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LUÍS XIV: A IDÉIA DO GOVERNANTE PERFEITO

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Academic year: 2021

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LUÍS XIV: A IDÉIA DO GOVERNANTE PERFEITO

Érika Ribeiro Arantes Dias1,2; Alexandre Pierezan3

A VASTA LITERATURA POLÍTICA EXISTENTE NA FRANÇA DO SÉCULO XVII, OS “ESPELHOS DE PRÍNCIPES REJUVENESCIDOS”, SÃO CARREGADOS DE SÍMBOLOS E CRENÇAS MÍSTICAS QUE, ATÉ POUCO TEMPO ATRÁS, ERAM TRATADOS COMO ASPECTOS INSIGNIFICANTES PARA A HISTORIOGRAFIA. CONTUDO, APÓS A DÉCADA DE 60 ESSES ASPECTOS PASSAM A SER INTERESSANTES AOS HISTORIADORES DAS IDÉIAS POLÍTICAS AO ABRIR POSSIBILIDADES PARA INTERPRETAÇÕES MAIS AMPLAS.NESSE SENTIDO, ESTE ARTIGO PROPÕE APRESENTAR A ANÁLISE FEITA POR VÁRIOS HISTORIADORES ESTUDIOSOS DO TEMA E ASSIM MOSTRAR A IMPORTÂNCIA DESTA LITERATURA POLÍTICA BEM COMO A ANÁLISE ABRANGENTE NA COMPREENSÃO DE UMA ÉPOCA CLÁSSICA QUE MUITAS VEZES FOI CARICATURADA PELA HISTORIOGRAFIA TRADIC IONAL E POR ISSO FAZ SENTIDO SER REVISIONADA.

ESPELHOS DE PRÍNCIPES – ABSOLUTISMO – POLÍTICA § INTRODUÇÃO

Com base em vários autores engajados na nova tendência historiográfica e mais especificamente nos que se referem ao estudo da História das Idéias Políticas, como Alexandre Pierezan, Rihard Tuck, Marcos Lopes, Peter Burke, Jacques Le Goff e tantos outros que, de certa forma têm contribuído imensamente para alargar a visão de vários temas historiográficos, deparamos com a rica abordagem pautada nas dimensões religiosas do Estado moderno, alicerçado nos “Espelhos de príncipes” que abre possibilidades para novas interpretações.

Os precursores da Escola dos Annales têm questionado toda a historiografia do Estado moderno construída nos séculos XIX e início do XX, por explorar apenas os aspectos jurídicos, institucionais e dinásticos desprezando os aspectos simbólicos como os cerimoniais, a ritualidade, os significados tão presentes naquela época mas que, são vistos por muitos historiadores e escritores políticos como fenômenos insignificantes e tratados muitas vezes com sátiras.

Nesse sentido, a Nova História, além de analisar de maneira ampla e contínua, abre novos campos de estudos históricos, possibilitando a interdisciplinaridade entre as várias áreas. Nos dias de hoje, muitos objetos de história estão de volta, como o acontecimento, a narrativa, a biografia e, a mais considerável e importante volta, que é a volta da política(Le Goff, 1988), uma vez que, até então, era analisada de maneira superficial e factual. Diante disso, muitos novos historiadores têm se preocupado em

1 Bolsista PBIC/UEG.

2 Acadêmica do 30 ano do Curso de História - Ciências Humanas - da UEG/UnU/Itumbiara.

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revisionar a historiografia tradicional para construir uma história do político que seja uma história do poder sob todos os seus aspectos, que inclua notadamente o simbólico e o imaginário, a qual tem como pioneiros Ernest Kantorowicz, Marc Block e à qual é denominada por Jacques Le Goff de “Antropologia Política Histórica”, por estar vinculada aos regimes e estruturas políticas similares estudadas pelos sociólogos e etnólogos.

O gênero literário Espelhos de príncipes é um gênero especializado na produção de manuais éticos e religiosos, tiveram importância maior no meio eclesiástico da Europa medieval, momento que buscavam educar o príncipe cristão na condução do bom governo. Porém, os espelhos remontam desde a antiguidade clássica quando os filósofos, preocupados, sobretudo com a imagem do governante - que deveria ser um modelo, um espelho das virtudes para a comunidade que o imitaria -, formularam uma teoria política. Trata-se de uma teoria do “Bom Governo”, inspirada nas idéias de Platão e Aristóteles, cujos pressupostos idealizaram que para se chegar à política legítima e justa, faz-se necessário uma educação dos governantes pautados em determinadas virtudes, que também se fazem necessárias nas instituições da cidade.

Na verdade, a teoria do “Bom Governo” deposita no governante a qualidade de política que faz de suas virtudes privadas, virtudes públicas e assim, este príncipe que possui virtudes ou mesmo vícios, encarna a comunidade e a espelha sendo imitado por ela. “O Espelho era entendido como a superfície polida. Nele os traços daquele que é refletido precisam ser puros e perfeitos para que o reflexo também seja perfeito”(Pierezan, 2003).

Deste modo, há a formulação de uma nova teoria baseada na herança hebraica de caráter totalmente teocrático e na tradição romana que tem seu imperador visto como o senhor do universo. Portanto esses Espelhos de príncipes medievais tratam-se de catálogos compostos por clérigos com a finalidade de realçar as virtudes cristãs e alertar o príncipe para a perfeição. O que se nota é que “De conselheiros, os Clérigos passam a teóricos”(Touchard, 1970:65).

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deve-se considerar que, nos tempos modernos, época de crises profundas, como guerras civis e religiosas as multidões passam a desejar intensamente a ordem, paz e segurança. Dessa busca, surge a idealização de um único soberano capaz de conter as forças desagregadoras para gerar a estabilidade tão pretendida naquele momento de incerteza. Por isso “nos tempos modernos, o absolutismo monárquico tornou-se em teoria e na prática, a resposta mais consistente ao problema da segurança pública e da ordem política”(Lopes, 1996).

Vários foram os teóricos do absolutismo francês que aplicavam metáforas teológicas, exemplos bíblicos ao expor suas convicções para aconselhar o rei, como Richelieu, Luís XIV, La Bruyère, Bossuet, Mazarin e tantos outros que deixaram essas idéias registradas. Estes autores, apesar de serem enquadrados como autores menores, também devem ser integrados aos estudos historiográficos, afinal, fizeram parte do contexto histórico social e político e por isso devem também ser analisados, pois mostram os aspectos teológicos-políticos da época, que são de grande utilidade para mapear o pensamento político do período. Porém é preciso ter em mente que, o historiador ao compreender um texto, tente perceber a maneira de ver, de sentir, de agir do autor, enfim aquilo que lhe é peculiar em seu pensamento reintegrando assim ao contexto político a que pertenceu. (Skinner,1997).

Constata-se, sobretudo, que houve uma propaganda ideológica do monarca, cuja imagem é construída conscientemente por um comitê, a “pequena academia”, para manipular o público, ou seja, para convencer o público de que o Rei-Sol tinha poderes divinos e era o maior rei de todos os tempos. Assim Luís XIV foi retratado em pinturas a óleo, foi esculpido em várias estátuas enormes como as eqüestres, teve seus grandes feitos cunhados em moedas, foram construídos chafarizes e arcos de triunfos por onde devia passar o rei, foram realizados enormes quantidades de peças teatrais em que o próprio rei atuara, óperas, odes, sermões, jornais e histórias oficiais.

Para compreender melhor o que se passa na época, vale destacar um trecho escrito pelo próprio rei Luís XIV ao seu primogênito:

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Nesta época, como se pode notar nas palavras de Luís XIV, havia a preocupação com os costumes, a disciplina e a razão que deviam prevalecer, apesar da forte influência do pensamento religioso. Certamente essa é a ruptura da modernidade citado pelos historiadores, o momento em que os homens deixam de se conduzir pelos princípios morais e éticos religiosos e passam a dar mais credibilidade ao conhecimento, à razão e à ciência.

MATERIAL E MÉTODO

O procedimento utilizado para a análise do pensamento político da época foi , primeiramente, ler os autores especializados e que tratavam da História das Idéias Políticas da época em questão; em seguida, foram realizadas as leituras dos documentos produzidos no século XVII, aplicando os conceitos e discussões propostos pelos especialistas na área. O intuito foi apreender aspectos do contexto político em que viveram os autores do século XVII francês.

A principal fonte estudada foi o manual político A Arte de Governar, escrita pelo rei francês Luís XIV. O método defendido pelos especialistas requer que se cruzem informações contidas no documento principal com outras fontes da mesma época, com o fito de perceber as filiações, as leituras que foram feitas e a circulação de determinados valores. Para tal fim, outra obra, Os caracteres de La Bruyère, produzida na mesma época que a principal fonte, também foi analisada.

A partir da leitura, análise e confronto de informações, encontradas em ambos os documentos, foi possível destacar e mapear os elementos simbólicos, sociais e políticos dos nascentes Estados Modernos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Rei-Sol – como foi chamado Luís XIV –, filho de Luís XIII, sobe ao trono com apenas quatro anos de idade (1643), permanecendo rei em seu reino até sua morte (1715), o que contabiliza aproximadamente setenta e dois anos, considerado reinado mais longo de toda a história européia.

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que o simbólico e o imaginário combinavam-se para exaltar o Estado Monárquico e, sobretudo, o rei. Mas, em contrapartida, inicia um processo de laicização do Estado, cada vez mais pautado nas noções profissionais de pragmatismo político. Isto, portanto, já revela a burocratização profissionalizada, mesmo que inicial, dos Estados que conhecemos hoje, em que os cargos públicos são ocupados pelo critério da méritocracia e não pelo critério de parentesco - sangue nobre . Essa compreensão só foi possível, graças a leitura e interpretação da principal fonte estudada, A arte de governar, de Luís XIV, considerada, ainda hoje, um importante documento para os estudiosos da História das Idéias Políticas. Fonte riquíssima para compreender o ideal ético da realeza no século XVII.

Nesse sentido, as memórias de Luis XIV, escritas para aconselhar seu filho, abrem possibilidades para novas interpretações da dimensão política do absolutismo, um regime político que, até o século XIX e início do XX, foi tratado de forma depreciativa pela historiografia tradicional, que desprezava e satirizava os que se empenhavam em estudar os aspectos sociais e culturais presentes nesta época, explorando assim, somente os fatos jurídicos, institucionais e dinásticos.

Ao escrever a Arte de Governar, embora não fora escrito de seu próprio punho, mas revisado e alterado bem ao seu gosto, procura abordar a realeza sob a mesma perspectiva de seus contemporâneos deixando conselho e princípios políticos como a sabedoria, a razão e o trabalho, além da indispensável confiança nos desígnios divinos em determinadas situações(Pierezan,2003).

Para além de aspectos do dia-a-dia do rei, a obra de Luís XIV revela a crescente laicização motivada pelo humanismo, permanecendo ainda moralmente vinculada a aspectos religiosos da velha ordem cristã. Através dos rituais, é possível entrever como os costumes da época ainda exigiam que um governante obtivesse sua legitimidade através e uma intervenção divina. Diferentemente dos modelos políticos contemporâneos, que buscam sua legitimidade na democrática arte de ser eleito pelo voto direto, os homens do passado precisam apenas observar a coroação e aclamação.

Trata-se de uma época em que a tradicional monarquia francesa, estruturada na hereditariedade e nas idéias do Direito Divino dos Reis, imagina o rei como a figura sagrada que tinha o poder de curar através de seu toque real aos que sofriam de doenças da pele(Bloch, 1933).

Ao ser a cabeça de um corpo cujos membros são os súditos(Kantorowicz, 1994), o

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seu povo. Luís XIV procurava lembrar ao filho as virtudes como a prudência, clarividência, vigilância, labor e eqüitativamente, autodomínio, enfim: “Como o príncipe deve ser sempre um perfeito modelo de virtude seria conveniente que se garantisse de maneira absoluta contra as fraquezas comuns ao resto dos mortais, sobretudo tomando em consideração que pela certa não permanecerão desconhecidas”(Luís XIV).

CONCLUSÕES

Concluímos que para o estudo da literatura política européia é preciso um arcabouço teórico considerável. Á medida que fomos lemos e produzindo textos fomos alcançando maturidade intelectual. As dificuldades na execução dos trabalhos foram sendo superadas através da dedicação total aos estudos. A literatura política estudada revela a estrutura simbólica de poder, os rituais presentes na época capazes de submeterem as pessoas ao encantamento das maravilhosas encenações políticas. Dessa forma, foi possível estudar a política através dos textos políticos em que as pessoas de fato se ajoelhavam diante de tanto poder e brilhantismo repassado por pintores, artistas, escultores e, mais detidamente, pensadores políticos. Portanto, a principal conclusão, reside no fato de que o poder político utiliza da violência física mas, sobretudo, da violência simbólica para submeter os fiéis e súditos. O poder não conseguiria se manter se usar somente a violência, momento em que as aparições públicas, a crença no rei curador de doenças, o símbolo do rei como lugar-tenente de Deus , são todos artifícios eficientes para manter a ordem sem o uso da violência física direta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURKE, Peter. 1992. A Escrita da História. São Paulo: UNESP.

BURKE, Peter. 1997. A Fabricação do Rei. A Construção da Imagem Pública de Luís

XIV. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar.

DURANT, Will e Ariel. 1996. A Era de Luís XIV. Rio de Janeiro: Editora Record. LA BRUYÈRE. 1965. Caracteres. São Paulo: Editora Cultrix.

LE GOFF, Jacques. 2001. A História Nova. São Paulo: Editora Martins Fontes. LOPES, Marcos A. 1997. O Político na Modernidade. São Paulo: Edições Loyola. LOPES, Marcos A. 1997. A Política dos Modernos: História das Idéias do imaginário

político na Idade Clássica e no século das Luzes. Cascavel: Editora Unioeste.

LOPES, Marcos A. 1996. Absolutismo: Política e sociedade na Europa moderna. São Paulo: Editora Brasiliense.

LUÍS XIV. 1976. A arte de Governar. Lisboa: Editora Iniciativas Editoriais.

PIEREZAN, Alexandre. 2004. A Perfeição do Político. Curitiba: Editora Prefhacio. PIEREZAN, Alexandre. 2003. O Gênero literário Espelhos de príncipes na tradição do

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