• Nenhum resultado encontrado

Expressão em lógica simbólica das características do sistema Icc ou a lógica do sistema Icc

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Expressão em lógica simbólica das características do sistema Icc ou a lógica do sistema Icc"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

Artigos clássicos

Expressão em lógica simbólica das características do

sistema Icc ou a lógica do sistema Icc

Ignacio Matte-Blanco

Introdução e formulação do problema

O descobrimento das características do sistema Icc é o mais criativo e fundamental dos descobrimentos de Freud, porque é sobre esta característica que estão baseadas suas maiores contribuições para a psicologia, especialmente todas aquelas relativas aos sonhos. Temos evidência indireta de que ele as valorizava particularmente. Em seu prólogo à terceira edição em inglês de 1931 de A Interpretação dos Sonhos (1900), menciona que "contém, ainda de acordo com meu parecer atual, o mais valioso de todos os descobrimentos que tive a sorte de fazer. Um insight como este nos acontece, se tivermos sorte, somente uma vez na vida".

Por outro lado, sabemos por Jones (19S6) que havia, dos escritos de Freud, três coisas das quais ele se sentia orgulhoso: uma era o último capítulo deste livro, outras seu ensaio sobre "O Inconsciente". Agora, ambos se baseiam, por assim dizer, nos alicerces dados pelas características do sistema Icc, e em ambos o estudo destas características ocupa um lugar proeminente. Para finalizar, em suas "Novas conferências de introdução à psicanálise" (1932) comenta: "Continuo tendo a impressão de que não tiramos suficiente vantagem para a nossa teoria analítica deste fato, comprovado fora de qualquer dúvida, de que o tempo não altera o que foi reprimido. E, na verdade, parece abrir-nos ali um acesso às intelecções mais profundas. Por desgraça, eu também não tenho avançado muito nesta direção". Esta referência a uma das características está colocada de tal maneira que não deixa nenhuma dúvida de sua estimativa acerca de sua importância. É obvio que o que diz respeito a esta em particular poderia ser aplicada a todas. Contudo, investigações analíticas recentes estão, em geral, tristemente desinteressadas sobre este tema fundamental.

É necessário observar que a terminologia usada sobre este tema parece ter mudado através dos anos. Em A Interpretação dos Sonhos Freud distingue entre o processo primário e o secundário; e em seu trabalho "O Inconsciente" (1915) incluiu o primeiro como uma das propriedades particulares do sistema Icc, enquanto que anteriormente parece ter usado o termo primário para designá-las a todas.

Estas características, como sabemos, são:

a) Ausência de contradição mútua entre as representações dos diversos impulsos. "Quando são ativadas ao mesmo tempo duas moções de desejo cujas metas não

pode-* Gostaria de expressar minha gratidão ao professor Gerold Stahl, Ph. D., cuja ajuda permitiu-me purificar minhas primeiras formulações de certas imperfeições de lógica para chegar assim a uma formulação mais rigorosa. ** Matte-Blanco, Ignacio. Expresión en lógica simbólica de Ias características dei sistema Icc o Ia lógica dei sistema Icc: 1956. Rev.

(2)

riam parecer-nos menos que inconciliáveis, elas não tiram nada umas das outras, nem se cancelam reciprocamente." (1915). Uma conseqüência disto é o que ele chamou de ausência de negação.

b) Deslocamento. c) Condensação.

Estas duas constituem os traços distintivos do processo primário.

d) Ausência de tempo, numa breve "relação alguma com ele" (1915), que compreende falta de ordenação temporal e falta de alteração devida ao passar do tempo. Parece-me muito provável que a segunda seja necessariamente conseqüência da primeira.

e) Substituição da realidade externa pela realidade psíquica. Na psiquiatria, espe-cialmente em relação à esquizofrenia, esta característica é às vezes designada como interpretação literal da metáfora.

Estas características poderiam ser consideradas como as leis pelas quais é regido o sistema Icc. Sua inspeção revela prontamente que qualquer processo de pensamento que se ajusta a elas difere amplamente, por esta mesma razão, da lógica habitual do pensamento científico, a qual, de forma um pouco vaga e em ocasiões ainda inexata, é denominada pelo nome de lógica aristotélica. Porém, não se pode dizer que os processos no sistema Icc acontecem sem ajustar-se a nenhuma regra lógica, porque neste caso seríamos apenas testemunhas de um caos; e se houvesse um caos não poderia haver nada previsível, portanto Freud não poderia ter descrito as características mencionadas. Deve haver, então, implícito nestas características, um ou mais princípios lógicos diferentes daqueles pelos quais é regido o pensamento científico. As leis do sistema Icc existem, e se não se ajustam aos princípios da lógica científica, devem ajustar-se a algum sistema lógico que pelo menos, em alguma proporção, é diferente da lógica científica. As leis do sistema Icc poderiam então ser conseqüência deste sistema lógico; em todo caso se ajustariam a ele.

Formação de dois princípios.

Devo mencionar que eu pessoalmente me propus este problema ao estudar o pensamento esquizofrênico, no qual pude encontrar uma conformidade a certos princípios. Ao examinar esta matéria mais atentamente, me dei conta de que tais princípios se referiam essencialmente às características do sistema Icc e que o pensamento esquizofrênico era apenas uma aplicação deles.'

Para entrar diretamente na matéria, o estudo do pensamento esquizofrênico mostra que este se adapta a dois princípios preciosos. O primeiro é representativo da normalidade de consciência ou, em outras palavras, de um tipo de pensamento idêntico ao pensamento científico: não é algo diferente de nenhum dos dois. A operação simultânea do primeiro e segundo princípio pode ser vista freqüentemente no mesmo produto mental. Por outro lado, a consideração destes princípios, especialmente o segundo, revela que eles constituem aquele aspecto ou parte do pensamento esquizofrênico que corresponde ao pensamento do sistema Icc.2 Por este motivo os descreveremos nos termos deste último.

(3)

mais geral como uma subclasse ainda mais geral, e assim sucessivamente.

Parece que a noção de classe pode ser compreendida lendo ou escutando este princípio, e o ilustrarei com um só exemplo. João é um elemento da classe homens, Teresa da classe mulheres. A classe de homens (varões) é uma subclasse da classe de animais racionais, e a classe de mulheres é outra subclasse da mesma classe. A classe de animais racionais é uma subclasse da classe de animais, e esta mesma é uma subclasse da dos seres vivos.

O segundo princípio é formulado assim:

2) O sistema Icc trata o inverso de qualquer relação como idêntico à relação. Em outras palavras, trata as relações como se fossem simétricas.

Este princípio representa o mais formidável desvio da lógica sobre a qual todo o pensamento científico e filosófico do homem foi baseado.

Para citar um exemplo, se João é o irmão de Pedro, o inverso é: Pedro é o irmão de João. A relação que existe entre eles é simétrica, porque o inverso é idêntico à relação direta. Mas se João é o pai de Pedro, o inverso é: Pedro é o filho de João. Neste caso a relação e seu inverso não são idênticos. Este tipo de relação que é sempre diferente de seu inverso se chama assimétrica. No exemplo dado: se João é o pai de Pedro, então Pedro é o pai de João. Na lógica aristotélica isto é absurdo; na lógica do sistema Icc isto é uma regra, como veremos a seguir.

Um exame cuidadoso da maneira em que este princípio é formulado revelará que de acordo a ele na lógica do sistema Icc está permitido, mas não é obrigatório, tratar como simétricas as relações que na lógica científica não são assim consideradas; em outros casos (tal como o caso do tempo, que será considerado a seguir) pode-se afirmar que o sistema Icc não conhece certas relações assimétricas que são familiares na lógica científica. Não encontrei nenhuma lei que nos permita saber ou prever quando as relações se tratam como simétricas e quando não. O máximo que posso dizer é que o sistema Icc assemelha-se a uma criança que está aprendendo a falar e que às vezes se adapta às leis da gramática e outras vezes às deixa de lado.

Aplicação destes princípios às características do sistema Icc.

Pode-se afirmar que as características do sistema Icc descritas por Freud são a expressão seja do segundo princípio ou da operação de ambos conjuntamente. A respeito da falta de contradição e condensação, é possível que possa existir, ainda, outro princípio implícito nelas, mesmo que isto não seja totalmente claro para mim.

Consideremos estas características uma a uma, começando com a mais obvia.

(4)

2) Deslocamento. Esta característica ou modo de funcionamento do inconsciente é fundamental. Pode-se dizer brevemente que é a base da projeção, sublimação, transferência, o retorno do reprimido, e a divisão de objetos.Todos estes mecanismos são de certa maneira exemplos de deslocamento, e em grande medida diferem entre eles apenas no que diz respeito à circunstância em que acontece o deslocamento. Este é um tema interessante de elaborar, porém o deixaremos de lado por ora. No deslocamento somos testemunhas de dois processos diferentes que trataremos de explicar com exemplos. Quando um indivíduo desloca, trata o objeto primitivo e o objeto para o qual se desloca como elementos de uma classe que possui certas características específicas, uma característica que talvez não seja impressionante no seu pensamento consciente, porém a é para seu inconsciente. Por exemplo, se sente que o seu chefe é um pai perigoso é porque considera que ambos têm a mesma característica, periculosidade. Se expressarmos isto em termos de lógica simbólica, poderemos dizer que em seu inconsciente trata a ambos como elementos de uma classe; também pode acontecer que trate a um como elemento de uma classe e ao outro como elemento de outra classe, mas neste caso ambas as classes são sempre subclasses de uma classe mais geral. Por exemplo, uma mãe que alimenta pertence, digamos, à classe de mulheres que alimentam materialmente; um professor que ensina pertence à classe dos homens que alimentam mentalmente. Quando, por causa de um processo de deslocamento, um indivíduo sente o professor como uma mãe que alimenta, está antes de qualquer coisa, tratando ambas as classes como uma subclasse de uma classe mais geral, aquela dos que alimentam, seja material ou mentalmente. Pode-se observar o mesmo em qualquer exemplo de deslocamento.

Este é o primeiro processo visível no deslocamento; é fácil captar que não se trata de outra coisa senão da operação de nosso primeiro princípio. Porém este princípio por si só não seria suficiente para o entendimento do deslocamento. Há ainda outro aspecto. Ao deslocar (por exemplo, do professor à mãe) o inconsciente, não trata a ambos como possuidores de algo em comum, mas os trata, de fato, como idênticos. Isto é muito estranho, mas com a ajuda do segundo princípio se torna compreensível. Para que possamos chegar a entender isto, devemos primeiro considerar uma conseqüência deste princípio. Consideremos a relação:

y é uma parte de x

Se os inversos desta relação são idênticos a ela, quer dizer, se a relação é simétrica, podemos dizer que:

x é uma parte de y = y é uma parte de x

Por exemplo, "o braço é parte do corpo" é idêntico a "o corpo é parte do braço". Em outras palavras, a parte é idêntica ao todo, de onde deriva logicamente que é também idêntico a qualquer outra parte. Em conseqüência, uma subclasse pode ser idêntica a qualquer outra subclasse da mesma classe. Todas estas afirmações parecem absurdas, mas de acordo ao que podemos chamar de "a lógica do pensamento simétrico", são perfeitamente legítimas.

(5)

3) Substituição da realidade externa pela psíquica. Parece que na formulação

rigorosa esta característica não tem direito de independência, mas sim que, pelo contrário, deve ser considerada como uma variedade, ou melhor, como um exemplo particular de deslocamento. Isto é fácil de compreender. Consideremos como exemplos a

identidade estabelecida pelo inconsciente entre canibalismo mental e canibalismo real, entre desejo agressivo e logro agressivo, entre a emoção descrita como rebentar-se de raiva e rebentar real, etc. É obvio que em cada um destes exemplos o processo essencial que trabalha pode ser descrito como segue: primeiro, o inconsciente trata a ambos como elementos da mesma classe ou como elementos de diferentes classes que são eles mesmos subclasses de uma classe mais geral; depois trata a ambos como se fossem idên- ticos. Estes são precisamente os dois processos em questão no deslocamento, e isto prova nossa afirmação.

4) Ausência de contradição mútua e condensação. Mesmo que pareça ser certo que estas duas características são diferentes, não é menos certo que haja uma relação especialmente íntima entre elas, porque a segunda não é concebível sem a primeira. Não consegui vê-las com a mesma claridade simples que acredito ter conseguido ao considerar as anteriores, e suspeito que, somado aos princípios que mencionei, somos testemunhas aqui da operação de outro princípio lógico. Mas consideremos primeiro a relação entre nossos princípios e estes mecanismos.

A falta de contradição entre dois impulsos que parecem incompatíveis em lógica aristotélica e sua união numa expressão, a qual se consegue na condensação, sugere que ambos são tratados seja como indo na mesma direção (enquanto que na lógica aristotélica podem ser opostos ou, em todo caso, diferentes), ou como sendo partes de um todo mais geral, partes que não seriam mutuamente excludentes.

Tudo isto sugere a) a formação de classes mais inclusivas; b) tratar as subclasses de cada uma destas classes como idênticas; e c) até tratar como idênticos vários elementos diferentes que, na lógica científica, são mutuamente excludentes. Em outras palavras, a operação dos princípios 1 e 2. Na condensação observamos que um dado elemento pode expressar mais de um significado ou representar mais de uma pessoa. Tudo isto se pode compreender melhor com a ajuda de uma representação gráfica do princípio 2. Como em qualquer representação gráfica, esta reproduz com a ajuda de elementos espaciais as relações que existem na coisa que se representa de acordo a uma convenção previamente estabelecida. A representação do princípio 2, com a ajuda do conceito de um espaço de mais de três dimensões, nos permite observar que se um todo é concebido como tendo mais de três dimensões e as partes se consideram tridimensionais, então é possível que várias partes ocupem o mesmo espaço.Se lembrarmos que o inconsciente substitui a realidade externa pela psíquica, torna-se compreensível que dois impulsos simbolizados por dois objetos materiais (por ex. espaciais) (para usar as palavras já citadas de Freud) "não se tiram nada, nem se cancelam reciprocamente". E isto é precisamente o que acontece na ausência de contradição mútua e na condensação; tudo isto seria incompreensível numa representação tridimensional.

(6)

representação gráfica em termos de espaço multidimensional, é apenas uma expressão particular deste princípio.

Por fim, não estou muito seguro de que o único princípio em jogo na ausência de contradição e na condensação, seja o princípio de simetria. Recentemente pareceu-me possível que a ausência de negação, a qual Freud formulou em relação a estas características, pode ser um princípio da lógica do sistema Icc. Mas não me atreveria a afirmar isto.

Resumindo, podemos concluir que as características do sistema Icc descrito por Freud revelam a operação de uma lógica peculiar a este sistema, cuja marca de distinção fundamental é tratar como simétricas as relações que não se consideram assim na lógica científica.

Re-Publicado no International Journal of Psychoanalysis, 1959.

Notas

1. A matéria é, de fato, mais complexa e é estudada em detalhe em outro trabalho.

2. Disto se pode ver que estou afirmando que o pensamento do sistema Icc é, em parte, idêntico ao pensamento

científico.

Bibliografia

Freud, S.- (1900). La interpretación de los sueños. AE., 4-5 / (1915). El inconsciente. AE., 14/ (1932). Nuevas

conferências de introducción al psicoanálisis. AE., 22.

Jones, E. - (1956). The inception of "Totem and taboo". Int. J. Psycho-Anal., 37. Matte-Blanco, I. - (1954). Lo

Referências

Documentos relacionados

Assim, este trabalho apresenta uma abordagem que tem como objetivo principal: (i) analisar a cobertura de código levando em consideração os fluxos de chamadas existentes no sistema

Esta dissertação tem como objectivo uma análise crítica sobre a utilização das novas tecnologias de comunicação através da Internet, realçando a importância dos mundos virtuais

O Documento Orientador da CGEB de 2014 ressalta a importância do Professor Coordenador e sua atuação como forma- dor dos professores e que, para isso, o tempo e

As análises serão aplicadas em chapas de aços de alta resistência (22MnB5) de 1 mm de espessura e não esperados são a realização de um mapeamento do processo

Os principais objectivos definidos foram a observação e realização dos procedimentos nas diferentes vertentes de atividade do cirurgião, aplicação correta da terminologia cirúrgica,

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

No Estado do Pará as seguintes potencialidades são observadas a partir do processo de descentralização da gestão florestal: i desenvolvimento da política florestal estadual; ii

No primeiro, destacam-se as percepções que as cuidadoras possuem sobre o hospital psiquiátrico e os cuidados com seus familiares durante o internamento; no segundo, evidencia-se