XIV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB 2013) GT 9 – Museu, Patrimônio e Informação
Comunicação Oral
MUSEU FÓRUM: MEIO AMBIENTE EM DEBATE
Luisa Maria Rocha - UNIRIO/MAST Carmen Silvia Machado - IPJBRJ1/UFRJ
Resumo
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é uma instituição científica voltada à pesquisa e conservação da flora. Desde 2008, agrega a seus objetivos o estudo da relação homem e meio ambiente, motivo pelo qual foi gestada a criação do Museu do Meio Ambiente. Uma das atividades do Museu, o Fórum Ambiental, abre um espaço destinado não apenas à participação, mas também à perspectiva de inclusão do indivíduo nas discussões de problemas ambientais reais que afetam a nossa qualidade de vida, capaz de construir um sentimento de pertencimento frente ao meio ambiente. Desta forma, o Museu do Meio Ambiente coloca em discussão os problemas ambientais por diferentes públicos, levando informação e formação de uma opinião pública distinta e qualificada. Baseando-se nessas prerrogativas, apresentamos o Fórum Ambiental da Biodiversidade, desenvolvido a partir do caso da “perereca”, uma espécie endêmica ameaçada de extinção, encontrada no brejo da Floresta Nacional Mário Xavier, em Seropédica, que se encontra no trajeto da construção do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Museu. Meio Ambiente. Fórum. Participação. Biodiversidade.
Abstract
The Botanical Garden of Rio de Janeiro is a scientific institution dedicated to research and conservation of the flora. Since 2008, it has added to its objectives the study of relationship between man and environment, reason for which was gestated the creation of the Museum Environment. One of these activities, the Environmental Forum, opens up a space not only for participation, but to the prospect of inclusion of the individual in discussions of real environmental problems that affect the quality of life, able to build a sense of belonging to the environment. Thus, the Museum of the Environment puts in discussion environmental problems opened to public debate by different leading information and forming public opinion distinguished and qualified. Based on these prerogatives, we present Environmental Biodiversity Forum. Developed from the case of a frog, endemic species threatened with extinction, found in the swamp of the National Forest Mario Xavier in Seropédica, which is in the path of highway construction of the Metropolitan Arch of Rio de Janeiro.
Keywords: Museum. Environment. Forum. Participation. Biodiversity.
1
1 INTRODUÇÃO
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é uma instituição de pesquisa científica
cujo objetivo principal é o estudo e conservação da flora. Atualmente agrega a esses
objetivos a discussão ambiental, propiciada pela criação de espaços de discussão e
reflexão sobre questões referentes ao estudo do meio ambiente e suas modificações.
Pensando neste novo direcionamento, em 2012, o museu foi reinaugurado
durante o Rio +20, com o objetivo de promover e incentivar a participação da sociedade
em debates sobre questões socioambientais através de uma reflexão crítica e da
construção conjunta de conhecimentos, visando a formação de uma opinião pública
qualificada e ciente dos problemas ambientais atuais.
O programa de divulgação científica do Museu do Meio Ambiente busca o
diálogo, com criatividade e inovação, nas ações direcionadas à sociedade, procurando
identificar demandas e necessidades de seu público. A criação de um Fórum permanente
de discussão das questões ambientais constitui uma de suas ações estratégicas.
Com a participação do público pretende-se ainda, estimular o senso crítico do
indivíduo frente aos processos de gestão pública dos recursos e serviços ambientais,
principalmente pela importância e complexidade da gestão do patrimônio ambiental
para as futuras gerações. Este compromisso não pode prescindir de colocar a ciência, a
moral e a ética em discussão aberta ao debate por diferentes públicos, levando a
formação de uma opinião pública distinta e qualificada, que se coaduna com o Relatório
Brundtland2 ao procurar o entendimento sobre as questões ambientais que afetam direta
ou indiretamente a qualidade de vida da sociedade.
O desenvolvimento de ações museológicas de promoção de um raciocínio crítico foi apontado por Yves Girault (2011) através da concepção de um “parlamento” (Exposição do Instituto Real de Ciências Naturais da Bélgica), da “criação de um café -debate” (Museu Nacional de História Natural de Paris e Museu Etnográfico de Neuchâtel) e da realização de "ilhas de expressão" (Centro de Ciências de Montreal),
todas como meios para estimular a discussão de questões polêmicas.
A perspectiva de proporcionar um debate contemporâneo no museu confere a
essa instituição um caráter diferenciado, atual e desafiador, que transforma o espaço
público convencional em um fórum de discussão, no qual diferentes olhares sobre
questões ambientais, que permeiam o cotidiano de cada indivíduo, se tornam objeto de
preocupação de todos, e se expressam através de ações, usos e significados.
No pensamento de Roger-PolDroit, representa uma procura em direção ao
consenso, a melhor solução para o problema ou uma maneira de se aceitar o novo como
uma opção real e, muitas vezes, indispensável para se estabelecer novas formas de
relação sociedade e natureza, uma necessidade premente para não (…) “deixar as questões fundamentais nas mãos dos especialistas nem acreditar que elas se resolvem sozinhas” (DROIT, 2012, p.86).
2 A AÇÃO COMUNICATIVA DO FÓRUM AMBIENTAL
O Fórum Ambiental busca mudar o lugar da ação comunicativa de uma
racionalidade baseada unicamente na dimensão cognitiva e no valor da verdade da
ciência, para uma que contemple outras dimensões e valores do mundo que
compartilhamos e vivemos. Nesse sentido, o conceito ampliado de racionalidade,
proposto por Habermas (2004), que se baseia na fundamentação e no criticismo das
falas através da práxis da argumentação, constitui um dos princípios do programa do
Fórum Ambiental.
Os museus caracterizados por uma heterogeneidade de sujeitos, objetos, regras e
contextos, não tem meios de cumprir o seu papel de mediação em abordagens que tem seu “lugar” definido à priori pela comunidade em que está inserido. Não constitui aqui pensar na troca de um lugar específico para outro, por exemplo, da comunidade científica para a comunidade local, mas construir um “espaço intermediário”, ancorado na práxis do mundo de vida enriquecido pela integração de suas tradições culturais, com
agentes, regras e contextos definidos continuamente no seu processo interacional, nas
ações de comunicação do museu.
Compreendemos que pelas mediações podemos constituir uma “zona de troca” em que os atores se relacionam articulando saberes, práticas, valores e expressões pertinentes as suas “formas de vida”, através da elaboração, do questionamento e da validação de seus conteúdos que permeiam diferentes “jogos de linguagem”. Afinal, saberes, práticas, valores e expressões constituem o patrimônio cultural imaterial.
No âmbito da comunicação em museus, esse conceito aponta para a necessidade
de explorar esse patrimônio com um fim comum: a problematização de questões de
Essa ação possibilita tanto a integração social e epistemológica pelas práticas
intersubjetivas, quanto à compreensão, pela experiência e reflexão, da natureza
eminentemente social do conhecimento.
O movimento remete à necessidade de ampliação da abrangência e
complexidade das temáticas, através de ações transversais e de mediação que visam o
alinhamento da experiência museológica com o modo de vida. Sendo assim,
descreveremos o processo de configuração de uma temática publicizada, alinhada com a
esfera pública, que envolve múltiplas mediações, pautadas por processos
argumentativos em contextos comunicacionais.
Num segundo momento abordam-se as condições e regras do espaço de
comunicação do fórum, que condicionam tanto a sua dinâmica quanto às questões
problematizadas de comunicação. Num terceiro momento, enfoca-se a passagem do
discurso à informação, sob o prisma de seu movimento transversal e circular
intensificando as mudanças do estado potencial para o acional.
2.1TEMÁTICAS, QUESTÕES E DISCURSOS
O Programa do Fórum Ambiental visto em sua dimensão comunicacional
contribui para o processo de deliberação pública por conferir publicidade à intrincadas
questões ambientais, num processo de contraposição de argumentos e visões de mundo
oriundo de diferentes contextos comunicativos. Neste espaço de visibilidade, a
problematização de temáticas pode adquirir o caráter de questões de interesse público,
somente possível através das mediações, tanto em relação aos caminhos e vertentes a
serem explorados quanto na composição de argumentos com seu repertório cultural que
a subsidiam como a informação, a cultura material e as experiências e vivências
passadas. Esta mediação se insere no rol de outras que definem e ancoram a questão em
um ou mais tempos e lugares.
A proposta de tematização de problemas de interesse coletivo leva em
consideração o contexto de origem, uma vez que estes são constituídos num processo de
adensamento de sentidos num fluxo comunicacional de discursos. Os discursos
provenientes de cientistas, mídias, políticos, gestores e do próprio museu são objetos de
apropriação reflexiva pelo público que questiona seus sentidos, julga sua validade,
atribui valores, forma opiniões e empreende por meio de ações, aquilo que foi assumido
como válido no processo. No decorrer deste fluxo, o problema adquire significado e
que afeta a vida de diversos sujeitos, quanto pela sua singularidade de ancorar-se num
determinado tempo e espaço. No espaço social do contexto de ação, o problema se
adensa também pela agregação de mediações simbólicas que como expressões materiais
compartilhadas intra e inter comunidades, apresentam o caráter público. Assim, aos poucos o problema se inscreve numa “ordem social articulada pelas formas simbólicas de uma cultura” (REIS; MARQUES, 2007).
No Fórum, a possibilidade de transformar o “problema” em“questão” reside em situá-lo na sua trajetória de ocorrências, evidenciando as suas mudanças e permanências
a partir de seus contextos históricos e culturais. É necessário estabelecer um conceito ou
uma questão que aproxima as respostas em diferentes tempos e espaços, como uma “semelhança de família”, tal como proposto por Wittgenstein (1979) para linguagem, na qual alguns sentidos conferidos pela variabilidade dos usos em diferentes contextos e
circunstâncias se parecem sem, contudo, ter algo em comum que os perpassa.
Esse processo de definição da questão guarda as marcas dos mediadores,
ocultando e revelando um modo de organização inerente aos seus esquemas de
percepção e conceitualização, alinhados com uma determinada matriz gnosiológica. Tal
organização tem como princípio a inteligibilidade e acessibilidade do público de forma
a propiciar a produção de sentido, capaz de promover a discussão de questões relevantes
do ponto de vista do coletivo. Portanto, oferecem uma primeira abordagem inserida em
condições e regras de apresentação comunicacional que permite aos diferentes agentes
sociais organizarem suas experiências, seus discursos e seus posicionamentos.
Sob a perspectiva museológica, a problematização evidencia alguns aspectos
relevantes acerca de um determinado tema, contribuindo para a construção de uma
questão pública na rede dinâmica de discursos, propiciando novas interpretações e
sentidos acerca de uma questão que assegura a configuração de sua complexidade.
Esta rede discursiva pode ser organizada por meio de processos de mediação
ocorridos no âmbito institucional, e constitui uma resultante da pesquisa e organização
do conhecimento associado a sua difusão. Contudo, a possibilidade de apreensão e
apropriação depende, sobretudo, das relações discursivas dos atores sociais nos seus
contextos de ação, de seu entendimento e da busca por soluções que residem na sua
inserção em um campo problemático e prático (REIS; MARQUES, 2007).
Uma questão não pode ser apenas entendida como organizar o conhecimento e
campo3 problemático, teórico e prático, na busca por soluções que atendam tanto as
demandas e necessidades, agora coletivas, quanto à possibilidade de utilização dos
recursos vigentes. Este campo abarca diferentes dimensões históricas e culturais da
sociedade de forma a contemplar saberes, sentidos e práticas produzidas em relação a
uma situação compreendida em sua totalidade.
Nos museus, a configuração de uma questão envolve re-pactuar os
procedimentos de autoridade e legitimidade, mas também evidenciar como uma
determinada questão que nos preocupa é representada por diferentes comunidades.
Trata-se de relacionar as “questões” com as formas de representá-las, como propõe Latour (2005), processar pela hibridação sujeito e objeto para, em seguida, transladar do agente individual para um coletivo, o “espaço público”. Para tal, as questões são re -apresentadas, na forma de pretensões de validade provisórias, de caráter lingüístico ou
como representações culturais, processadas na argumentação e negociação a partir da
análise de suas circunstâncias e contextos, que adquirem visibilidade através de uma composição relevante que Latour (2005) denomina como “Fórum” ou “Ágora Híbrida”.
Nos fóruns são os seus fins comunicacionais de compreensão e entendimento
mútuo,que determinam tanto a inserção dos discursos quanto as representações nos
processos argumentativos. As questões não são um fim em si mesmo, mas um processo
que se inicia no âmbito museológico e se desdobra na participação de diferentes agentes
comprometidos com a sua reconfiguração de modo a melhorar a compreensão e propor
caminhos e soluções. Ao considerarmos que toda comunicação envolve algum tipo de
regra, quer seja no âmbito formal ou informal, e que os museus como espaços
institucionais atuam no plano meta-comunicacional, acreditamos que um fórum de
debate não pode prescindir de condições, regras e métodos que condicionam não
somente a possibilidade de tematização de questões da esfera pública, mas também as
dinâmicas do processo de conceber, produzir e usufruir deste espaço.
O fórum constitui uma forma especializada e institucionalizada de
argumentação, na qual apresentamos diferentes perspectivas acerca de questões ou
temáticas que tem sua origem na trajetória humana de construir e compartilhar um
mundo comum e que se revela no contexto atual como um problema a ser discutido
3
tanto nos seus aspectos teóricos quanto práticos. Os métodos constituem tanto
ferramentas para consecução dos princípios comunicacionais quanto mediações na
medida em que podem trabalhar na limiaridade, promovendo a abertura a novos
sentidos. E as regras se instauram no espaço discursivo. Estas condições redefinem o
espaço do fórum sob a ótica da ação comunicativa e partem de alguns princípios gerais
de interação como a publicidade; cooperação, e inclusão e igualdade de direitos.
Na ação comunicativa, a definição de público precisa de um alargamento
conceitual de forma a abranger os processos de interação social característicos da constituição de uma sociedade. E por isso, entendemos o público como aquele “portador de opinião pública”, que exerce normativamente a função crítica em relação à “publicidade” (HABERMAS, 1984, p.14). Propomos o restabelecimento da normatividade na esfera pública através da qualificação da opinião pública pelo uso da
razão: a publicidade como espaço de discussão das idéias com abertura e transparência.
O alinhamento da tematização dos fóruns com a esfera pública permite não
somente deslocar o lugar dos processos museológicos da ciência para a sociedade como
conferir uma estrutura comunicativa voltada a promoção de interações sociais. Ancorar
esta estrutura no mundo de vida e alinhar a comunicação com os princípios do agir
comunicativo constitui ter como fim à formação da reflexividade social sobre questões
coletivas que demandam uma ação conjunta pelo diálogo e troca de argumentos.
O princípio da cooperação possibilita gerar uma relação interpessoal de
responsabilidade mútua entre os participantes. A cooperação entre agentes se instaura a
partir da definição em comum de um problema ou questão pela composição de
diferentes visões sobre questões do mundo de vida, através de processos e métodos que
coordenam as ações na obtenção de conceitos intermediários capazes de serem ao final
harmonizados, com base nas interpretações do problema (HABERMAS, 1989, p.165).
A força desta coordenação reside na possibilidade de uma comunicação livre de
restrições que cria um espaço de negociação, de troca de argumentos e garantias, na
definição de uma situação constitui um caminho para enfrentar a complexidade dos
problemas contemporâneos, uma vez que não existem verdades absolutas nem certezas
incontestes. O princípio da inclusividade e igualdade de diretos diz respeito à
possibilidade de inclusão de uma contribuição relevante de qualquer agente com relação
ao tema do fórum. Da mesma forma, a igualdade de posição entre os agentes constitui
um pressuposto para que todos possam se engajar na comunicação, com as mesmas
Ainda que se exerça apenas a função epistemológica de fomentar o uso público
da razão, o fórum pode possibilitar o desenvolvimento de competências e habilidades. A
proposta se coaduna com a valorização do fluxo de opiniões abertas ao criticismo, na
busca por uma tentativa de recuperar o sentido original de publicidade. Retomando as palavras de Archibald (1998, p.39), a missão do museu é “facilitar a discussão inclusiva de questões duradouras”, num novo olhar de inclusão de “múltiplas perspectivas e diferentes vozes”, que reposiciona o objeto nos processos argumentativos à luz de sua importância não apenas como apoio ao discurso, mas como questão a ser analisada.
Tal desafio encontra nas ações transversais inter e transdiciplinares, a
possibilidade de colocar em diálogo diferentes formas de vida que evidenciam seus
discursos, argumentos, expressões, representações e vivências acerca de uma questão. A
articulação conceitual da questão, segundo Japiassu (1976, p.82), deve ocorrer
predominantemente no plano criativo, tendo em vista que esta se apresenta enredada a
diferentes atores, artefatos, linguagem e contextos. Nesse plano, as disciplinas se
cruzam na reconfiguração do objeto do conhecimento pela sua melhor compreensão,
como resultado da cooperação de diferentes saberes. Portanto, aponta para uma
consciência da interdependência e da inter-relação entre os fenômenos sociais construindo uma “zona de troca”, capaz de manter-se aberta e transparente nas suas intenções e motivações para os agentes na promoção de uma discussão ampla, crítica e
participativa.
No fórum foram adotados os princípios inerentes aos espaços comunicacionais e
aos processos deliberativos, como: não-coercitivos, de inclusividade e igualdade de
direitos, publicidade das questões e dos argumentos dos participantes, cooperação e
reciprocidade. A última envolve a predisposição a abertura ao outro e implica na
reflexão de cada participante sobre os argumentos, garantias e evidências apresentados
com vistas a reformular sua interpretação a partir das razões cognitivas, expressivas e
morais defendidas pelos diferentes participantes. Para tal, será necessária a participação
efetiva dos agentes, não bastando a apresentação de uma questão para que se instaure o
debate e seus desdobramentos. É o próprio processo argumentativo que gera a dinâmica
de instauração do espaço público, no qual diferentes visões de mundo são coordenadas
discursivamente de forma cooperativa em torno de questões de interesse comum, com
vistas as suas ações no mundo de vida (HABERMAS, 1989, p.87).
No fórum, o lugar da comunicação reside no discurso e no alinhamento com o
informações trocadas e entrelaçadas nas nossas crenças e percepções manifestas nas
representações; nas intenções ou experiências expressas nos valores compartilhados; e
na adequação dos nossos motivos e ações com as normas sociais existentes.
No museu, as representações culturais adquirem a força e relevância de uma
questão, por isso mesmo as garantias adquirem o papel de co-protagonista, uma vez que
representações, valores e normas sociais integradas são o substrato para o processo de
patrimonialização. Trabalhar este espaço de interlocução discursiva evidenciando as
diferentes visões de mundo fundamentadas nas três dimensões da realidade possibilita
exercitar uma dimensão crítica e formadora, capaz de subsidiar a adoção responsável de
atitudes perante o mundo.
Neste caso, entendemos que as pretensões problematizadas nessas dimensões de
referência devem ser apresentadas na sua multidimensionalidade, entrelaçando e
discutindo a verdade de proposições e eficácia de ações; a correção das normas sociais;
a adequação aos padrões de valor. Contudo, a perspectiva performativa adotada pelo
participante no contexto de ação é a condição da possibilidade de conhecer, no sentido
de adquirir conhecimento confiável. Como afirma o educador Paulo Freire (1977, p.36): “o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações”.
No plano crítico, ancorado num tempo e espaço, devemos analisar as pretensões
de validade nos seus contextos socioculturais, em especial quando há referência aos
padrões estéticos e éticos, que não têm validade além de um contexto específico de
tradições artísticas e de comportamento. No âmbito da estética, na perspectiva de
Langsdorff (2002), a própria experiência pode abrir a possibilidade de transformação do
mundo, vida e produção de novos significados, capazes de subsidiar as ações no mundo.
Entendemos que em determinados momentos a experiência estética transcende a
linguagem verbal, não podendo ser sempre explicada nem justificada frente aos seus
significados. Como afirma SCHUSTERMAN (2002, p.178), não poder reduzir certas dimensões estéticas à “razão e a linguagem não implica que estas são opostas a razão, ou são destituídas de inteligência”.
2.2DISCURSO, INFORMAÇÃO E ZONA DE TROCA
Os estudos na área da Ciência da Informação apontam que a informação tem
estruturas de significado ora ao conhecimento, definidos pela pesquisadora Maria
Nélida González de Gómez (2006, p.78) como:
“a) pela remissiva a alteridade, aquilo que escapa ao cálculo e à regra: o que se apresenta a nossa contingência no modo do "sercom" (mitsein), num tempo e num espaço socializados e à luz de um agir e de um fazer de onde se abrem ou fecham para nós as perspectivas do mundo; h) pela inscrição de uma forma e sua expressão, a luz de uma regra cultural e discursiva, daquilo que assim se manifesta”.
Para a autora mais do que escolher um caminho para a abordagem informacional
deve-se compreender a matriz gnosiológica, que subsidia uma ação de informação associada “à reconstrução empírica do regime de informação4
, que a condiciona e contextualiza”. González de Gómez (2002) define o regime de informação como um modo de produção dominante numa formação social, conformando sujeitos,
instituições, regras e autoridades informacionais, estabelecendo meios e recursos para
sua consecução, regularizando padrões de qualidade e arranjos organizacionais, além de
seus dispositivos de preservação e distribuição. Um regime de informação orienta as
mediações comunicacionais e informacionais em um domínio funcional e/ou territorial.
Nos museus foi identificada a tentativa de trabalhar a partir dos dois macros
eixos: a abordagem inscricionária nos processos de catalogação e documentação dos
acervos museológicos e as estruturas de significado no âmbito da comunicação.
Contudo, percebemos que os códigos especializados e as linguagens formais
construídas, a partir das representações simbólicas, por permanecerem alinhadas com
matrizes gnosiológicas tradicionalmente apoiadas na ciência e seus paradigmas
objetivista e cientificista, acabam por subsidiar o processo comunicacional com uma
informação que padroniza os significados, os alinha disciplinar e institucionalmente,
naturalizando determinadas visões de mundo inscritas em campos específicos do
conhecimento.
Neste caso, buscamos configurar uma nova matriz gnosiológica baseada nos dois
olhares capaz de imprimir um novo regime de informação. Nesta visão, a mudança do
regime passa pela adoção de uma matriz alinhada com a pragmática, na qual no espaço
comunicacional, as informações seriam integradas por processos intersubjetivos e
4
cooperacionais que incluem o olhar do participante tanto nas ações inscricionárias
quanto comunicacionais, objetivando o fortalecimento do vínculo social e, portanto, a
integração social pelo uso dialógico da linguagem (HABERMAS, 1990, p.75).
Na comunicação, a informação tem seu locus nos contextos de ação, no qual muitas vezes os atores têm que se “contentar com informações altamente incompletas” (HABERMAS, 2004, p.107).
No plano do discurso, a análise das deliberações práticas tem de levar em consideração o “suprimento de informações confiáveis”, tanto sobre a questão pública quanto sobre as intenções e motivações dos agentes envolvidos. Contudo, frente a
incompletude da informação na ação, torna-se necessária a análise não somente das
circunstâncias da ação na sua relação com o repertório informacional que a subsidiou,
como também sua atualização frente às condições, recursos e possibilidades vigentes associado aos participantes, promovendo uma “zona de troca”.
Por isso mesmo, o fórum depende das condições e recursos da argumentação, que envolvem a “confiabilidade” das informações acerca do mundo objetivo, dos aspectos sociais e morais, e da intencionalidade dos outros agentes. Neste sentido, a
informação tem seu papel associado à articulação de uma compreensão pragmática de
um mundo comum compartilhado (CAPURRO, 1992). A comunicação de significados
é possível sob um horizonte prévio de compreensão que resulta da partilha temática e
situacional de um mundo em comum. Nesse prisma, a informação é vista como algo capaz de articular diferentes “formas de vida”, ou comunidades lingüísticas que compartilham intersubjetivamente significados e que, na sua localidade, situadas no tempo e no espaço, “com seus valores, interesses e formas de ação, definem os modos correspondentes de experiência possível” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002; HABERMAS, 2004, p.27).
Numa comparação com os conceitos históricos da Ciência da Informação,
percebemos que Belkin, ao situar a informação no processo social de comunicação entre
seres humanos de forma voluntária e compreensiva, proveniente de um ato intencional,
abre espaço para Habermas posteriormente definir como seu lugar o contexto da ação
social. Por outro lado, Habermas foge do conceito de informação ancorado apenas no
âmbito cognitivo como proposto por Belkin, uma vez que objetiva não somente a
alteração de estruturas interiores dos participantes a partir de um entendimento mútuo,
Neste prisma, devemos pensar na informação sob o ponto de vista de seu
movimento, como proposto inicialmente por Merta: “observar a informação de sua origem até sua utilização social” (apud PINHEIRO, 1997, p.100). Para tal, encontramos em Wersig (1985) a abordagem pragmática necessária para entender a dinâmica da
informação nas três racionalidades habermasianas, pelo destaque por ele dado ao papel
da informação de intensificador da passagem do estado potencial para o acionista.
Reside, no fluxo da informação do Fórum - da troca no contexto de ação para as
garantias performáticas do discurso, da apropriação e compromisso acional no
entendimento mútuo para a formação de novos repertórios informacionais que subsidia
a ação – a potência de religar5 não apenas saberes, mas esferas separadas no processo histórico de construção do conhecimento, através de um movimento de circularidade
que permite o enriquecimento da experiência, quer seja no âmbito do discurso
museológico, quer seja no contexto de ação.
Ao articular saberes, significados, comunidades e intenções, no tempo e espaço,
a informação atua como um “dínamo” que confere força, potência e circularidade na manutenção da dinâmica das ações coordenadas de caráter coletivo.Assim sendo, a
informação não é algo à priori que possa ser definido, nem muito menos um conteúdo,
uma vez que é construção coletiva dos atores. A informação depende do contexto e corresponde a transversalidade, ou seja, a “qualidade da informação de perpassar todas as áreas” (PINHEIRO, 2004).
O grande perigo, alerta Habermas, constitui o enfraquecimento das relações da
informação com a aprendizagem e a imaginação lingüística. Isto porque a dimensão da
aprendizagem reside na apropriação das opiniões e na sua ampliação e revalidação na
relação prática com uma realidade. O confronto do saber com realidade, fundamentado
em nossas experiências, torna possível a crítica, o debate e a revisão do saber
problematizado (HABERMAS, 2004, p.105). Portanto, o processo propicia a “vinculação comunicacional e socialmente responsável”, que valoriza o contexto de ação e da experiência como instâncias de troca de informação assim como a
argumentação acerca de novas informações problematizadas pelo outro.
Entendida como troca interativa e pública de perspectivas, argumentos e expressões, a “zona de troca” do Fórum se instaura no processo de configuração de uma questão de interesse público.
5
A “zona de troca” caracteriza-se pela vinculação entre o uso comunicativo da linguagem nas suas diferentes dimensões e a responsabilidade com a ação social. Por
isso, faz-se uma reflexão tanto sobre os aspectos cognitivos e morais da ação quanto
sobre as escolhas dos agentes em relação aos meios adequados para a sua realização.
Portanto, transita-se na passagem da razão epistêmica para a teleológica, somente
possível quando se trabalha museologicamente a temática no plano da experiência,
evidenciando como esta ocorreu, seus contextos espaços-temporais, seus produtos e
resultados finais enfim, problematizando a sua trajetória. Integrando conteúdo,
representação, prática, intenção e expressão, a racionalidade comunicativa entrelaça
conhecimento, ação e comunicação no objetivo do entendimento mútuo.
Assim, uma temática pode ser desenvolvida tendo como solo as garantias
performáticas, que asseguram a referência semântica a um mesmo objeto, e como
processo a contraposição de enunciados, argumentos e expressões provenientes de
comunidades culturais diferenciadas em função de seus contextos no mundo de vida.
Empreender a mudança de abordagem comunicacional nos museus necessita
alterar as regras de validade do conhecimento. Mudando-se as regras de validade, o
museu possibilita o afloramento de valores comuns a diferentes comunidades culturais na “zona de troca”, que criticamente podem se orientar e interagir socialmente. Então, o estabelecimento de uma relação dialógica entre ciência e público nos museus passa pela
promoção do uso experimental e dialógico da linguagem, a partir da integração de
diferentes domínios sociais, criando vínculos sociais que propiciam o movimento
circular da informação do contexto de ação para os discursivos e argumentativos
(GONZALEZ DE GÓMEZ, 2006, p.62). Isso leva ao enriquecimento dos repertórios
culturais que subsidiam de informação no contexto de ação, conforme proposto por Wersig (1985), o “espaço de provisão” que possibilita as argumentações na ação na vida cotidiana.
Em tal configuração, a “zona de troca” abre o espaço comunicativo do museu para o novo, para a imaginação e a invenção. Por isso mesmo, ela não pode ser medida
por um padrão externo de completude, precisão ou exatidão. Através dela pode-se ir
além da reificação das estruturas, dos agenciamentos, dos objetos e dos sujeitos, uma
3 METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO DO FÓRUM AMBIENTAL
Baseando-se nas premissas expostas acima, o Fórum Ambiental foi
desenvolvido a partir de temáticas ambientais que já circulavam na esfera pública.
Tomou-se como base para a construção de uma questão ambiental a articulação de cinco
vertentes: o conhecimento, construído pela ciência e tecnologia; as representações
sociais, formadas no hibridismo dos discursos dos diferentes atores sociais na esfera
pública; a política, protagonista nas tomadas de decisão; e as mídias, pelo tratamento
jornalístico nas controvérsias ambientais (DAVALLON; GRANDMONT; SCHIELLE,
1992, p.131/132).
As temáticas desenvolvidas para o Fórum têm como perfil um público de ensino
médio a universitário, na faixa etária de 11 a 21 anos, que frequentam o Museu em
grupos ou turmas durante a semana, e para famílias e visitantes do Jardim Botânico, em
particular nos fins de semana. Atualmente o Museu conta com cinco temas sobre meio
ambiente, a saber: biodiversidade, paisagem, resíduos sólidos, água, sustentabilidade.
Os temas e questões ambientais são elaborados pela equipe do Fórum
utilizando-se a informação ambiental que envolve tanto a sua materialidade quanto a sua
imaterialidade, que compreende tanto aquela de conteúdo estratégico objetivado e
mensurável, quanto àquela apropriada e resignificada nos jogos e linguagens das
práticas sociais. Neste sentido, reconfigurar a linguagem matematizante da informação
significa inseri-la em contextos socioculturais como, por exemplo, transformar um texto
que apresenta a dimensão de uma área de 1,3 milhões de m2 por uma foto aérea com -
arte gráfica que evidencia que esta dimensão equivale a área de doze complexos do
Maracanã. Assim, a edição do Fórum contempla ilustrações, imagens, fotografias e
desenhos que auxiliam na exemplificação e caracterização dos temas e questões
propostos.
O instrumento utilizado para a apresentação do problema ou questão é uma
interface gráfica, suportada por uma plataforma de informática apresentando telas
seqüenciais informativas da questão a ser discutida, utilizando-se de linguagens de
animação, gráficos, imagens, textos ou vídeos. Esta apresentação é subdividida em
blocos organizados em graus crescentes de complexidade do problema, sendo que, ao
término de cada bloco, uma pergunta formulada gera uma votação com respostas de
múltipla escolha. Em média a cada três telas sugerem-se alternativas para discussão
seguida de votação. O seu resultado é apresentado em quadros gráficos em barras. Um
votação, através de considerações, perguntas ou afirmações que conduzem os
participantes ao debate (ROCHA, L. et al, 2010). Ao justificar sua posição, o
participante interage com os outros contrapondo sua visão do tema buscando a
prevalência do melhor argumento.
As votações são gravadas como registro no banco de dados informatizado do
Museu do Meio Ambiente e constituem uma fonte de pesquisa e avaliação para os
pesquisadores do Museu.
A mediação é formada por profissionais graduados do programa educativo, nas
áreas de Biologia, Geografia, Ciências Ambientais, Artes Plásticas dentre outras, além
de alunos do ensino médio em áreas de risco social e econômico, que uma vez
selecionados, integram o curso de mediação da área de responsabilidade socioambiental.
Além disso, o material elaborado para o Fórum pela equipe do Museu é trabalhado junto
aos mediadores, sendo feito um treinamento de cada fórum apresentado. Após a
realização de alguns Fóruns, é aplicado pelo mediador um questionário com o intuito de
conhecer o público participante e sua percepção sobre as questões abordadas.
Os mediadores estimulam e provocam a discussão, incentivando a interação e o
questionamento a partir do conhecimento científico e tecnológico abordado através dos
depoimentos de cientistas, do tratamento jornalístico dado pela mídia e evidenciado na
apresentação, da fala política de autoridades governamentais e dos especialistas de
gestão, além das manifestações de comunidades afetadas pelo problema, quer seja
através de depoimentos, quer seja através de imagens. Neste contexto, a procura pelo
melhor argumento pode gerar posições ainda não contempladas na última votação do
fórum, que se transformam em propostas de respostas inseridas no sistema pelo
mediador de forma a integrar futuras votações do Fórum.
Neste sentido, como metodologia para elaboração dos fóruns buscou-se trabalhar
com a multiplicidade de níveis de realidade e de lógicas que regem as questões no
mundo, numa abordagem multireferencial e multidimensional, que valoriza a
contextualização no tempo e espaço, envolvendo tanto o processo científico de
construção do conhecimento quanto o substrato da realidade social que constituem as
condições para sua germinação.
4 RESULTADOS PRELIMINARES DO PROJETO PILOTO
O projeto-piloto aqui abordado trata do tema Biodiversidade, cujo Fórum discute
Seropédica, frente à construção de uma rodovia para escoamento de produção da cidade
do Rio de Janeiro. A espécie-personagem em torno do qual gira a polêmica é uma
perereca (Physalaemus soaresi) ameaçada de extinção endêmica desta área protegida. A
perereca possui apenas 2 cm, foi descoberta na década de 60 com poucos estudos
desenvolvidos, há pouco informação a respeito do porque esta espécie vive
exclusivamente nesta área. Estudos a esse respeito precisam ser desenvolvidos para
determinar a importância e a especificidade da espécie, é o que relata o biólogo da
UFRJ, Sérgio Potsch.
O problema torna-se uma questão complexa pelas inter-relações de processos
ambientais (espécies ameaçadas), socioeconômicos (urbanização e desenvolvimento de
cidades no eixo da rodovia), culturais (traçado da rodovia ameaça sítios arqueológicos)
e de infra-estrutura (ligação entre portos para escoamento de produção). Entender como
esses processos se desenvolvem é um dos objetivos do Fórum, pois vai proporcionar
uma visão de conjunto para o público que terá condições de reconhecer os problemas
ambientais gerados por interferências externas, a partir de suas próprias percepções.
A análise dos dados iniciais obtidos não é representativa em termos
metodológicos quantitativos de uma sociedade, mas fornece indícios qualitativos de
grupos específicos participantes da atividade.
As questões debatidas evidenciam três pontos para análise: 1) uma visão de cunho desenvolvimentista, expressa por “construir o Arco Metropolitano e assim promover o desenvolvimento de uma região e otimizar o escoamento produtivo da
cidade do Rio de Janeiro, independente das questões ambientais envolvidas”; 2) uma visão de cunho ecológico e utilitarista, expressa por “parar a obra e estudar o potencial intrínseco da espécie de perereca, além de seu provável uso medicinal, independente do
desenvolvimento econômico e social de uma área”; ou 3) uma visão de cunho consensual participativo, expressa por “conciliar o desenvolvimento da área em estudo sem deixar de considerar o potencial ambiental descoberto em função do
empreendimento”.
Assim, a primeira resposta do Fórum acarretaria, por um lado, a perda de
biodiversidade, de evidências histórias e culturais e de processos sociais de participação
da sociedade, por outro lado, a perda dos recursos já implementados e da possibilidade
de desenvolvimento de infra-estrutura para o Estado do Rio de Janeiro. Os resultados
obtidos até o momento com a aplicação de 40 Fóruns, atingindo um público
Nos primeiros fóruns foram realizadas avaliações visuais, nas quais se analisou o
comportamento dos frequentadores, suas reações e posicionamentos. Os mediadores
foram instruídos a não expressar suas opiniões para não influenciar a percepção do
grupo. Ao contrário disto, sua atuação privilegia apresentar, aos poucos, novas
informações que trazem complexidade às questões socioambientais. Assim, quando o
participante se posiciona por uma das respostas, o mediador levanta questões que
trazem a tona novas informações - colocando em cheque - sua escolha e fomentando o
debate entre os participantes. Este trabalho evidencia o quão difícil é a tomada de
posição daqueles que precisam tratar e decidir sobre questões controversas.
A estratégia de manter o mediador distante das discussões foi bem recebida pelo
público que se manifestou afirmando que, a ação de instigar o público a discutir
problemas relacionados à cidade, faz com que todos reflitam sobre suas próprias
questões. A oportunidade de participar de discussões que, muitas vezes, aproximam o
indivíduo dos tomadores de decisão, também se mostrou uma estratégia importante, “fiquei bem feliz em participar de um debate ambiental importante. Gostaria que o mediador tivesse perguntado mais, tem muita gente que fica com vergonha de participar (...) Aqui a gente vê que as pessoas se soltam, discutem entre si”. Esta observação, feita por uma mulher, na faixa etária de 16 a 20 anos e escolaridade fundamental incompleto,
mostra a abrangência do Fórum e o nível de participação dos usuários.
A participação do público começa com a elaboração do seu perfil. Neste
primeiro ano foi majoritária a presença de público escolar com 41,1% e universitários
com 27,8%. Isto se explica pela centralização do agendamento de grupos escolares no
Programa Educativo do Museu. A presença de famílias com 20,2% e público
espontâneo de 10,9%, ao mesmo tempo em que aponta o potencial desta atividade em
grupo, evidencia a necessidade de sua divulgação para um público espontâneo. A pouca
frequência do público espontâneo é justificada devido à divulgação ainda insuficiente e
o pouco tempo de operação do Museu oferecendo esta atividade. Porém entre os
participantes, é significativa e espontânea a iniciativa de voltar ao Museu para novos
Fóruns: “Gostei de ter participado do evento e pretendo voltar e divulgar para meus amigos (...) acho importante participar de eventos como este, abriu minha mente em relação aos problemas vividos pela sociedade, vou trazer amigos em breve” (homem, na faixa de 11 a 21 anos, ensino médio incompleto).
A faixa etária mais presente está entre 11 e 21 anos - 57,7% -, o que reafirma a
faixa etária está entre 22 e 32 anos -26,8%-, que ainda precisa de um maior
investimento pelo Museu. As demais faixas etárias entre 33 e 55 anos ou mais, não
obtiveram números significativos, provavelmente pela inexistência de um programa
específico voltado para os adultos e terceira idade. Também é marcante a presença de
mulheres 66,1% em relação aos homens 33,1%.
A primeira pergunta do Fórum faz referência ao som feito por um animal. São
oferecidos os desenhos de cinco animais diferentes para escolha do público. A perereca,
nosso personagem, é a terceira mais votada com 18,2% dos votos. O pássaro recebe
maior votação com 27,7% dos votos, demonstrando que os participantes não sabem
identificar sons de animais e votam naqueles que lhes são mais familiares e/ou
apreciados. Os demais animais apresentados foram a anta – 25,4%, o macaco -17,8% e o grilo – 10,8%. Chamar a atenção para o som que o animal faz, logo no início da atividade ilustra bem como despertar o interesse do público, uma vez que a discussão
gira em torno de alguma coisa aparentemente simples, mas que no universo do púbico
participante, apenas 18,2% conseguiram definir com acerto o animal em destaque.
A segunda questão aborda de forma direta e simplificada o tema principal: “A perereca vive no caminho do arco. Qual a solução desse impasse?”. Dos respondentes, 44,5% acreditam que, por se tratar de uma área protegida que apresenta uma espécie
endêmica, a perereca deveria ser preservada; 23,9% acreditam que os benefícios sociais
e urbanos provenientes da obra justificam a perda da espécie; e 31,5% acreditam que a
perereca deve ser salva pela possibilidade de seu uso medicinal.
Percebe-se que o público é sensível ao fato de se tratar de área protegida, Floresta
Nacional Mário Xavier, e de apresentar uma espécie endêmica. Estes motivos são suficientes
para preservar a área e a espécie animal. Quanto aos possíveis ganhos sociais e urbanos, os
respondentes não se mostraram sensíveis. Pode-se inferir que o espaço onde o Fórum foi
aplicado, Museu do Meio Ambiente, possa ter exercido influência sobre a platéia uma vez
que, durante as discussões, foram levantados argumentos significativos em relação ao
desenvolvimento da região promovido pela rodovia e, consequentemente, a melhoria na
qualidade de vida dos moradores; “a realização de uma obra desse tamanho vai ser bom pra região porque traz água, luz, esgoto, e ainda deixa a rua mais limpa e ajeitada” – explica mulher entre 22 e 32 anos, ensinio fundamental incompleto.
Esta preocupação é significativa uma vez que o Arco vai atingir oito diferentes
municípios com demandas significativas com relação a obra de saneamento básico, oferta de
acharam que a obra teria uma função social muito maoir que a preservação de um animal.
Mesmo com todos os benefícios que a obra proporcionará, o número de votantes neste ítem
foi o mais baixo. Este resultado pode estar associado à questões ambientais que surgem na
mídia, ressaltando mudanças ambientais que o planeta vem enfrentando. Este é um tema que
preocupa a população, embora poucas pessoas consigem relacionar perdas ambientais com
os fenômenos recentes de mudanças climáticas, desertificação, entre outros.
Quanto a possibilidade de benefícios medicinais a partir da perereca, nota-se um
interesse grande na preservação do animal, porém, agora não mais por seu valor intrínseco,
mas por ser um recurso de uso direto para a espécie humana. Questão esta muito presente
nas discussões sobre meio ambiente e conservação ambiental. As pessoas conseguem
identificar valor em questões diretamente ligadas à elas, como remédios e alimentação mas,
muitas vezes, não são capazes de se manifestar quanto aos recursos que não demonstrem utilidade direta para o homem; “acho importante preservar a perereca, pode ser que descubram a cura de alguma doença através dela (…) se existir essa chance, é melhor preservar o bichinho”(homem, faixa etária 22 a 32 anos, universitário).
A última questão proposta foi “Como conciliar os benefícios sociais decorrentes tanto da diversidade biológica, quanto da construção do Arco?”. A posição da maioria, 56,4%, é pela paralisação da obra e realização de mais estudos afim de conhecer melhor
a área e minimizar perdas. A segunda, com 23,3% dos votos, propõe que o
desenvolvimento deva respeitar os limites da natureza e, portanto, a obra deve ser
interrompida. A última alternativa com 20,3% dos votos propõe continuar a obra uma
vez que empreendimentos desse porte, sempre acarretarão perda de diversidade.
Apesar da complexidade da questão apresentada, notamos que os votantes
tendem a defender as questões ambientais de forma ampla, muitas vezes minimizando a
importância do desenvolvimento e, portanto, da influência da construção do Arco na
melhoria da qualidade de vida da população do entorno, além de outras como o tráfego
da cidade e o escoamento de produtos.
Observamos nesta questão que a maioria dos votantes é a favor da paralização
das obras em função do arpimoramento de estudos sobre a perereca. Porém, ainda não é
possível afirmar que o interesse do público esteja no valor ecológico da espécie.
Contudo, é claro o interesse manifesto na descoberta do valor utilitário da espécie.
Podemos inferir que a possibilidade do animal ser um possível agente para solução de
problemas humanos, tal como o uso medicinal, sensibiliza a maior parte dos votantes.
mais intensos a medida que os indivíduos são subsidiados de informações que
circunstanciam a questão e a relacionam às diferentes dimensões da realidade, ampliam
seu poder de argumentação participando mais ativamente das discussões, em função do
estabelecimento de relações com seus contextos no mundo de vida que afloram muitas das vezes em “zonas de troca” pré-estabelecidas.
Durante a aplicação dos Fóruns é fácil identificar a participação do público
através dos desdobramentos das discussões, das mudanças de opiniões e das defesas
apresentadas à cada afirmativa.
É importante destacar a satisfação e o sentimento de pertencimento desenvolvido
pelas pessoas quando são chamadas à participação. Na maioria das colocações é
possível notar o desejo pela informação, pela valorização do indivíduo e pela
possibilidade de se proporcionar espaços onde a sociedade é chamada a opinar sobre o
desenvolvimento de projetos diretamente ligados a sua qualidade e estilo de vida.
O fato dos votantes se sentirem portadores de voz, isto é, que seus argumentos
podem provocar mudanças, ou até mesmo, chamar a atenção para aspectos importantes
antes negligenciados, despertando reflexões importantes para a melhoria da qualidade
de vida, influência nas decisões sociais, culturais, ambientais do município, da cidade,
do bairro, imprime valor às falas de cada participante. Demonstra o valor da
participação, do conhecimento e do respeito pelos responsáveis por decisões muitas
vezes difíceis, mas que precisam ser tomadas.
Assim, pode-se considerar o Fórum como uma oportunidade de ancorar a
comunicação na sociedade sem, contudo, deixar de trazer fatos e teorias científicas
sobre questões ambientais para a discussão pública. O Fórum Ambiental sobre
biodiversidade mostra-se uma experiência importante que comprova o anseio da
sociedade pelo conhecimento sobre os problemas da cidade, além da possibilidade de
participar diretamente de discussões que são necessárias para a tomada de decisão.
O desenvolvimento de Fóruns ambientais nos leva a acreditar que o visitante,
quando exposto a diferentes tipos de informação, quais sejam, científicas, políticas,
jornalísticas ou, até mesmo de cunho pessoal, identificam diferentes representações
acerca do mesmo tema, incrementando práticas e se apropriando dos meios de
divulgação da ciência. Os conflitos gerados a partir das diferentes visões que surgem
nas discussões, entram em jogo e evidenciam diferentes formas de apropriação do fato
científico ou de teorias científicas, que se apoiam em argumentações que emergem nos
O Museu, se apropriando do debate entre seus visitantes, cria um espaço
democrático e inovador, ao mesmo tempo em que se apresenta como um veículo
facilitador da disseminação da informação científica. Desta forma, propõe-se um espaço
para o debate e participação da sociedade sobre os desafios que se colocam frente a
demanda por recursos naturais e a ocupação de espaços pelo crescimento das cidades.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Lucia. Habermas: filósofo e sociólogo do nosso tempo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. 220 p.
ARCHIBALD, Robert. Narrative for a new century. Museum News, Washington, p.33-42, Nov./Dec. 1998.
CAPURRO, Rafael. What is information for? In: VAKKARI, Pertti; CRONIM, Blaise. Conceptions of library and information science. Los Angeles: Taylor Graham, 1992.
DAVALLON, J. ; GRANDMONT, Gerald ; SCHIELLE, Bernard. L’environnement entre au Musée. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1992. (Collection Muséologies)
DROIT, Roger-Pol. Ética: uma primeira conversa. São Paulo: editora WMF Martins fontes, 2012.
FROHMANN, B. taking information policy beyond information science: applying the actor network theory for connectedness: information, systems, people, organizations. In: ANNUAL CONFERENCE CANADIAN ASSOCIATION FOR INFORMATION SCIENCE, 23. Edmond, Alberta. 7-10 June 1995. Annals... Disponível em:
<http://www.fims.uwo.ca/people/faculty/frohmann/actor.htm>. Acesso em: 10 maio 2005.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
_____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
GIRAULT, Y., FORTIN-DEBART, C., (2001) Le musée forum, un difficile consensus: l'exemple du Muséum National d'Histoire nNaturelle, Quaderni, n°46, Gentilly: Editions Sapienta, pp.147-161.
GONZALEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Novos cenários políticos para a
informação. Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 31, n. 1, p. 27-40, jan./abr. 2002.
_____________.A Informação como instância de integração de conhecimentos, meios e linguagens: Questões epistemológicas, consequências políticas. In: ______. Política de memória e informação, Natal: EDUFRN, 2006. p.29-84.
_____________.Consciência moral e agircomunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989
_____________. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Don Quixote, 1990. 349 p.
_____________.Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 330p.
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinariedade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
LANGSDORF, Lenore. Reconstructing the fourth dimension: a deweyan critique of Haberman's conception of communicative action. In: ABOULAFIA, Mitchell;
BOOKMAN, Myra; KEMP, Catherine. Habermas andpragmantism. London, New York: Routledge 2002. p.141-164.
_____________.From realpolitik to dingpolitik: or how to make things public. In: LATOUR, Bruno; WEIBEL, Peter (Eds.). Making things public: atmospheres of democracy. Cambridge, MA: MIT Press, 2005a. Disponívelem:
<http://www.ensmp.fr/~latour/articles/article/96-DINGPOLITIK2.html#_ftn2>. Acessoem: 05 out. 2005.
MACHADO, C. S. L. M. Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro sob o Olhar da Convenção da Diversidade Biológica. Tese de Doutorado. Programa EICOS. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2010.
PINHEIRO, Lena Vânia. A Ciência da Informação entre a sombra e a luz: domínio epistemológico e campo interdisciplinar. 1997. 278 f. Tese (Doutorado em
Comunicação e Cultura) – ECO/ /UFRJ/IBICT, Rio de Janeiro, 1997.
_____________.Informação: Esse obscuro objeto da Ciência da Informação. Revista Morpheus, Rio de Janeiro, ano 02, n. 04, 2004. Disponível
em:<http://www.unirio.br/morpheusonline/Numero04-2004/lpinheiro.htm>. Acesso em: 12 dez. 2007.
REIS, Roberto A.; MARQUES, Angela C. S. Apreensão e análise do acontecimento mediático: interseções entre a comunicação e a deliberação pública. Verso e Reverso: Revista da Comunicação, São Leopoldo, ano 21, n. 47, 2007/2.
ROCHA, L. M. G. M. Construindo novos planos de interatividade: proposta teórico-metodológica de ação comunicacional e informacional nas exposições dos museus de ciência. Tese doutorado em Ciência da Informação. IBICT/UFF: Rio de Janeiro, 2008, 292p.
ROCHA, L. M. G. M.; MACHADO, Carmen; ALFAIA, Ana Lucia. Programas Museológicos do Museu do Meio Ambiente. Relatório tecnico. 2010.
WERSIG, Gernot; WINDEL, G. Information Science needs a theory of
“information action”. Social Science Information Studies, London, v.5, p.11-23, 1985.