCH - Unidade de Arqueologia do Centro de História da Universidade de Lisboa (Instituto Nacional de Investigação Científica), vol. 1, 1983-84.

Direcção: Victor GonçaJves

Colaboradores permanentes: Ana Margarida Arruda, J. C. Senna-Martínez, Pedro Barbosa, Helena Cata ri no, Ana Carvalho Dias

Orientação gráfica e capa: Victor Gonçalves

Capa: Ektachrome de V.G. (Vila Nova de S. Pedro, pormenor da fortificação interior) Revisão de provas: Ana Lúcia Esteves e Mário Cardoso

Fotocomposto por Textype, Lisboa

Impresso por Minerva do Comércio, Lisboa, 1985

Distribuído por Imprensa Nacional, Rua Marquês Sá da Bandeira, 16 A, 1000 Lisboa

As ideias expressas pelos colaboradores de CLlO/ ARQUEOLOGIA não são necessariamente as da Unidade de Arqueologia.

Toda a correspondência:

Unidade de Arqueologia. Centro de História. Faculdade de Letras. 1699 Lisboa Codex - Portugal. Aceita-se permuta/Echange accepted/On prie l'échangelTauschverkehr erwünscht

(4)

INDICE Editorial

- Apresentação, seguida de uma Pavana por uma arqueologia (quase) defunta, com votos de pronto restabelecimento

Victor Gonçalves ... 9-15 Estudos e intervenções

- Um corte através da fortificação interior do castro calco lítico de Vila Nova de S. Pedro,

Santarém ( 1 9 5 9 ) . .

H. N. Savory ...... 19-29 - A cronologia absoluta (datações C14) de Zambujal

H. Schubart e E. Sangmeister ...... 31-40 - O povoado calcolítico de Leceia (Oeiras), La e 2.a Campanhas de escavação, (1982,

1983)

João L. Cardoso, Joaquina Soares e Carlos Tavares da Silva ... 41-68 - Cabeço do Pé da Erra (Coruche), contribuição da campanha 1 (83) para o

conhecimen-to do seu povoamenconhecimen-to calcolítico

'Victor Gonçalves ...... ... ... 69-75 - Resumos de intervenções em Escoural (Montemor-o-Novo) e Monte da Tumba

(Torrão)

Rosa e Mário Varela Gomes, M. Farinha dos Santos, Joaquina Soares e Carlos

Tava-res da Silva ... ... ... . . . 77 -79 - Doze datas 14C para o povoamento calcolítico do cerro do Castelo de Santa Justa

(Alcoutim): comentários e contextos específicos

Victor Gonçalves ... . 81-92 - Precisiones en torno a la cronologia antigua de Papa Uvas (Aljaraque. Huelva)

J. C. Martín de la Cruz .. ... 93-1 04 - Contribuições para uma tipologia da olaria do megalitismo das Beiras: olaria da Idade

do Bronze .

J. C. Senna-Martínez .... 105-138 Em discussão

-- Povoados calcolíticos fortificados no Centro/Sul de Portugal: génese e dinâmica evo-lutiva Victor Gonçalves, João Cardoso, Rosa e Mário Varela Gomes, Ana Margarida Arruda, Joaquina Soares, Carlos Tavares da Silva, Caetano de Mello Beirão, Rui

Parreira. . . . . . .. 141-154 Arqueologia hoje (Conversas de Arqueologia & Arqueólogos)

- Jean Guilaine responde a Victor Gonçalves Medir e contar

- Contribuições arqueométricas para um modelo socio-cultural: padrões volumétricos na Idade do Bronze do centro e NW de Portugal

157-166

J. C. Senna Martínez ...... 169-188

Varia Archaeologica

- Três intervenções sobre arqueologia no Algarve

Victor Gonçalves, Ana Margarida Arruda, Helena Catarino 191-196

- Arte~acto de pedra polida de grandes dimensões provenientes de Almodêvar (Beja)

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Em construção. Relatórios de actividade

- Programa para o estudo da antropização do Baixo Tejo e afluentes: Projecto para o estudo da antropização do Vale do Sorraia (ANSOR)

Victor Gonçalves, Suzanne Daveal' ... '" . ... . .. . .... . .. . . ... 203-206 - Programa para o estudo da evolução das sociedades agro-pastoris, das origens à

metalurgia plena, dos espaços abertos aos povoados fortificados, no Centro de Portu-gal (ESAG).

Victor Gonçalves ..... 207-211 - O monumento n.o 3 da Necrópole dos Moinhos de Vento, Arganil - A Campanha

1(84).

J. C. Senna-Martínez ... 213-216 - Alcáçova de Santarém. Relatório dos trabalhos arqueológicos de 1984.

Ana Margarida Arruda ... ... 217-223 - Anta dos Penedos de S. Miguel (Crato). Campanha 2(82).

Victor Gonçalves, Françoise Treinen-Claustre, Ana Margarida Arruda, Jean Zammit.. 225-227

- Anta dos Penedos de S. Miguel (Crato). Campanha 3(83).

Victor Gonçalves, Françoise Treinen-Claustre, Ana Margarida Arruda, Jean Zammit 229-230

- Cerro do Castelo de Santa Justa (Alcoutim). Campanha 5(83). Objectivos, resultados, perspectivas.

Victor Gonçalves ...... 231 -236 - Cerro do Castelo de Santa Justa (Alcoutim). Campanha 6(84). Resumo de conclusões.

Victor Gonçalves ...... ... 237-243 - Escavações arqueológicas no Castelo de Castro Marim. Relatório dos trabalhos de

1983.

Ana Margarida Arruda ... ... 245-248 - Escavações arqueológicas no Castelo de Castro Marim. Relatório dos trabalhos de

1984.

Ana Margarida Arruda ... 249-254

livros Novos, Novos Livros

- Para uma arqueologia total.

Luís Gonçalves, Paula Ferreirinha

- Pré-História e Decadência.

257-259

Teresa Gomes da Costa, António Baptista ....... 259-262 - Pré-História Europeia, entre o ensino e o mito.

Nuno Carvalho Santos ...... 262-264

Notícias e Recortes

As primeiras comunidades rurais no Mediterrâneo Ocidental ... . Comissão Directiva do Centro de História ... ... . Quinta do Lago, uma intervenção de emergência da UNIARCH ... .

A UNIARCH e o projecto ANSOR em Coruche ... ... . Encontros UNIARCH/MAEDS ... , ... .

Novas grutas em Torres Novas ." ... , ... , ... , ... , ... , Doutoramento em Pré-História .,., .. , ... " ... , ... . Novo doutoramento em Arqueologia ... , ... , .... " ... , ... " .... ", .. Vila Nova de S, Pedro: o recomeço , ... , ... , .. , .... , ... " .... , ... " ... , ... , Publicações da UNIARCH .. , ... , ... , ... , .. ,." ... " .... ... . Governador Civil de Faro visita escavações do Cerro do Castelo de Santa Justa , ... . RECORTES .. " . " " , .... " " , ... ",.", ... ,., .... , .... " ... , ... .

Em anexo

Textos de Arqueologia em CLlO, Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa (1979-1982) ... :, ... , ... . Autores de textos em CLlO/ARQUEOLOGIA 1: observações e endereços .. ... .

.267-269 269 270-271 272-273 273 273-273 274-276 276-277 277 277 278 279-283 287-288 289

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-

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ClIO/ARQUEOlOGIA, REVISTA DA UNIARCH, VOl. 1, LISBOA, 1983-1984 157

Jean

Guilain~

responde

a Victor Gonçalves

... não há disciplinas menores nas nossas abordagens.

Victor Gonçalves - Bom, há já algum tempo que se fala em Inglaterra de «História Nova» e de «Nova Arqueologia» ... foram aliás os ingleses a começar a discussão à volta deste tema.

Lembro-me de uma frase célebre «A Arqueolo

-gia perdeu a sua inocência». É contudo em França que uma série de problemas de facto novos acabam por ser colocados e colectiva-mente. Sei mesmo que acaba de participar nu-ma obra colectiva intitulada «História Nova», não é verdade?

Jean Guilaine - Sim, trata-se da obra «Dic-cionaire de L'Histoire Nouvelle» dirigida po~

Jacques Le Goff, um eminente medievalista, e fez-se questão ' nesta obra, realizada por um conjunto de historiadores. de fazer o ponto da situação sobre a chamada "História Nova». Com efeito a «História Nova') corresponde a uma di-versificação das abordagens tentadas pelos historiadores actuais.

V. G. - E para uma História Nova uma Ar-queologia Nova; claro ... !

J. G. - Bem entendido ... Como existe uma História Nova, existe uma Arqueologia Nova, existe uma Pré-História Nova~ Isso quer dizer que se sai de um certo número de aproximações ditas clássicas para multiplicar ao máximo o tipo

de abordagens. .

Creio que, no que concerne à Arqueologia, e nomeadamente à Arqueologia Pré-histórica, que é uma disciplina percursora no domínio da Ar-queologia propriamente dita, há toda uma série de abordagens que vêm reforçar as abordagens tradicionais fornecidas pelas escavações e que dão à 'investigação uma nova luz e uma nova dimensão. E eu darei alguns exemplos, se qui-ser. Durante muito tempo fez-se essencialmente por conhecer os animais, a vegetação, ou as paisagens desaparecidas... fizeram-se aborda-gens, pois, a partir dos estudos de fundo, dos

(8)

158

... uma grande preocupação com os mecanismos de passagem ...

estudos palinológicos. Novas disciplinas vieram

, depois juntar-se a essa. Por exemplo a antraco-logia, ou seja o estudo do carvão, de madeira fóssil, que é uma disciplina pouco ou nada utili-zada até agora, conhecida só desde há alguns anos e que em Franca, nomeadamente graças ao impulso de Jean Louis Vernet, professor em Montpellier, conhece um.avanço notável. A sedi-mentologia, por exemplQ, é qualquer coisa que não é nova mas que agora se especializa. Isto quer dizer que se tenta perceber se há traços de antropização que se poderiam ter perdido no es-tudo, por exemplo, das sociedades agricultoras, através da antropologia. .

Há várias disciplinas que se tem à partida a tendência de considerar como disciplinas meno-res, é o caso do estudo da micro-fauna. Quem pode conceber que a micro-fauna possa ter algum interesse no estudo, por exemplo, das pri-meiras civilizações rurais? E contudo, estudan-do-se certas presenças de aves nos sítios, estu-dando-se certas presenças de roedores, pode ter-se uma ideia sobre a ocupação desses sí-tios, mas também sobre certas formas de explo-ração do meio pelo Homem. É por isso que não há disciplinas menores nas nossas abordagens. Há antes, várias disciplinas, cada vez mais numerosas e que fornecem globalmente escla-recimentos cada vez mais preciosos sobre os fenómenos que tentamos resolver. Desta diver-sificação das abordagens podemos voltar ao nosso tema... Uma Pré-história Nova para um período histórico de uma Arqueologia Nova.

V. G. - Sim, sobre este ponto estamos de acordo, mas é preciso dizer que o lado inovador da Pré-história francesa não deve medir-se so-mente pela abordagem ecológica, sabe-se que foram os ingleses que a começaram verdadeira

-mente durante os anos 50, mas por um ponto que sempre me chamou a atenção e particular-rrlEmte evidente no Colóquio 599 do CNRS ou na última publicação da «Préhistoire française ... É

exactamente a noção de mudança, a importân

-da atribuí-da aos mecanismos de passagem. E n-contra-se nos seus trabalhos, e nos trabalhos dos mais eminentes pré-historiadores franceses, uma grande preocupação com os mecanismos de passagem, com as fases de transição. Quero dizer por exemplo, a acentuação de fenómenos dinâmicos como a neolitização ou mesmo a an-tropização ... Ambas, expressões operativas.

J. G. - Sim, sim ... A noção de mudança, e a noção de mudança cultural é um grande proble-ma em pré-história, em Arqueologia e mesmo em História, de uma certa forma ... Mas nós so-mos arqueólogos, como medir então as mudan-ças culturais? Eu ponho um problema, coloco uma questão: nós, constatámos mudanças no plano material, quer dizer o Objecto concreto, quer se trate do sílex, quer se trate de utensílios de madeira (nas regiões em que esta se conser

-va), utensílios em metal, cerâmica etc ... Traba

-lhos pois sobre objectos, e num nível dado, num dado sítio, temos uma panóplia de objectos que interpretamos. Bom, algum tempo depois, talvez num sítio vizinho ou no mesmo sítio, num nível

(9)

que sucede a esse, e portanto mais recente, en-contramos-nos frente igualmente a outra

panó-plia de objectos. Ora esses objectos mudaram·

entretanto. Não é o mesmo tipo de instrumento em pedra, não é o mesmo estilo de cerâmica. Como interpretar essa mudança? Como ultra-passar os objectos e compreender o que se pas-sou no âmbito da vida quotidiana, da vida so-cial, da vida económica, para explicar

precisa-. mente essa mutação de que nos apercebemos

apenas através da mudança do objecto de pedra, da mudança de uma forma ou de uma decoração na cerâmica? É isso o fenómeno da mudança cultural e o nosso trabalho tenta preci-samente compreender como se produz essa mudança. Há então um método, que é um méto-do digamos, clássico, nas nossas disciplinas que

consiste em dizer: as novidades vieram d~ fora,

quer dizer há automaticamente populações que num certo estado da sua evolução deixam de ser competitivas e ao lado dessas, mais ou me-nos próximas, há civilizações avançadas que es-tão em expansão, que eses-tão mais fortes, e esSas civilizações acabam por se estender, por se de-senvolver e vir colonizar e subjugar as civiliza-ções precedentes. Elas põem termo às popula-ções precedentes e ocupam de certo modo o seu terreno. Se quiser, esta opção de mudança foi durante muito tempo concebida em termos de substituição de populações.

V. G. --..:... ... e de colonização ...

J. G. - ... e de colonização, de certa maneira,

mas sem talvez se empregar a palavra coloniza-ção. Essas civilizações teriam progressivamente modificado o aspecto cultural das civilizações .vi-zinhas. Devo dizer que é uma opinião que é ca-da vez mais rebatica-da, contestaca-da por bastantes trabalhos e que cada vez mais temos tendência a confiar na capacidade de mudança, na dinâmi-ca das populações lodinâmi-cais e a pensar que essas populações locais puderam iniciar a sua própria mudança cultural, na sequência da sua própria dinâmica interna. Quer dizer, a partir de um mo-mento em que uma cultura, uma civilização, chegou a um dado estado da sua evolução, ela não pode continuar num mesmo nível, modifica--se. Essas modificações são frequentemente devidas a acontecimentos que nos escapam, a nós, arqueólogos, que trabalhamos sobre um material concreto.

Certas civilizações, portanto, reactivam,

modi-ficam O seu sistema ... o seu sistema económico.

Sobre isso temos exemplos... nomeadamente sabe-se que no decurso de certos períodos do Neolítico há produções que circulam entre gran-des distâncias e depois essas grangran-des correntes comerciais enfraquecem e desaparecem. Há

uma mudança que se produz na organização dos circuitos comerciais e faz-se apelo a outros materiais que vêm de outros lugares, por vezes aliás não de muito longe, reactivam-se certas minas locais, certas produções locais ... Sim, há mudanças que se produzem ... Essas mudanças produzem-se igualmente no plano social., Aí te-mos também exemplos. Vou-lhe dar um exem-plo concreto: Nas nossas regiões do Mediterrâ-neo Ocidental, em certas zonas, assiste-se à

passagem da tumba, sepultura simples, à

sepul-tura colectiva. Pode dizer-se, portanto, que nesse momento há uma mudança social que se produz no interior das primeiras comunidades

rurais. Estes exemplos dei-os para mostrar que

ao fim de um certo' tempo, num certo estado da

sua evolução, as sociedades mudam, modifi-cam-se, modificam o seu sistema económico, o seu sistema social e também a sua expressão cultural. E nós, pObres arqueólogos, temos

ape-nas

à

nossa disposição artefactos, utensílios

que nos deixam frequentemente entender o que se passou mas que não nos permitem explicitá--lo. Eu creio, contudo, verdadeiramente, que as

mudanças são mais frequentemente devidas à

apropriação do seu destino pelas pessoas que vivem num espaço dado do que a estímulos vindos do exterior.

. .. É precisa verdadeiramente

uma Arqueologia nova.

V. G. - Aí coloca-se uma questão, é a

ques-tão da abordagem a essa realidade, que na ver-dade é uma realiver-dade de bom escavador. Talvez por isso preze particularmente dois dos seus tra-balhos, «Les premiers bergers et paysans de l'Occident» e um outro que, numa outra pers-pectiva, mas bem próxima, procura claramente a Arqueologia Total. .. Falo de «L'abri Jean eros». Esta abordagem pluridisciplinar é uma aborda-gem que quer, de uma certá forma, recuperar uma realidade que é terrivelmente complexa e que escapará necessariamente ao arqueólogo isolado.

J. G. - Exactamente. Sim ... o meu verdadeiro

problema é o do desaparecimento das primeiras sociedades rurais, ou seja a passagem dos pri-meiros caçadores recolectores ao mundo dos pós-agricultores no domínio do Mediterrâneo. Devo dizer que esta abordagem foi durante mui-to tempo concebida sobre bases puramente ar-queológicas ... Quer dizer, tinham-se estratigra-fias, estações, via-se bem a diferença entre o

momento em que nos deparávamos com os últi-.

mos caçadores, os últimos recolectores e depois

(10)

160 o momento em que aparecia a cerâmica e ao

mesmo tempo os animais domésticos e os pri-meiros cereais. Bom isto é uma visão um pouco grosseira do fenómeno mas o que nos interessa é saber como é que afinal o Homem mudou a paisagem, como é que conseguiu os seus cam-pos, como levava os seus rebanhos, ... Como é que progressivamente modificou o espaço, co-mo o humanizou, e ainda coco-mo o mutilou porque nós somos, apesar de tudo, os descendentes directos desses primeiros camponeses neolíti-cos. Para isso, voltamos à noção de que se fala

-va ainda agora... É precisa verdadeiramente uma Arqueologia nova, que seja o mais'digna de confiança possível, que apele ao máximo de dis-ciplinas. Emprega-se então por vezes o termo de Arqueologia ou Pré-história total, eu próprio falei disso acerca do Abrigo Jean-Cros, como se falou em dada altura em Geografia totaL .. Quer dizer, uma disciplina que tenta não deixar nada na sombra, de tudo o que se pode utilizar para chegar a um esclarecimento das questões, o mais fielmente possível. No que concerne ao Neolítico, no caso que evoquei há pouco do Abrigo Jean-Cros, tentou-se fazer apelo ao má-ximo de disciplinas possíveis para ver como os grupos de camponeses que conheciam certa-mente ainda de forma embrionária a agricultura, que conheciam a pastorícia, exploraram um lo-cai, um território, um nicho ecológico que era particularmente refractário à agricultura. E, bom, esses grupos conseguiram já nessa época um verdadeiro sistema de organização do espaço. O seu terreno era refractário à agricultura, não era utilizável com os instrumentos que tinham para manejar ... Praticaram então a agricultura fora, num local onde podiam praticá-Ia, não negligenciando no entanto essa zona mal dota-da, refractária à agricultura ... Utilizaram-na para o gado ... Em certos períodos do ano faziam su-bir os rebanhos para essas regiões, que eram regiões altas, para poder evidentemente apro-veitar ao máximo as possibilidades do sector ... Eles continuaram a explorá-lo através da caça e da colheita, ou seja através das fontes tradicio-nais. Portanto essas pessoas não cortaram com o sistema anterior, mas antes utilizaram o me-lhor que podiam utilizar desse sistema juntan-do-lhe elementos novos na produção, a criação de gado em particular, utilizando mais uma vez o melhor possível um dado espaço geográfico. Es-sas pessoas tinham já conseguido, quer se quei-ra quer não, uma certa forma de organização do espaço.

... tenho horror a setas em Pré-História ... V. G. - O fenómeno da neolitização era, pode dizer-se, até G. Childe, tratado na maioria dos casos nunia perspectiva sobretudo técnica. Po-demos afirmar que, em dada altura, G. Childe trouxe à leitura do Neolítico, e do fenómeno da neolitização, uma nova perspectiva. Falou fre-quentemente de revolução neolítica. Sabemos hoje que não se trata de uma revolução, pelo menos no sentido actual da palavra, e que se trata de um processo que se foi esboçando du-rante muitas centenas de anos ... É um fenóme-no bem mais complexo do que pensava Chi Ide e é exactamente no seu livro sobre os primeiros pastores e camponeses do Ocidente Mediterrâ-nico que encontramos uma visão generalizadora e globalizante do fenómeno. Aí encontramos aliás, certos problemas longamente tratados,

co~

mo é o caso do orientalismo na neolitização ... Mas o que nos interessa neste momento é subli-nhar a sua compreensão da neolitização como um processo vivo e, digamos, com vi.as que se recortam por vezes num quadro que, para nós, é verdadeiramente um quadro mediterrânico.

J. G. - Sim, creio que Childe é uma grande personagem na análise do fenómeno Neolítico. A sua concepção é hoje criticada... pensa-se que é um pouco mecanicista ... Chi Ide pensava que num perto número de regiões favoráveis, nomeadamente o Próximo-Oriente. tinha emer-gido um sistema económico novo e que pouco a pouco esse sistema tinha invadido a Europa. Creio que, visto sob este ângulo, Childe tinha globalmente razão e as suas ideias não são con-testáveis, mas penso que ele não sublinhou su-ficientemente, (e creio ser este um ponto que actualmente põe em xeque as suas ideias) que pode ter havido um certo número de originalida-des locais. A forma como Childe formulou a sua teoria faz a Europa sistematicamente devedora do Próximo-Oriente. Talvez nem mesmo ele te-nha ido até ao fundo das suas ideias mas isso tornou-se caricatural, tornou-se uma imagem ... Ora o que contestamos nós hoje com o pro-gresso da investigação? Apercebemo-nos que se globalmente não se põe em causa as ideias. de Childe ~obre o nascimento da neolitização de forma prim'ária para o que concerne o Mundo Antigo, em certas regiões do Próximo-Oriente, apercebemo-nos pelo contrário que houve um certo número de expressões que são bastantes mais antigas do que se acreditava ... por exem-plo na Europa... e que essas expressões não devem nada ao Próximo-Oriente. Darei dois exemplos: o primeiro é o problema do fenómeno megalítico na Europa Ocidental. Na época de Childe, e mesmo antp.s, foi concebido como um

(11)

fenómeno pura e simplesmente difundido. Quer dizer que, partindo do Próximo-Oriente, esse fe-nómeno se teria estendido ao Mediterrâneo Oci-dental e depois em seguida, à Península Ibérica, a Portugal, nomeadamente, que tem um papel de relevo, em seguida para a Grã-Bretanha, etc ... Cartografava-se isto, colocavam-se se-tas ... Tenho horror a setas em Pré-História ...

V. G. - Eu também ....

J. G. - ... E explicava-se assim globalmente o

fenómeno. Foi preciso esperar que a física no decurso dos anos 50 nos desse o método do radiocarbono para apagar essas ideias pura-mente teóricas. Verificou-se então que na Euro-pa Ocidental, bem antes do que no Mediterrâ-neo, se tinham já construído megálitos. Isto quer dizer que grupos tendo atingido um certo estado de evolução, conhecendo a agricultura, conhe-cendo a criação de gado e cada vez mais impli-cados nos fenómenos de sedentarização e de fixação ao solo, se constituiram em comunida-des suficientemente numerosas e que essas co-munidades num dado momento da sua evolução fabricavam monumentos mais ou menos gran-diosos. É o caso, por exemplo, da Grã-Bretanha onde há monumentos absolutamente

espanto-sos que estão ~ntre as mais antigas g'randes

sepulturas colectivas do mundo. Isso é um fenó-meno que Childe não podia prever. Darei um segundo exemplo: durante muito tempo pensou--se que a metalurgia, que é como se sabe um epifenómeno do neolítico, é qualquer coisa que nasce no Próximo-Oriente, e desse ponto de vista, aliás, Childe tem ainda "razão, pois foi lá que se encontraram os mais antigos objectos de cobre conhecidos, e que progressivamente tinha sido transmitida à Europa... Foram precisas reacções vivas e intensas, como a que foi formulada pelo meu excelente colega Colin Ren-frew, para mostrar que na Europa do Sudoeste ou na Europa Central num dado momento, e quando já se tinha desenvolvido a metalurgia no Próximo-Oriente, uma nova metalurgia nasce na Europa, não devendo absolutamente nada a es-sa do Próximo-Oriente, e que. portanto e em de-finitivo, certas populações, num momento dado da sua evolução económica e social, são capa-zes de criar independentemente de outros cen-tros. Eis portanto, se quiser, as coisas nos seus lugares... Actualmente creio que não se nega Childe, corrige-se apenas um certo número de pontos de vista.

Falava-me há pouco da neolitização como um processo bem vivo ... Creio que para voltar-mos a esse fenómeno não chega considerá-lo simplesmente como um fenómeno de difusão que eu diria mesmo estupidamente mecanIcis-ta... É verdade que há uma anterioridade do

... creio que Chi/de é um grande personagem na análise do

fenómeno neolítico ...

Próximo-Oriente... É verdade que nessas re-giões se cultiva, por exemplo, os cereais bem antes do que no Mediterrâneo Ocidental ou na

Europa ... Mas que iríamos nós fazer ... ? Não

tinhamos espécies espontâneas de cereais que se prestassem a uma cultura, portanto sabe-se que es~es fenómenos foram importados ... Con-tudo apercebemo-nos que já desde o Mesolítico, em certas estações privilegiadas, o Homem colheu leguminosas e se não cultivou pelo me-nos tratou os terreme-nos que fornecem essas legu-minosas, dedicando-se portanto a uma espécie de preparação agrícola, uma espécie de horti-cultura ... Sem que se soubesse, já uma mentali-dade se preparava para receber essa inovação, que veio de fora, e que era a agricultura. No que concerne essas verdadeiras populações rurais não se pode dizer pura e simplesmente que che-garam sob a forma de colonos vindos do Próxi-mo-Oriente. Claro que podem ter existido alguns grupos que do Egeu foram à .Itália. depois al-guns italianos que da Itália do Sul foram à Itália do Norte, vieram à Provença, e assim progressi-vamente ... mas confesso que vejo dificilmente pessoas que, embarcando na Ásia Menor, te-riam chegado, por exemplo, às costas de Portu-gal. O que é mais interessante que considerar o Neolítico como um fenómeno transmitido por movimentos mais ou menos intensos de popula-ções, é considerar isso um falso problema e es-tudar antes os processos de adaptação, nos casos locais, aos produtos locais. Há pouco cita-va-me o abrigo Jean-Cros e dizia-me: Fez para

(12)

162

... tenho horror a setas em Pré-História ...

um sítio, (e não é um grande sítio), uma grande monografia .... Eu creio que o interesse dos nossos estudos está aí. Que algumas coisas fo-ram . difundidas, que algumas foram criadas no local, pouco importa, em última análise. O que nos interessa é saber como num dado quadro geográfico as coisas se passaram e isso implica estudos cada vez mais completos, cada vez mais colectivos, pluridisciplinares, que permitem melhor compreender o fenómeno. E na minha opinião é tão interessante o Neolítico na Grã--Bretanha, no Midi da França, no Próximo--Oriente ou noutros centros· ditos nucleares porque se se considerar cada um, cada uma das regiões do globo, .como uma região nuclear, pode pensar-se que cada região entrou no pro-cesso de produção de alimentos segundo carac-teres pessoais que estão em função de recepti-vidade da população, que estão em função das condições ecológicas que apesar de tudo a con-dicionaram. Não se consegue trigo numa região que é absolutamente refractária a esse género de dados ...

V. G. - Claro, claro ...

... o que me toca no Mediterrâneo

é

já a diversidade ...

J. G. - E é essa abordagem, cada vez mais complexa do fenómeno, num quadro geológico e ecológico, que nós conheceremos cada vez me-lhor, que é verdadeiro interesse dos nossos es-tudos.

V. G. - Aqui, infelizmente, é preciso admitir que faltam monografias e Jean-Cros é um exemplo a seguir para o conjunto mediterrânico porque, afinal, fala-se demais e a partir de pe-quenos cortes feitos aqui e ali ... lembro sempre a bela frase de Gourhan, que dizia que os Ho-mens não eram como moscas, vivendo na verti-cal, nas estratigrafias. É portanto indispensável uma visão global que seja simultâneamente dia-crónica e sindia-crónica.

J. G. - Absolutamente. O que prejudicou bastante os nossos estudos foi o facto de, a partir de algumas monografias, realizadas num espaço de tempo mais ou menos curto, se ten-der rapidamente para a generalização. Ora é preciso voltar à base: É preciso recomeçar pontualmente sobre os microcosmos que vamos estudar ... Só progressivamente, com um certo número de exemplos, um certo número de mo-delos, chegaremos a ver certas diferenças, certas convergências, a que o impacto dos da-dos ecológicos dará verdadeiramente toda a sua dimensão ao mostrar como o Homem utilizou as suas possibilidades, como se adaptou a elas e como conseguiu transformar certos sectores. Isso passa, como lhe disse há pouco, e efectiva-mente, pela realização de monografias percur-soras. Creio que é a nossa única saída, actual-mente.

V. G. - Um dos pontos que são evidentes pa-ra quem leu os tpa-rabalhos que escreveu, ou mesmo os trabalhos realizados pela sua equipa no Sul de França, é a perspectiva mediterrânica, que sabemos ser a do grupo, não somente para o Neolítico antigo mas também para o fenómeno megalítico. Há aliás muito a compreender

';0

Mediterrâneo, sobretudo Central e Ocidental, nessa época ...

J. G. - Sim, os meus trabalhos são conduzi-dos dentro do quadro mediterrânico e, se quiser, o que mais me toca no Mediterrâneo neolítico e no Mediterrâneo proto-histórico, creio que isto não o espantará, é já a diversidade. Não vamos especular sobre essa época onde a densidade populacional era bastante mais fraca evidente-mente do que é hoje ... não é comparável... Nessa época as pessoas circulavam já pelo Me-diterrâneo ... há uma navegação já bastante viva nesse momento.

(13)

fenómeno pura e simplesmente difundido. Quer dizer que, partindo do Próximo-Oriente, esse fe-nómeno se teria estendido ao Mediterrâneo Oci-dental e depois em seguida, à Península Ibérica, a Portugal, nomeadamente, que tem um papel de relevo, em seguida para a Grã-Bretanha,

etc ... Cartografava-se isto, colocavam-se

se-tas ... Tenho horror a setas em Pré-História ...

V. G. - Eu também ....

J. G. - ... E explicava-se assim globalmente o

fenómeno. Foi preciso esperar que a física no decurso dos anos 50 nos desse o método do radiocarbono para apagar essas ideias pura-mente teóricas. Verificou-se então que na Euro-pa Ocidental, bem antes do que no Mediterrâ-neo, se tinham já construído megálitos. Isto quer dizer que grupos tendo atingido um c:;erto estado de evolução, conhecendo a agricultura, conhe-cendo a criação de gado e cada vez mais impli-cados nos fenómenos de sedentarização e de fixação ao solo, se constituiram em comunida-des suficientemente numàrosas e que essas co-munidades num dado momento da sua evolução fabricavam monumentos mais ou menos gran-diosos. É o caso, por exemplo, da Grã-Bretanha onde há monumentos absolutamente espanto-sos que estão entre as mais antigas g'randes sepulturas colectivas do mundo. Isso é um fenó-meno que Childe não podia prever. Darei um segundo exemplo: durante muito tempo pensou--se que a metalurgia, que é como se sabe um epifenómeno do neolítico, é qualquer coisa que nasce no Próximo-Oriente, e desse ponto de vista, aliás, Chi Ide tem ainda "razão, pois foi lá que se encontraram os mais antigos objectos de cobre conhecidos, e que progressivamente tinha sido transmitida à Europa... Foram precisas reacções vivas e intensas, como a que foi formulada pelo meu excelente colega Colin Ren-frew, para mostrar que na Europa do Sudoeste ou na Europa Central num dado momento, e quando já se tinha desenvolvido a metalurgia no Próximo-Oriente, uma nova metalurgia nasce na Europa, não devendo absolutamente nada a es-sa do Próximo-Oriente, e que, portanto e em de-finitivo, certas populações, num momento dado da sua evolução económica e social, são capa-zes de criar independentemente de outros cen-tros. Eis portanto, se quiser, as coisas nos seus lugares ... Actualmente creio que não se nega Childe, corrige-se apenas um certo número de pontos de vista.

Falava-me há pouco da neolitização como um processo bem vivo ... Creio que para voltar-mos a esse fenómeno não chega considerá-lo simplesmente como um fenómeno de difusão que eu diria mesmo estupidamente

mecanicis-ta... É verdade que há uma anterioridade do

.. , creio que Chi/de é um grande personagem na análise do

fenómeno neolítico ...

Próximo-Oriente ... É verdade que nessas re-giões se cultiva, por exemplo, os cereais bem antes do que no Mediterrâneo Ocidental ou na

Europa ... Mas que iríamos nós fazer ... ? Não

tinhamos espécies espontâneas de cereais que se prestassem a uma cultura, portanto sabe-se que es~es fenómenos foram importados ... Con-tudo apercebemo-nos que já desde o Mesolítico, em certas estações privilegiadas, o Homem colheu leguminosas e se não cultivou pelo me-nos tratou os terreme-nos que fornecem essas legu-minosas, dedicando-se portanto a uma espécie de preparação agrícola, uma espécie de horti-cultura ... Sem que se soubesse, já uma mentali-dade se preparava para receber essa inovação, que veio de fora, e que era a agricultura. No que concerne essas verdadeiras populações rurais não se pode dizer pura e simplesmente que che-garam sob a forma de colonos vindos do Próxi-mo-Oriente. Claro que podem ter existido alguns grupos que do Egeu foram à ,Itália. depois al-guns italianos que da Itália do Sul foram à Itália do Norte, vieram à Provença, e assim progràssi-vamente ... mas confesso que vejo dificilmente pessoas que, embarcando na Ásia Menor, te-riam chegado, por exemplo, às costas de Portu-gal. O que é mais interessante que considerar o Neolítico como um fenómeno transmitido por movimentos mais ou menos intensos de popula-ções, é considerar isso um falso problema e es-tudar antes os processos de adaptação, nos casos locais, aos produtos locais. Há pouco cita-va-me o abrigo Jean-Cros e dizia-me: Fez para

(14)

... infelizmente é preciso admitir que faltam monografias ... V. G. - Há também um pequeno comércio ...

J. G. - Sim, há um pequeno comércio, por exemplo as exportações de obsidiana prove-niente das ilhas, por exemplo da de Meios ou das Cíclades ou de Lipari. Sabe-se que as coi-sas circulam e portanto há novidades que cir-culam. Mas não se devem confundir as coisas. Que há grupos que fazem comércio, que irriga as civilizações, que as primeiras civilizações ru-rais circulam é evidente ... houve sempre a seu tempo aventureiros e comerciantes que

circula-ram, era absolutamente necessário ...

V. G. - Os pequenos Ulisses dos arredores ...

J. G. - Isso, isso ... Mas isso não quer dizer precisamente que os povos sistematicamente se deslocavam e que não pensavam senão em deslocar-se.

V.G. - Claro.

... nós, pré-historiadores, temos tendência 163 para explicar as coisas por saltos bruscos.

J. G. - Não repitamos com o Neolítico o erro que cometemos com as invasões bárbaras... O que me toca neste Mediterrâneo neolítico e pro-to-histórico é então o facto de ser já muito

característico, já muito fragmentado em facies

culturais, desde o Neolítico e provavelmente mesmo antes. O Neolitico não faz mais do que continuar uma sucessão de fenómenos juntan-do-lhe o fenómeno da produção, não é? O Medi-terrâneo é, pois, complexo, complicado. Fale-mos agora de períodos mais recentes do que o Neolítico, falemos do 3.° milénio, ou seja de uma

fase que vê a emergência da metalurgia, um pouco por toda a parte no Mediterrâneo. A emer-gência portanto de sociedades que conhecem a metalurgia e têm tendência já a estruturar-se, a

hierarquizar-se. Não é já a sociedade pouco

hie-rarquizada, de tendência igualitária, que se

encontra durante o Neolítico. É antes já a soci~­

dade onde a pirâmide social começa a ser im-portante ... Bom, apercebemo-nos então que há vários exemplos e que não se pode arrumar tudo segundo um só modelo e nem como a tradição clássica diz: «Sim, as coisas passaram-se na Grécia e em seguida, depois do domínio dos Egeus, os modelos, as sociedades, foram ex-portados para o Mediterrâneo Ocidental... Houve uma intensa circulação entre estas duas zonas. Teria havido já antes do mundo messiânico, bem antes da helenização do primeiro milénio, uma verdadeira colonização do Mediterrâneo Ociden-tal pelps Egeus». Ora isto parece-me repousar sobre um a priori que não é, de forma alguma,

demonstrado pela civilização actual. E justa-mente o que é interessante na Pré-História do Mediterrâneo, na Pré-história recente em parti-cular, é pôr em evidência as diferenças, bem mais do que os denominadores comuns ... as di-ferenças de fácies, as didi-ferenças de cultura. E dou-lhe alguns exemplos... a civilização das Cíclades no 3.° milénio ... o domínio maltês ... Em Malta há templos absolutamente extraordinários que, contrariamente ao que se pensou durante muito tempo, não devem absolutamente nada a uma influência exterior e representam o puro produto dos malteses do 3.° milénio ...

V. G. - E de uma certa organização social, tí-pica ~ bem específica dessa região!

J. G. - Específica, que permitiu essa explora-ção. Penso, igualmente e para dar um exemplo mais ocidental, nessas culturas do tipo Los Mil-lares ... ou do tipo de Vila Nova de S. Pedro em

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164 Portugal, que são em minha opinião puramente locais, ligadas a um certo contexto de evolução social e económica.

V. G. - Isso é claro ... vimo-lo no Cerro do Castelo de Santa Justa por exemplo. Havia

tra-ços locais enormes ... Evidentemente, é preciso dizer-se que, quahdo se fala de um mundo local

(uma aparente contradição) se fala de uma grande região do Sul da Península Ibérica. Há uma certa homogeneidade, num dado momento.

J. G. - Exactamente, exactamente, e isso corresponde ao facto de as populações se orga-nizarem diferentemente do que se organizavam no penodo precedente. É certo que nos referi-mos sempre a sepulturas colectivas, mas vireferi-mos desenvolverem-se fenómenos novos como as sepulturas em tho/os ... vimos desenvolverem-se essas espantosas construções fortificadas a pro-pósito das quais se pode discutir se se trata de verdadeiras fortificações ... Trata-se talvez mais de um sistema cultural. .. podemos discuti-lo ...

V. G. - Ou mesmo de uma técnica de cons-trução.

J. G. - Ou mesmo de uma técnica de constru-ção. E pouco importa. De certo modo, o que é interessante é ver como essas pessoas que se diferenciam das precedentes porque conhecem a metalurgia... é que o facto de conhecerem a metalurgia implica que sabem explorar as minas, que há mineiros, que há fundidores, que há pessoas que vão vender esses produtos, que há pessoas (já políticos ou economistas), que tiram

partido desses produtos. É uma sociedade que está de facto em mutação.

E, veja, gostaria de abrir um parênteses. É que nós, os pré-historiadores, e isto tem a ver com o fenómeno cultural de que falámos há pou-co, nós, pré-historiadores, temos tendência para explicar as coisas por saltos bruscos. Porquê? Porque temos o hábito de contéJ.r por camadas, por estádios, os elementos materiais que estu-damos. Observamos as diferenças de um está-dio a outro e imaginamos que as coisas evoluem assim, porque não ligam umas com as outras. Frequentemente, porém, as coisas evoluem talvez mais lentamente ou de maneira mais contínua. Mas a nossa disciplina está mal arma-da para estuarma-dar essas evoluções... Ela concebe um certo número de estádios, um certo número de etapas, como se subíssemos uma escada ..

enquanto a progressão é talvez contínua. V. G. - A propósito disso, e uma vez que falá-mos de fortificações e de metalurgia, é preciso dizer que uma torre é sempre uma torre, quer seja em Creta, nas Ilhas ou em Santa Justa ...

. J.G. - Sim ...

V. G. - E a mesma coisa se poderá dizer das

torres quadradas da Idade Média. São as mes-mas, morfologicamente, em Itália ou na restante Europa.

J. G. - Absolutamente.

V. G. - Mas, no entanto, nada há de seme-lhante, social, económica e funcionalmente, en-tre as torres dos Normandos e as de Bolonha.

J. G. - Creio que não há nada a acrescentar ao que acabou de dizer. Estou inteiramente de acordo consigo.

V.

G. -

Então, e para terminar, uma coisa que queria perguntar-lhe desde o início. Sabe-se que as suas obras, quer as que são assinadas por si unicamente quer as que assina com a sua equipa, começando pela «La Civilisation du Va-se Campaniforme dans les Pyrenées Françai-ses", passando enfim por todos os outros traba-lhos, dedicam-se obviamente a civilizações há muito desaparecidas. Mas há nalgumas delas uma perspectiva de futuro sobre a qual estou bastante curioso, porque afinal tentou por um la-do abordar de uma maneira monográfica um da-do sítio, por outro aborda-dou certos fenómenos de

... uma Torre é sempre uma Torre, quer seja em Creta, nas Ilhas ou em Santa Justa ...

uma perspectiva global, procurando transcrever para o domínio do comum, do francês médio, as informações que geralmente ficam na exclusivi-dade dos laboratórios... Foi esta a perspectiva que orientou «La France d'avant la France", no fundo uma perspectiva que torna útil e visível ào grande público e enorme e magnífica obra que é

3 «La Préhistoire de France". Esta preocupação é muito importante, e acerca dela pergunto-lhe duas coisas: em primeiro lugar se tem nos seus projectos de futuro imediato outros trabalhos nesse sentido, ou seja no sentido da divulgação

(16)

Um investigador (. . .) tem contas a prestar à colectividade que lhe permite fazer. a sua investigação.

feita para um público mais geral, que segue a arqueologia. Em segundo se, na perspectiva das monografias de arqueologia total, tem novas propostas a comunicar.

J. G. :- Bom... põe-me uma questão que é muito interessante porque resume de certo mo-do tumo-do o que pude fazer durante um quarto de século de arqueologia ... É que de" facto a minha actividade situa-se em três planos ... Não falo do ensino, da direcção de trabalhos, etc .... , mas da minha actividade de investigador. Ela passa-se em três planos e vou responder às suas ques-tões numa ordem mais ou menos dispersa. A primeira é a investigação verdadeiramente de ponta, quer dizer o trabalho de campo antes de tudo, porque não há boa Pré-História sem traba-lho de campo. A Pré-História não se aprende nos liVros, portanto, em primeiro lugar, temos o terreno. Isto traduz-se em estudos monográficos e aí, é inevitável, o arqueólogo deve estar no campo já que este lhe permite põr-se constante-mente em questão! Ele elabora as teorias, faz intervir o seu insconsciente, a sua maneira de pensar, e depois, por vezes, o terreno demons-tra-lhe que aquilo que tinha ~nsado, a hipótese que tinha avançado, não era boa. O terreno é o regresso permanente às fontes. O investigador que não se ocupa do terreno envelhece pro

-gressivamente. É portanto preciso estar em campo e eu faço-o. Escavo com os meus ami-gos do C.A.S.R. dentro de uma óptica bem determinada que é a passagem do mundo dos caçadores/recolectores ao mundo dos agriculto-res. Não o faço sob uma escala restrita, a nossa

equipa, o nosso laboratório, coloca-se proble-mas que' no geral dizem respeito ao Mediterrâ-neo, mais particularmente ao Mediterrâneo Cen-trai e ao Mediterrâneo Ocidental. Temos pois es-cavações que estão implantadas no Sul de Itália, como concordará, numa posição estratégica muito importante para as eventuais transmis-sões de fenómenos da bacia Oriental à bacia Ocidental do Mediterrâneo. Temos escavações no Midi da França e no Noroeste da Península Ibérica, quero dizer na Catalunha e no pequeno principado de Andorra. Para além disso, e como sabe, trabalhamos estreitamente com a vossa Unidade de Arqueologia no quadro de Portugal que

é

um mundo muito interessante porque tem duas facetas. É uma espécie de fim de percurso do Mundo Mediterrânico, com influências que ti-veram tempo de se transformar muito significati-vamente. Dizia há pouco que não acreditava que os Egeus teriam vindo ao Mediterrâneo Ociden-tal durante o Neolítico Antigo. O que acredito é que a partir do mar Egeu as influências se fize-ram sentir na Itália, que a partir daí essas in-fluências se modificaram, renovaram e se fize-ram sentir mais longe e nessa perspectiva cada vez mais para Oeste. Portugal constitui-se como um fim de percurso muito interessante porque entretanto as coisas fundiram-se, digeriram-se, para aparecerem de uma maneira que é muito distinta da fonte inicial. E, ao mesmo tempo, Portugal é interessante porque está ligado si-multaneamente ao mundo mediterrânico e ao mundo atlântico, onde se constatam certos fenó-menos de grande importância para a

(17)

166 ria Europeia e em particular para o estudo do megalitismo.

Está portanto, respondida a primeira questão, ou seja que nós trabalhamos de forma monográ-fica e que publicamos colectivamente monogra-fias. Saíu a de Jean-Cros e sairá em breve uma outra consagrada a um sítio do Neolítico Antigo do Midi francês. Portanto, isto é o trabalho de investigação, o trabalho de «ponta». Há um se-gundo aspecto da minha investigação, se quiser, as . obras de carácter mais sintético. Depois de'

ter meditado sobre um certo número de fenóme-nos muito pontuais as coisas ordenam-se, o meu pensamento ordena-se ... penso e escrevo mas a título meramente provisório, porque sei que há muitas coisas que são postas em ques-tão ao fim de um certo tempo, com o progresso da investigação.

V. G. - É preciso então reformulá-Ias ... J. G. - Sim, é necessário reformulá-Ias, cor-rijo-as, faço sínteses ... Redigi uma que se cha-ma «Les premiers bergers et paysans de L'Occi-dent Mediterranéen» e, actualmente, não lho escondo, planeio pôr de pé uma obra sobre a Pré-História do Mediterrâneo desde o Neolítico até ao fim do 3. o milénio. Não será uma visão de

todas as civilizações que nasceram durante qua-tro milénios no Mediterrâneo, bem entendido, mas tratarei um certo número de problemas, da-rei com um conjunto de exemplos concretos, a minha visão do problema, submetendo à crítica dos meus colegas e levando-me a mim próprio a formular outras propostas dentro de um certo número de anos, quando essas ideias tiverem envelhecido. Porque estou persuadido que en-velhecerão e felizmente. É preciso que envelhe-çam porque isso quer dizer que a investigação avança, progride. E chego ao terceiro ponto da sua questão, a vulgariz&ção. Um investigador é quase como um deputado, é responsável face à colectividade que lhe permite viver.

V. G. - Esperemos que seja mais responsá-vel que muitos deputados ...

J. G. - Mas com grande vantagem ... ! É pois responsável, encontra-se numa situação em que a colectividade lhe permite exercer uma profis-são que, frequentemente, aliás, é uma profisprofis-são de paixão, encontrando-se portanto numa situa-ção em que é devedor ... Tem contas a dat à colectividade que lhe permite fazer a sua investi-gação. Durante muito tempo, devo confessar, que na nossa disciplina foi de bom tom fechar-se o investigador numa verdadeira torre de mar-fim, desdenhando as pessoas que não estives-sem em condições de abordar os problemas mais sofisticados dos nossos estudos. Creio que a situação felizmente mudou e que agora, como

sempre deveria ter sido, o verdadeiro sábio é aquele que sabe ser acessível ao público, que sabe vulgarizar, que sabe explicar em termos simples o que nós traduzimos frequentemente em palavras demasiado complicadas. E o públi-co públi-compensa-o bem, basta ver o interesse que suscitam certas exposições... Estou a pensar nas exposições que dizem respeito à Pré-his-tória e que atraem um número extraordinário de pessoas. Há alguns anos, no seguimento do congresso de Nice, Congresso da União Interna-cional de 'Ciências Pré e Proto-Históricas, orga.,. nizou-se em Paris uma exposição que atraiu multidões e basta ver as numerosas colecções que estão expostas aqui e ali nos museus, as exposições que são organizadas e as multidões que se movem por causa disso junto a essas manifestações. Portanto, as pessoas estão inte-ressadas, mas seria verdadeiramente um crime da nossa parte ofuscarmo-nos com isso e reti-rarmo-nos de novo para a nossa torre de mar-fim. Somos responsáveis, o que explica as obras de vulgarização e uma obra como «La' France d'avant la France», que devo dizer interessou um certo número de pessoas porque tentou pôr à disposição do maior número os resultados dos últimos progressos da investigação. Nem sem-pre é fácil para o investigador encontrar uma linguagem simples e acessível às pessoas, con-fesso que certas vezes, algumas pessoas me disseram não compreender bem este ou aquele tema e eu acho que é por vezes de facto um pouco difícil. É verdade, é diffcil para o leitor e difícil para o autor, mas creio que há aí uma certa vitória, que o autor ganha a si próprio tentando ter um estilo cada vez mais sedutor, mais simples, sempre acessível a todos.

V. G. - E aí eu creio que o caminho é traba-lhar sohre o passado mas falando ao futuro, através das monografias, e ao presente, através das obras de divulgação.

J. G. - Absolutamente, e eu tento em certas disciplinas como a Arqueologia e a Etnografia, através nomeadamente de uma colecção que vai em breve aparecer, formular para o grande público os estados, talvez mais os estados de alma dos investigadores

e

das investigações que levam a cabo presentemente.

V. G. - Bem, obrigado Jean Guilaine. Toulouse, Inverno de 1982

Transcrição da cassette original por Ana Flores. Dactilografia do manuscrito por Ana Carvalho Dias. Separadores da responsabilidade de V. G. Fotografias de Françoise Treinen-Claustre.

Referências

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