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Três dimensões da apreciação musical: uma reflexão sobre os aspectos afetivos, compreensivos e estéticos da escuta

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Academic year: 2021

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Leonardo do Nascimento Rodrigues

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UNIRIO/ PPGM

Doutorado Subárea do SIMPOM: Educação Musical E-mail: lnrodriguest3@gmail.com

Resumo: Este artigo tem por objetivo refletir sobre a temática da apreciação musical sob os aspectos afetivos, compreensivos e estéticos que envolvem a atividade de escuta musical ativa. Para tal reflexão, foi apresentada uma divisão da experiência da apreciação musical em três dimensões: dimensão afetiva, dimensão compreensiva e dimensão estética, levando em consideração ser estas, entre outras possibilidades, três formas diferentes de o ouvinte se relacionar com a obra musical no momento da escuta. Essa divisão em três dimensões foi construída com base nas ideias de autores como Caldeira-Filho (1971), Boal-Palheiros;

Wuytack (1996), Lazzarin (2005), Zagonel (2008) e Bastião (2014). Embora não apresentem, de forma direta, a divisão da apreciação nessas três formas, como encontrada neste texto, observa-se que esses autores abordam a prática da apreciação e escuta musical estabelecendo conceitos, parâmetros, e, sobretudo, objetivos, para essas atividades, que permitem pensar, enxergar e compreender a apreciação musical sob essa ótica tridimensional. Acredita-se que, por meio dessa abordagem, o professor poderá reconhecer, explorar e articular essas dimensões da experiência musical de maneira mais consciente e direcionada, conduzindo os alunos a uma apreciação musical mais significativa e transformadora. Inclusive, acredita-se que, com base nesse conhecimento, o mesmo possa vir a trabalhar a escuta musical ativa de seus alunos de cada uma dessas maneiras separadamente ou alternar o enfoque de escuta de uma mesma obra, inclusive para que todas as experiências — afetiva, compreensiva e estética

— possam ser vivenciadas dentro de uma mesma obra musical, favorecendo e estimulando os seus alunos a uma apreciação musical mais significativa e transformadora.

Palavras-chave: Apreciação musical; Escuta musical ativa; Educação musical

Three Dimensions of Musical Appreciation: a Reflection about the Affective, Understanding and Aesthetic Aspects of Listening

Abstract: This paper reflects about the theme of music appreciation under the affective, understanding and aesthetic aspects that involve active listening. For this reflection, was presented a division of the experience of music appreciation in three dimensions: affective dimension, comprehensive dimension and aesthetic dimension, taking into account that these, among other possibilities, are three different ways for the listeners to relate to the musical work at the time listening. This division in three dimensions was built based on the ideas of authors such as Caldeira-Filho (1971), Boal-Palheiros; Wuytack (1996), Lazzarin (2005), Zagonel (2008) and Bastião (2014). Although they do not directly present the division of appreciation in these three forms, as found in this text, it is observed that these authors approach the practice of music appreciation and listening by establishing concepts,

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Pesquisa orientada pela professora Drª. Sílvia Garcia Sobreira.

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parameters, and, above all, objectives, for these activities, that allow thinking, seeing and understanding musical appreciation from this three-dimensional perspective. It is believed that, through this approach, the teacher will be able to recognize, explore and articulate these dimensions of musical experience in a more conscious and directed way, leading students to a more meaningful and transforming musical appreciation. In fact, it is believed that, based on this knowledge, he can work on active listening to his students in each of these ways separately or alternate the focus of listening to the same work, including so that all experiences - affective, comprehensive and aesthetic - can be experienced within the same musical work, favoring and stimulating its students to a more significant and transforming music appreciation.

Keywords: Music appreciation; Active music listening; Music education

Introdução

O texto apresentado a seguir é parte de uma pesquisa de doutorado — em andamento, que tem como temática a apreciação musical, e tem por objetivo apresentar reflexões sobre alguns dos aspectos mais relevantes envolvendo a atividade de escuta musical ativa, em especial, voltada à formação de licenciandos em Música.

Esse recorte aqui feito tem como propósito melhor compreender as formas com que o ouvinte pode vir a interagir com o material musical no momento da escuta, e de que maneira o professor pode vir a explorar adequadamente esses aspectos em prol de uma atividade de apreciação musical mais rica e significativa.

Ao investigar a respeito da temática apreciação musical, é possível perceber as diversas possibilidades e o amplo alcance que esta prática de escuta pode assumir. Logo, muitas são as propostas e abordagens que, com base na escuta musical, buscam desenvolver competências variadas, atendendo, assim, a uma parte considerável de necessidades e de tendências da educação musical contemporânea.

Para um entendimento mais profundo a respeito desta prática musical, de seus aspectos e de seu alcance, serão apresentadas e discutidas, a seguir, ideias e abordagens de apreciação musical a partir dos trabalhos de autores que se dedicaram ao seu estudo. A partir delas, buscou-se esclarecer termos e conceitos ligados à escuta musical e refletir a respeito da apreciação musical sob três diferentes enfoques, ou, no caso deste trabalho, três dimensões.

Primeiramente, é fundamental esclarecer que os termos apreciação musical, percepção,

escuta e audição — embora sejam termos diretamente ligados ao fenômeno da recepção dos

sons pelo ouvido humano — podem apresentar sentidos e significados específicos e distintos

entre si. A distinção entre esses termos é feita por alguns autores, assumindo assim sentidos

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mais estritos, o que torna necessária a sua diferenciação para um entendimento mais claro e preciso sobre o tipo de recepção auditiva presente em cada situação.

Para autores como Willems (1970) e Granja (2008), os termos escutar e ouvir possuem sentidos distintos

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. Ouvir se caracterizaria por uma atitude mais passiva e desatenta por parte do ouvinte, enquanto escutar demandaria uma atitude mais ativa, engajada e interessada. Nye (1992, p. 313 apud BASTIÃO, 2014, p. 23) apresenta a mesma diferenciação ao afirmar que “ouvir é sempre confundido com escutar. Ouvir é passivo, enquanto escutar requer esforço. Estudantes necessitam tornar-se ouvintes ativos”. (NYE et.

al, 1992, p. 313 apud BASTIÃO, 2014, p. 23). Ao encontro dessa ideia, Granja (2006) argumenta que “ouvir é captar fisicamente a presença do som (...). Escutar, por outro lado, é dar significado ao que se ouve” (GRANJA, 2006, p. 65).

O pedagogo musical Edgar Willems não só reforça, como também expande o entendimento sobre diferenças entre escutar e ouvir:

Três termos seriam necessários para situar os momentos característicos da audição. Poder-se-ia dizer: ouvir, para designar a função sensorial do órgão auditivo, que consiste em receber os sons, em ser tocado pelo som; escutar, para indicar que se toma interesse pelo som, que se reage afetivamente ao impacto sonoro; entender, para designar o fato de que se tomou consciência daquilo que se ouviu e escutou. (WILLEMS, 1970, p. 56-57 apud BASTIÃO, 2014, p. 23, grifos do autor).

Observa-se que, além dos termos escutar e ouvir, apresentados anteriormente, esse autor ainda apresenta uma outra noção: o entender. Esse seria um estágio de percepção auditiva em que o ouvinte iria além do interesse pelo som na escuta, visto que toma consciência dos acontecimentos sonoro-musicais.

Além das distinções entre escutar e ouvir, cabe ressaltar que os termos apreciação e percepção serão tratados neste trabalho como atividades de escuta distintas, como já realizado em pesquisa anterior (RODRIGUES, 2017). Porém, é importante considerar que estes termos são muitas vezes empregados de forma indiscriminada, como se fossem mesmo sinônimos, conforme encontrado em Caldeira Filho (1971) e Grossi (2004).

Entende-se aqui o termo percepção sob dois conceitos: o primeiro deles está ligado à disciplina percepção musical, presente em cursos técnicos e superiores de música.

Refere-se ao treinamento auditivo do músico para reconhecimento de alturas, intervalos,

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Alguns autores não fazem essa diferenciação entre escutar e ouvir, como é o caso de Zagonel (2008) e Boal-

Palheiros (1996), que utilizam o termo ouvir com o mesmo sentido de escutar.

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acordes, células rítmicas, prática de solfejo, entre outros. Já o segundo conceito, empregado por autores como Caldeira Filho (1971) e Grossi (2004), tem um significado próximo ao de apreciação e de escuta.

A apreciação musical, segundo o Harvard Dictionary of Music (APEL, 1983, p.

552, tradução nossa) é definida como

Um tipo de treinamento musical projetado para desenvolver no amador interessado a capacidade de ouvir música de forma inteligente, que ele provavelmente encontrará em apresentações de concertos e em reprodução [gravações ou transmissões] e, assim, aumentar o prazer e a satisfação que ele pode obter ao ouvir música. (APEL, 1983, p. 44, tradução minha)

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.

Esta definição parece sintetizar, e ao mesmo tempo abranger, de forma satisfatória, os objetivos e os propósitos da prática da apreciação musical.

Com base nesse entendimento sobre apreciação musical e os termos a ela relacionados, conceitua-se, em linhas gerais, a apreciação musical como a prática da escuta musical ativa, que visa levar o ouvinte a um desfrute das propriedades da obra musical, e em decorrência disso, levá-lo a desenvolver uma habilidade de escuta musical a ser levada para o seu cotidiano.

Como mostrado anteriormente, ainda que alguns autores venham a utilizar o termo percepção com o mesmo sentido de apreciação musical, eles serão tratados como distintos entre si no contexto do presente trabalho. Portanto, ao longo do texto, somente o termo apreciação musical será empregado para se referir à prática de escuta musical ativa. No entanto, serão aqui empregados como sinônimos apreciação musical e escuta, conforme já feito em pesquisa anterior (RODRIGUES, 2019).

Uma vez esclarecidos os significados desses conceitos e suas especificidades, segue uma explanação a respeito das três dimensões envolvidas no ato da apreciação musical e que podem ser exploradas pela prática da escuta.

Três dimensões da apreciação musical

A partir de ideias de autores que se debruçaram sobre a temática da apreciação e escuta musical, é possível perceber que, em geral, essa atividade pode ser compreendida em

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“A type of musical training designed to develop in the seriously amateur an ability to listen intelligently to the

music he is likely to encounter in concert performances and in broadcast reproduction and thus to enhance the

pleasure and satisfaction.” (APEL, 1983, p. 44)

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três dimensões, proporcionando ao ouvinte experiências musicais e transformações em sua escuta em três níveis. Essas três dimensões são: dimensão afetiva, dimensão compreensiva e dimensão estética.

A dimensão afetiva manifesta-se no ouvinte através de lembranças, sentimentos, imagens e emoções provocadas pela obra musical. É de caráter predominantemente subjetivo, sendo esta, possivelmente, entre as três dimensões, a mais acessível ao ouvinte — sobretudo ao ouvinte de iniciação musical — e a que favorece, de forma mais imediata e espontânea, a atribuição de significado pessoal à música escutada. Assim, ainda que este ouvinte não compreenda de forma sistemática a construção da música escutada, ele poderá ser envolvido afetiva e emotivamente pela atmosfera da obra, pelas sensações provocadas a partir dos aspectos rítmicos e melódicos, timbres, elementos presentes no discurso musical.

Por estar mais ligada às emoções e menos à racionalização, a dimensão afetiva é, possivelmente, entre as três, a que menos exigiria do ouvinte conhecimentos técnico-musicais.

Isso por se basear na recepção dos estímulos da música, por parte do ouvinte, e sua resposta afetiva à obra, que pode, inclusive, dar-se de forma expressiva, por meio de palavras, gestos, desenhos suscitados pela música (BASTIÃO, 2014).

Ao tratar das bases psicológicas da apreciação musical, Caldeira Filho (1971) chama a atenção para o seu aspecto afetivo. Da mesma forma, Zagonel (2008), ao propor os Sete passos para ouvir com atenção

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, apresenta os dois primeiros passos — Ouvir e sentir e Imaginar uma cena sugerida — como estando diretamente ligados a aspectos de afetividade do ouvinte.

A primeira audição de uma peça pode ser feita de maneira totalmente livre, buscando apenas o prazer em ouvir. É deixar as sensações aflorarem, andar pelas lembranças trazidas pela música, idealizar um mundo que ela possa sugerir. (ZAGONEL, 2008, p. 17).

Portanto, como já apontado anteriormente, a dimensão afetiva é a que, de certa forma, estaria mais acessível a todo tipo de ouvinte, por não demandar esquemas musicais cognitivos muito elaborados, bastando que este ouvinte seja levado a escutar de forma atenta e ativa. Ao longo dessa experiência, caberia a ele buscar relacionar as sensações provocadas pela obra musical com suas referências pessoais, afetos e lembranças.

Diante do caráter subjetivo da dimensão afetiva, caberia ao professor conduzir os alunos a uma escuta musical livre, como sugerido por Zagonel (2008, p. 17), e estimular que,

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Os sete passos para ouvir com atenção apresentados por Zagonel (2008, p. 17-22) são: 1) Ouvir e sentir; 2)

Ouvir e imaginar a cena sugerida; 3) Identificar os temas; 4) Observar os instrumentos e respectivos timbres; 5)

Identificar as cenas ou as partes; 6 Perceber a forma, a estrutura; 7) Elaborar um esquema escrito.

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ao escutarem a música, percebam que tipos de sentimentos ela desperta e o que os leva a imaginar. Tendo em vista o alto grau de subjetividade deste tipo de atividade, é muito provável que cada um dos alunos participantes assimile a música de maneira particular. Este parece ser um dos caminhos viáveis para uma escuta musical significativa, visto que “a possibilidade de significar a apreciação musical primeiramente através da emoção é uma porta de entrada para que muitas outras abordagens venham a acontecer posteriormente” (RIZZON, 2009, p. 53).

A respeito da importância de o professor explorar a dimensão afetiva na apreciação musical, Bastião (2014) comenta:

O desinteresse das crianças em ouvir música em sala de aula pode ter relação com o fato de a escola enfatizar prioritariamente as funções cognitivas e dar pouca atenção às impressões ou sentimentos que a música suscitou nos estudantes, bem como as possibilidades práticas de interagir com a audição musical (BASTIÃO, 2014, p.80).

De acordo com esta autora, a dimensão afetiva da apreciação pode ser o meio pelo qual os alunos, em especial as crianças, tenderão a uma experiência pessoal mais significativa.

Em decorrência disso, elas terão um maior interesse por escutar música em sala de aula.

Embora essa experiência não deva se limitar à afetividade, esse aspecto se mostra eficiente para despertar o interesse dos alunos pela atividade de apreciação.

A segunda dimensão é a dimensão compreensiva da apreciação musical. Trata-se de uma abordagem de caráter analítico e técnico, em que o ouvinte reconhece elementos, estrutura e detalhes técnico-musicais da obra, assim como os aspectos mais relevantes presentes na composição. Caldeira Filho (1971) trata essa abordagem como uma “audição inteligente ou compreensiva da música” (CALDEIRA FILHO, 1971, p. 13) e propõe que para ela seja feita uma contextualização social e histórica da obra musical, abordando suas características estilísticas e seus elementos musicais e formais. Demanda uma atitude curiosa e interessada por parte do ouvinte, em prol de uma compreensão e uma assimilação do conteúdo musical. O foco de interesse encontrado nesse nível de escuta estaria, portanto, não necessariamente na beleza da obra ou nas emoções provocadas por ela — como nas outras duas dimensões — mas no reconhecimento de seus elementos e na compreensão de sua estrutura e construção musical.

A esse respeito, Zagonel (2008) afirma que “é comum apreciarmos uma música

sem conhecermos suas estruturas, sem saber o que tem dentro dela, sem saber como foi

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construída e que elementos musicais podem ser percebidos” (ZAGONEL, 2008, p. 15). Ela considera fundamental que o ouvinte obtenha um conhecimento prévio que o oriente na escuta da obra. A respeito da música “clássica”, a autora ainda salienta que “muitos sequer querem ouvi-la por pensar que não irão entender nada, e ela será então considerada chata”.

Sua explicação para essa reação está no fato de o ouvinte “não conhecer os códigos básicos para decifrá-la” (ZAGONEL, 2008, p. 15), o que impede que ele goste e se interesse por esse tipo de música.

Como visto, essa dimensão da apreciação prioriza a compreensão da música pelo reconhecimento de seus elementos, de seus aspectos e de sua linguagem. Portanto, por ser essencialmente técnica, exigiria do ouvinte conhecimentos técnico-musicais prévios relativos aos parâmetros do som, elementos musicais, estrutura, gêneros, estilos, instrumentação, entre outros. A respeito da importância do preparo prévio para a compreensão musical, Penna (2008) considera que:

A condição para que o indivíduo possa apreender a obra, dando lhe sentido, é o domínio prévio dos instrumentos de percepção — isto é, de referenciais internalizados, construídos a partir de sua experiência, que lhe sirvam como esquemas de interpretação. [...] Musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o indivíduo possa ser sensível à música, apreendê-la, recebendo o material sonoro/musical como significativo. Pois nada é significativo no vazio, mas quando relacionado e articulado ao quadro das experiências acumuladas, quando compatível com os esquemas de percepção desenvolvidos. (PENNA, 2008, p. 30 - 31).

No entanto, embora essa compreensão musical se mostre fundamental para uma experiência que transforme as relações do ouvinte com a música, não parece ser interessante que se restrinja a experiência de escuta à simples identificação e descrição dos aspectos da obra. Ou seja, que essa consciência do discurso musical se configure como uma maneira de o ouvinte se situar na obra, compreendendo-a do ponto de vista técnico-musical, e a partir disso, possa encontrar maior sentido e significado pessoal à obra, desfrutando-a, assim, de forma mais ampla e profunda. A esse respeito, Caldeira Filho (1971) chama a atenção para o fato de que a apreciação musical não deve ser o que ele chama de discernimento, ou seja, o ato de simplesmente identificar “os elementos contidos na onda sonora que está sendo ouvida:

gênero, forma, meio de realização, modalidade, tonalidade, etc. embora esse discernimento

seja parte da apreciação em todos os seus graus” (CALDEIRA FILHO, 1971, p. 18).

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A terceira dimensão da apreciação musical é a dimensão estética

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. Nela, o ouvinte pode vir a desfrutar de um tipo de prazer ligado ao elemento artístico presente na obra musical, seja em relação à sua construção — forma, estilo, instrumentação, textura, etc. — ou à sua interpretação.

Quando respondemos aos sons, estes deixam de ser matéria-prima, materiais aurais, para tornarem-se carregados de significado. Nossa resposta se torna resposta estética... estética significa que percebemos e sentimos algo... uma experiência estética é auto enriquecedora. Não é algo necessariamente complicado e rarefeito ou místico e alusivo... Uma experiência estética alimenta a imaginação e afeta o modo como sentimos as coisas: música sem qualidade estética é fogo sem calor. (SWANWICK, 1979, p. 59 apud GROSSI, 2004, p. 25).

Por concentrar-se nas características técnico-expressivas da obra, este nível da apreciação também exige do ouvinte conhecimentos a respeito de linguagens, estilos, gêneros, formas e estruturas musicais. Para Caldeira Filho (1971), “a apreciação será tanto mais intensa quanto mais preparado estiver o ouvinte para a recepção da mensagem que o criador quis transmitir” (CALDEIRA FILHO, 1971, p. 14).

O nível de exigência do ouvinte nessa dimensão, seria, portanto, ainda maior que na dimensão compreensiva e se diferencia por estar voltada não somente à identificação e ao reconhecimento dos elementos e aspectos musicais da obra, mas aos aspectos composicionais, artísticos e expressivos. Busca-se investigar de que forma os elementos musicais e a forma com que estão organizados provocam prazer e interesse no ouvinte.

De acordo com a sua bagagem musical prévia, o ouvinte poderá, portanto, perceber em que medida a construção e interpretação da obra pode ou não vir a atingir suas expectativas artísticas e expressivas no ato da escuta, traduzindo-se em uma experiência de caráter estético. “Se tais interesses, ou correspondentes possibilidades receptivas, existirem em seu espírito [do ouvinte], ver-se-á tomado de prazer quando satisfeito, e de desprazer em caso contrário” (CALDEIRA FILHO, 1971, p. 13).

Além desses aspectos, uma característica fundamental dessa dimensão é que nela o ouvinte tende a se concentrar, especialmente, no valor intrínseco da obra musical, na forma como a mesma foi composta e interpretada, no conteúdo que esta apresenta. Seria, portanto,

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 Estética: “Parte da filosofia que trata do belo e do fenômeno artístico. Conforme Alexander Baumgarten  (1714‐1762), filósofo alemão que cunhou o termo estética, trata‐se da ciência das faculdades sensitivas que  consiste na apreensão da beleza e das formas artísticas.” (MICHAELLIS, on‐line). Disponível em: 

https://michaelis.uol.com.br/moderno‐portugues/busca/portugues‐brasileiro/estética/. Acesso em: 16 jan. de 

2020. 

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um prazer proveniente da beleza presente na própria obra, sem necessariamente relacioná-la a elementos externos a ela ou mesmo a elementos extramusicais.

A audição inteligente poderá levar o ouvinte a experienciar a qualidade da execução, da sonoridade, o dinamismo geral e tantos outros elementos, os quais poderão por si sós, ser fonte de algum prazer. (CALDEIRA FILHO, 1971, p. 13).

O termo “audição inteligente”, empregado por esse autor, permite compreender o caráter intelectualizado deste tipo de escuta, pois exige certo nível de conhecimento musical e experiências musicais prévias para que o ouvinte possa desfrutar do conteúdo e do discurso que a obra apresenta e responder a ela de maneira estética. A respeito do caráter inteligente e intelectual de uma apreciação estética, Lazarin (2005) afirma:

Diferenciada do mero prazer sensual, a apreciação do belo tem um caráter intelectualizado, sempre revelando uma intelectualidade diferente daquela do mundo concreto, embora através da materialidade da obra de arte. Nesse sentido, conserva-se o lugar privilegiado da experiência da obra de arte, na qual permanece central o conceito de obra de arte como representação de uma realidade superior. A arte repousa em um lugar consagrado, como uma experiência pontual e única, ao mesmo tempo em que o sentimento suscitado pela obra de arte é mais que uma pura experiência sensual, sendo necessário entendê-lo e objetivá-lo, ou seja, trazê-lo para a instância da consciência e da racionalidade. (LAZARIN, 2005, p. 18-19).

Considerações Finais:

O objetivo de dividir a atividade de apreciação musical em três dimensões não é necessariamente o de apontar a existência de três diferentes tipos de escuta, mas, ao invés disso, chamar a atenção para as variadas formas de o ouvinte se relacionar com a obra musical no momento da apreciação.

Diante disso, as três dimensões da apreciação musical apresentadas neste texto são

apenas uma maneira de melhor entender as diferentes abordagens, caminhos e objetivos que

uma prática de escuta musical pode assumir, e os tipos de experiência que esta pode

proporcionar aos ouvintes. E ainda, essas três dimensões dizem respeito às finalidades da

atividade de escuta, deixando claro os níveis que a prática pretende explorar e atingir, e ainda,

aos tipos de experiência do ouvinte e aos variados enfoques que o mesmo pode dar a uma

mesma obra.

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É importante salientar que a experiência de escuta através dessas três camadas — afetiva, compreensiva e estética — estão entrelaçadas e interligadas e podem ocorrem tanto de forma separada — buscando a cada escuta da obra um enfoque diferente — quanto de forma simultânea e espontânea — em determinados momentos da música a dimensão afetiva se sobressair ao ouvinte, enquanto em outros trechos, os aspectos técnico musicais capturarem sua atenção, por exemplo.

A partir desse entendimento, o professor poderá explorar esses níveis de experiência musical de maneira mais consciente e direcionada, conduzindo os alunos a uma apreciação musical mais significativa e transformadora. Dessa forma, esse professor poderia explorar a escuta de seus alunos de cada uma dessas maneiras ou alternar o enfoque de escuta de uma mesma obra, para que todas as experiências — afetiva, compreensiva e estética — pudessem ser vivenciadas dentro de uma mesma obra musical.

Diante dessas colocações e reflexões enxerga-se que o fundamental é que, de alguma maneira, o ouvinte desfrute da obra musical de forma que possa ser motivado emocionalmente e afetivamente pelo seu conteúdo musical, que possa compreendê-la e ter consciência dos elementos que a compõe, e também possa responder a ela de forma estética, pelos seus aspectos intrínsecos e, sobretudo, pelo valor artístico-musical que a música apresenta.

Referências

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Cambridge, MA: 1950. P. 44-45. Disponível em:

<https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.215605/page/n59>. Acesso em: 16 jan. de 2020.

BASTIÃO, Zuraida A. Apreciação musical expressiva. Salvador: EDUFBA, 2014.

BOAL-PALHEIROS G.; WUYTACK J. Audición Musical Activa. Porto: Associação Wuytack de Pedagogia Musical, 1996.

CALDEIRA FILHO, João C. Apreciação Musical: subsídios teórico-práticos. São Paulo:

Fermata do Brasil, 1971.

GRANJA, Carlos Eduardo de S. C. Musicalizando a escola: música, conhecimento e educação. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.

GROSSI, Cristina. As ideias de Keith Swanwick aplicadas na percepção musical. Debates:

Cadernos do Programa de Pós Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO.

Rio de Janeiro, nº 7, p. 23-38, 2004.

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LAZZARIN, A. compreensão do significado estético em educação musical. In: BEYER, E.

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PENNA, Maura. Música e seu(s) ensino(s). Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

RODRIGUES, L. N. Apreciação Musical nos anos iniciais do ensino fundamental:

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RIZZON, Flávia G. A música e suas significações. In: BEYER, E. KEBACH, P. (Orgs) Pedagogia da Música: experiências de apreciação musical. Porto Alegre: Mediação, 2009. P.

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ZAGONEL, Bernadete. Pausa para ouvir música: um jeito fácil e agradável de ouvir música

clássica. Curitiba: Instituto Memória, 2008.

Referências

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