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Pluralismo político e mídia. Democracia possível ou impositiva?

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-PlURAllSMO

pOlíTICO E MíDIA. DEMOCRACIA

POSSíVEL OU IMPOSITIVA?

HGFEDCBA

IN T R O D U Ç Ã O

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

cularmente a televisão, tem

sido o instrumento por

ex-celência dessa disseminação cultural e ideológica.

Reconhece-se, sem

maiores discussões, que

vive-mos sob a égide das

comu-nicações globalizadas. Muito

embora este processo ainda

se realize de modo desigual, no seu âmbito de produção

ou cobertura receptiva, o fato

é que sob o seu impacto os

sentidos de t e m p o e e s p a ç o

- como dimensões

compor-tando diferentes significados

em figurações sociais

especí-ficas - vêm se modificando

numa velocidade inusitada

provocando perplexidades e

indefiniçôes de difícil

com-preensão política e social. A

afirmação de Marx, no

Mani-festo Comunista, de que "tudo que é sólido

des-mancha no ar" nunca foi tão verdadeira e expressiva.

Os processos de produção mídíátícos- , por

um lado, promovem em escala global uma

exten-são da visibilidade pessoal, social e institucional

em largas extensões da vida cotidiana, rompendo

as significações tradicionais de tempo e espaço,

nas quais prevaleciam as interações diretas, em

contextos de co-presenças. Por outro, as suas

or-ganizações voltadas para a produção de

mercado-rias simbólicas, visando o lucro, submetem-se às

imposições da concorrência, diga-se de passagem,

uma concorrência crescentemente acirrad a,

inclu-sive da internet, conduzindo a formatos de

produ-ASSUÉRO FERREIRA*

RESUMOgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

O

intenso desenvolvimen-to dos meios de comu-nicação de massas, tanto

nos seus processos de

pro-dução quanto nas suas

pos-sibilidades de extensão

territorial de cobertura, vem

provocando na mesma

expressividade mudanças

cruciais nas culturas locais

e, em particular, na cultura

política. Ou seja, não

ape-nas o avanço tecnológico

dos meios de comunicação

de massa, particularmente

da televisão e,

recentemen-te da Inrecentemen-ternet, mas, do

mes-mo modo, os formatos e

conteúdos da produção

midiática vêm contribuindo

decisivamente e de forma irresistível para induzir

mudanças nos processos de interações sociais em

níveis locais e supralocais. Neste contexto, ao

contrário de promover uma diversidade cultural

aos níveis locais, conforma uma espécie de

homogeneização cultural transnacionalizada em

que sentidos locais, em menor ou maior

veloci-dade, são deslocados para dar lugar a relações

imediatas que têm na generalização da troca de

mercadorias, materiais ou simbólicas - produzidas

sob padrões estéticos e utilitários universalizados

- papel subordinante sobre outras formas

anterio-res e particulaanterio-res de interações sociais". Neste

contexto, a mídia, em seus vários formatos,

parti-N e s te a rtig o o a u to r d is c u te , c ritic a m e n te , a in flu ê n c ia d a m íd ia n o p ro c e s s o d e m o c rá tic o c o n te m p o râ n e o , c o n -c lu in d o q u e a m e s m a v e m -c o n trib u in d o , d e -c is iv a m e n te ,

p a ra fu n d a r u m a d e m o c ra c ia im p o s itiv a a o in v é s d e a ju

-d a r n a c o n s tru ç ã o -d e u m a -d e m o c ra c ia re p re s e n ta tiv a . N e s te s e n tid o , o e le m e n to fu n d a m e n ta l q u e e m b a s a a d in â m ic a d o p ro c e s s o é apersuasão e e le d e v e re a li-z a r-s e n a a u s ê n c ia d e c o -p re s e n ç a s e m c o n flito s , m a s

s im , m e d ia d o s p e la in fo rm a ç ã o fra g m e n tá ria e x p o s ta p e la m íd ia à s e m e lh a n ç a d a p u b lic id a d e d a s m e rc a d o ria s m a te ria is o u s ím b ó lic a s . E s ta "fu g a " d a p o lític a n o s e n tí-d o c lá s s ic o re e n c o n tra , c o m o já h a v ia p io n e ira m e n te

a n a lis a d o J.S c h u m p e te r, u m m o d o d e fa z e r p o lític a e m q u e s e id e n tific a a c o m p e tiç ã o p o lític a c o m a c o m p e

ti-ç ã o e c o n ô m ic a d e m e rc a d o . C o m o d o m in a m n e s s e s m e

r-c a d o s e s tru tu ra s o lig o p ó lir-c a s o re s u lta d o é u m a r-c é le re c a m in h a d a p a ra e s tru tu ra s d e p o d e r q u e s e le g itim a m d e m o d o im p o s itiv o , d e fo rm a d ire ta o u s im b ó lic a , d e s p re z a n d o e m g e ra l o s in te re s s e s d a s c la s s e s o u s e g

-m e n to s d e c la s s e s n ã o d o -m in a n te s .

• P ro fe s s o r T itu la r d a F a c u ld a d e d e E c o n o m ia , A d m

i-n is tra ç ã o , A tu á ria e C o i-n ta b ilid a d e d a U i-n iv e rs id a d e F e d e ra l d o C e a rá (e -m a il: a s s f@ u fc .b r).

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-

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ção superficiais com fortes tendências a

homogeneização, nas quais as imagens

sobrepõem-se aos conteúdos e à difusão crítica. Mesmo que

possamos atribruir esta situação mais propriamente

à televisão, não há perda de generalidade ao

es-tendermos aos demais meios de comunicação de

massa, muito embora, convenhamos, os jornais e

algumas revistas de atualidades tendam a ser mais

investigantes, porém, nem sempre imparciais como

procuram se apresentar.

Mesmo assim, um levantamento rápido do

amplo leque da produção midiática impressa,

na-cional ou internana-cional, ou mesmo na internet, vai

certamente constatar que, no caso dos jornais

diá-rios, prevalece uma homogeneização do formato

da notícia, como uma simples colagem de tiras

provindas da mesma origem, enquanto o jornalismo

de opinião ou investigante transparece de forma

secundária. Este é, muitas vezes distorcido pelo

sensacionalismo ou pela falta de fundamentos

só-lidos, quando não, refletindo ideologias e

interes-ses políticos dos proprietários das empresas

jornalísticas, e muito menos opiniões abalizadas

dos seus jornalistas editores. Quanto às revistas de

atualidades, a situação se apresenta bem pior. Em

primeiro lugar, aquelas dedica das a informações

socíoeconôrnícas e políticas, e mesmo culturais,

embora dispondo de tempo maior para as suas

produções, sofrem praticamente dos mesmos

pro-blemas atribuídos aos jornais. Em segundo,

ou-tros tipos de revistas, em número expressivamente

superior, pautam-se exaustivamente pela

recor-rência à fofoca> sobre personalidades públicas,

principalmente artistas ou pretensos artistas de

tele-visão e cinema, e a exploração comercial do sexo" .

Neste trabalho, porém, preocupa-me mais

precisamente o papel, ou papeis, que a mídia,

particularmente a televisão, exerce no processo

democrático moderno. Neste sentido, aventamos

que muito embora a mídia possa, em

determi-nadas circunstâncias, exercer aquele

autopro-paga do papel de guardião das condições gerais

de liberdade, principalmente, ao denunciar

nepotismos, despotismos ou outros gravames

praticados por poderes públicos ou privados, a

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gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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sua atuação sistemática, na realidade, legitima

de forma impositiva, em termos ideológicos, a

democracia formal vigente no ocidente.

Em outras palavras, ao se colocar como o

palco privilegiado da enunciação da política na

sua forma espetáculo, a mídia, em geral, contribui

decisivamente para a manutenção do

HGFEDCBA

s t a t u s q u o

do regime político vigente nas democracias

libe-rais do ocidente. Isto não significa dizer que o

exercício da política se realize tão-somente a partir

da intermediação midiática. Mas sim que mesmo

aqueles movimentos que se passam ao largo dos

sistemas partidários tradicionais terminam por

as-sumir que as suas visibilidades efetivas somente

poderão se realizar com referendo da mídía'' . Ou,

como diz Carvalho 0999, p. 21), com muita clareza:

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

... s ó a d q u i r e sentido político o q u e e n t r a n o c a m p o d a n o t í c i a , o u s e j a , o q u e s e c o l o c a e m p o s i ç ã o d e ser notado publicamente. O l u g a r p r i v i l e g i a d o d e r e g i s t r o d e s s a n o t o r i e d a d e és e m d ú v i d a a m í d i a ( e d e m o d o e s p e c i a l a t e l e v i -s ã o ) . Or e c o n h e c i m e n t o d a t n d i s p e n s a b i l i d a d e d o m a r k e t i n g p o l í t i c o é a r e n d i ç ã o a o f a t o d e q u e c a d a v e z m a i s fazer política é c o n s t r u i r e p ô r e m c i r c u l a ç ã o i m a g e n s c o m valor de ex-posição (grifas no original).

O fluxo informativo se apresenta, no

en-tanto, de modo fragmentário em que o

res-pectivo conteúdo assume um caráter fundado

em imagens deslocadas, distantes, do

indiví-duo receptor e da sua posição de classe,

quan-do não, substituinquan-do a figuração política pelo

personalismo do político. Neste último

senti-do, a tendência é constituir-se em

instrumen-to formador em grande extensão de lideranças

efêmeras que representam, no geral,

interes-ses bem distantes dos segmentos sociais os

quais se propuseram representar, na luta

com-petitiva pelos necessários votos à sua

respec-tiva ascensão política. Isto não significa dizer,

enfatizo, que não possam se constituir

lide-ranças substantivas no contexto do jogo

polí-tico moderno, quaisquer que sejam as suas

orientações ideológicas. Estas, porém, além de

terem reduzida permanência no espaço político

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vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e seus discursos pequeno alcance, passam a

depender muito estreitamente das suas

possi-bilidades de exposição midiática.

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

É importante, ademais, ter em mente que

do mesmo modo que a mídia institucionalizada

"produz" e "reproduz" condições de lideranças,

ela pode destruí-Ias. Pois, este "jogo de

cadei-ras" da política termina por se constituir em

matéria-prima a ser transformada em

mercado-ria simbólica que dá sentido à concorrência pela

audiência e à pretensão de credibilidade

infor-mativa, condições essenciais para a geração dos

seus lucros empresariais.

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA MODERNA E OS IMPERATIVOS DA POLíTICA ESPETÁCULO

Guardadas as devidas especificidades

naci-onais verifica-se que vem se consolidando uma

tendência em escala internacional de se exercer a

política institucionalizada à moda amerícana'' , onde

vigoram ou vêm se implementando as

democraci-as liberais, ou representativdemocraci-as. Isto, graças ao

de-senvolvimento acelerado da mídía, particularmente

da televisão, associado à estruturação do

HGFEDCBA

m a r k e

-t in g p o lí-t ic o nos moldes da publicidade de

mer-cadorias e serviços. Nestas circunstâncias, o

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e s p a ç o

p o l í t i c o tende a se identificar praticamente com

uma forma especial de mercado, o m e r c a d o p o l í t i

-c o . Ou seja, a política passa a ser exercida como

um processo de trocas de mercadorias simbólicas,

realizado num mercado político, onde

preponde-ra a visibilidade fragmentada na procura de

afir-mação persuasiva de grupos políticos, ou

indivíduos, ligados a partidos políticos

burocrati-zados, normalmente distanciados da participação

popular em geral. Neste caso, o conflito entre

elei-tores e partidos, e entre estes, propende a perder

ignifícado para dar lugar a uma sociabilidade que

se fundamenta numa interação baseada em trocas

de mercadorias simbólicas, tendo o voto como

uni-dade fundamental de conta.

A propagação midiática desse processo nos

moldes dos anúncios de mercadorias em geral

torna-se a essência da competição espetacular,

denominada pluralista, democrática. As

pesqui-sas de opinião, neste contexto, com todas as

suas limitações, passam a ser o instrumento mais

valioso de aferição dessa visibilidade, ao

mes-mo tempo em que são utilizadas para a

elabora-ção ou reelaboraelabora-ção dos discursos que buscam

afirmar legitimidades representativas, sejam de

ordem pessoal ou institucionaF .

A política vista como uma competição

mercadológica na busca de afirmação de

lideran-ças foi, pioneiramente, enunciada de forma

siste-mática por Schumpeter'' , o qual se contrapunha à

idéia clássica de democracia como governo

repre-sentativo do povo para o povo, considerando-a

irrealizada ou irrealizável, nos seguintes termos:

l e m b r e m o - n o s d e q u e n o s s o s p r i n c i p a i s p r o b l e

-m a s a c e r c a d a t e o r i a c l á s s i c a ' c e n t r a v a m - s e n a

p r o p o s i ç ã o d e q u e o " p o v o " t i n h a u m a o p i n i ã o d e f i n i d a e r a c i o n a l s o b r e t o d a s a s q u e s t õ e s i n

-d i v i -d u a i s e q u e e l e o b j e t i v a v a e s s a o p i n i ã o

-n u m a d e m o c r a c i a - e s c o l h e n d o " r e p r e s e n t a n

-t e s " q u e z e l a r i a m p a r a q u e e s s a o p i n i ã o f o s s e

s e g u i d a [ S c h u m p e t e r ( 1 9 8 4 , p .336)],

Na percepção clássica de democracia,

ar-gumenta Schumpeter, a escolha dos

representan-tes torna-se secundária frente à capacidade dos

eleitores de formular ações e tomar decisões

so-bre questões políticas. Ou seja, na democracia

imaginada, ou desejada, segundo a interpretação

do autor, a participação política dos eleitores e,

por conseguinte do povo, na condução do

pro-cesso político sobrepõe-se à definição do modo

de escolha dos representantes. Em outros termos,

a participação política tem maior expressão

fun-cional que a escolha da representação.

Para ele, uma percepção realista, ou

pode-mos dizer compreensiva, da democracia deve

re-verter os termos do raciocínio acima para assumir

que o papel do povo, ou do eleitorado, é

"produ-zir um governo" através do voto. Desse modo, a

dominância sobre o processo democrático passa

da participação para a escolha da representação.

Nesta perspectiva, como enuncia o autor:

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-

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

m é t o d o d e m o c r á t i c o é a q u e l e a c o r d o

i n s t i t u c i o n a l p a r a s e c h e g a r a d e c i s õ e s p o l í t i

-c a s e m q u e

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o s i n d i v í d u o s a d q u i r e m op o d e r d e d e c i s õ e s a t r a v é s d e u m a l u t a c o m p e t i t i v a p e l o s

v o t o s d a p o p u l a ç ã o (idem, ibidem, p . 336).

Este processo de vivência democrática ,

pretensamente representativo, assegurado por

sufrágios eleitorais, evidencia um fenômeno

ex-tremamente importante que é a afirmação de

HGFEDCBA

lid e r a n ç a s c o m p e t it iv a s , fato este

despreza-do, segundo o autor, pela teoria clássica. Assim,

ao invés de iniciativas políticas provindas da

população, ou do eleitorado, no sentido mais

restrito, para a tomada de decisões políticas,

tem-se objetivamente uma aceitação de lideranças,

escolhidas através do voto, as quais serão

res-ponsáveis pela formulação e implementação

daquelas decisões. Desse modo, na expressão

do autor, o que emerge é uma V o n t a d e M a n u

-faturada 1o , dado o grau de autonomia relativa

que adquirem as lideranças nos seus

respecti-vos exercícios políticos.

Na visão schumpeteriana é

interes-sante observar que, tal qual na esfera econômica,

o conceito de competição pela liderança

apre-senta as mesmas dificuldades, de modo que

mes-mo que esteja sempre presente no mercado

político, ele a concebe como uma livre

competi-ção pelo voto, porém ocorrendo de modo

imper-feito, ou seja, evidenciando posições privilegiadas,

em menor ou maior graus [Schumpeter (ib. p.

338-339)]. Mas, por outro lado, o autor acredita

que graças a essa luta competitiva, como a

essên-cia da democraessên-cia, o exercício da ação política

pela liderança torna-se mais abrangente, ou

me-nos absoluta, em comparação com outras formas

de governo que não admitem a competição pela

liderança [Schumpeter (ib, p. 350)].

A luta pelo poder político, para Schumpeter,

é o objetivo fundamental da competição pela

li-. derança, tal qual a obtenção de lucros é o

objeti-vo fundamental da empresa capitalista. De sorte

que a função social do exercício político, como

produzir legislação e outras medidas

administra-tivas de intervenção governamental, é incidental

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e tem um caráter legitimador das lideranças

elei-tas, da mesma maneira que a "produção é

incidental à realização de lucros" [Schumpeter (ib.

p. 352)]. Quanto aos eleitores, o seu papel

políti-co é por demais limitado no que respeita à

toma-da de decisões. No geral, tende mais a se

caracterizar por sua escolha eleitoral não ser de

antemão de iniciativa própria, mas estar

condici-onada a definir preferências dentre um espectro,

muitas vezes limitado, de opções de candidatos

que se apresentam em competição pela liderança.

As escolhas preferenciais tornam-se ainda

mais limitadas quando a organização política se

efetiva através de partidos. Pois, o partido

polí-tico é, para o autor, uma organização que

agru-pa indivíduos que aceitam e;m combinação, como

princípio, lutar competitivamente pelo poder

político e muito menos lutar por um princípio

ideológico unificador de interesses de classes

ou de segmentos de classes. Nas suas palavras:

P a r t i d o e m á q u i n a p o l í t i c a s ã o s i m p l e s m e n t e r e s p o s t a a o f a t o d e a m a s s a e l e i t o r a l s e r i n c a -p a z d e q u a l q u e r a ç ã o q u e n ã o s e j a o " e s t o u r o

d a b o i a d a " e c o n s t i t u e m u m a t e n t a t i v a d e r e -g u l a r a c o m p e t i ç ã o p o l í t i c a q u e é e x a t a m e n t e s e m e l h a n t e à s p r á t i c a s c o r r e s p o n d e n t e s d e a s -s o c i a ç ã o c o m e r c i a l " [ S c h u m p e t e r C i b . p . 353)].

Essa concepção negativa de partido e

siste-ma partidário opõe-se francamente à idéia

corren-te de partido político como entidade aglutinadora

de expressão ideológica que, ao mesmo tempo

em que se configura irIstitucionalmente como meio

de representação popular, é instrumento

reivirIdicatório de pressão. o entanto, ao

consta-tarmos o distanciamento crescente que os partidos

políticos vêm tomando dos seus representados, a

concepção de Schumpeter pode ser encarada com

menos reticências. Isto vem se passando mesmo

nas democracias européias, onde os partidos

polí-ticos, regra geral, tradicionalmente assumiram um

caráter ideológico mais consistente. Na verdade,

para o autor, mais importante que partidos para o

êxito democrático é a existência de elites

capacita-das e comprometicapacita-das, ética e moralmente, com o

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-

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

processo político de representação e execução

ad-ministrativas e, ainda mais, que os mecanismos de

tomadas de decisões políticas não se estendam de

orma pronunciada, sob pena de perda de

eficiên-cia e eficáeficiên-cia soeficiên-cial [Schumpeter (ib. p. 361-376)]11.

Nesta perspectiva, a essência da política

democrática moderna traduz-se na luta

compe-titiva para a afirmação, ou legitimação, de

lide-ranças num mercado político sujeito a certas

regras, ou normas predefinidas. Essas regras,

como chama a atenção Lindblom, constituem-se

em restrições legais ou consuetudinárias que

pos-ibilitam que o jogo político, em princípio, se

realize sob condições as mais pacíficas

possí-'eis, estabelecendo os tradicionais direitos e

prer-rogativas individuais Lindblom [(1979, p. 156)1.

Como reconhece, no entanto, o próprio

Lindblom, estes preceitos, ou regras, embora

estabelecidos em praticamente todas as

demo-cracias representativas modernas, são

observa-dos imperfeitamentelê . Para Bobbio, no entanto,

apenas onde essas regras são respeitadas a

de-mocracia pode vigorar, inclusive,

possibilitan-do a resolução de conflitos de modo pacífico

[Bobbio (1986 p. 39)]. Dadas as regras do jogo,

a democracia representativa se consolida na

me-dida em que as possibilidades de revezamento

no poder sejam efetivas e francamente

libera-das e, ainda mais, que sejam realizalibera-das através

do sufrágio universal. Para Dahl, a despeito de

o processo eleitoral apresentar várias limitações,

é - juntamente com a competição contínua entre

partidos ou indivíduos - fundamental para o

exercício de pressão sobre os líderes políticos

nas demandas sociais da coletividade. No

en-tanto, isto não significa dizer que se

estabele-cem governos de maiorias. Na realidade, como

acentua:

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e l e i ç õ e s e c o m p e t i ç ã o p o l í t i c a n ã o S i g n i f i c a m g o v e r n o d e m a i o r i a s e m q u a l q u e r m a n e i r a s i g -n i f i c a t i v a , m a s a u m e n t a m i m e n s a m e n t e o t a -m a n h o , n ú m e r o e v a r i e d a d e d a s m i n o r i a s , c u j a s p r e f e r ê n c i a s t ê m q u e s e r l e v a d a s e m c o n t a p e l o s l í d e r e s q u a n d o j a z e m o p ç õ e s d e p o l í t i c a

[ D a h l 0 9 8 9 , p . 1 3 1 ) ] .

A questão fundamental, neste contexto,

en-tão, traduz-se no fato de que a busca do exercício

de influência, ou similarmente de poder, deve ser

realizada através de variadas formas de

HGFEDCBA

p e r s u a

-s ã ojunto à população, em geraP3 , ou ao

eleitora-do, em particular. Ora, o exercício da persuasão

política, por lideranças ou pretensas lideranças,

requer urna visibilidade permanente que deve ser

intensificada nos períodos eleitorais.

Em sociedades complexas, no entanto,

dominadas por amplos processos de

urbaniza-ção, a visibilidade na forma de co-presenças,

que requer interação dialógica, torna-se

bastan-te restrita, quando não impossível. Cabe inteira

razão a Arendt quando afirma que:

n a s c i r c u n s t â n c i a s m o d e r n a s , ( . . .) a p r i v a ç ã o d e r e l a ç õ e s " o b j e t i v a s " c o m o s o u t r o s e d e u m a r e a l i d a d e g a r a n t i d a p o r i n t e r m é d i o d e s t e s ú l -t i m o s -t o r n o u - s e o f e n ô m e n o d e m a s s a d a s o l i -d ã o , n o q u a l a s s u m i u s u a f o r m a m a i s e x t r e m a e m a i s a n t i - b u m a n a . O m o t i v o p e l o q u a l e s s e f e n ô m e n o é t ã o e x t r e m o é q u e a s o c i e d a d e d e m a s s a s n ã o a p e n a s d e s t r ó i a e s f e r a p ú b l i c a e a e s f e r a p r i v a d a : p r i v a a i n d a o s h o m e n s n ã o s ó d o s e u m u n d o , m a s d o s e u l a r p r i v a d o , n o q u a l a n t e s e l e s s e s e n t i a m r e s g u a r d a d o s c o n t r a o m u n d o e o n d e , d e q u a l q u e r f o r m a , a t é m e s m o o s q u e e r a m e x c l u í d o s d o m u n d o p o d i a m e n -c o n t r a r - l h e o s u b s t i t u t o n o c a l o r d o l a r e n a l i m i t a d a r e a l i d a d e d a v i d a e m f a m í l i a " [ A r e n d t

0983, p. 68)].

Neste contexto em que se verifica o

reco-lhimento do indivíduo à intimidade, numa fuga

para dentro de situações privadas alienantes,

os meios de comunicação no seu

desenvolvi-mento acelerado, particularmente a televisão,

passam, então, a assumir o papel "do outro",

num processo de interação dominado pelo

pro-dutor das falas ou do discurso, enquanto o

re-ceptor aceita com passividade essa intrusão

pública

e

privada

de um mundo

que não

é

seu

e sobre o

qual a sua única forma

de

demons-trar alguma rejeição é

deixando

de exercer o

seu papel de consumidor circunstancial do

flu-xo informativo monológico que lhe é destina-

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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-

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

do. Mesmo assim, as outras possibilidades que

lhes são oferecidas não dependem, em

princí-pio, da sua capacidade de definição. Nesta

pers-pectiva é importante a afirmação de Sennett

0998, p. 344-345) de que:

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o s

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o a u m e n t a r a m a m -p l a m e n t e o e s t o q u e d e c o n h e c i m e n t o q u e o s

g r u p o s s o c i a i s t i n h a m u m d o s o u t r o s , m a s t o r n a r a m oc o n t a t o e f e t i v o d e s n e c e s s á r i o . O

r á d i o e m a i s e s p e c i a l m e n t e a T V s ã o a p a r e -l h o s í n t i m o s , p r i n c i p a -l m e n t e s eo s a s s i s t i m o s e m c a s a , e c o n t i n u a , . . . a m í d i a e l e v o u i n f i -n i t a m e -n t e o c o n h e c i m e n t o q u e a s p e s s o a s t i n h a m d a q u i l o q u e t r a n s p i r a n a s o c i e d a -d e , e i n i b i u i n f i n i t a m e n t e a c a p a c i d a d e d a s p e s s o a s c o n v e r t e r e m e s s e c o n h e c i m e n t o e m

a ç ã o p o l í t i c a .

Na política, em geral, em se tratando de

interação na forma de co-presenças,

retoma-ram-se aquelas formas-espetáculos

principes-1 4 ' d

cas rernventa as como, por exemplo, os

"showmícios" e as "carreatas". Assim, a

HGFEDCBA

e x p a n

-s ã o d o -s m e i o -s d e c o m u n i c a ç ã o , inclusive o

desenvolvimento tecnológico dos seus

instru-mentos de produção, e a p e r s u a s ã o p o l í t i c a

tornam-se intimamente solidários construindo

novas formas de expressões na cultura

políti-ca e ideológica consolidando

generaliza-damente as relações sociais fundadas na troca

de mercadorias, onde o simbólico e o

mate-rial tornam-se praticamente indistinguíveis.

Mercado político e mercado de bens materiais

passam a se entrelaçar solidariamente,

consti-tuindo os mesmos fetiches do real. Tal como

a mercadoria, na enunciação de Marx, o voto

passa também a expressar o seu fetiche como

mercadoria-símbolo que pela sua expressão

utilitária constitui a democracia e, por

conse-guinte, o bem-estar social possível '? . Na

ver-dade, é a política reificada na sua manifestação

mais objetiva, no que transparece

superficial-mente, que os meios de comunicação de

mas-sa possibilitam a reprodução, obscurecendo

os mecanismos de dominação pelas elites nas

sociedades de massas.

66

R E V IS T A D E C IÊ N C IA S S O C IA IS V.

33

N .1

DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA À DITADURA DO

MERCADO DE FORMAS SIMBÓLICAS

o

paradoxo fundamental da política

mo-derna, em sua expressão representativa, se

cons-titui na idéia de que os direitos assegurados

legalmente de votar e de pleitear posições de

lideranças pelos indivíduos, numa dada

coleti-vidade, contrapõem-se às suas reais

possibilida-des no mercado político. Cada indivíduo adentra

nesse mercado com dotações distintas de

condi-ções, especialmente materiais. Por outro lado ,

os meios de comunicação de massas se

organi-zam como empresas que visam obter lucros na

produção de uma específica mercadoria

simbó-lica, a informação. As relações entre essas

em-presas e o poder, sejam efetivas ou pretendidas,

portanto, não se realizam de modo a possibilitar

a todos igualdades de condições na luta

compe-titiva pela liderança.

À semelhança do mercado publicitário de

bens materiais a publicidade política é

franqueada a uns poucos grupos na medida das

suas influências prévias ou intencionalmente

construídas. Torna-se uma restrição ainda mais

agravada pelo fato de que na publicidade de

bens de consumo material quem tem recursos

para fazer propaganda tem capacitado seu

aces-so na magnitude desses recursos'? . No que

res-peita à publicidade política, seja ela cotidiana

ou conjuntural, como no caso de eleições, além

das necessidades de recursos materiais,

subsis-tem como restrições as concepções ideológicas

ou mesmo preferências particulares das

respec-tivas empresas de comunicações. É ingenuidade

assumir a existência de imparcialidade

político-ideológica dos meios de comunicação de

mas-sas. Pois, além de serem empresas capitalistas

se relacionando com outras empresas

capitalis-tas que lhes compram os serviços, na

atualida-de, os gastos, em geral, dos governos em

propaganda são de magnitudes expressivas.

Não há como obscurecer a existência de

uma relação ambígua e, em certo sentido,

pro-míscua dos poderes públicos constituídos com

(7)

-

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

os meios de comunicação de massa. Isto porque

os governos necessitam que os meios de

comu-nicação lhes produzam uma certa legitimidade,

de forma direta ou subliminar, através da

divul-gação espetacular de feitos ou de omissão de

questões fundamentais da vida político-social de

uma coletividade ou nação. Os meios de

comu-nicação, por seu turno, necessitam dos gastos dos

governos, enquanto empresas que buscam

lucratividade, e de informações pertinentes como

matérias-primas das suas próprias produções.

Deve-se ademais reconhecer na

existên-cia das democraexistên-cias representativas o papel

de-cisivo exercido, de forma direta ou indireta, pelo

poder econômico no espaço político. Como

res-alta muito bem Lindblom:

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

r e c u r s o s d a s e m p r e s a s s ã o u t i l i z a d o s e m c a m p a n h a s p o l í t i c a s e a j u d a a o s p a r t i d o s , e m a p l i

-c a ç ã o d e p r e s s ã o s o b r e

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o s l e g i s l a d o r e s e o u t r a s f o r m a s d e c o m u n i c a ç ã o c o m f u n c i o n á r i o s p ú

-b l i c o s , e m e n t r e t e n i m e n t o e e m f a v o r e s a e s s e s f u n c i o n á r i o s , e m p u b l i c i d a d e p o l í t i c a e i n s t i t u c i o n a l n o s m e i o s d e d i v u l g a ç ã o d e m a s -s a , e m m a t e r i a l e d u c a t i v o p a r a e s c o l a s p ú b l i -c a s e e m l i t í g i o s j u d i c i a i s d e s t i n a d o s a i n f l u e n c i a r a p o l í t i c a d o g o v e r n o o u os e u c u m -p r i m e n t o [ L i n d b l o m (1979 219-220)].

Um amplo espectro da vida política recebe

assim influência do poder econômico,

contribuin-do decisivamente para manter a capacidade

com-petitiva no mercado político restrita aos

representantes desses grupos de poder. Os

de-mais, fora desse circuito de influências, que se

propõem à luta política competitiva, apenas

mar-ginalmente conseguem obter sucesso eleitoral e,

mesmo assim, têm que fazer grandes esforços para

afirmar suas pretensões eleitorais nos mesmos

moldes das projeções midiáticas dos

concorren-tes aliados aos grupos econômicos ou do poder

estabelecido. É o caso, por exemplo, dos

parti-dos de esquerda, dos movimentos ecológicos,

étnicos, de gênero e de grupos minoritários de

outros matizes. Estas organizações políticas

so-mente conseguem obter apoios e aprovação em

proporções mais extensas nos períodos eleitorais

quando os governos constituídos nos moldes

oligárquicos, acima referidos, estão sofrendo

gra-ves crises de legitimidade, seja de ordem

econô-mica ou ético-política, circunstanciadas em

conjunturas históricas muito específicas'? .

De importância por demais relevante é o

fato de que nas eleições que apresentam

candida-tos aos cargos legislativos e executivos, ou

majori-tários, as campanhas para estes últimos tendem a

polarizar todas as atenções. Desse modo, as

cam-panhas para os respectivos parlamentos tendem a

apresentar um grau muito maior de manipulações

de toda SOlte, sendo exatamente aí onde os

gru-pos de interesses podem fundar com mais

facili-dade os seus propósitos. Assim, se nas campanhas

majoritárias o marketing político tem de agir

lan-çando todas as suas luzes sobre pretensos

progra-mas e plataformas políticos, mesmo que

fragmentários e inconsistentes, além da afirmação

personalística de candidatos, nas campanhas para

os legisla tivos o marketing político é muito mais

superficial e as sombras favorecem muito mais aos

interesses privados do poder econômico.

O resultado dessa imposição irresistível do

poder econômico e da forma simbólica da

polí-tica, portanto do mercado no seu sentido

am-plo, sobre a liberdade efetiva de competição pela

liderança, é que o sistema político tende a se

reproduzir reafirmando suas estruturas

conser-vadoras, com a dominância sistemática de

blo-cos históriblo-cos comprometidos, em geral, com o

poder econômico.

O tão decantado revezamento de poder,

nessas circunstâncias, se realiza normalmente

entre e dentre esses círculos de influências

preestabelecidos, mantidos pelo poder

econô-mico. Os raros momentos em que parcialmente

podem ser rompidas essas conformações de

poder, em geral, estão circunscritos a situações

históricas críticas exacerbadas, nas quais se

apre-sentam gravíssimos déficits de racionalidade e

de legitimidade, para usar a conceituação de

Habermas 0980, capo 3)18.

Nessas conjunturas de crises agudas,

per-passando todos os campos de interações, porém,

(8)

-

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

os rumos políticos a serem seguidos são por

de-mais incertos, e nada se pode afirmar quanto a

alcançar, através da luta política, situações

cons-trutivas, positivas, em termos de representações

e participações dos vastos segmentos sociais

ex-cluídos das decisões políticas. A história do

sécu-lo XX demonstrou que, em grande medida, o

domínio publicitário e propagandista de

oligar-quias conservadoras conseguiram persuadir, até

mesmo usando a força física e o terror, grandes

parcelas das massas para implantar regimes

auto-ritários ou totalitários, como nos casos da Europa

sob o nazi-fascismo ou das ditaduras

latino-ame-ricanas, de passado tão recente.

Estas frágeis democracias, mesmo

compor-tando liberdades de expressão muito superiores

aos regimes ditatoriais ou totalitários, não têm

se constituído de modo a comportar igualdades

de direitos e oportunidades, tal como lhes

atri-buem os seus teóricos e publicistas. Ao

contrá-rio, a política espetáculo é exercida por quem

se agIu tina em torno do poder econômico e lhe

é orgânico, dispensando impositivamente

vas-tos segmenvas-tos sociais do exercício político

subs-tantivo, cotidiano.

Ademais, a tendência observada na

atuali-dade de uma integração internacional, cada vez

mais desigual, inclusive com a expansão em

esca-la transnacional dos meios de comunicações, é criar

em proporções ainda não devidamente

imagina-das situações de incertezas e inseguranças

inusita-das. Como bem ressalta Thompson 0998 p. 219),

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e s t a d o s n a c i o n a i s p a r t i c u l a r e s e s t ã o c a d a v e z i m e r s o s e m r e d e s d e p o d e r ( e c o n ô m i c o , p o l í t i c o , c o e r c i t i v o e s i m b ó l i c o ) q u e s e p r o l o n g a m m u i t o a l é m d e s u a s f r o n t e i r a s e q u e l i m i t a m , n u m a m e d i d a q u e v a r i a d e u m p a í s p a r a o o u t r o , o

e s p a ç o d e m a n o b r a d o s g o v e r n o s n a c i o n a i s d e -m o c r a t i c a -m e n t e . A l é m d i s s o , h á u m a g a m a d e q u e s t õ e s - r e l a t i v a s , p o r e x e m p l o , à s a t i v i d a d e s c o r p o r a t i u a s transnacionais, a o s p r o b l e m a s d e p o l u i ç ã o , à d e g r a d a ç ã o a m b i e n t a l , à r e s o l u ç ã o d e c o n f l i t o s a r m a d o s e à p r o l i f e r a ç ã o d e a r m a s n u c l e a r e s - q u e d i f i c i l m e n t e r e c e b e r ã o t r a t a -m e n t o s a t i s j a t ó r i o d e n t r o d a s l i m i t a d a s e s t r u -t u r a s p o l í -t i c a s d o s e s -t a d o s n a c i o n a i s .

68

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

R E V IS T A D E C IÊ N C IA S S O C IA IS v .3 3 N . 1

Em outros termos, a democracia

represen-tativa, nos moldes em que está organizada,

referendando sistematicamente regras de

convivências político-social que, além de

discriminatórias, têm o sentido de fechamento

político-cultural em fronteiras espaciais há

mui-to ultrapassadas nos vários campos de interações,

vive uma crise de existência sem precedentes.

O contraditório desta circunstância é que, ao

mesmo tempo em que a produção midiática da

política a legitima, através daquela violência

sim-bólica a que se refere Bourdieu 0997 p. 22),

quando atinente a cada estado nacional, a

transnacionalização dessa mesma produção

midiática contribui decisivamente para

desrnis-tificar a sustentabilidade harmônica desse

fecha-mento político-cultural.

Por fim, gostaria de acrescentar, talvez até

por necessidade de um mínimo de otimismo

quanto ao futuro democrático, que o avanço da

Internet, inclusive, integrando os principais meios

de comunicações de massas em escala

interna-cional, pode ser de grande valia na constituição

de importantes estruturas de integração em

re-des, de modo muito mais participante que na

atualidade, determinado por aqueles meios de

comunicações que hoje dominam os fluxos

in-formativos, particularmente a televisão em suas

produções monológicas.

A Internet, não há dúvidas, vem

possibili-tando uma nova forma de comunicação

media-da através, principalmente, do correio eletrônico,

grupos de discussões e conversações em tempo

real, escritos ou falados, além das

possibilida-des comerciais, estas sendo vistas como

domi-nantes no futuro das atividades de trocas de bens

materiais e simbólicos. Neste sentido, tem-se

aventado que a Internet, num horizonte

tempo-ral não muito longínquo, abarcará

preponderan-temente as mais relevantes formas de interações

sociais e econômicas criando um verdadeiro

es-paço global de sociabilidade mediada, em

tem-po real. A Grande Rede, neste sentido, supera

em larga margem as possibilidades da mídia, e

em particular da televisão no seu atual formato,

(9)

-

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

até mesmo devido ao fato de que já se caminha

para o estágio de seu acesso através do próprio

aparelho de televisão. Por outro lado, o próprio

acesso da televisão e do rádio através da Internet

já se encontra em estágio bem adiantado de

evo-lução. A continuidade desse processo de

integração de mídias aponta, com razoáveis

chances, num futuro não muito longínquo, para

a Internet se constituir na síntese midiática do

século XXI.

Esta nova forma de comunicação, por mais

que se deseje exercer controles sobre a sua

es-trutura de funcionamento, apresenta uma

capa-cidade maior de interação dialógica que pode

ser produtivamente utilizada pelos inúmeros

gru-pos democráticos que não encontram espaço

adequado para a ação no mercado político

do-minado pelas oligarquias econômicas e seus

re-presentantes políticos. Através deste poderoso

meio de comunicação transnacional é muito mais

factível a construção de um novo espírito

demo-crático que se contraponha à violência

simbóli-ca imposta pelos meios de comunicações de

massa, na atualidade das democracias liberais

do ocidente.

HGFEDCBA

N O T A S

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I Neste sentido, vale a pena consultar a síntese

crí-tica elaborada por Severiano (2001).

2 No contexto deste trabalho, tenho em mente,

so-bretudo, a produção televisiva, de jornais e revis-tas de grande circulação. Mesmo assim, o domínio,

hoje, exercido pela televisão é incontestável.É ela

que tem possibilitado a velocidade de transforma-ções das notransforma-ções de tempo e espaço, como acima referida.

3 Norbert Elias parece ter sido o primeiro autor

a tratar a fofoca como uma manifestação de

interesse coletivo de entretenimento, mas,

tam-bém, de afirmação grupal no contraponto

en-tre a fofoca depreciativa ou negativa e a

elogiosa ou afirmativa Elias (2000). A

explora-ção midiática da fofoca não é recente, porém, na atualidade tem assumido uma dimensão por demais expressiva no contexto da indústria cul-tural. Ainda mais, com relação a isto,

observa-~ .

B C

l-L;

.)'1:. (,.

I I '" 1 "

PERIODICOS

mos atualmente uma integração bastante acen-tuada entre as várias mídias contextualizando uma simbiose informativa sobre a vulgaridade

e a efemeridade alienante.

4 Um fato interessante que observamos na

atualida-de é como as revistas atualida-de fotografias atualida-de nus, mas-culinas ou femininas, até as mais escrachadas, são lançadas em seções de autógrafos em que os pro-tagonistas das fotos se comportam como se tives-sem lançando um livro, inclusive, com cobertura

"jornalística" da televisão e da imprensa dedica da às fofocas.

5 Atribui-se a Andy W arhol, o mais eminente

re-presentante da indústria cultural deste fim de

século, a célebre expressão de que nos tempos

atuais todos procuram desesperadamente seus

15 minutos de fama. É necessário, porém,

cha-mar a atenção que movimentos políticos ou

so-ciais consistentes podem se consolidar muito

antes de adquirir visibilidade midiática - por

exemplo, o Movimento dos Sem-Terra, no Bra-sil - e dadas as suas importâncias é a mídia que

corre atrás para referendá-Ios ou tentar

deslegitimá-los.

6 Neste sentido vale a pena consultar Castells0999

p . 381-391).

7 Um excelente trabalho sobre as pesquisas de

opi-nião e o processo político moderno é o de

Champangne (1998).

8 A formulação de Schumpeter data de 1942e vários

trabalhos nesta linha de abordagem se seguiram,

como os de Dahl e Lindblom (953), Dahl0981;

1989), Lindblom(977) inclusive, com definições bem mais economicistas como é o caso de Dows

(957) e Breton (974), apenas para citar alguns com expressões no campo da política. As concep-ções teóricas emanadas desse tipo de abordagem passaram a ser conhecidas na literatura pertinen-te, englobadas na corrente denominada de teoria do equilíbrio pluralista.

9 Schumpeter refere-se à sua discussão feita no Capo

XXI(op. cit., p.313)sobre o que ele denomina de

doutrina clássica da democracia, cuja filosofia, atinente ao século XVIII, sintetizada na seguinte

definição: "o método democrático é o arranjo

institucional para se chegar a decisões políticas que realizam o bem comum fazendo o próprio povo decidir as questões através da eleição de indivíduos que devem reunir-se para realizar a vontade desse povo".

10 Esta expressão, inclusive grifada no original, é do

próprio Schumpeter (ib. p. 338). Observe-se que

(10)

-

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

isto não significa dizer que os desejos específicos de grupos sociais não possam ser incorporados

pelas lideranças em seus discursos no desenrolar da luta competitiva como instrumento persuasivo na busca de afirmação eleitoral, como bem

ressal-ta o autorgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA( í b , p. 338).

11 Não posso deixar de reconhecer que as

concep-ções de Schumpeter sobre a democracia e, em particular, sobre o processo político, em geral, guarda grandes similaridades com Max Weber, par-ticularmente no seu clássico "A política como vo-cação" Weber 0979, p. 97-153), muito embora Schumpeter não o cite. No entanto, o mérito de Schumpeter foi tornar mais visível organicamente a idéia de competição pela liderança como uma teoria de elites sob condições competitivas, ao mesmo tempo em que, desde de que sejam res-peitadas minimamente as "regras do jogo", pode-se construir um equilíbrio pluralista sob condições democráticas.

12 Lindblom, tal como Dahl, utiliza o termo

HGFEDCBA

p o lia r

-q u ia , o u d e m o c r a c ia p o liá r q u ic a , para designar

o que se entende, no geral, por democracia libe-ral representativa ou democracia burguesa na lin-guagem marxista. Essa redefinição terminológica está coerente com a tese de que o governo demo-crático representativo se compõe a partir da com-petição política entre minorias, que têm a política como vocação, para usar a concepção weberiana, organizadas em partidos, se constituindo, na rea-lidade, em oligarquias. O fundamental, neste con-texto, não é a participação ou representação competitiva de maiorias, mas sim a possibilidade

de escolhas competitivas entre aquelas oligarqui-as, segundo as regras do jogo.

13 Para uma discussão sobre os conceitos de influência versus poder e persuasão cf. Dahl 0981 capo IlI-IV).

14 Sobre as representações midialógicas do poder cf. Debray 0994 passirn).

15 Num sentido diferente do aqui posto Carvalho 0999,

p. 24) admite o voto como moeda que se presta ao

consumo da política como mercadoria simbólica.

16 É certo que existem certas restrições legais à propaganda com relação a certos produtos,

pre-ceitos étnicos, morais e éticos variando de local para local. Mas isto não invalida o que estou

querendo afirmar com relação ao modo discriminatório como se realizam as atividades publicitárias, sejam elas destinadas aos

merca-dos econômicos ou políticos.

17 Observe-se que em muitas dessas circunstâncias,

isto sendo lugar comum em países do terceiro

70

R E V IS T A D E C ltN C IA S S O C IA IS V.33 N . 1

mundo, as respectivas oligarquias políticas e eco-nômicas agiram de forma pronta e decisiva

atra-vés da repressão política, impondo golpes militares ou outros expedientes, como a fraude eleitoral, para barrar a ascensão política de orga-nizações minimamente contrárias à dominação oligárquica tradicional.

18 "um déficit de racional idade na administração

pú-blica significa que o aparelho do estado não pode, dadas certas condições-limites, conduzir

adequa-damente o sistema econômico. Um déficit de

legítímação significa que não é possível, por

mei-os administrativmei-os, manter ou estabelecer estrutu-ras normativas efetivas na extensão requerida"

Habermas 0980, p. 65).

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Referências

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