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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

LAÉRCIO QUEIROZ

MULHERES REPENTISTAS: CANTADORAS, EMBOLADORAS E MESTRA DE MARACATU DE BAQUE SOLTO

João Pessoa,

2014

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

Laércio Queiroz

MULHERES REPENTISTAS: CANTADORAS, EMBOLADORAS E MESTRA DE MARACATU DE BAQUE SOLTO

Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba, na linha de pesquisa oral/escrito: práticas institucionais e não institucionais, como requisito parcial para obtenção do grau de doutor em Linguística.

Orientadora: Prof

a

Dr

a

Maria Ignez Novais Ayala

João Pessoa,

2014

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Q3m Queiroz, Laércio.

Mulheres repentistas: cantadoras, emboladoras e mestra de maracatu de baque solto / Laércio Queiroz.- João Pessoa, 2014.

165f. : il.

Orientadora: Maria Ignez Novais Ayala Tese (Doutorado) - UFPB/CCHLA

1.Linguística. 2.Oralidade. 3.Gênero - mulher.

4.Improviso. 5.Repente. 6.Performance.

UFPB/BC CDU: 801(043)

(4)
(5)

À Ana Bastos, companheira diuturna;

Aos mentores José Fernando Souza e Silva e Prof. Roberto Benjamin (in memoriam), que partiu após ter concluído os doze trabalhos;

E ao meu poetinha predileto, Isaias Bastos, meu filho, com “todo amor que houver nesta

vida." - Tudo o que eu fizer será para ti.-

Dedico.

(6)

É comum, em trabalho desta natureza, agradecimentos. Os “desconsertos” que, por desventura existam, são “por minha tão grande culpa”. Quanto aos acertos, aos que listo neste momento devo muito mais do que este pálido reconhecimento, mas é o que, por enquanto, posso lhes ofertar.

À Professora Maria Ignez Ayala, pela orientação que muito me tem penhorado, e, por quando as adversidades insurgiram, ter escrito: "vai dar certo";

À Professora Regina Celi Mendes Pereira pela compreensão no momento fundamental quando a saúde se perdeu de mim;

Aos coordenadores do PROLING: Luciene C. Espíndola e Pedro Farias pela paciência e habilidade mediadora;

À professora Maria Ester Vieira de Sousa pelas observações durante a banca de qualificação e no momento da defesa, sobretudo pela arguição precisa e modal que me apontaram caminhos;

Bem assim, ao professor Luiz Assunção por ter me intimado a tentar descortinar as vozes das mulheres repentistas que, como disse: "clamam nos depoimentos";

À professora Eliane Paiva pela arguição afável e sugestões relevantes durante a banca e pelo encaminhamento da ficha catalográfica;

À professora Maria del Pilar Roca Escalante pelas observações e avaliação da qualificação: as ressalvas da senhora me foram muito relevantes;

À Ana Bastos por acreditar, mesmo quando a vida diz “não”, pela confecção dos gráficos usados para a qualificação e por compreender minha impaciência durante o voraz período. - Enquanto puderes não te percas de mim -

A José Fernando Souza e Silva e ao professor Roberto Benjamin pela amizade, elucidações, credibilidade e condescendência quase paternais;

À Dona Rosa Maria, minha mãe santíssima (Ora pro nobis);

Às repentistas: Severina Maria, Terezinha Maria, Mocinha Maurício, Mocinha de

Passira, Minervina Ferreira, Maria Soledade Leite, Damiana Pereira, Lucinha Saraiva, Neuma

da Silva, Luzia dos Anjos, Francisca Maria, Luzivan Matias, Lindalva, Terezinha, Gil, em

especial, a Santinha Maurício que sempre me convidava a assistir cantorias e me comunicava

quando alguma repentista estava no Recife para tornar mais fácil realizar as conversas;

(7)

Aos lanceiros André, do Maracatu Leão da Serra, e Iraquitan, do Cruzeiro do Forte, e a lanceira Marinalva, do Maracatu Coração Nazareno;

À Dona Neta e Mané Piaba pela acolhida durante o pé-de-parede;

Às coordenadoras do PROCAMPO – AESA: Simone Salvador e Rosa Brito pela compreensão em adaptar meus horários em função da qualificação e defesa da tese;

A Alan Roque e Laís Vasconcelos por, de repente, serem intimados a produzir o resumen e o abstrat: “quanto trabajo.”

À Kátia de França pela leitura da tese, livros emprestados e por se encontrar sempre à disposição para me auxiliar: Isto não tem preço, amiga;

Aos colegas e estudantes da turma de Linguagem do PROCAMPO – AESA pelos momentos de descontração: vocês são a festa!

À Ana Claudia Moura,

o som do silêncio, por compreender minha ausência do

compromisso que assumi;

Às Professoras Fátima Almeida e Maria Leonor Maia pelas sugestões durante o período das disciplinas;

Ao professor Sebastião Santana, sempre solidário e pronto a me receber, pelas orientações regadas a lição de vida, sempre;

À colega Rosangela Freire pelas bibliografias sugeridas e pelas histórias da feira, narrativas emocionadas e emocionantes, que dividia conosco durante as aulas;

À professora Maria Luiza Ribeiro Bastos pela leitura atenta da tese para orientações metodológicas;

À Louíse Bastos por sua desenvoltura em enviar, de improviso, os vídeos que seriam projetados durante a defesa.

Aos secretários Ronil Ferraro e Valberto Cardoso pela assistência sempre gentil. Na ausência, à Vera, sempre solícita;

Aos camaradas Francisco Júnior e Isaias Bastos pelos constantes incentivos e confiança, a este pelo acolhimento quase sem par com que me tem assistido durante todos esses anos;

Ao camarada Rubão pelos traslados quase constantes durante o período seletivo e quando eu convalescia;

A Fernanda Barbosa, Sérgio Nascimento e Camila Nascimento pelo acolhimento com

que me receberam em casa a fim de terminar a tese;

(8)

E a outros tantos que merecem estes pálidos agradecimentos, mas foram esquecidos

por falha da memória.

(9)

“Ninguém sabe o duro que eu dei.”

(Simonal)

(10)

Nesta tese, selecionei três formas de expressão tradicionais do Nordeste do Brasil, nas quais o improviso se constrói como processo de criação: cantoria, embolada e maracatu de orquestra.

São observados como se configuram estes gêneros, e, principalmente, como transita a mulher nos referidos espaços. À luz da teoria dos gêneros discursivos postulada por Bakhtin (1997, 2003, 2006, 2010) e dos estudos da oralidade embasados por Ong (1998) e Zumthor (1993, 2000), este trabalho teve por objetivo principal investigar a produção poética dessas mulheres, e analisar, principalmente, suas trajetórias de vida. Para esta pesquisa, realizei coleta bibliográfica que trouxesse mulheres repentistas, nos gêneros acima citados, e pesquisa de campo, a fim de construir depoimentos que foram analisados com base no dialogismo Bakhtiniano. Como resultado, observei que a maneira como as mulheres adentram no espaço do improviso não diferencia da forma como os homens conhecem este território, mas seus espaços de atuação ainda são reduzidos. Quanto às emboladoras, longe de se preocuparem com um discurso feminino, seguem as normas do sistema e se apropriam do discurso masculino. Sobre o maracatu de orquestra, constatei que, na zona urbana, os rituais de tradição não parecem ser preocupação da maioria dos brincantes, enquanto na zona rural, ainda é frequente tanto os rituais religiosos quanto os ritos tradicionais. No entanto, considerando o maracatu Coração Nazareno, ainda que esteja na zona da mata, não se norteia pela tradição e, por seguir a orientação de uma entidade ativista, apresenta em suas loas um discurso pautado em temas sociais e, principalmente, nos direitos da mulher.

Palavras chave: mulher, oralidade, gênero, improviso, repente, performance.

(11)

En esta tesis seleccioné tres expresiones tradicionales del nor oeste en que el invento se interpreta como procedimento de criar: canto, criar musicas deforma instantanea y musica folklorica de orquestra. Son observar aspectos de convergencia, además de comprovar la forma como aceptan a la mujer en esos espacios destinados al improviso. La teoría de los géneros del discurso propuesto por Bakhtin (1997, 2003, 2006, 2010) y los estúdios del discurso propuestos por Walter Ong(1998) e Paul Zumthor (1993, 2000), este trabajo tubo como objetivo principal investigar la producción poética de estas mujeres, observando sus temas y trayectorias de vida que su propia historia ocultó. Para esta invetigación, hice una recolecta bibliográfica que tubiera mujeres de improvización, principalmente de este siglo, investigación de campo, con el objetivo de realizar entrevistas, visitar los ambientes de improvisar, registros audiovisuales y apuntes. Son estudiadas entrevistas y poemas que tengan una característica feminina, las contradicciones y las estratégias usadas por las improvisadoras para circular en los ambientes del improviso. Como resultado de eso vi que los géneros orales que estudiamos aqui tienen varias semejanza. De la misma forma, pude ver la manera que las mujeres entran en el espacio de la improvización, no es diferente de la forma que los hombres conocen este territorio, pero diferentes de ellos, su espacio de actuar es muy pequeño en comparación con el de los hombres.

Palavras clave: mujer, discurso, género, inventar, criar.

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In this thesis, I selected three forms of traditional northeastern expression, in whichim provisation is represented as a creative process: „cantoria‟, „embolada‟ and „maracatude orchestra‟. Common themes can be observed, and in addition, how women move insaid areas of „repente‟ is verified. In light of the theory of speech genres postulated by Bakhtin (1997, 2003, 2006, 2010) and the fundamental studies of orality by Walter Ong (1998) and Paul Zumthor (1993, 2000), themain purpose of this study was to investigate the poetic works of these women,analyzing their themes and life trajectories. For this research, I collected bibliographici nformation of women „repentistas‟, especially from this century, and performed fieldresearch in order to prepare interviews, visited performance environments and retainedaudiovisual records and annotations. Interviews and poems that reveal a feminine pointof view and the difficulties and strategies used by women „repentistas‟ to move in thefield of improvisation were analyzed. As a result, I observed that the oral genres studiedherein have elements in common. Also, I realized that the way women step into theimprovisation scene isn‟t any different from the way men experience this area, butunlike these, their fields of action are moreover reduced.

Keywords: woman, orality, gender, improvisation, repente.

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Figura 1: Fotografia de Mocinha e Santinha Maurício, durante cantoria no Restaurante Choopsenter Arriégua, Recife - PE, março de 2005... p.36

Figura 2: Fotografia de Santinha Maurício e Severina Maria, no Teatro Hermilo Borba Filho, Recife - PE, junho 2003... p.39

Figura 3: Fotografia de Terezinha Maria e Luzia dos Anjos, Teatro Hermilo Borba Filho, Recife - PE, junho 2003... p.41

Figura 4: Fotografia de Minervina e Mocinha da Passira, Pátio de São Pedro, Recife - PE, março 2009... p.51

Figura 5: Fotografia de Maria Soledade, no Teatro Hermilo Borba Filho, Recife - PE, junho 2003... p.57

Figura 6: Fotografia de Minervina Ferreira e Neuma da Silva, durante cantoria na granja de Sr. Luiz Ceará, Aldeia-PE, junho de 2003... p.65

Figura 7: Fotografia de Damiana Pereira, Santinha Maurício e Lucinha Saraiva, na cidade do Recife-PE, 2009... p.67

Figura 8: Fotografia de Valdir Teles e Ivanildo Vila Nova, no estúdio do programa A Voz do sertão, Recife-PE... p.76

Figura 9: Fotografia de Santinha Maurício, Guriatã do Norte (sentados) Chalega e Antônio Aboiador (em pé) no estúdio do programa A Voz do sertão... p.77

Figura 10: Fotografia de Santinha Maurício e Roberta Clarissa, no Pátio de São Pedro, Recife-

PE, março de 2011... p.79

(14)

Figura 12: Fotografia de Mané Piaba e Dona Nena, durante cantoria na cidade de Camaragibe - PE... p.84

Figura 13: Fotografia de Lindalva, durante cantoria na Casa do Cantador- DF... p.119

Figura 14: Fotografia de Mestre Zé Duda, Aliança -PE... p.144

Figura 15: Fotografia de Lanceiras, durante apresentação no Carnaval – À esquerda, Marinalva, Nazaré da Mata - PE... p.149

Figura 16: Fotografia de Mestra Gil, durante apresentação do Coração Nazareno, Nazaré da

Mata - PE... p.152

(15)

INTRODUÇÃO...p.14

1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS...p.19 1.1. GÊNEROS DISCURSIVOS...p.19 1.2. POESIA E ORALIDADE...p.25

2 MULHER E CANTORIA...p.31 2.1.PROCESSO DE APRENDIZAGEM E INSERÇÃO NO AMBIENTE DO IMPROVISO...p.35 2.2. EM PARALELO: COTEJO DOS ENUNCIADOS...p.75 2.3. MULHERES REPENTISTAS EM DIFERENTES ESPAÇOS...p.77 2.4. UM BAIÃO EM CASA DE DONA NENA E MANÉ PIABA...p.86

2.5.CANTORIA EM CASA DE TEREZINHA MARIA: REGISTROS DE

CAMPO...p.95 2.6. DESAFIO: DUELO DE REPRESENTAÇÃO? ...p.98 2.7. QUE TEMÁTICA MOVE ESTAS MULHERES?...p.107

3 COCO DE EMBOLADA: “A RESPONSABILIDADE DE TOCAR O SEU PANDEIRO”...p.121 3.1. A RODA: PERFORMANCE DO VALE TUDO? ...p.129 3.2. MULHERES EMBOLADORAS: “CANTANDO NA LINHA”...p.131

4 MARACATU: A BENGALA O APITO E CABOCARIA...p.134 4.1. DIÁSPORA: DO CAMPO PARA A CIDADE...p.140 4.2. POR DENTRO DA BRINCADEIRA...p.143 4.3. SAMBANDO MARACATU...p.150

4.4.A TRINCHEIRA: POESIA, REVERÊNCIA E REPRESENTAÇÃO DE

LUTA...p.153

4.5 A MULHER NO MARACATU: “ESTOU HONRADA POR PODER CANTAR

MARACATU”...p.154

(16)

REFERÊNCIAS...p.160

(17)

INTRODUÇÃO

Um vasto continente de personagens femininos desfila pelo território do improviso. A mulher é tema de canções, loas e cocos e está presente, no espaço da poesia oral, como motivo, público e também criando versos. No entanto, ela quase não aparece na cartografia oficial como poeta. Durante anos, a figura da mulher apresentou maior visibilidade apenas no que se referia às práticas utilitárias. O mundo feminino era limitado e as qualidades atribuídas à mulher, como honestidade, beleza, virtudes, eram quase sempre cantadas sob a voz masculina. “Esses estereótipos femininos apresentavam um caráter pedagógico, ditando normas de conduta que deveriam ser adotadas pelas mulheres.” (QUEIROZ, 2006, p.13).

Os sentimentos, as visões de mundo, as aspirações femininas foram recalcadas durante anos, “a segregação da mulher e a sua vida em sociedade no Brasil do séc. XIX, pouco diferia da situação feminina descrita por historiadores da Idade Média” (DUBY, 1997, p. 67), eis uma das possíveis razões para a dificuldade de se encontrar autoria feminina na poesia oral, principalmente no campo da poesia improvisada.

Romero (1977, p.185) afirma que “as mulheres não são somente o principal arquivo das tradições orais; são também as autoras de muitas destas tradições”. E cita vários exemplos de cantigas anônimas, às quais se atribui autoria feminina. Apesar das desventuras e tentativa da historia oficial de retardar a aparição feminina como protagonista, no terreno do improviso, como mostrarei adiante, existem pesquisas que constatam a presença de mulheres repentistas desde o século XIX.

Na atualidade, ainda que os estudos sobre este particular sejam ainda muito pálidos, é

possível encontrar algumas mulheres que transitam nesse ambiente. São violeiras,

emboladoras, mestras de maracatu, aboiadoras, glosadoras, declamadoras, cirandeiras que

decidem trilhar essas veredas enfrentando adversidades históricas. Por esse prisma, faz parte

do objeto de estudo desta pesquisa, principalmente, o discurso de mulheres repentistas a fim

de analisá-los à luz da proposta metodológica de Bakhtin (1997, 2003, 2006, 2010) que trata

do dialogismo e gêneros discursivos. Além disso, amparei-me nos estudos da oralidade

embasados por Walter Ong (1998) e Paul Zumthor (1993, 2000).

(18)

Neste trabalho, apresento os depoimentos dessas mulheres repentistas, valorizando seus pontos de vistas, expondo suas queixas, suas estratégias, suas expectativas, a partir de formas de discurso cotidiano e artístico.

Diante do exposto, o objetivo geral desta tese é analisar depoimentos de mulheres repentistas dos gêneros cantoria, embolada e maracatu de orquestra para refletir sobre a trajetória de vida dessas mulheres. Para tanto, são objetivos específicos:

1. Analisar os depoimentos das poetas para verificar como as mulheres se inserem e transitam no território do repente;

2. Considerar as relações dialógicas presentes nos depoimentos;

3. A partir dos poemas, observar as temáticas mais recorrentes apresentadas pelas repentistas.

Em consonância com os objetivos mencionados, apresento as seguintes perguntas da tese:

1. Quais os pontos de convergências e divergências entre os depoimentos apresentados?

2. Como as mulheres se iniciam no mundo do improviso e como se movimentam para se firmarem como poetas?

3. No coco de embolada, há convergência quanto ao modo de mulheres e homens tratarem os motivos próprios ao gênero?

4. Existem diferenças entre o Maracatu Coração Nazareno e outros maracatus?

Há tempos, realizei coleta bibliográfica e de campo que trouxessem mulheres repentistas, principalmente, no século XX. Novamente, no período de março de 2009 a abril de 2014, realizei pesquisa de campo e, em várias ocasiões, visitei as poetas a fim de construir novas entrevistas que fossem capazes de acrescentar informações ainda não alcançadas, bem como verificar se houve alteração, no ambiente do improviso, em relação às adversidades encontradas pelas mulheres.

Algumas vezes, viajei com cantadoras - como aconteceu quando fui com Mocinha e

Santinha Maurício a Garanhuns (PE); a Itabaiana (PB) com Santinha Maurício, e Minervina

Ferreira a Carpina (PE), ao povoado de Lagoa do Outeiro (PE) e a Araçoiaba (PE), na

companhia de Santinha Maurício, e a São José dos Ramos (PB) com Santinha Maurício e

Minervina Ferreira - para conhecer mais de perto, não apenas as performances, durante as

apresentações das poetas, bem como as demais ações ou situações envolvidas por suas

atividades.

(19)

A metodologia empregada neste trabalho é de caráter teórico-analítico de base qualitativa, e para a consecução da pesquisa, foram utilizadas cadernetas de campo, gravador de voz, câmera fotográfica e filmadora para construir relatos de campo. Para realizar as entrevistas, em parte, segui os rumos apontados por Ayala (1988, p.12) em seu trabalho sobre cantoria de viola nordestina: “[...] evitei o uso de questionários formais, preferindo as histórias de vida [...]” Durante as conversas, antes de começar o registro, avisava aos entrevistados que pretendia conhecer um pouco sobre a sua trajetória de vida, principalmente artística, desde sua infância até os dias presentes. Tentei me manter neutro durante o processo, evitando me intrometer nos relatos não discordando ou concordando com os depoimentos, simplesmente, ligava a filmadora e solicitava que iniciassem.

Para este estudo, participei de dois pés-de-parede

1

, duas trincheiras

2

de maracatu, na cidade de Araçoiaba, e uma apresentação do Maracatu Coração Nazareno na cidade de Nazaré da Mata. A pesquisa foi realizada nos Estados da Paraíba e Pernambuco, e o

corpus

é constituído de um baião, durante cantoria de pé-de-parede na cidade de Camaragibe (PE), transcrições de faixas de CDs, improvisos da mestra Gil, do maracatu Coração Nazareno, durante apresentação na cidade de Nazaré da Mata (PE), além de depoimentos das violeiras Severina Maria, Terezinha Maria, Mocinha Maurício, Mocinha de Passira, Minervina Ferreira, Maria Soledade Leite, Damiana Pereira, Lucinha Saraiva, Neuma da Silva, Luzia dos Anjos, Francisca Maria, Luzivan Matias e Santinha Maurício. Das emboladoras Terezinha e Lindalva, da mestra Gil, de Dona Neta, rainha do maracatu Cruzeiro do Forte, dos lanceiros Iraquitan, do maracatu Cruzeiro do Forte, André, do maracatu Leão da Serra, de Marinalva, coordenadora da AMUNAM e lanceira do Coração Nazareno, e do mestre Zé Duda, do maracatu Estrela de Ouro de Aliança.

Justifico a relevância desta tese para os estudos linguísticos porque estudei a linguagem em sua relação dialógica social, verificando a produção de sentido. Além de utilizar a proposta metodológica de Bakhtin quanto ao estudo dos gêneros discursivos e do dialogismo.

Investigo a presença feminina no improviso pela escassez de informações sobre esse particular. E se, de alguma forma, estes apontamentos servirem para provocar reflexão sobre a presença das mulheres repentista, o objetivo será alcançado.

1Performance entre duas ou mais duplas, assim chamado porque os cantadores ficam sentados em duas cadeiras encostados à parede.

2 Denomina-se "trincheira" a cerimônia de concentração na sede ou barraca do maracatu antes de o grupo sair para o destino da apresentação.

(20)

Este trabalho apresenta a seguinte disposição: o capítulo inicial expõe aspectos sobre os gêneros do discurso e dialogismo, fundamentados por Bakhtin (1997, 2003, 2006, 2010), bem como aspectos da oralidade postulados por Ong (1998) e Zumthor (2000,1993), além de tentar assinalar pontos de convergência entre os gêneros do improviso apresentados e a metodologia utilizada nesta pesquisa.

No capítulo dois, existem trechos de registros de campo de dois pés-de-parede nos quais as repentistas foram personagens fundamentais, exemplos de desafios, os temas mais recorrentes das poetas em evidência e depoimentos das violeiras com o objetivo de verificar como as poetas adentram e transitam no ambiente do improviso.

Há, no capítulo três, depoimentos de duas emboladoras e seus textos cotejados com produções masculinas, a fim de verificar semelhanças ou afastamentos quanto ao modo de tratar os motivos próprios à embolada.

Maracatu: a bengala, o apito e a cabocaria, capítulo quatro, volta-se para a razão da

formação do baque solto feminino, a influência da AMUNAM, distinções entre o Maracatu

Coração Nazareno e outros maracatus, e depoimentos de integrantes da brincadeira a fim de

verificar se existe manutenção da tradição. Além disso, encontram-se depoimentos da mestra

Gil com o objetivo de mostrar como se construiu sua aprendizagem poética, e improvisos do

Coração Nazareno. Posteriormente, há as Considerações finais deste estudo.

(21)

1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS

No presente capítulo, trago à baila os pressupostos teóricos que subsidiam esta investigação e particularizam os gêneros discursivos, bem como os estudos sobre oralidade à luz de Bakhtin (1997, 2003, 2006, 2010) e de Ong (1998) e aspectos da tradição oral postulados por Zumthor (2000,1993).

1.1. GÊNEROS DISCURSIVOS

Os gêneros discursivos, na atualidade, tornaram-se objetos de pesquisas das mais diversas áreas: Linguística, Literatura, Sociologia, Antropologia, Filosofia da Linguagem, Psicologia, Teoria da Comunicação, entre outras.

No Brasil, o estudo dos gêneros tem espaço certo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) publicado no ano de 1998 e, desde lá, a investigação sobre a temática tem crescido significativamente. Embora a discussão sobre os gêneros não seja recente, ganhou destaque nos diversos espaços comunicativos, e há uma vasta quantidade de obras que se ocupam deste particular. Mas, o que são gêneros discursivos? Como afirma Bakhtin (2010), no cotidiano social, nos diversos espaços, o ser humano desenvolve as mais distintas atividades, na escola, no sindicato, na repartição, no bairro, na família entre outros. Durante diversas práticas habituais, ao fazer uso da linguagem, o ser humano faz uso dos gêneros.

Estes existem porque a língua é um instrumento de interação que contribui com as práticas sociais de produção e recepção.

No capítulo Epos e Romance, do intitulado Questões de literatura e estética, Bakhtin (2010) se opõe a estudos dos gêneros durante a Antiguidade, quando afirma que tais estudos apresentavam os gêneros de forma fixa e não representavam o mundo real, não se ocupavam das experiências do ser humano de modo concreto. Para o pensador russo (2010), a linguagem, como qualquer produção social é, de fato, uma tessitura infindável de outros enunciados. E, para se comunicar, o indivíduo faz sempre uso dos diversos gêneros, é impossível se comunicar sem o uso de um gênero discursivo. Desde que não concebamos os gêneros como modelos estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e cognitivas de ação social.

Segundo Bakhtin (2003), no momento do discurso, o que pretendemos dizer, enunciar,

é expresso através dos gêneros. Desta forma, os gêneros são os textos que encontramos em

nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos, definidos por

composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na

(22)

integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Ao considerar a aquisição e aprendizagem destes gêneros, Bakhtin (2003, p. 301-302) escreve:

[...] as formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente. [...] Aprender a falar é aprender a estruturar enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, menos ainda, é óbvio, por palavras). Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações. Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível.

Ora, quando falo, quando pretendo me comunicar, seleciono uma forma discursiva apropriada à situação, opto por um gênero próprio ao que desejo transmitir ao interlocutor, e por esta razão, como assevera Bakhtin (2003), os gêneros são infinitos. A multiplicidade é uma das principais características do que o teórico convencionou chamar gêneros discursivos e, em A Estética da Criação Verbal, afirma:

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso [...] Não se deve, de modo algum, minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros discursivos se a dificuldade daí advinda de definir a natureza geral do enunciado. Aqui é de especial importância atentar para a diferença essencial entre os gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) – não se trata de uma diferença funcional. Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições de um convívio social mais complexo [...] No processo da sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples) que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata (BAKHTIN, 2003, p.

279-280).

Na mesma obra acima citada, o filósofo trata da extensa diversidade dos gêneros e escreve:

Ficaríamos tentados a pensar que a diversidade dos gêneros do discurso é tamanha que não há e não poderia haver um terreno comum para seu estudo: com efeito, como colocar no mesmo terreno de estudo fenômenos tão díspares como a réplica cotidiana (que pode reduzir-se a uma única palavra) e o romance (em vários tomos), a ordem padronizada que é imperativa já por sua entonação e a obra lírica profundamente individual etc.? A diversidade funcional parece tornar os traços comuns a todos os gêneros do discurso abstratos e inoperantes (BAKHTIN, 2003, p.

280).

(23)

Para o teórico russo, [...] “não se deve minimizar a heterogeneidade dos gêneros discursivos, mas considerar as diferenças essências” (BAKHTIN, 2003, p. 280). Ele nega a abstração da linguagem e, ao construir a sua teoria dos gêneros discursivos, estabelece que estes seriam modos de conhecimento diversificados pela própria vida social, na medida em que esta permite experiências e procedimentos de naturezas distintas. Bakhtin vê o conhecimento como ponto de partida da linguagem e considera que o constante partilhado deste se daria através de gêneros discursivos. Investigar os gêneros, segundo Bakhtin, é fundamental a fim de se entender o enunciado. “A inter-relação entre os gêneros primários e secundários de um lado, o processo histórico de formação dos gêneros secundários do outro, levam ao esclarecimento da natureza do enunciado” (BAKHTIN, 2003, p.282).

Para elucidar os estudos, Bakhtin (2003, p.285) apresenta a seguinte classificação dos gêneros: primários no sentido de “primeiros”, gêneros constituídos na vida social imediata, no cotidiano, especialmente em formas orais de interação verbal. Os saberes trocados através desses gêneros dizem respeito a experiências sensíveis, a suposições, especulações e memorizações com certo grau de rapidez associado ao não planejamento prévio. As narrativas do cotidiano estariam aí situadas, nesse universo familiar, fluido, fluente, próprio das vidas humanas. Estão relacionados com o uso imediato, são espontâneos. Consideram-se primários exatamente devido à informalidade, pois estão presentes nas situações comuns do convívio.

São, por exemplo, as conversas informais entre colegas, amigos ou familiares.

Enquanto os secundários apresentam complexidade e são próprios da esfera cultural de elaboração mais refinada. São de natureza padronizada, geralmente escritos, e seguem uma formalidade quanto à linguagem, visto que desempenham um papel normativo na sociedade.

São eles: o romance, a tese, a ata, a petição, entre outros.

Contudo, os modos de expressão oral e escrito não são suficientes para a classificação de um gênero como primário ou secundário, pois alguns que apresentam aspectos formais como palestra, seminário são transmitidos oralmente embora não surjam espontaneamente. Os gêneros não são estanques, eles se misturam, reinventam-se e sofrem modificações, isso pode ser comprovado ao longo da história e mais recentemente, na contemporaneidade, com os novos gêneros emergentes da mídia virtual. Podem ser absorvidos pelos secundários, que se transformam e adquirem novas características, pois “[...] perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios” (BAKHTIN, 2003, p. 296).

Alguns gêneros, embora pertençam ao conjunto dos secundários, podem apresentar

forte relação com o gênero primário.

(24)

Daí a importância dos estudos dos gêneros discursivos, pois eles abrigam os processos culturais, de onde nascem. No entanto, os gêneros, como constituintes da linguagem, também são vivos, em constante formação, o que dificulta seu estudo, uma vez que eles não podem ser classificados, tipologizados de maneira estanque, mas considerados em seu movimento dialógico constante primário e secundário (PAULA, 2009, p.185).

Os gêneros são dinâmicos e, por essa razão, podem se cruzar com outros para efetivar a comunicação. É, por tanto, tarefa daquele que pretende se comunicar saber eleger o gênero apropriado para a situação comunicativa.

De acordo com Bakhtin (2003), três são os principais fatores indissociáveis que fundamentam os gêneros: conteúdo temático, plano composicional e estilo. É essa tríade que se relaciona e caracteriza o gênero. Por este prisma, Bakhtin (2003) afirma que o conteúdo temático é o que pode ser dito através do gênero; já o plano composicional é a estrutura própria de cada texto, o que configurará o gênero, relaciona-se à vontade de dizer do sujeito e é através dessa intenção verbalizada que é possível medir a conclusibilidade do enunciado, ou seja, somos capazes de perceber quando o outro finalizou seu turno, para que possamos tomar o nosso; o estilo é a forma eleita pelo sujeito a partir da sua intenção comunicativa. Esse dependerá do contexto, do ambiente e do momento quando o discurso será proferido, pois proclama a intenção do locutor:

O estilo é indissociavelmente vinculado a unidades temáticas determinadas e, o que é particularmente importante, a unidades composicionais: tipo de estruturação e de conclusão de um todo, tipo de relação entre o locutor e os outros parceiros da comunicação verbal (relação com o ouvinte, ou com o leitor, com o interlocutor, com o discurso do outro, etc.) [...] os gêneros do discurso, são as correias de transmissão que levam da história da sociedade à história da língua. Nenhum fenômeno novo (fonético, lexical, gramatical) pode entrar no sistema da língua sem ter sido longamente testado e ter passado pelo acabamento do estilo-gênero (BAKHTIN, 2003, p.284).

Outrossim:

A escolha dos meios linguísticos e dos gêneros do discurso é determinada, antes de tudo, pelas tarefas (pela ideia) do sujeito do discurso (ou autor) centradas no objeto e no sentido. [...] A relação valorativa do falante com o objeto do seu discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado (BAKHTIN, 2003, p.308).

Para estudiosos de Bakhtin, as significações do texto devem ser analisadas de maneira

translinguística, que examina o texto considerando seus fatores externos, ou seja, na

concepção bakhtiniana de linguagem, é preciso ponderar as relações dialógicas. “Assim, [...]

(25)

devem-se analisar as significações do texto, para, a partir daí, examinar as relações com o que está fora dele.” (FIORIN, 2008, p.34).

Todo discurso é heterogêneo, não há discurso que não traga em si fragmentos de outro, e é desta maneira que se constrói um novo discurso. Kock (2001, p. 50) afirma que a palavra é o produto da relação “recíproca entre falante e ouvinte, emissor e receptor. Cada palavra expressa o um em relação ao outro. Eu me dou forma verbal a partir do ponto de vista da comunidade a que pertenço”. Entende-se por discurso as enunciações materializadas em gêneros e colocadas em situação de comunicação na forma de diálogo.

De acordo com Bakhtin (2003, p.284), ao organizar um discurso, o locutor apresenta sempre o discurso de outro, há sempre presente, no novo enunciado, uma voz oculta que é revisitada. Esta apropriação do discurso anterior, longe de empobrecer a enunciação, atualiza- a e confere ressignificação a esta. A fusão de diferentes níveis axiológicos, textuais e sociais da enunciação científica do porte de uma tese, por exemplo, tem, necessariamente, diversos desdobramentos intertextuais explícitos ou implícitos, o que caracteriza o enquadramento de uma enunciação por outra, que Bakhtin (2003, p.285) denomina “formas de representação do discurso de outrem.” Na concepção bakhtiniana, todo discurso é dialógico. Convém lembrar que este termo não deve ser confundido com diálogo face a face, mas um diálogo do enunciado, que revisita outro(s) e se constitui em um novo dizer.

Bakhtin (2003) examina o enunciado e acrescenta que, durante a comunicação, o ouvinte sempre se posiciona em relação ao discurso emitido pelo falante, o que ele denomina de ativa atitude responsiva. Neste sentido, o ouvinte:

Ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, [...] concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc. Essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu início [...] (BAKHTIN, 2003, p. 291).

Neste caminho, não há passividade no momento do diálogo, mas uma constante reciprocidade de voz, uma troca de turno ou alternância do sujeito.

Todo enunciado – da réplica sucinta (monovocal) do diálogo cotidiano ao grande romance ou tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os enunciados dos outros; depois do seu término, os enunciados responsivos de outros [...]. O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva (BAKHTIN, 2003, p. 295).

(26)

Importa dizer que o sujeito falante, durante o momento comunicativo, também é respondente ativo, pois seu enunciado apresenta marcas de enunciados de outros anteriores ao seu que são apreciados pelo novo ouvinte.

Nossa fala, isto é, nossos enunciados [...] estão repletos de palavras dos outros. Elas introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos. [...] Em todo o enunciado, contanto que o examinemos com apuro, [...] descobriremos as palavras do outro ocultas ou semi- ocultas, e com graus diferentes de alteridade (BAKHTIN, 2003, p. 314).

Ao produzir um enunciado, o falante não é a fonte dele, porém o intermediário que polemiza e dialoga com outros discursos existentes na sociedade. Assim, o sentido de um discurso nunca será o último e possibilita várias interpretações, a compreensão responsiva ativa.

Da parte do autor do enunciado, esse avaliará seu destinatário e por aí modelará a forma e o modo de produção de seus enunciados, que serão diversos conforme a situação social e a importância de seu interlocutor, bem como suas posições, convicções e pontos de vista. É no enunciado que se dá o contato entre a língua e a realidade. A escolha das palavras para a construção de um enunciado leva em conta outros enunciados de outros sujeitos, em relação aos quais o locutor se posiciona.

Assim, quando reproduzimos o discurso do outro, nele podemos captar uma dupla expressão: a original, do outro e a expressão atualizada que é por nós introduzida no enunciado do qual vai fazer parte (BAKHTIN, 2003, p.201).

Também apresenta o enunciado outra particularidade: a conclusibilidade. E esta se relaciona inteiramente à escolha do gênero e à relação entre os envolvidos no processo comunicativo. Durante um diálogo do cotidiano, o ouvinte responde ao enunciado do falante e, ao perceber que este concluiu seu turno, assume a posição de falante.

No diálogo cotidiano, na correspondência, essa coincidência pessoal é comum:

aquele a quem eu respondo é o meu destinatário, de quem, por sua vez, aguardo resposta (ou, em todo caso, uma ativa compreensão responsiva). Mas nos casos de tal coincidência pessoal uma pessoa desempenha dois diferentes papéis, e essa diferença de papéis é justamente o que importa. Porque o enunciado daquele a quem eu respondo (com o qual concordo, ao qual faço objeção, o qual executo, levo em conta, etc.) já está presente, a sua resposta (ou compreensão responsiva) ainda está por vir (BAKHTIN, 2003, p. 302).

A terceira e última característica do enunciado é a relação existente entre o enunciado

e o próprio falante com os “outros”. As tarefas do sujeito do discurso sobre o objeto, e o seu

sentido e a sua relação valorativa determinam a relação desse sujeito com o seu enunciado e

(27)

com o outro(s) discurso(s). É nesse aspecto que pode ser compreendido o conceito de enunciado, que vai além da esfera dessa materialidade que caracteriza o texto. Para o autor, um texto torna-se enunciado a partir do momento em que há uma intenção e a realização dessa intenção em uma realidade concreta (BAKHTIN 2003, p.308).

Nos gêneros cantoria, coco de embolada e maracatu de orquestra, além da identificação entre poetas e ouvintes, pretendo mostrar que, guardadas suas particularidades, o processo de composição e de recepção, por exemplo, apresentam aproximações. Além disso, como o corpus também é constituído de depoimentos, eu investigarei as relações dialógicas que se apresentam nas vozes dos colaboradores.

1.2 POESIA E ORALIDADE

Zumthor (1993, p 25) afirma:

É inútil julgar a oralidade de modo negativo, realçando-lhe os traços que contrastam com a escritura. Oralidade não significa analfabetismo, o qual, despojado dos valores próprios da voz e de qualquer função social positiva, é percebido como uma lacuna. Isso porque, é comum atribuir à escrita o caráter de erudição em contraposição aos estereótipos ligados à oralidade, colocada numa zona de rebaixamento, vítima de um julgamento de valor que a torna desvalorizada social e culturalmente.

Convém entender que os textos orais possuem significados próprios do universo mítico da oralidade, e por isso não devem ser avaliados com base em particularidades da escrita, analisá-los assim é incorrer um equívoco. Como escreve Alconforado (2007), os textos orais refletem uma complexa teia simbólica descrita por guardiões da memória que são capazes de traduzir o indizível. Nesse sentido, não se deve injuriar a oralidade, é preciso aceitá-la como um gênero distinto, pois como afirma Zumthor (2000) ela desempenha um importante papel na história da humanidade, existe em todas as sociedades, e é própria da natureza humana.

Segundo Ong (1998), a linguagem é predominantemente oral e os textos escritos estão

direta ou indiretamente relacionados ao universo do som. Ler um texto é transformá-lo em

som, audível ou imaginativo. A oralidade pode existir sem a escrita, mas nunca a escrita

existirá sem a oralidade. No entanto, os estudos científicos da linguagem, até recentemente,

desconsideravam a expressão oral, tida como mera variante da produção escrita. Em

(28)

decorrência, também o ensino descuidou da oralidade. A explicação para isso está presente na própria relação do estudo/ensino com a escrita. Nas culturas orais, as pessoas aprendem, mas não estudam de modo convencional. O aprendizado se dá pela prática. Daí, para Ong (1998), nossa tendência a não ensinar a língua oral.

Ong (1998), ao tratar a oralidade, classifica-a em duas vertentes: oralidade primária e oralidade secundária. Para ele, a primeira refere-se à oralidade das culturas que não conhecem o letramento ou qualquer conhecimento da escrita, está essencialmente relacionada à memorização.

Numa cultura oral primária, para resolver efetivamente o problema da retenção e da recuperação do pensamento cuidadosamente articulado, é preciso exercê-lo segundo padrões mnemônicos, moldados para uma pronta repetição oral. [...] em provérbios que são constantemente ouvidos por todos, de forma a vir prontamente ao espírito, e que são eles próprios modelados para a retenção e a rápida recordação – ou em outra forma mnemônica (ONG, 1998, p. 45).

Assim, diferente da cultura letrada, na oralidade as palavras têm sons, e, segundo Ong (1998), para entendê-la convém se conhecer a natureza do som. Por essa observação, as palavras devem ser puras, simples e direta, pois o ouvinte não dispõe de elementos gráficos, apenas a voz enunciativa. Por essa assertiva, pode-se perceber que a construção do enunciado obedece a uma maneira própria, o processo mnemônico.

A Oralidade secundária é própria das sociedades contemporâneas, sua realização ocorre paralelamente à escrita e à impressão. Nesse sentido, para o autor, essa “é alimentada pelo telefone, pelo rádio, pela televisão ou por outros dispositivos eletrônicos, cuja existência e funcionamento dependem da escrita e da impressão” (ONG, 1998, p. 19). Posteriormente, ressalta ainda que, praticamente, não há mais oralidade primária, toda a sociedade já foi tocada pela escrita e sofreu alguns dos seus efeitos.

De acordo com Zumthor (1993, p. 37), há três formas de oralidade: a) a primária ou

imediata desprovida de contato com a escrita que, segundo o medievalista, é particular “de

uma civilização da voz viva [...] das formas de discursos próprios para manter a coesão e

moral do grupo.” Encontra-se nas sociedades desprovidas “de sistema visual exatamente

codificada e traduzida em língua" (ZUMTHOR 1993, p.38); b) a mista, quando “ a influência

do escrito permanece externa, parcial e atrasada”; nasce de uma cultura escrita, ocorre de

maneira indireta, coexiste com a palavra escrita, mas não sofre influência; c) oralidade

segunda, que se unifica a partir da escrita e que deriva da existência de uma cultura dita

(29)

letrada. Posteriormente, o autor atualiza seus estudos e aponta uma quarta forma de oralidade:

d) a mediatizada que depende das tecnologias auditivas e visuais como o CD, o DVD, a internet, próprias das sociedades que vivenciam profundamente as modernas tecnologias. Tal oralidade convive com as demais oralidades. Para efeito comparativo, esta forma de oralidade equivale ao que Walter Ong denominou secundária.

O manancial de gêneros orais são fronteiriços e interagem. No que se refere à cantoria de viola, à embolada e ao maracatu de orquestra, estes sistemas dialogam com todas as oralidades e, na atualidade, também transitam pelas novas mídias tecnológicas. A esse respeito, Ong (1998, p

.

19) assevera que

Atualmente, a cultura oral primária, no sentido restrito, praticamente não existe, uma vez que todas as culturas têm conhecimento da escrita e sofreram alguns de seus efeitos. Contudo, em diferentes graus, muitas culturas e subculturas até mesmo no meio de alta tecnologia, preservam muito da estrutura mental da oralidade primária.

Zumthor (1993) também destaca que a atuação do narrador apresenta uma poética do corpo e da voz, e estes elementos são repletos de significados. Diferente da produção escrita, durante a performance

3

, a narrativa é atualizada em relação ao tempo, ao espaço, ao enredo e de acordo com o público ouvinte, pressupondo uma troca de experiências que acontece com a atualização. Isso pode ser notado, por exemplo, durante a cantoria de pé-de-parede e rodas de emboladores: “a voz viva do jogral, a palavra gesticulada dos poetas, a música, a dança, esse jogo cênico e verbal [...] é a linguagem do corpo [...]” (ZUMTHOR, 1993, p.258).

Em outra obra,

Com efeito, nas formas poéticas transmitidas pela voz (ainda que elas tenham sido previamente compostas por escrito), a autonomia relativa dos textos em relação à obra, diminui muito: podemos supor que no extremo o efeito textual desapareceria e que todo lugar da obra se investiria de elementos performanciais, não textuais, como a pessoa e o jogo do intérprete, do auditório, as circunstâncias, o ambiente cultural e, em profundidade, as relações entre a representação e o vivido (ZUMTHOR, 2000, p.21).

A poesia da voz é produzida para o momento presente, existe risco de desaparecer, sua eternidade está atrelada à memória e à tradição. Ao contrário da poesia escrita que está

3 Segundo Zumthor (2000), performance se refere a um acontecimento oral e gestual, relaciona-se ao que o autor considera por poesia vocal, recitada ou cantada, é o movimento do corpo durante a apresentação poética, e a articulação da comunicação com a recepção.

(30)

segura, pois se eterniza sem risco do esquecimento. Além disso, essa poética se sustenta no corpo que contribui para a realização da performance.

Mais adiante:

A performance constitui o momento crucial em uma série de operações logicamente (mas nem sempre de fato) distintas. Enumero cinco delas que são as fases, por assim dizer, da existência do poema: 1. A produção, 2. Transmissão, 3. Recepção, 4.

Conservação, 5. (Em geral) Repetição. A performance abrange as fases 2 e 3; em caso de improvisação 1, 2 e 3. (ZUMTHOR, 2000, p.34).

Para a poesia oral, a performance do corpo é tão importante quanto à construção dos versos, pois ao se engajar, o corpo completa o enunciado proposto pela voz que se manifesta no enunciado poético. Para este trabalho, interessa os seguintes sistemas: cantoria de viola, coco de embolada e maracatu de orquestra. Estas poéticas estabelecem um diálogo ao apresentar algumas características particulares no campo do improviso. Convém dizer que, nas diferentes poéticas orais, a noção de improviso tem distinção. A embolada, por exemplo,

“[...] não descarta a utilização de versos feitos mantidos na tradição oral, nem poemas narrativos. Já para o violeiro, o poeta deve estar preparado para o repente” (AYALA, 1988, p.62). Para tanto, é necessário ter capacidade de compor os versos rapidamente, dominar a técnica de composição dos diversos gêneros de improviso, conhecer as diferentes toadas de viola que os acompanham e acumular um conhecimento geral que possibilite desenvolver qualquer assunto. (AYALA, 1988, p.115).

Sendo assim, a poesia do improviso é antes um exercício mnemônico do que, simplesmente, espontaneidade. Isto se confirma ao se ouvir depoimentos de repentistas que apontam a necessidade de se informar sobre vários assuntos que serão requisitados durante a

performance.

Ainda que essas poéticas orais sejam sistemas particulares, encontram-se pontos

semelhantes: são oriundas da zona rural dos Estados de Pernambuco e Paraíba, e como se

sabe, vários repentistas habitam essas regiões. Além disso, muitos mestres de maracatu são

também violeiros, cirandeiros ou coquistas, e tanto na sambada de maracatu quanto na

embolada, a quadra é bastante presente, e no passado, foi muito usada na cantoria. As

sambadas de maracatu também apresentam semelhanças com a cantiga de pé-de-parede que,

igualmente, proporciona ao público desafios de violeiros repentistas que podem durar uma

noite. A nomenclatura dos versos também aponta neste sentido: "balaio, viola, martelo,

(31)

gemedeira, coqueiro da Bahia, o que é que me falta fazer mais?" (AMORIM; BENJAMIN 2002, p.99).

Outro aspecto análogo é o congresso de cantadores que se assemelha às apresentações dos mestres diante dos palanques

4

durante o período de Carnaval. Nestes encontros, os poetas, igualmente aos cantadores, têm pouco tempo para destrinçar seus versos: “[...] são duas marchas, dois sambas, adeus e até logo, conforme definição precisa do dono do maracatu Leão de Nazaré da Mata, Manoel” (AMORIM; BENJAMIN, 2002, p.99).

Semelhante ao pé-de-parede, na sambada, o público sugere motes aos mestres que naquele instante improvisam suas rimas. As construções poéticas variam, os versos são denominados "samba em quatro, em seis ou em dez. Um samba curto ou um samba longo, um galope ou uma marcha." (ASSIS, 1996, p.23).

Mesmo que sejam sistemas diferentes, apresentam dialogismo. Estão, de certo modo, no mesmo universo: a improvisação e a

performance. A obra bakhtiniana aponta para o

intertextual e dialógico na relação entre os textos e os contextos. Segundo Bakhtin (2006), nossa identidade é forjada no intercâmbio de linguagem com os outros. No caso aqui, com os diferentes sistemas.

4 Esta apresentação é conhecida como “federação”. Neste momento, a cantoria, embora competitiva, é individual, sem disputa presencial, cada mestre realiza sua performance para o público, mas, diferente da sambada, não há outro mestre ao lado.

(32)

2. MULHER E CANTORIA

A cantoria também conhecida como repente é uma forma poético-musical geralmente improvisada por um(a) ou dois(duas) poetas, como nos desafios entre cantadores(as) que se revezam na criação dos versos sempre acompanhados(as) da viola, violão ou, raramente, da rabeca. "Gênero poético musical nordestino [...] que tem sua expressão mais frequente no canto de uma dupla de repentistas que se acompanha à viola, fazendo versos de improviso, conforme uma extensa variedade de modalidades poéticas. (TRAVASSOS, 1987, p. 219)".

Segue regras muito rígidas acompanhada de performance e participação dinâmica do público que dialoga com o cantador (NOGUEIRA, 2003). Segundo Nogueira (2003), Mário de Andrade chamava desafio a qualquer manifestação poética oral improvisada, integrada numa cantoria ou como parte constitutiva de uma dança dramática ou de outra manifestação popular.

Como afirma Araújo (2010), o objetivo do cantador é demonstrar habilidade no discurso rimado, informar e entreter o público presente visando obter prestígio, dinheiro ou algum outro bem que recompense seu empenho. Tais poetas violeiros(as)

[...] não devem ser confundidos com outras categorias de poetas populares do Nordeste:

escritores de folhetos ou emboladores. Os emboladores ou coquistas, embora sejam também improvisadores, além de utilizarem instrumentos de percussão, como o pandeiro e o ganzá, desenvolvem gêneros poéticos diferentes dos que constituem a cantoria de viola.

Os cantadores de cocos apresentam-se em dupla, como os violeiros, mas independem de convites para fazer suas disputas poéticas (AYALA, 1988, p.15).

Os violeiros, geralmente, se apresentam em eventos previamente definidos:

residências, festas, teatros, congressos etc. A prática de versejar em coletivos, feiras e praias é criticada por violeiros que pertencem ao cânone. Para eles, a ação de se cantar em qualquer ambiente desvaloriza a arte do repente. Embora isso não tenha desaparecido, apenas não acontece com todos cantadores. Mas aqueles que não têm tanto espaço de atuação ainda cantam em ambientes sem serem convidados.

[...] a alternativa de cantar nas praias pedindo dinheiro em troca de alguns versos [...] foi uma solução encontrada diante de descaminhos de trajetória profissional de alguns poetas e que acabou instituindo um nicho profissional especifico. Sozinhos ou em dupla, os cantadores dirigem-se aos possíveis ouvintes, que a principio não estão naquele ambiente nem para ouvir cantoria nem para pagar cantador (SAUTCHUK, 2009, p.228-229).

(33)

O folheto e a cantoria apresentam pontos de cruzamentos: a estrutura dos versos, a métrica, e a rima

5

são algumas delas. Contudo, embora ambos tenham raízes orais, o folheto não é produzido de improviso, mas construído previamente para posterior publicação impressa.

Os repentistas atuam, quase sempre, em dupla, embora existam também aqueles que trabalham individualmente. Exemplo disso é o cantador Oliveira de Panelas que decidiu trilhar um caminho solo neste universo. No entanto, como aponta Cascudo (1998, p.349),

“[...] o compasso musical [...] serve de acompanhamento no intervalo entre a pergunta e a resposta enquanto um dos adversários prepara o verso seguinte.” Assim, ao cantar sozinho, o poeta terá menos tempo para tecer os versos na mente antes de versificá-los oralmente, e essa

performance dará mais trabalho para que o cantador improvise. Durante a apresentação, o

poeta altera o discurso, o tom, a entoação, o timbre de voz e os gestos, de acordo com a recepção que pressente ou percebe nos presentes (NOGUEIRA, 2003), pois, como dizem os cantadores, "o público é a chave da cantoria", é nele que reside o sentido do jogo poético.

No que se refere à presença feminina no repente, "embora as mulheres estejam nessa seara há tempo, a realidade das cantadoras aponta para dificuldades de engajamento"

(AMORIM, 2003, p.121). Se garimparmos bibliografia que trate da mulher como protagonista no território da cantoria, encontraremos poucos exemplares. Embora não se dediquem apenas às poetas, tratam desse particular: Mota (2002) que, em

Sertão alegre, fala sobre certa Rita

Medero ou Rita Mêdera que residiu no Retiro da Boa Esperança, município de Barras, estado do Piauí e morreu sexagenária em 1901 ou 1902. Escreve ainda sobre a existência de Zefinha do Chambocão, repentista do Estado do Ceará século XIX; Maria do Riachão é citada por Luyten (1981) em Vaqueiros e cantadores, Cascudo (1998) escreve sobre certa Maria Tebana, do Rio Grande do Norte, século XIX, e diz que ela possuía uma das mais fortes e lindas vozes, que versejava com rapidez, tocava bem viola e o seu repente era assustador.

Em Roteiro de velhos cantadores, Wilson (1986) cita Francisca Maria da Conceição, Francisca Barrósa ou Chica Barrósa que nasceu em Patos, estado da Paraíba e viveu do final do século XIX e começo do século XX. Segundo relatos, a violeira foi assassinada durante uma cantoria. Em Dicionário bio-bibliográfico de repentistas e poetas de bancada, Almeida e Alves Sobrinho (1978) se referem a algumas poetas: Anita Lopes de Almeida, de São José do Egito, Corina Torres de Andrade, Josefa Maria Anjos, Maria Benta de Araújo, natural de Cacimba de Dentro, Paraíba, a piauiense Terezinha Rodrigues, Maria das Dores Pereira, que

5 Como já existem excessivos trabalhos que tratam dessa questão, não abordarei esse particular. Leia, por exemplo, AYALA (1988).

(34)

viveu em Itabaina no estado da Paraíba, Iracema Gomes, natural de Patos, Alayde Lima, a maranhense Camila Martinzão, Maria José de Oliveira, Marinêz da Silva, Zaíra Dantas da Silva, Amélia Siriaco e Otília Soares, de Campina Grande, na Paraíba. Franklin Machado, no exemplar

O que é literatura de cordel? (1980) cita ainda Terezinha Tiete, na Paraíba, Luiza

França, e Ciça (Cicera) Bandeira Caldas, no Ceará.

Em Cantadores, Repentistas e poetas populares (2003), o poeta José Alves Sobrinho também menciona algumas cantadoras: as

pernambucanas Toinha Feitosa, Guriatã e Anita Catota, do Rio Grande do Norte, Elpídia Morais, da cidade de Patos, as paraibanas Elisa Costa e Maria Lindalva e a baiana Maria Roxinha.

Ainda que sejam relevantes estes registros, pois trazem testemunhos, corroboram e contribuem para constatação da presença feminina no universo da cantoria, geralmente, as referências ali apresentadas “[...] são revestidas de um tom exótico, lendário, ficando difícil saber até que ponto são reais ou produto da imaginação” (AYALA, 1995, p. 493). Além disso, as cantadoras apresentadas viveram durante o século XIX e início do XX. Afigura-me que, após estes apontamentos, pouco se disse sobre a presença de mulheres violeiras.

Durante pesquisa para a tese, coletei bibliografia recente que trouxesse mulheres como protagonista no espaço da poesia oral, e poucos exemplares se ocuparam deste particular: No

arranco do grito, Ayala (1988); Mulher repentista: uma profissão, dificuldades várias, Ayala

(1995); Romaria dos versos: mulheres autoras na ressignificação dos versos, Santos (2002);

Mulheres de repente: vozes femininas no repente nordestino, Queiroz (2003)6

;

Mulheres cordelistas: percepções do universo feminino na literatura de cordel, Queiroz (2006); Novas cartografias na cantoria e no cordel: desterritorização de gêneros na poética das vozes,

também de Santos (2009);

Estratégias de (in)visibilidade feminina no universo do Cordel,

Santos (2009); e

As representações identitárias femininas no cordel: do século XX ao XXI,

Barbosa (2010).

É oportuno lembrar que, no que se refere às mulheres repentistas, o princípio destes estudos de maneira mais criteriosa se deve à Maria Ignez Ayala que, em seu artigo

Mulher repentista: uma profissão, dificuldades várias (1995), aponta as adversidades encontradas

pela mulher nos caminhos da cantoria de viola nordestina.

Na contemporaneidade, mesmo com a diversidade de registros fonográficos, de cantoria, emboladores de coco, mestres de maracatu, aboiadores, há poucos de mulheres nestes gêneros. A exceção da violeira Mocinha de Passira que conta com vários exemplares

6 No ano de 2006, esta dissertação recebeu menção honrosa no Prêmio Raymond Cantel promovido pela Secretaria de Cultura da Paraíba e a Universidade de Poitiers, Fr.

(35)

prensados, poucas repentistas têm registros em CD. Igualmente, nos espaços de manifestação dos vários gêneros de improvisos que são fecundos na atualidade: congressos, sambadas, encontro de aboiadores, vaquejadas quase não se vê a participação de mulheres e, não me admira o fato de poucas, a exemplo de Mocinha de Passira, Neuma da Silva e Luzivan Matias viverem da arte.

Novos violeiros, aboiadores, coquistas e mestres de maracatu aparecem a cada dia.

Mas, nos últimos vinte anos, poucas mulheres se aventuraram nessas veredas. Após mais de uma década pesquisando sobre este particular, de 2001 até o presente, apenas tive notícia de duas “novas” cantadoras

7

. Sabe-se que outras mulheres já se aventuraram pelo universo do repente, porém, por motivos tais como: proibição do companheiro, dificuldade financeira, falta de perspectivas, entre outros, declinaram de sua arte. Exemplos dessa realidade são, segundo Santinha Maurício

8

, as pernambucanas Lídia Maria, Bernadete de Oliveira, Estelita José, Elizete Claudino

9

, Maria Sabino, Zeza Barbosa e Maria de Lurdes; as paraibanas Elza Galdino e Lita Cruz, Maria Lindalva, de Currais Novos; e a cearense Lurdinha de Oliveira.

[...] a submissão da carreira à vida doméstica impossibilita que a repentista cresça profissionalmente como os homens. A carreira começa por volta dos 12 anos, tanto para os meninos, quanto para as meninas. Segue ininterruptamente, no caso dos homens. Por volta dos 18 ou 20 anos é que os jovens repentistas começam a ganhar fama de profissionais, ampliando seus limites geográficos. No caso das violeiras, nessa idade, quando já começam a se firmar como profissionais não raro têm de interromper suas apresentações por causa da gravidez ou do cuidado com as crianças e com as tarefas domésticas ou devido à oposição da família, quando solteira.

Mesmo no caso das que são casadas com repentistas ou que não sofrem tantas imposições familiares, a dupla jornada feminina interfere no seu quotidiano profissional, limitando sua atuação (AYALA, 1995, p.494).

As adversidades para as poetas ainda são várias: a discriminação específica, a falta de recursos - já que a maioria delas não vive da própria arte - ausência de apoio na família, falta de perspectiva, ausência de espaço no ambiente da poesia oral, discriminação, carência de

7 Em fevereiro de 2013, a cantadora Minervina Ferreira disse ter ouvido no rádio uma cantoria onde se apresentavam um cantador e uma jovem cantadora por nome Marcela. Há poucos dias, conversando com o poeta Davi Teixeira, ele me citou o nome de uma cantadora chamada Rosinha Alves, mas não se recordava a região onde ela vive.

8 Estas poetas foram citadas pela cantadora em conversa informal.

9 Estive com esta cantadora, durante uma tarde de cantoria no município de Carpina, Pernambuco, em fevereiro de 2011. Na ocasião, disse-me ela que se afastou da cantoria há um tempo, mas agora, estava voltando aos poucos apenas para cantar canções.

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