José Fernando Guedes
© 2015 José Fernando Guedes
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009. Coordenação Editorial Isadora Travassos Produção Editorial Eduardo Süssekind Rodrigo Fontoura
Victoria Rabello Telles Ribeiro
2015 imprimatur
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Guedes, José Fernando
Se o vento diz / José Fernando Guedes. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Imprimatur, 2015.
64 p. ; 21 cm. isbn 978-85-6043-944-7 1. Poesia brasileira. I. Título.
sumário
Quando tu 9
Os pássaros cantam forte 10
Meu coração 11
Credo 12
A ave que está 13
Piquenique no calvário 14
Coeso é o tempo 15
Anúncio no elevador 16 Olho pela janela 17 Amanhece 18 Satélite 19 Noite 20 Reencarnação 21 No amor 22 No jardim 23 Cão aninhado 24 O casal 25 A memória dos pés 26 Acima da velocidade permitida 27
Adeus meu pai 28
Canário 36 Ecos 37 Se não fosse sim 38 A lâmina ao sair da bainha 41
O vento 42
Auroras boreais (balas perdidas) 43 Quarto de hospital 44
Devo imenso 45
Identidade e
cpf
47 Há dias em que olho o mundo 48 Martelando na vizinhança 49 A arte de duelar 50 Parceiro 51 A caçada 52 Tecnologia 53 Amor idoso 54 Novembro 55 Menina na praia 56 A vida secreta do vento 57 Janelas 58A realidade 59
Este livro é para a Beth e para o Thiago. Vem saído direto do meu peito e vai se aninhar
9
quando tu
Quando tu me lês
Lês apenas e tão somente o que vês. Melhor seria se ao leres
Pudesses também ouvir O que estás a ler. Porque ao ler e ao ouvir O que está sendo lido
Eu estaria atingindo em dobro O teu ouvido
Pois há assim carga maior de emoção Do que no papel jaz ao comprido. Às vezes para se fazer entender Há que se calar,
O que é outra forma de gritar. Mas o poeta deve estar atento E não inventar em palavras
Som de chuvas, som de mar, som de vento Som de choro,
10
os pássaros cantam forte
Alguém me chama: vem ouvir! Os pássaros cantam forte na manhã Com a mesma tenacidade
De um prego ao penetrar a madeira. Sem hesitações anunciam
O que é de sua obrigação.
Ignoram o estabelecido pela noite prévia E sistematicamente, com os métodos da água Fazem seu canto fluir
Entre insuspeitas ranhuras Na estrutura do mundo,
Tornando explícito o que era implícito Na solidão das coisas.
E mesmo ante a mudez de dois olhos abertos, Os pássaros põem seu canto
De encontro aos muros
E convicção, se entre pássaros há, Se assemelha a que numa lágrima há, Quando a lágrima que há,
11
meu coração
Meu coração é ave migratória E se foi, como sempre vai,
Quando o céu lhe anuncia que deve ir Por intrínseco impulso
Que só os corações podem ter Como se aves fossem
No encalço do verão Ao me deixar meu coração, Fiquei só.
12
credo
Creio em ti
Não quando és comum do dia habitual. Creio num ti, como o do Caravaggio Em Milão, na Brera
Lá estás de olhos baixos. Não nos olhas de frente.
As unhas das tuas mãos estão sujas: operário, camponês, fugitivo Que és.
Não tens glória. Sobre tua mesa, côdeas de pão. Falas conosco e pareces explicar algo
Que teus ouvintes ainda não entendem. Teu rosto é comum e de ti não explodem raios Ou pirotecnias.
És comum como um de nós
E teu espanto é genuíno como o nosso. Tua qualquer grandeza, se houver, Estará na tua divindade parca,
13
a ave que está
A ave que está
Dentro da palavra aventura Será porventura
Esta ave que lá vive, ave inteira, ou Caricatura
Canto, voo, possibilidade de altura. Será ave que já nasce
Em sua própria natureza Sem qualquer disfarce O primordial dessa ave
E da palavra na qual vive embutida É não se enganarem mutuamente Uma contida na outra
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piquenique no calvário
Tu nos ouves aí de cima e estamos distraídos
Ocupados com um sem número de coisas que temos que fazer E alguém comenta sobre o clima, ou sobre a dificuldade em se [arrumar uma boa cozinheira ou sobre o preço do feijão. E nos chamamos pelos nomes e rimos e nos tocamos
Com gentileza e nossos risos são ouvidos a grande distância E alguns se perguntam: de que riem.
E falamos de tendências da moda, de cortes de cabelo E falamos mal de alguém que não está presente, é claro Só para não perder o hábito.
Tu não nos vês porque teus olhos são duas poças de sangue. Mas tu nos ouves.
Temos muitos nomes e o passado não se ocupa de nós Nem temos relação com futuro sem rosto
Cuja voz tu também deves desconhecer
Há nuvens no céu e talvez chova. Talvez tu morras Não importa, provavelmente é tudo falso
15
coeso é o tempo
Coeso é o tempo em cada tênue segundo Que logo se desfaz e se reconstrói
Como uma linguagem de gestos que o universo Elabora sem que percebamos.
E mesmo no interior de cada segundo
Há suficiente espaço para se fazer o bem ou o mal Porque é assim mesmo que acontece: o mal ou o bem Infinitesimais, germinam e brotam no exato
Segundo onde nasceram.
16
anúncio no elevador
Procura-se uma calopsita.
Ela tem penugem cinza e bochechas vermelhas. É muito dócil e assobia o hino do Vasco. Quem tiver alguma informação, por favor Avisar na portaria.