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EUTANÁSIA DIREITO A UMA MORTE DIGNA OU HOMICÍDIO ASSISTIDO PELA LEGISLAÇÃO PÁTRIA?

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Edição 15 – Julho 2018

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EUTANÁSIA – DIREITO A UMA MORTE DIGNA OU HOMICÍDIO ASSISTIDO PELA LEGISLAÇÃO PÁTRIA?

ADORNO, Paulo Alves1 FIALHO, Marcelito Lopes2 LEME, Fabrício Augusto Aguiar3 SANTIAGO, Valdemar4

RESUMO: O presente trabalho trata da questão da eutanásia quanto ao seu conceito abordado pela doutrina clássica e contemporânea e suas principais classificações adotadas pela literatura que disserta o tema. Analisa ainda o assunto quanto à Constituição Federal no que diz respeito ao direito à vida, a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade. Relaciona a matéria com o atual Código Penal Brasileiro e sua inserção na Proposta do Novo Código Penal que tramita no Senado Federal. O Código de Ética Médica Brasileiro também é analisado, uma vez que, embora não seja a eutanásia prática exclusiva do médico, a questão está intimamente ligada com esta classe posto que seja este profissional aquele que normalmente lida com a vida e a morte. Por fim, faz uma breve comparação com outros países que já possuem a matéria incorporada em suas legislações, e o que indica o Pacto de São José da Costa Rica.

Palavras-chave: eutanásia, Constituição Federal, Código Penal.

INTRODUÇÃO

A palavra morte ainda é, e sempre foi um grande tabu, para uma boa parcela da população mundial, sendo assunto pouco discutido e quando o assunto é abordado reveste-se de pré-conceitos religiosos, costumes, ou doutrinas que impedem que normas

1 Advogado – OAB/SP; Graduado em Direito pelas Faculdades Integradas do Vale do Ribeira; Pós- graduação – Especialização em Direito Tributário pela Faculdade Damásio; Mestrando em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela Universidade Santa Cecília – UNISANTA; e-mail:

paulo_adorno@uol.com.br

2 Advogado – OAB/GO; Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Triângulo – UNITRI;

Mestrando em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela Universidade Santa Cecília – UNISANTA; e-mail: marcelito.fialho@bol.com.br

3 Advogado – OAB/SP; Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS; Especialista em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil, pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS; Professor na FECLE Don Domênico nos cursos de Administração e Recursos Humanos; Mestrando em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela Universidade Santa Cecília – UNISANTA; e-mail: fabricio@leme.adv.br

4 Advogado – OAB/SP; Graduado em Direito pelo Instituto Educacional do Estado de São Paulo – UNIESP; Conciliador e Mediador pelo TJ/SP; Mestrando em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela Universidade Santa Cecília – UNISANTA; e-mail: contsantiago@uol.com.br

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2 jurídicas sejam postas de maneira clara e objetiva, a fim de que os legisladores a operem sem infringi-las, portanto, o objetivo deste trabalho é o de dissertarmos a respeito da eutanásia.

Esta, para um grupo de estudiosos, parece ser um auxílio à morte de pacientes terminais, sejam para aqueles que sofrem nos hospitais ou estão em casa, desenganados pelos médicos, desse modo a aplicação da eutanásia para este grupo seria um alívio para o paciente, pois passaria de um longo sofrimento a uma morte digna.

Para outros grupos, parece soar como um assassinato, um homicídio. Sendo assim, este ato estaria contrário aos direitos e garantias fundamentais, contidos na nossa Carta Política de 1988.

O direito à vida está contemplado na Constituição de 1988, no art. 5º, caput, dentro do título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo consagrado como o mais fundamental dos direitos.

O princípio da dignidade da pessoa humana também é reconhecido pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, sendo um dos princípios basilares do novel Texto Constitucional.

Dessa maneira, essa foi uma das preocupações do nosso constituinte, garantir na nossa Constituição Federal a garantia dos direitos fundamentais, com foco na dignidade da pessoa humana.

Assim sendo, trata-se de assunto complexo, porque nem sempre o direito à vida protegida pela legislação retrata uma realidade concreta. Há casos de doenças, como o câncer terminal, que traz muita dor para o paciente e para a sua família. Neste caso em tela, o direito à dignidade humana, de uma morte digna, poderá prevalecer sobre o direito à vida, porque é o indivíduo quem deve decidir se deseja ou não ficar no sofrimento.

Mas, quem decidirá por fim à vida é a família ou o próprio paciente, desde que este esteja consciente. Entretanto com a evolução da medicina, o acolhimento hospitalar, conta com equipes multidisciplinares, que poderão auxiliar sobre a decisão familiar e a do paciente e impedir a consumação do ato.

Neste sentido, não se trata de tarefa fácil discorrer sobre o assunto, posto que envolve uma série de polêmicas com fundo em ideologias e atos, advindos das correntes de pensamentos médicos, religiosos, éticos e jurídicos.

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3 O método utilizado neste trabalho é o analítico-comparativo entre a Constituição da República Federativa do Brasil, as normas infraconstitucionais, tais como o Código Civil e o Código Penal, bem como as legislações internacionais que tratam do tema, e ainda doutrina jurídica nacional.

Perpassa ainda, pelos Princípios da Dignidade Humana, a Autonomia da Vontade, o direito à vida e à saúde, a capacidade e voluntariedade do indivíduo, as posições contrárias e favoráveis à prática da eutanásia, sem deixar de conceituá-la para melhor compreensão do assunto.

1 CONCEITO DE EUTANÁSIA E SUAS CLASSIFICAÇÕES 1.1 Conceito

Para a Professora Heidy de Ávila Cabrera, "a palavra eutanásia, derivada do grego eu (bem) e thanatos (morte), significando a boa morte, morte suave, calma, doce, indolor e tranquila” (CABRERA, 2010, p. 32).

Diante dessa definição, a ação de provocar de forma direta e voluntária a morte de um paciente acometido de doença tida como incurável, pode ser entendida como eutanásia, portanto neste caso, tem-se um ato praticado por terceiro.

A ilustre professora afirma ainda que a eutanásia é matéria de discussão desde a Grécia antiga, e conforme Platão em sua obra República: “todo o cidadão tem um dever a cumprir em qualquer Estado civilizado; ninguém tem o direito de passar a vida doente ou em tratamento [...] aqueles que não forem sãos de corpo, deixam-se morrer”

(CABRERA, 2010, p. 34).

Conforme o doutrinador Roberto Dias:

A eutanásia é entendida como o comportamento médico que antecipa ou não adia a morte de uma pessoa por motivos humanitários, mediante requerimento expresso ou por vontade presumida, mas sempre em atenção aos interesses fundamentais daquele que sofre uma enfermidade incurável, lesão ou invalidez irreversível, que lhe cause sofrimentos insuportáveis e afete sua qualidade de vida, considerando sua própria noção de dignidade (DIAS, 2012, p. 148).

1.2 Classificações

A doutrina brasileira classifica a Eutanásia quanto ao método empregado para o resultado “morte”, a vontade do paciente expressa em seu consentimento e o fato motivacional que desencadeou a prática do ato.

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4 Quanto aos métodos ou tipos de ação, a eutanásia (evento morte) pode ocorrer nas seguintes formas – (CABRERA, 2010, pp. 51-52):

a) – natural: é a ação em que a morte ocorre de forma natural, onde não há participação de terceiros e o paciente não padece de sofrimento físico;

b) – provocada: neste caso há interferência de um agente, podendo ser o próprio paciente, ou um terceiro; esta ação pode se dar de forma autônoma ou heterônoma, dependendo da pessoa que a pratica. Autônoma, quando não há intervenção de terceiros, ou seja, o próprio paciente pratica a ação; Heterônoma existe a atuação de um terceiro;

c) – ativa ou direta: nesta situação o que se verifica é o procedimento, uma vez que o terceiro envolvido ministra substância capaz de provocar a morte instantânea e indolor do paciente;

d) – passiva ou indireta: aqui ocorrem duas situações (ação/omissão) em que não se inicia uma ação médica ou interrompe-se um paliativo com o propósito de acalmar o sofrimento do indivíduo;

e) – de duplo efeito: quando a morte é acelerada por consequência indireta de procedimentos médicos e ou medicamentos ministrados com o fim de aliviar a dor do paciente que se encontra em estado terminal.

Em relação ao consentimento a prática da eutanásia, ela pode se dar de forma – (CABRERA, 2010, p. 52):

a) – voluntária: quando a morte é provocada a pedido do próprio paciente;

b) – involuntária: morte provocada contra a vontade do paciente;

c) – não voluntária: não há manifestação do paciente seja no sentido favorável ou contra.

No aspecto da motivação, a eutanásia pode ser classificada em – (CABRERA, 2010, p. 53):

a) – comum: este é o caso da eutanásia propriamente dita, cujo motivo é pura e simplesmente pôr fim à agonia vivida pelo paciente incurável ou em estado terminal;

b) – eugênica: tem por objetivo a eliminação de pessoas portadoras de doenças incuráveis; os alvos são aquelas pessoas portadoras de anomalias genéticas, doenças mentais ou com tendências criminosas ou antissociais;

c) – econômica: são aquelas pessoas que por sua condição passam a ser consideradas um peso para a sociedade, tais como deficientes mentais, inválidos e idosos ou alienados irreversíveis;

d) – libertadora ou espontânea: é a morte provocada a um doente incurável por um médico.

Assim sendo, quanto ao conceito, a doutrina converge para o mesmo sentido de que a eutanásia é a morte de alguém praticado por terceiro por motivo humanitário, notadamente aquela pessoa que em estado terminal, não se vislumbre possibilidade de cura, e quanto às suas classificações, variam quanto ao tipo de participação do agente, por omissão ou comissão, o consentimento ou a motivação do ato.

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5 2 A EUTANÁSIA E AS NORMAS LEGAIS

2.1 A Constituição Federal e o Direito à Vida

Diante do conceito trazido pelo autor em que a prática da eutanásia traduz-se num comportamento médico que abrevia ou não adia o sofrimento de um paciente mediante motivos humanitários, a Constituição Federal é inabalável no princípio da inviolabilidade do direito à vida.

Pelo comportamento médico com fins humanitários, a corrente contrária à eutanásia a trata como pena de morte, solidificando seus argumentos na própria Carta Magna que só admite este feito em caso de guerra declarada conforme aduz o inciso XLVII, alínea “a”, do referido artigo 5º, e mesmo assim, tal ato é privativo do Presidente da República – artigo 84, XIX, e ainda, desde que autorizado ou referendado pelo Congresso Nacional.

Nesse sentido, Roberto Baptista da Silva e Gisela Barroso Istamati ao analisarem os casos das células-tronco e da interrupção da gravidez do feto anencefálico, tratam também da questão da eutanásia, abordando o direito à vida, a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade (SILVA & ISTAMATI, 2015, pp. 109-129).

Pois bem, este direito à vida, cujo princípio é inviolável, é direito fundamental de primeira geração (ou dimensão); é aquele direito natural que é próprio ao homem, presumindo uma preexistência à condição da natureza humana, sendo que ninguém pode renunciar desse direito, pois é característica inalienável dessa natureza humana.

Embora este direito natural abarque todos os direitos que se relacionam com a vida digna do homem, o legislador constituinte originário especificou alguns de forma mais objetiva, tais como, o direito de inviolabilidade da vida privada, a instituição de júri para crimes dolosos contra a vida, a integração da pessoa deficiente à vida comunitária, o meio ambiente e qualidade de vida como direito de todos, a vida da criança, do adolescente e dos jovens, bem como o direito dos idosos.

Tanto as posições favoráveis quanto as contrárias à prática baseiam-se também na Constituição Federal para defender seu ponto de vista. As negativas ao prolongamento da vida questionam a potencialidade e a expectativa dessa vida, a inviolabilidade ou a indisponibilidade do direito à vida.

Invocam a Constituição para argumentar que o artigo 5º, caput se refere apenas à inviolabilidade da vida, sem, contudo, mencionar em nenhum momento a

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6 indisponibilidade do direito à vida. Portanto, para tais, o direito à vida seria disponível, pois não está positivado na Carta Magna.

Nesse sentido, dizem os favoráveis, se seria razoável dispor de todos os esforços tecnológicos, terapêuticos e financeiros para prolongar a vida de uma pessoa, sem ter certeza se essa continuidade seria saudável.

Por outro lado aqueles que se posicionam contrariamente, além da inviolabilidade disposto no Texto Constitucional, ainda trazem ao debate a questão da autonomia da vontade, a dignidade da pessoa humana, e mais ainda a questão da saúde.

A “autonomia da vontade” está intimamente ligada à liberdade que a pessoa tem para praticar atos da ordem civil conforme o artigo 1º do Código Civil em que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

Este indivíduo que goza de direitos e deveres na ordem civil pode contrair negócios jurídicos, o qual requer que o agente seja capaz, que o objeto transacionado seja lícito, possível, determinado ou determinável e, ainda que, esse negócio obedeça à forma prescrita e não proibida em lei, conforme prescreve o Código Civil no artigo 104.

Deste modo, este negócio jurídico só teria validade ante um agente capaz de ter habilidade para realizar atividades sem auxílio de outrem, tendo conhecimento e controle da situação para a tomada de decisão por si mesmo.

Esta manifestação livre de vontade do indivíduo de agir não pode estar manipulada por vontade ou decisão de outra pessoa, se assim o fosse, a voluntariedade do agente estaria prejudicada.

Portanto, o negócio jurídico estaria submetido a essas duas características, capacidade e voluntariedade do agente. Mas ainda que essas exigências estivessem presentes nesse negócio, um contrato para uma possível eutanásia seria lícito?

A posição contrária assevera que um contrato permitindo a terceiro a prática da eutanásia seria defeso em lei, justamente por que não há lei pátria que permita tal ação.

Os que são favoráveis dizem ser essa uma posição antidemocrática, pois a liberdade consagrada pelo texto constitucional dá ao paciente o direito de escolha sobre sua vida diante de uma circunstância irreversível. É justamente esse contraponto que é colocado no debate, posto que a própria Constituição Federal estatui o regime democrático para o Brasil.

A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental destacado também no Texto Maior, cujo significado apresenta alguns traços que se entende por condições

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7 dignas que devem ser oferecidas a todos os seres humanos, universalmente, sem distinção.

Entende-se também como um traço distintivo do ser humano por ser este, dotado de razão e consciência, impedindo-o que seja tratado como objeto, mas sujeito de direitos, pois o fato do ser humano e pertencer à espécie humana são credor dessa dignidade, e que precisa ser tutelada e respeitada.

Aqueles que se sentem desconfortáveis com o tema, mencionam que apesar da dignidade da pessoa humana louvar a liberdade de escolha, não gera para o portador poder ilimitado e incondicional, a fim de dispor de sua própria vida.

Já aqueles simpatizantes do tema, tem esta opinião justamente porque um paciente terminal não tem a garantia de uma existência digna, a impossibilidade de uma vida saudável e independente, subtrai-lhe a própria dignidade.

Outro ponto importante a destacar relativo à posição contrária diz respeito ao Texto Constitucional em seu artigo 6º e 196, caput, cujo comando destaca que a saúde é direito de todos e dever do Estado.

Na interpretação do mandado constitucional se esse dever do Estado e esse direito do indivíduo, não distingue estado de saúde no momento da procura, entende-se que, mesmo o doente terminal tem direito aos recursos públicos disponíveis.

Por outro lado, altos investimentos clínicos contra reduzida possibilidade de cura ou tratamento e altos custos com longas internações em Unidades de Terapia Intensivas, poderiam ser evitados e o direcionamento desses recursos para outras carências da saúde pública, aventam os adeptos da prática da eutanásia.

2.2 A Questão da Eutanásia e o Código Penal Brasileiro

O tema em questão não é tratado no Código Penal Brasileiro de 1.940, entretanto, quando praticada poderá ser enquadrada no crime de homicídio, uma vez que não há tipo básico penal, o qual dificulta sobre a aplicação da pena, tornando-se proibida no atual Código.

Em havendo auxílio por parte de terceiro para que o enfermo pratique o ato, esta prática poderá ser classificada como induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, conforme prescreve o artigo 122, cujo caput aduz: "induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça", com pena de reclusão, de dois a seis anos, caso o evento se consume.

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8 Porém, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave, a pena será reclusão, de um a três anos, mas a pena é duplicada com aumento se o crime é praticado por motivo egoístico, e, se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Conforme já dito, como a eutanásia no Brasil ainda não está claramente previsto na legislação brasileira, poder-se-ia tratá-la como homicídio privilegiado, com redução de pena aplicada pelo magistrado, já que o agente cometeu o "crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, podendo o juiz reduzir a pena de um sexto a um terço", conforme prescrito no § 1º, do artigo 121, do Código Penal.

Interessante é a anotação que faz a respeito do “crime privilegiado”, o Procurador de Justiça e Professor Julio Fabbrini Mirabete, relacionando o citado artigo à prática da eutanásia. Vejamos:

Crime privilegiado existe quando ao tipo básico a lei acrescenta circunstâncias que o torna menos grave, diminuindo, em consequência, suas sanções. São crimes privilegiados, por exemplo, o homicídio praticado por relevante valor moral (eutanásia, por exemplo), previsto no art. 121, § 1º, o furto de pequeno valor praticado por agente primário (art. 155, § 2º); o estelionato que causa pequeno prejuízo, desde que primário o autor (art. 171, § 1º) etc.

Nessas hipóteses, as circunstâncias que envolvem o fato típico fazem com que o crime seja menos severamente aplicado (MIRABETE, 2006, pp. 120-121). (grifo nosso)

A doutrinadora Maria Helena Diniz não relaciona a eutanásia com o suicídio assistido, por que é a “hipótese em que a morte advém de ato praticado pelo próprio paciente, orientado ou auxiliado por terceiro ou por médico”, indo, portanto, na contramão do artigo 121, § 1º do Código Penal, embora afirme em sua assertiva a orientação ou o auxílio de terceiros (DINIZ, 2006, p. 381).

Por fim, anote-se que tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 236/2012, que trata na Parte Especial - Título I - Crimes Contra a Pessoa - Capítulo I - Crimes Contra a Vida, que cuida especificamente do tema "Eutanásia", in verbis: Art. 122.

"Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:

Pena – prisão, de dois a quatro anos. § 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima".

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9 2.3 O Código de Ética Médica Brasileiro

Quando a família se depara com a possibilidade de incurabilidade de alguma doença em um membro de seu entorno familiar, o médico é o primeiro indivíduo a ser questionado, pois é nele que são depositados sua confiança e esperança.

A questão da relação médico, paciente e familiares é tratada de forma clara e objetiva no artigo 41, do Código de Ética Médica, onde se lê que:

É vedado ao médico:

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

Em concordância com o artigo acima o Código traz ainda como Princípio Fundamental a saúde assegurada ao ser humano, onde o objetivo principal do médico é justamente a saúde, devendo agir com o máximo zelo e dando o melhor de sua capacidade profissional.

Destaca ainda que o médico deverá guardar absoluto respeito pelo ser humano, e atuando sempre em seu benefício e, nunca empregará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, e que provoque o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

3 O TRATAMENTO DO TEMA EM OUTROS PAÍSES

O Uruguai um dos únicos países da América Latina, que permite a eutanásia, no seu Código Penal de 1934, declara o ato como “homicídio piedoso”, cabendo ao Juiz decidir se exoneram do castigo a quem pratica sobre seus bons antecedentes e honra, desde que o magistrado se convença que se trata de delito cometido por piedade através de repetidos apelos da vítima.5

Já na Colômbia a eutanásia é tratada como “homicídio por piedade”

estabelecendo para quem matar o outro para por fim a sua intensa dor, recebe a pena de

5 URUGAY. Código Penal. Art. 37. Del homicidio piadoso. Los Jueces tienen la facultad de exonerar de castigo al sujeto de antecedentes honorables, autor de un homicidio, efectuado por móviles de piedad, mediante súplicas reiteradas de la víctima.

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10 seis meses a três anos de prisão, e neste caso a prática seria para encerrar intensos sofrimentos de lesão corporal ou enfermidade incurável.6

Em 1997 a Corte Constitucional Colombiana, aprovou uma sentença que declara eutanásia voluntária, com consentimento do paciente em estado terminal. Sendo justificada por um médico que pode ser praticada sem penalização. E em recente decisão esta mesma Corte regulamentou a eutanásia para crianças e adolescentes. (EL PAIS, Bogotá, 2018).

Concluindo acerca do tema, consta no artigo 4º, item dos Direitos Civis e Políticos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), onde o Brasil é signatário que: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral deste o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. (CIDH, San Jose, 1969).

CONCLUSÃO

Debater o tema da eutanásia é de suma importância, pois nos permite conhecer as diferentes opiniões acerca do assunto, suas teses e contradições e contrapô-las com as normas oficiais atuais e porventura subsidiar o poder legiferante para novas normas que possam vir a regulamentar o assunto.

Analisando o conceito do assunto em tela trazido pela doutrina concluímos que tal ato trata-se de antecipar a morte ou não prolongar a vida de alguém que acometido de um mal incurável, a medicina já não lhe dá mais esperança de vida saudável.

Diante das classificações analisadas pode-se perceber que a eutanásia pode ser provocada, ocorrendo por ação de terceira pessoa ministrando substância com o objetivo de causar a morte do paciente de forma instantânea e sem sofrimentos, ou pelo próprio paciente.

Mas foi possível verificar também que existe a forma passiva ou indireta onde o terceiro agente pode agir por omissão ou comissão em que não se inicia uma ação médica ou interrompe-se um paliativo com o propósito de acalmar o sofrimento do

6 COLOMBIA. Ley 599 de 2000 (Julio 24) – Por la cual se expide el Código Penal. Artículo 106.

Homicidio por piedad. El que matare a otro por piedad, para poner fin a intensos sufrimientos provenientes de lesión corporal o enfermedad grave e incurable, incurrirá en prisión de uno (1) a tres (3) años.

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11 indivíduo, neste caso a medicação é interrompida, aguardando-se apenas a morte definitiva do paciente.

Através da pesquisa a fim de embasar o presente trabalho, concluiu-se que a eutanásia quando confrontada com a Constituição Federal encontra clara vedação em virtude do princípio da inviolabilidade do direito à vida, traduzindo-se este preceito que a vida é intocável por si mesmo ou terceiros, excluindo por analogia o suicídio ou o suicídio assistido.

Outros princípios constitucionais também são questionados para afastar a probabilidade de sequer se discutir o assunto, tais como a dignidade da pessoa humana, a autonomia da vontade, e ainda o direito à saúde e a obrigação do Estado de garantir acesso igualitário e universal a todos os brasileiros.

Percebemos que ao analisarmos as argumentações colhidas daqueles que concordam com a prática da eutanásia, tais argumentos chocam mais pelo realismo, do que propriamente pela situação em si, principalmente quanto ao questionamento da potencialidade e a expectativa dessa vida, pois não seria razoável supor livrar-se de um parente enfermo, mesmo que incurável, olhando simplesmente pelo lado econômico/financeiro.

A nosso ver, o argumento favorável e com melhor base constitucional seria aquele que confronta a inviolabilidade com a indisponibilidade, por que de fato a Constituição Federal do Brasil, não fala ipsis literis, que o direito à vida é indisponível, e nesse sentido, outro argumento que chama atenção é aquele que se refere à liberdade de escolha.

Para refletirmos: ora, se a própria Constituição não fala que o direito à vida é indisponível e que o Estado Democrático de Direito assenta-se na liberdade de escolha, portanto seria possível ao indivíduo, diante dessas premissas, dispor de seu próprio corpo?

Entretanto o tema já é realidade em outros países, e no cotidiano de muitos brasileiros, e não seria racional que o Brasil ficasse indiferente ao assunto, portanto a reforma do atual Código Penal trata-o especificamente, descriminalizando o agente praticante da eutanásia.

Todavia, na proposta de reforma seria necessário que restasse provado que a ação se deu por piedade ou compaixão, que o paciente encontre-se em estado terminal, com sofrimento físico insuportável acometido em razão de doença grave, mas que possa

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12 responder por seus atos, e que seja maior de idade.

Neste sentido, a prática da eutanásia seria regulamentada no Brasil, porém em confronto direto com as normas legais nacionais e ao Pacto de São José da Costa Rica, do qual o nosso país é signatário.

REFERÊNCIAS

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em:

08/02/2018.

______. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em:

19/02/2018.

______. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 - Código Civil. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 08/02/2018.

______. Senado Federal. Anteprojeto de Código Penal. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/dl/anteprojeto-codigo-penal.pdf. Acesso em: 06/06/2018.

CABRERA, Heidy de Ávila. Eutanásia: Direito de Morrer Dignamente. Dissertação de Mestrado em Direito. Osasco: Centro Universitário Fieo – Unifieo, 2010. Disponível em: http://www.unifieo.br/files/Heidy_de_Avila_Cabrera.pdf. Acesso em: 08/02/2018.

CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Organização dos Estados Americanos.

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DIAS, Roberto. O Direito Fundamental à Morte Digna: Uma Visão Constitucional da Eutanásia. 1 ed. Belo Horizonte: Forum, 2012.

DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2006.

EL PAIS. Jornal Internacional – Meio Eletrônico. Colombia reglamenta la eutanasia para niños y adolescentes. Santiago Torrado. Bogotá, 11 de Março de 2018 – 07:12 CET. Disponível em:

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Acesso em: 19/02/2018.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. V.1, 23 ed., rev., atual., por FABBRINI, Renato N. São Paulo: Atlas, 2006.

URUGUAI, República Oriental do. Código Penal. Disponível em:

http://www.wipo.int/wipolex/en/text.jsp?file_id=196342. Acesso em: 05/06/2018.

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