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ANÁLISE CRÍTICA DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA CURATELA E DO INSTRUMENTO DE TOMADA DE DECISÃO APOIADA COM O ADVENTO DA LEI Nº 13.1462015

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

LÍVIA MIRANDA TELES

ANÁLISE CRÍTICA DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA CURATELA E DO INSTRUMENTO DE TOMADA DE DECISÃO APOIADA COM O

ADVENTO DA LEI Nº 13.146/2015

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LÍVIA MIRANDA TELES

ANÁLISE CRÍTICA DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA CURATELA E DO INSTRUMENTO DE TOMADA DE DECISÃO APOIADA COM O

ADVENTO DA LEI Nº 13.146/2015

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará – UFC, como requisito para a obtenção do título de Bacharel. Área de concentração: Direito Civil

Orientadora: Profª. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes.

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LÍVIA MIRANDA TELES

ANÁLISE CRÍTICA DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA CURATELA E DO INSTRUMENTO DE TOMADA DE DECISÃO APOIADA COM O

ADVENTO DA LEI Nº 13.146/2015

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará – UFC, como requisito para a obtenção do título de Bacharel. Área de concentração: Direito Civil

Orientadora: Profª. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes.

Defesa da monografia em: __/__/____ Conceito obtido: _________________

BANCA EXAMINADORA

Profª. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes (Orientadora) Universidade Federal do Ceará (UFC)

Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior Universidade Federal do Ceará (UFC)

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À Deus.

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“Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus. Todas as coisas que Deus fez são boas, a seu tempo. Ele pôs, além disso, no seu coração, a duração inteira, sem que ninguém possa compreender a obra divina de um extremo ao outro.”

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RESUMO

O advento da Lei nº 13.246/2015 trouxe grandes mudanças no Código Civil. Analisa-se, no presente trabalho, como a doutrina e a jurisprudência brasileiras têm apreciado a nova legislação no que concerne à curatela e de que forma tem aplicado o instituto da Tomada de Decisão Apoiada, em um esforço de verificação da eficácia legal, buscando os entraves em sua aplicação, através da análise de sentenças, decisões monocráticas e acórdãos dos Tribunais brasileiros. Para tanto, parte-se de um estudo exploratório, por meio de revisão doutrinária e legislativa que resgata os fundamentos principiológicos da nova Lei, herdados da Convenção de Nova York, seguindo para uma análise da reforma na teoria das incapacidades realizada pela Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência. São examinadas, ainda, as modificações trazidas ao instituto da curatela, que passou a ser medida extraordinária, bem como a inovação legal com a instituição da Tomada de Decisão Apoiada. A pesquisa culmina em um levantamento jurisprudencial, em que se conclui, pelo método qualitativo e de raciocínio dedutivo, que há a aplicação do novo modelo de curatela personalizada pelos tribunais brasileiros, porém constatam-se problemas quanto à aplicação do novo instrumento de exercício de capacidade legal, a Tomada de Decisão Apoiada, a exemplo de ilegitimidade de pedidos de apoio, englobamento de processos de Tomada de Decisão Apoiada em ações de interdição, além da aplicação de ofício do instrumento.

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ABSTRACT

This current paper aims to analyze how Brazilian doctrine and jurisprudence have appreciated the Brazilian Law 13.246 of July 6, 2015, regarding the curatorship and how have been applied the institute of Supported Decision Making, in an effort to verify the legal effectiveness, seeking the obstacles in its application, through the analysis of sentences, monocratic decisions and judgments of Brazilian courts. The survey was designed as an exploratory study, through a doctrinal and legislative revision that rescues the grounds principles of the new Law, inherited from Convention on The Rights of Persons with Disabilities, moving on with an analysis of the reform in the incapacities’ theory made by Law of Inclusion of Person With Disability. It also examines the changes made on the curatorship, which has become an extraordinary measure, as well as legal innovation with Supported Decision Making. The research culminates in a jurisprudential survey, which concludes, through qualitative method and deductive reasoning, that Brazilian courts are applying the new model of personal curatorship, but there are problems with the application of Supported Decision Making, for example, with illegitimacy for requests of support, inclusion of supported decision proceedings in interdiction cases and the imposition of supported decision making by the judges for people with disabilities.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Comparativo da redação do Código Civil/2002 e após a Lei 13.146/2015 ... 20

Quadro 2 - Proposta de alteração legislativa do CC pelo Projeto de Lei 757/2015 ... 23

Quadro 3 – Expositivo de data de publicação CPC x EPD ... 30

Quadro 4 – Expositivo de data de vigência CPC x EPD ... 30

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo

CC Código Civil

CPC Código de Processo Civil

CCJ Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

CDPD Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

DJ Diário de Justiça

EPD Estatuto da Pessoa com Deficiência

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LBI Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência

TDA Tomada de Decisão Apoiada

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 PANORAMA DAS INCAPACIDADES E A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 13

2.1 Regime jurídico das incapacidades ... 13

2.2 Direitos da pessoa com deficiência na perspectiva do ordenamento jurídico nacional e internacional ... 16

3 REFORMA DA TEORIA DAS INCAPACIDADES PELA LEI Nº 13.146/2015 ... 19

3.1 Controvérsias originadas a partir da alteração legislativa ... 21

4 ANÁLISE DO INSTITUTO DA CURATELA E DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO APOIADA À LUZ DA LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ... 25

4.1 Curatela como solução aos impasses legais em vigência ... 25

4.1.1 Definição dos termos da curatela e o atropelo provocado pela lei processual ... 29

4.2 Tomada de Decisão Apoiada como instrumento de promoção da capacidade da pessoa com deficiência ... 31

5 CURATELA E TOMADA DE DECISÃO APOIADA: LEVANTAMENTO JURISPRUDENCIAL DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA PÁTRIOS APÓS PROMULGAÇÃO DA LEI Nº 13.146/2015 ... 35

5.1 Decisões sobre curatela após a mudança de paradigma efetivada pela Lei Brasileira de Inclusão ... 35

5.1.1 Incapacidade de fato versus Capacidade de direito: customização da curatela ... 36

5.1.2 Redefinição dos limites da curatela ... 39

5.1.3 Uma ponte entre curatela e Tomada de Decisão Apoiada ... 41

5.2 Decisões sobre a tomada de decisão apoiada após sua introdução no ordenamento jurídico ... 42

5.2.1 Sobre a legitimidade para pedir a Tomada de Decisão Apoiada ... 45

5.2.2 Conversão de Ação de interdição em Tomada de Decisão Apoiada: impossibilidade . 45 5.2.3 Aplicação de ofício da Tomada de Decisão Apoiada: ausência de amparo legal ... 49

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 51

(12)

1 INTRODUÇÃO

Buscando alinhar-se ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e contemplar a autonomia do indivíduo, o legislador passou a considerar relativamente capazes as pessoas com deficiência. Entretanto, esta mudança repercute fortemente em vieses material e processual do Direito Civil, notadamente no que concerne à Teoria das Incapacidades, trazendo alterações também no instituto da curatela - que passa a ser medida de exceção, além da inserção do processo de Tomada de Decisão Apoiada, respectivamente.

A Lei nº 13.146/2015, que versa sobre a Inclusão da Pessoa com Deficiência, também denominada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, trouxe importantes mudanças no Código Civil, sobretudo na matéria que trata sobre incapacidade. Foram revogados os incisos I, II e III do artigo 3º, passando a considerar como capaz, ainda que relativamente, quem antes era designado como absolutamente incapaz. Além disso, alterou a redação dos incisos II e III do artigo 4º, que se refere aos que possuem capacidade relativa.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) inaugurou, ainda, um novo método de exercício de autonomia da pessoa com deficiência por meio da inclusão, no Código Civil, do artigo 1783-A, que apresenta a Tomada de Decisão Apoiada, processo que deve ser utilizado pelos relativamente incapazes para que possam exercer a capacidade, ainda que limitada, que possuem.

Indaga-se, portanto, de que modo a doutrina e a jurisprudência têm se posicionado acerca destas mudanças e como, paralelamente, os tribunais estão aplicando estas normas tão recentes. Objetiva-se avaliar se doutrina e jurisprudência estão caminhando no mesmo sentido da lei.

O estudo é necessário, uma vez que a Lei nº 13.146/2015 é recentíssima e seus impactos fáticos nas relações jurídicas ainda desconhecidos. É imprescindível um aprofundamento do tema, mediante revisão doutrinária e análise jurisprudencial, uma vez que a ascensão de pessoas com deficiência à condição de capazes, ainda que relativamente, traz questionamentos acerca de como tal capacidade seria exercida e de que maneira o instituto da curatela seria utilizado diante deste novo cenário.

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equivocadas das inovações legais podem acarretar em resultados práticos distantes daquilo ao que estas se propuseram ab initio, sendo, portanto, contraproducentes na defesa daqueles cujos direitos pretendeu-se resguardar.

Trata-se de estudo exploratório, fundamentado em pesquisa bibliográfica e legislativa, além de levantamento jurisprudencial. A metodologia adotada no estudo tem caráter eminentemente qualitativo, utilizando-se o raciocínio dedutivo.

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2 PANORAMA DAS INCAPACIDADES E A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O Código Civil Brasileiro (CC), logo em seu primeiro artigo, traz a asserção de que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Essa capacidade de direito está intimamente vinculada à personalidade, sendo certo que é reconhecida a todos, sem distinção.1 É o que Pontes de Miranda2 denomina como princípio da capacidade total de direito. Para compreender a importância da definição, as palavras de Maria Helena Diniz3 nos servem, quando afirma que “[...] a capacidade de direito não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de se negar sua qualidade de pessoa, despindo-o dos atributos da personalidade”.

2.1 Regime jurídico das incapacidades

Caio Mário4 já afirmava que “como a incapacidade é uma restrição ao poder de agir, deve ser sempre encarada stricti iuris, e sob a iluminação do princípio segundo o qual a

capacidade é a regra e a incapacidade a exceção” (grifo do autor).

Entende-se, portanto, que quando inexiste autonomia para que o sujeito exerça seu direito, trata-se de uma exceção. A falta de autogoverno para o uso do direito é ausência da capacidade de fato, a capacidade de agir. Esta exceção, caracterizada como incapacidade, também é prevista e regulada pelo supramencionado códex nos artigos 3º e 4º, e sofreu profundas alterações com a entrada em vigor da Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também denominada de Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), objeto do presente estudo, adveio para regulamentar a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), assinada em Nova York, em 2007, que fora ratificada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008, bem como promulgada pelo Decreto Presidencial nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi pioneira e única, até o presente momento da história brasileira, a ganhar status de Emenda

1 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

v.1. p. 61.

2 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: parte geral, tomo I.

Atualizado por Judith Martins-Costa; Gustavo Haical e Jorge Cesa Ferreira da Silva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012.

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Constitucional ou norma constitucional derivada, uma vez que passou por todos os requisitos previstos no artigo 5º, inciso LXXVIII, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil.5 Esse status foi alcançado em decorrência do perfeito alinhamento do propósito da Convenção aos fundamentos constitucionais.

Em verdade, a Convenção referenciada, já internalizada e vigente no ordenamento brasileiro desde 2009, mesmo com posição privilegiada no sistema jurídico, permaneceu ignorada até a promulgação do EPD, caracterizando um lapso no cumprimento do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

O Estado brasileiro, ainda que tenha reconhecido que “[...] as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida”6, levou longos 06 (seis) anos até finalmente assegurar, por intermédio do EPD, medidas eficazes para o exercício da capacidade legal sem limitar o ser humano à sua deficiência.

A Convenção, em seu artigo primeiro, define as pessoas com deficiência como sendo

[...] aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

É importante enfatizar o novo paradigma trazido pela CDPD, de reduzir a deficiência e suas limitações a meros impedimentos, que passam a ser balizados a partir das barreiras sociais impostas ante a deficiência. Traz, portanto, a lógica de que, se tais obstáculos forem retirados ou diminuídos, a participação do sujeito com deficiência é possível.

Trata-se do modelo social, que na definição de Rafael de Asís7, [...] a incapacidade deixa de ser entendida como uma anormalidade do sujeito e começa a ser contemplada mais como uma anormalidade da sociedade.” (tradução livre)

Na mesma linha, Nelson Rosenvald8, ao abordar tal modelo, afirma que:

5 Art. 5º, LXXVIII, § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,

em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 abril 2017.

6 Art. 12, item 2 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 03 abr. 2017.

7“La discapacidad deja de ser entendida como uma anormalidad del sujeto, y comienza a ser contemplada más

bien como uma anormalidad de la sociedad.” ROIG, Rafael de Asís. Derechos humanos y discapacidad: algunas

reflexiones derivadas del análisis de la discapacidad desde la teria de los derechos. In: Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas – Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. MENEZES, Joyceane Bezerra de. (Org.) Rio de Janeiro: Processo, 2016, pág. 4.

8 ROSENVALD, Nelson. O Modelo Social de Direitos Humanos e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com

(16)

o tratamento jurídico devido às pessoas com deficiência (sejam elas capazes ou incapazes) não deve partir de um fundamento exclusivamente científico, porém preponderantemente social. A deficiência é um fenômeno complexo que não se limita a um atributo médico e individual da pessoa.

Deste modo, intenta-se desarraigar o modelo médico tão infundido na consciência social, padrão este que reduz o ser humano à sua deficiência e que gerou marginalização e estigmas ao longo da história, em total oposição ao princípio constitucional de valorização da dignidade humana.

Nos anos de 1960, existiu, na área da saúde, uma movimentação no sentido de modificar esse padrão discriminatório, através da luta antimanicomial, profundamente marcada pelos mesmos ideais verificados na Convenção ora analisada, quais sejam, a defesa dos direitos humanos e o resgate da cidadania das pessoas com deficiências mentais.

Já ao final da década de 70, o movimento de Reforma Psiquiátrica culminou com a Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, impondo mudanças na Política de Saúde Mental do Brasil.9 Note-se que a classificação do sujeito tem sofrido alterações, em sintonia com as evoluções conceituais que buscam criar uma nova identidade menos estigmatizante, não se falando mais, atualmente, em pessoas portadoras de transtornos mentais, mas pessoas com deficiência mental.10

Deste modo, se houve o reconhecimento de que o diagnóstico médico e o tratamento deviam ser personalizados, não seria justo o direito continuar aprisionando as pessoas com deficiência mental em uma vala comum de incapacidade de exercício de direitos, em total afronta ao princípio da igualdade.11

9 Para um breve referencial histórico sobre a reforma psiquiátrica e política de saúde mental, Cf. em Centro

Cultural do Ministério da Saúde, disponível em: <http://www.ccms.saude.gov.br/VPC/reforma.html> e <http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/mostra/reforma.html>. Acesso em: 03 abril 2017.

10 Entendimento análogo ao disposto no art. 2º da Portaria nº 2.344, de 03 de novembro de 2010, expedida pelo

Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – CONADE. Disponível em: <http://pessoacomdeficiencia.gov.br/app/conade>. Acesso em 03 abr. 2017

11 RODRIGUES, Renata de Lima. A proteção dos vulneráveis: perfil contemporâneo da tutela e da curatela no

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2.2 Direitos da pessoa com deficiência na perspectiva do ordenamento jurídico nacional e internacional

O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade12 é um dos princípios gerais da CDPD que serviram como fundamento para o Estatuto e é, sem demasia, um farol a iluminar a mudança de concepção mundial acerca dessa categoria. Além dele, outro relevante arcabouço principiológico que preza pela capacidade do sujeito, a despeito da deficiência que possua, é o que privilegia a autonomia individual, a independência, e isso inclui a liberdade de fazer as próprias escolhas.13

Prevê, ainda, em seu artigo 12, item 5, a diretiva assecuratória de direitos das pessoas com deficiência possuírem ou herdarem bens, de controlarem as próprias finanças e de terem igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, além de terem a garantia de que não serão arbitrariamente destituídas de seus bens. Esses princípios são o sustentáculo para a nova roupagem trazida ao Código Civil pelo EPD, sobretudo no que concerne à teoria da incapacidade, permitindo não apenas uma nova leitura da legislação civil, mas a sua congruência à Constituição, assegurando uma interpretação civil-constitucional sem maiores esforços.

Em perfeita sintonia com um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é o de promover o bem de todos sem preconceito e qualquer forma de discriminação14, a Convenção aspira que seja vedada qualquer distinção baseada na deficiência, além de prever proteção legal a essas pessoas contra discriminação por motivos outros quaisquer.15

Esta, aliás, é uma preocupação que já havia sido previamente discutida antes do encontro em Nova York e já firmada na Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, promulgada pelo Decreto Presidencial nº 3.956 de 08 de outubro de 2001.

12 Art. 3, alínea d) da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 03 abr. 2017.

13 Art. 3, alínea a) da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 03 abr. 2017.

14 Art. 3º, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 abril 2017.

15 Art. 5, inciso 2 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em:

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A tão almejada igualdade perante a lei, preconizada no caput do artigo 5º da Carta Magna brasileira,16 encontra equivalência e reforço no art. 12, item 2 da Convenção, quando esta reafirma a igualdade da pessoa com deficiência perante a lei, sendo essa isonomia apenas recentemente alcançada, através da Lei de Inclusão, por aqueles a quem esse direito havia sido tolhido.

Pertinente o destaque: os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. (grifou-se)

Mas de que forma esse reconhecimento é feito na prática? Importante a atenção neste ponto, porque mesmo a Constituição assegurando esse direito fundamental e a CDPD tendo status de norma constitucional desde 2009, a interpretação do Código Civil era feita, na

práxis, de maneira literal e o mesmo ainda albergava (antes da entrada em vigor do EPD) uma

ampla quantidade de indivíduos considerados incapazes, seres humanos tolhidos de sua autonomia, com mecanismos restritos para gerenciar suas escolhas.

Trindade17 defendeu que:

[...] as constantes lesões a direitos relevantes das pessoas e também a não observância da dignidade da pessoa humana nas relações públicas e privadas determinou, involuntariamente, uma comunicação entre as prerrogativas que buscam proteger o indivíduo que teve seu direito ferido. Essa intercomunicação foi o instrumento para se reanalisar as bases legais que versam sobre a capacidade civil da pessoa deficiente, estabelecendo-se novas diretrizes para a condução do direito desses indivíduos, dando-se uma ressignificação para a capacidade civil dessas pessoas excluídas.

Para que a deficiência não mais fosse motivo de isolamento ou segregação social, fez-se necessário o cumprimento do disposto no artigo 4, item 1, alíneas a e b18 da Convenção, de modo a viabilizar a realização de tal preceito, quais sejam:

a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção;

16 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.(...) Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 abril 2017.

17 TRINDADE, Ivan Gustavo Junio Santos. Os reflexos do estatuto da pessoa com deficiência (lei n.13.146/15) no sistema brasileiro de incapacidade civil. 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Relações Internacionais

e Desenvolvimento. 125 f. Goiânia, 2016.

18 BRASIL. DECRETO Nº 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009. Promulga a Convenção Internacional

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo,assinados em Nova York,em 30

de março de 2007. Disponível em: <

(19)

b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;

À luz dessa perspectiva, a Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015 surgiu, portanto, como instrumento para atingir a ratio da Convenção, com o propósito de inserção, reconhecimento e garantia dos direitos das pessoas com deficiência, prestigiando salvaguardas personalizadas e instrumentos de apoio.

Por salvaguardas personalizadas, tem-se a curatela sob um novo modelo. A mudança legal gerou transformações nesse instituto, que passou a restringir-se a casos extremos e limitando-se a questões patrimoniais, minimizando a substituição de vontade através da representação e respeitando a autonomia e as questões existenciais do sujeito. Tudo isso foi um contraponto ao modelo anteriormente aplicado, vez que era destinada a reger não apenas os bens, mas também o próprio indivíduo incapaz, criando um estado de submissão e supressão de escolhas. Não havia, portanto, na prática, uma preocupação dos magistrados em especificar os parâmetros e delimitar a curatela imposta aos interditados, em um amplo índice de sentenças omissas e genéricas.

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3 REFORMA DA TEORIA DAS INCAPACIDADES PELA LEI Nº 13.146/2015

O Código Civil de 2002, a despeito de ter entrado em vigor após a Constituição de 1988, manteve a concepção patrimonialista e individualista no que se refere aos cuidados com pessoas com deficiência. Conservou, do ordenamento civil antecedente, criado em 1916, o mesmo parâmetro de resguardar o patrimônio em detrimento da defesa da liberdade individual do sujeito declarado incapaz e seus direitos de personalidade. A preocupação, portanto, era mais com a proteção do patrimônio do incapaz do que com este.19

A transformação ocorrida na teoria das incapacidades para que fosse alinhada ao princípio constitucional da dignidade humana ocorreu, com eficácia, a partir do dia 06 de julho de 2015, quando foi sancionada a Lei nº 13.146, criada com o propósito de regulamentar a inclusão da pessoa com deficiência de modo a permitir o exercício pleno de sua dignidade, tendo como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

Esteando-se nesse evento, Carolina Valença Ferraz e Glauber Salomão Leite20 concluem que:

[...] o paradigma passou a ser o reconhecimento dos mesmos direitos fundamentais em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo intuitivo, portanto, que esse tratamento isonômico pressupunha não apenas a titularidade dos direitos, mas também o seu exercício.

É indubitável a relevância dessa lei, tendo em conta que atende a mais de 45.606.048 de pessoas com algum tipo de deficiência, segundo o último grande censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)21, o que representa mais de ¼ da população, parcela significativa de brasileiros.

Dentre os inúmeros itens que a norma aduz, destacam-se ao presente estudo as mudanças feitas na redação dos artigos do Código Civil que tratam sobre incapacidade e que alteraram significativamente a teoria das incapacidades, as alterações no instituto da curatela, além do novel artigo 1.783-A, que traz a Tomada de Decisão Apoiada.

19 SANTANA, Maurício Requião de. Autonomia, incapacidade e transtorno mental: propostas pela promoção da dignidade. 2015. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. 195 f. Salvador, 2015. p.84.

20 FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão. A presunção de capacidade civil da pessoa com

deficiência na Lei Brasileira de Inclusão. Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 7, n. 13, p. 99-117. 2016.

21 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico de 2010.

(21)

Para uma melhor observação das modificações realizadas nos artigos 3º e 4º, apresenta-se o quadro comparativo abaixo:

Quadro 1 – Comparativo da redação do Código Civil/2002 e após a Lei 13.146/2015

Código Civil/2002 Lei 13.146/2015 – Nova Redação

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de dezesseis anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

I – (Revogado); II – (Revogado); III – (Revogado).

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido.

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV – os pródigos

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à

maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

Fonte: Elaborado pela autora. Dados obtidos em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm

A partir desse panorama, depreende-se notável mitigação da incapacidade. A alteração mais evidente é a de que apenas os menores de dezesseis anos são absolutamente incapazes, necessitando, portanto, de representação.

Os demais casos passam a ser classificados como incapacidade relativa ou mesmo deixam de ser enquadrados como qualquer tipo de incapacidade, a exemplo dos excepcionais sem desenvolvimento mental completo.

(22)

Segundo a Associação Americana sobre Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento (AADID)22, a deficiência intelectual é caracterizada por limitações significativas tanto no funcionamento intelectual (raciocínio, aprendizagem, resolução de problemas) como no comportamento adaptativo, que abrange uma variedade de habilidades sociais e práticas diárias (tradução livre). Entretanto, pode-se verificar que existe capacidade para tomada de decisões e que esta deve ser considerada, sobretudo se for observado que o desenvolvimento dessas pessoas é incrementado a partir das condições sócio-educacionais e ambientais a elas oferecidas.

Louvável, portanto, a revogação do inciso III do art. 4º, vez que se alinha à recomendação contida no artigo 6º, caput, da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que estabelece que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa.

Os fatores deficiência mental, ausência de discernimento necessário e discernimento reduzido deixam de ser determinantes para incapacidade, seja ela absoluta ou relativa, tendo em vista que tais denominações foram suprimidas do código pátrio.

Quanto às pessoas que não podem exprimir sua vontade, seja por causa transitória ou permanente, deixaram de ser classificadas como absolutamente incapazes e passaram a ter sua capacidade reconhecida, ainda que de modo relativo. As polêmicas decorrentes da lei surgiram a partir dessa mudança.

3.1 Controvérsias originadas a partir da alteração legislativa

Explicando as mudanças havidas, Luciana Berlini23 infere que [...] as limitações ao exercício da autonomia foram assim relativizadas para se atender à nova demanda de proteção aos vulneráveis e ampliar o espectro de sua autodeterminação, especialmente nas relações existenciais.” Essa ampliação de espectro de autodeterminação, entretanto, foi desprovida de cautela em sua modulação na medida em que abrangeu, inclusive, hipóteses em que há total ausência de autogoverno, deixando as pessoas sob essa condição em uma classificação fictícia de sua realidade.

22 Intellectual disability is a disability characterized by significant limitations both in intellectual

functioning (reasoning, learning, problem solving) and in adaptive behavior, which covers a range of everyday

social and practical skills”. Disponível em: <

http://aaidd.org/intellectual-isability/definition/faqs-on-intellectual-disability#.WTil7pLysy4> Acessado em: 25 abr 2017.

23 BERLINI, Luciana Fernandes. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência: modificações

substanciais. In: Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas

Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. MENEZES, Joyceane

(23)

César Fiúza24 defende a mens legis de inclusão quando afirma que o objetivo da lei é, evidentemente, o de preservar, ao máximo, na medida do possível, a autonomia do deficiente, respeitadas as limitações do caso concreto.”

Em sua análise do EPD, Pablo Stolze25 preleciona que

[...] em verdade, o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o princípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser rotulada como incapaz, para ser considerada – em uma perspectiva constitucional isonômica – dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada e, extraordinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil.

Inegável a importante conquista de direitos das pessoas com deficiência por intermédio da LBI, entretanto, não se pode olvidar que existem condições sui generis que exigem uma proteção jurídica que restou situada em um limbo em meio às alterações trazidas pela lei. A extinção da incapacidade absoluta para indivíduos maiores de 16 anos identificados com alguma deficiência mental ou intelectual, sob a égide de defesa e valoração da autonomia da pessoa, gerou críticas acerca de sua aplicabilidade, uma vez que, neste ponto, atingiu-se um delicado quesito de execução da lei.

Surgiram questionamentos, dentre os quais: 1) como seria conduzida a forma de proteção, à vista disso, nas situações em que adultos não podem exprimir sua vontade, seja por causa transitória ou permanente – classificados pela nova lei que alterou o Código Civil como relativamente incapazes, sendo, deste modo, passíveis de assistência? 2) Como prestar assistência a uma pessoa em coma ou doença de Alzheimer avançada, por exemplo, quando na realidade ela precisa de representação, por estar sem possibilidade alguma de exercer pessoalmente atos da vida civil? Criou-se um imbróglio de definição que repercute na escolha de qual salvaguarda a ser tomada e em seus limites de aplicabilidade.

Esta imediata reflexão gerada no mundo jurídico após a entrada em vigor da lei teve ressonância através da observação feita por Maria Celina Bodin de Moraes, quando pontua que embora a mudança do paradigma tenha surgido com um propósito bom, de inclusão, gerou a impressão de que o que houve, de fato, foi desamparo, uma baixa na

24 FIUZA, César Augusto de Castro. Direito Civil: curso completo. 18 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 169.

25 STOLZE, Pablo. Estatuto da Pessoa com Deficiência e sistema de incapacidade civil. Revista Jus Navigandi.

(24)

proteção que o sistema anterior garantia, livrando os deficientes do manto protetor que supostamente o status de incapaz conferia.26

Luciana Fernandes Berlini27 também levanta tal crítica quando afirma que

[...] a retirada do rol de absolutamente incapazes demonstra uma inconsistência a ser enfrentada. Isso porque, algumas pessoas não têm condições sequer de exprimir a própria vontade, ainda que na seara existencial. Por esse motivo, inadequado o enquadramento dessas pessoas no rol de relativamente incapazes, já que a assistência por si só apresenta-se como insuficiente para esses casos.

Enfrentando a problemática, pode-se perquirir sobre a existência de duas situações a necessidade de diferenciá-las: deficiência e impossibilidade de manifestar vontade. Existem pessoas com deficiência que podem manifestar sua vontade e pessoas sem deficiência impossibilitadas de fazê-lo.28

A incongruência observada desafia os juristas e operadores do direito na interpretação e adequação dos casos concretos de modo a não obstar a efetivação das conquistas obtidas pelas pessoas com deficiência mental ou intelectual, seja ela transitória ou definitiva.

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 757/2015 que visa a sanar as divergências trazidas à discussão no presente estudo.29 Dentre as propostas de alteração, propõe-se revogar as mudanças feitas pelo EPD aos artigos 3º e 4º do CC, além de uma nova redação, que resultaria da seguinte forma:

Quadro 2 - Proposta de alteração legislativa do CC pelo Projeto de Lei nº 757/2015

Nova Redação aos artigos 3º e 4º do CC proposta pelo PL nº 757/2015 Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos;

II – os que, por qualquer motivo, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

26 MORAES, Maria Celina Bodin de. Prefácio. In: Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas – Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. MENEZES, Joyceane Bezerra de. (Org.).Rio de Janeiro: Processo, 2016.

27 BERLINI, Luciana Fernandes. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência: modificações

substanciais. Ibidem. pág. 169.

28 A Professora Dra. Beatriz Rêgo Xavier sugere como solução ao impasse o deslocamento do regime de

incapacidade: o que gera incapacidade é não poder se manifestar e não a deficiência em si.

29 BRASIL. Congresso. Senado. Projeto de lei 757/2015. Disponível em:

(25)

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por qualquer causa, tenham o discernimento severamente reduzido;

III – Revogado. IV – os pródigos

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

Fonte: Elaborado pela autora. Dados obtidos em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/124251

(26)

4 ANÁLISE DO INSTITUTO DA CURATELA E DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO APOIADA À LUZ DA LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

No capítulo que trata sobre o reconhecimento igual perante a lei, o EPD traz, em seu artigo 84 caput e § 1o, que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com os demais e que, quando necessário, será submetida à curatela, conforme a lei.

4.1 Curatela como solução aos impasses legais em vigência

Ampliando a leitura fria do EPD, vale ressaltar que a curatela será utilizada apenas em casos de necessidade, ou seja, em raras situações (grifou-se). Deste modo, a resposta às indagações feitas na seção anterior é trazida pelo artigo 84 da Lei Brasileira de Inclusão e pelo Código Civil em seu artigo 1.767, inciso I30, e deve ser analisada sempre sob o prisma do preceito contido no caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). 31

Conquanto a solução nesses casos permaneça sendo a curatela, esta passa a ser medida de exceção e afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Tal previsão está contida no artigo 85 do EPD, não atingindo, portanto, direitos existenciais, a exemplo do direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.32

Tais direitos, inclusive, são assegurados no artigo 6º do supramencionado Estatuto, que reafirma que a capacidade da pessoa com deficiência não é afetada para gerir escolhas individuais, como com quem deseja casar ou constituir união estável, de que modo irá exercer sua sexualidade ou quantos filhos deseja ter, sendo assegurada sua fertilidade e vedada a esterilização compulsória, além de poder exercer o direito à família (e as implicações concernentes).

30 Estão sujeitos a curatela: I aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua

vontade; Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 03 abril 2017.

31 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 abril 2017.

32 Art. 85, § 1o. Lei 13.146 de 06 de julho de 2015. Disponível em:

(27)

O que desperta a atenção e gera curiosidade é a garantia que foi dada ao exercício do direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, de igual modo como é concedida aos demais, o que viabiliza, em tese, a afirmação de que uma pessoa com deficiência mental submetida à curatela estaria apta a ser curadora de outrem.

A curatela, a partir da nova lei, é redefinida e passa a ter um novo molde, uma vez que a pessoa deve ser protegida na exata medida da sua vulnerabilidade e da falta de discernimento concretamente auferidas, sendo considerado, o máximo possível, sua capacidade de autodeterminação e autogestão da própria vida, conforme atestam Gustavo Tepedino e Milena Oliva.33

Ainda que a incapacidade relativa não permita a substituição de vontade, por meio de representação, mas sim a assistência, considera-se a utilização da curatela em casos graves, a exemplo de pessoas com Alzheimer ou em coma, já que para situações de menor complexidade, e partindo do pressuposto da capacidade como regra, a solução trazida pela nova lei foi a Tomada de Decisão Apoiada, inserida no Código Civil no artigo 1.783-A.

O novo modelo de curatela é, portanto, providência excepcional e, segundo Célia Barbosa Abreu, uma curatela sob medida.34

Notável destaque se confere aos seus limites, vez que deixa de ter um caráter genérico e, por se tratar de medida extraordinária, consoante mencionado anteriormente, deve ser proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, com duração pelo menor tempo possível.35

Dentre as propostas concebidas para solucionar a controvérsia doutrinária gerada pelo Estatuto, a de Luciana Berlini36 é a de fazer a interpretação dos novos artigos 3º e 4º do Código Civil como um rol exemplificativo, de modo que, em situações de absoluta ausência de possibilidade de expressão de vontade, as pessoas pudessem ser enquadradas como absolutamente incapazes, e, portanto, representadas. Contudo, entende-se tal solução como temerária, pois daria margem à interpretações tendenciosas à restrição de direitos.

33 TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Personalidade e capacidade na legalidade constitucional. In: Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas – Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. MENEZES, Joyceane Bezerra de. (Org.).Rio de Janeiro: Processo, 2016, pág. 244.

34 ABREU, Célia Barbosa. A curatela sob medida: notas interdisciplinares sobre o estatuto da pessoa com

deficiência e o novo CPC. Ibidem. pág. 31.

35Art.84º, §3º, Lei 13.146 de 06 de julho de 2015. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acessado em: 25 abril 2017.

36 BERLINI, Luciana Fernandes. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência: modificações

(28)

Joyceane Bezerra de Menezes37, por sua vez, propõe uma elucidação da problemática à luz do Estatuto e da CDPD, afirmando ser possível o estabelecimento de uma curatela considerada de livre demanda do curatelando, com a possibilidade de concessão de poderes ampliados ao curador, inclusive para atender necessidades extremas em que houver total ausência de discernimento e competência de autogestão, pautando-se pela tutela da dignidade-liberdade.38

Cristiano Farias e Nelson Rosenvald39 afirmam que:

[...] a sentença somente deve julgar procedente o pedido de curatela, reconhecendo a incapacidade e nomeando um curador, quando houver prova cabal e suficiente da falta de compreensão, total ou parcial, da pessoa, a ponto de impossibilitá-la de exprimir vontade. Se a capacidade é a regra geral e a incapacidade é excepcional, a sentença reclama prova irrefutável.

Desse modo, resta claro que a sentença deve conter as razões e motivações de sua definição, preservando os interesses do curatelado, em conformidade com o art. 85, § 2o do EPD, bem comoart. 489, inciso II do Código de Processo Civil.

Portanto, ainda que a curatela esteja reservada a situações estritamente patrimoniais e apenas em circunstância imprescindível do possuidor de deficiência mental, não há óbice para que sejam conduzidas, pelo curador, as questões existenciais caso haja o esvaziamento de sua função de apoio diante da absoluta ausência de discernimento e vontade do curatelando.

O que não se pode é, por facciosismo doutrinário, deixar em desamparo a personalidade de um indivíduo por sua situação não ter presciência legal. Segundo Paulo Lôbo40, a natureza da curatela é de medida protetiva e não de interdição de exercício de direitos e Joyceane Menezes enfatiza a importância de orientar-se por valores constitucionais que protejam a pessoa, já que Direito não é lei stricto sensu.41

37 MENEZES, Joyceane Bezerra de. O direito protetivo no Brasil após a convenção sobre a proteção da pessoa

com deficiência: impactos do novo CPC e do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Revista Eletrônica Civilística, ano 4, n.1, 2015. Disponível em: < http://civilistica.com/wp-content/uploads/2016/01/Menezes-civilistica.com-a.4.n.1.2015.pdf> Acessado em: 25 abr. 2017.

38 TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com

Deficiência)...Parte II. Migalhas. ISSN 1983-392X, 26 ago 2015. Disponível em:

<

http://ww.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI225871,51045-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com> Acessado em: 26 abril 2017. 39FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 8 ed. rev. e atual.

Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p.944.

40 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Com avanços legais, pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. 16 ago 2015. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-nao-sao-incapazes>. Acessado em: 25 abr 2017.

41 MENEZES, Joyceane Bezerra de. O direito protetivo no Brasil após a convenção sobre a proteção da pessoa

(29)

É imperioso, portanto, o sopesamento dos limites da curatela de modo a alcançar o equilíbrio entre não anular a autonomia do indivíduo, aniquilando sua faculdade de se reger, e otimizar sua função como instrumento exclusivamente de administração patrimonial e negocial, quando estritamente necessário, possibilitando independência para decidir questões pessoais.

Nelson Rosenvald42 enaltece o que chama de perfil funcionalizado da curatela, quando diz que o instituto não mais é vocacionado apenas à conservação de patrimônio do incapaz, mas sim um modelo jurídico instrumentalizado para proteger e promover as situações existenciais da pessoa humana que é submetida ao instituto.

Inclusive, para favorecer a prática da assistência e ampliar as possibilidades colaborativas de incremento da autonomia do sujeito com deficiência, o legislador viabilizou com a nova lei, também, a curatela compartilhada, no artigo 1.775-A do Código Civil.

Seguindo na análise de defesas da esfera existencial, Ana Carolina Brochado Teixeira43 aponta que:

[...] se o regime das incapacidades visa ao resguardo do incapaz no trânsito jurídico patrimonial, tendo em vista que tenciona atribuir segurança às relações intersubjetivas, ele deve ser visto de forma qualitativamente diversa no que tange às situações jurídicas existenciais.

O enfoque da proteção não deve se restringir, portanto, apenas aos valores patrimoniais, mas, sobretudo, ao sujeito detentor de tal patrimônio, de modo a viabilizar a evolução positiva de sua deficiência, permitindo que o mesmo seja plenamente integrado à sociedade. 44

Assim sendo, a nova lei resulta em um resgate dos interditos da condição de marginalidade civil, e também retoma o sentido etimológico da curatela, derivada da palavra latina curare, que significa cuidar, zelar45. Cuidado este que deve ser, a priori, o de buscar igualdade de oportunidades e acessibilidade ao curatelado, zelar para que não seja discriminado por sua condição humana de ter deficiência e não é prescindível afirmar que

Civilística, ano 4, n.1, 2015. Disponível em: < http://civilistica.com/wp-content/uploads/2016/01/Menezes-civilistica.com-a.4.n.1.2015.pdf> Acessado em: 25 abr. 2017.

42 ROSENVALD, Nelson. O Modelo Social de Direitos Humanos e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa

com Deficiência – o fundamento primordial da Lei nº 13.146/2015. Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas – Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. MENEZES, Joyceane Bezerra de. (Org.).Rio de Janeiro: Processo, 2016, pág. 31.

43 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Deficiência psíquica e curatela: reflexões sob o viés da autonomia

privada. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: IBDFAM/Magister, n. 7, dez-jan, 2009, p. 64-79.

44 ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. O exercício dos direitos dos incapazes: uma leitura a partir dos

princípios constitucionais. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2011, p. 75

(30)

vale o cuidado na promoção do respeito à diferença e aceitação/inclusão da pessoa sob curatela.

4.1.1 Definição dos termos da curatela e o atropelo provocado pela lei processual

Para privilegiar a nova posição alçada às pessoas com deficiência, o Estatuto alinhou o Código Civil ao hodierno entendimento proposto e renovou a redação do artigo 1.768. Substituiu-se o termo interdição por processo que define os termos de curatela (grifou-se).

Observa Luciana Berlini46 que “[...] o cuidado terminológico é válido, em razão da carga pejorativa adquirida pela palavra interdição, haja vista ser muito utilizada como

sinônima da expressão morte civil”. Já Nelson Rosenvald47 vê a palavra interdição como sendo “incompatível com o pluralismo inerente ao Estado Democrático de Direito”, além de considerar como sendo uma “medida coercitiva e opressiva, que imprime uma marca indelével na pessoa”.

Paulo Lôbo48 sustenta que:

[...] não há que se falar mais de “interdição”, que, em nosso direito, sempre teve por

finalidade vedar o exercício, pela pessoa com deficiência mental ou intelectual, de todos os atos da vida civil, impondo-se a mediação de seu curador. Cuidar-se-á, apenas, de curatela específica, para determinados atos.

Resta evidente, portanto, a incompatibilidade do termo interdição com o novo modelo de inclusão da pessoa com deficiência, plenamente regulado ao princípio da dignidade humana.

Ocorre, entretanto, que a nova redação do Código Civil foi dada a artigo já revogado pelo Código de Processo Civil, que estava em vacatio legis quando da publicação do Estatuto. Para uma melhor compreensão da antinomia verificada entre a lei material e a processual, propõe-se os quadros a seguir:

46 BERLINI, Luciana Fernandes. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência: modificações

substanciais. Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas... MENEZES, Joyceane Bezerra de. (Org.).Rio de Janeiro: Processo, 2016pág.177

47 ROSENVALD, Nelson. O fim da interdição A Biografia não Autorizada de uma Vida. 31 ago 2015.

Disponível em: <

https://www.nelsonrosenvald.info/single-post/2015/08/31/O-Fim-da-Interdi%C3%A7%C3%A3o-%E2%80%93-A-Biografia-n%C3%A3o-Autorizada-de-uma-Vida> . Acessado em: 25 abr 2017.

(31)

Quadro 3 – Expositivo de data de publicação CPC x EPD

Publicação

Ordem Lei Data

1ª 13.105 –CPC 16/03/2015

2ª 13.146 –EPD 07/07/2015

Dados obtidos em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm e http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

Quadro 4 – Expositivo de data de vigência CPC x EPD

Vigência

Ordem Lei Data

1ª 13.146 - EPD 02/01/2016*

2ª 13.105 - CPC 18/03/2016**

Dados obtidos em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm e http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

Notas: * Vacatio legis:180 (cento e oitenta) dias da data de publicação.

**Vacatio legis: 01 (um) ano da data de publicação.

A intenção do legislador processual, ao revogar os dispositivos que tratavam sobre os requisitos para interdição na lei material (artigos 1.768 a 1.773), certamente era a de albergar com exclusividade matéria que lhe concerne.

Entretanto, a mens legis do Código de Processo Civil, que vale frisar tramitou concomitantemente ao Estatuto, não foi nivelada, nesse ponto, aos propósitos contidos na Lei de Inclusão e reprisou o menosprezo de outrora aos ditames previstos na CDPD. Descuidou-se de adequar os termos legais aos novos parâmetros exigidos pela matéria, tendo sido concebido e ganhado vigência ainda arraigado ao paradigma anterior de impedimento e vedação de direitos que o termo interdição representa.

Atento ao alinhamento de parâmetro, o legislador do EPD modificou o texto do CC nos artigos referentes à interdição, preferindo usar o termo curatela em substituição. Além disso, sempre primando pela autonomia do indivíduo, acrescentou a possibilidade de promoção da curatela pelo próprio interessado.49 Em contrapartida, houve descuido por não considerar a revogação feita pelo CPC, de modo que, após a entrada em vigor do EPD, os dispositivos só permaneceram vigentes por pouco mais de 02 (dois) meses. Houve enfoque no CC, para revogar ou alterar a redação, mas imprevidência nesta zona de intercessão de sistemas legais.

Deste modo, o procedimento ora vigente para submeter a pessoa com deficiência à curatela, em caso de necessidade, volta a ser a interdição, prevista nos artigos 747 a 758 do CPC, ainda que a nomenclatura esteja inadequada.

(32)

Maria Helena Daneluzzi e Maria Ligia Mathias50 defendem a mudança

paradigmática quando afirmam que “[...] não se pode de forma alguma afastar o espírito do Estatuto que está calcado na igualdade e não discriminação, ou seja, as normas processuais

deverão ser aplicadas se e quando esse espírito estiver presente.”

Percebe-se, da ruptura do modelo outrora vigente, que é possível a proteção do indivíduo sem obrigatoriamente interditá-lo, utilizando-se apenas a curatela em situações de extrema necessidade.

Cabe, então, ao operador do direito, exercer a atividade hermenêutica de modo a proteger a garantia da dignidade enquanto tal contradição é reparada e considerar a força de norma constitucional da Convenção, refletida pelo EPD.

4.2 Tomada de Decisão Apoiada como instrumento de promoção da capacidade da pessoa com deficiência

O nobre objetivo de privilegiar a autonomia do indivíduo com deficiência mental progride por meio da rejeição à substituição de vontade e priorização do exercício de liberdades individuais, através do apoio. Para tanto, a CDPD determinou que os Estados Partes se comprometessem a tomar medidas de apoio à pessoa com deficiência que fossem apropriadas ao pleno exercício de sua capacidade.51

A maior inovação proposta foi a Tomada de Decisão Apoiada (TDA), introduzida pelo EPD e que prioriza o novo modelo de inclusão da pessoa com deficiência através de mecanismos de apoio, incentivando o exercício da autonomia, surgindo como via assistencial isenta do estigma da incapacidade.

Para Nelson Rosenvald52, a Tomada de Decisão Apoiada “[...] é um modelo

jurídico que se aparta dos institutos protetivos clássicos na estrutura e na função.”

Foi introduzida no Código Civil pela Lei Brasileira de Inclusão no art. 1.783-A, em que preconiza a existência de um processo pelo qual a pessoa com deficiência escolhe no

50 DANELUZZI, Maria Helena Marques Braceiro; MATHIAS, Maria Ligia Coelho. Repercussão do Estatuto da

Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) nas legislações civil e processual civil. Revista de Direito Privado.

Revista dos Tribunais Online: São Paulo, n.66, abr-jul.2016.p.3. Disponível em:

<http://www.ceaf.mppr.mp.br/arquivos/File/Marina/deficiencia3.pdf>. Acessado em 25 abr 2017.

51 Art. 12, inciso 3. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com

deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 14 maio 2017.

52 ROSENVALD, Nelson. A Tomada de Decisão Apoiada. Artigo publicado em 16 jul 2015 no perfil do autor

na rede social Facebook. Disponível em:

(33)

mínimo 2 (duas) pessoas de sua confiança e com as quais mantenha vínculos para delas receber apoio em decisões sobre atos da vida civil. Esse apoio é oferecido por meio de informações necessárias para permitir o exercício de sua capacidade, como para assinar contratos de empréstimo ou de abertura de conta, por exemplo. Percebe-se claramente o enaltecimento à capacidade decisória do indivíduo, ainda que este possua algum tipo de déficit intelectual.

O procedimento atua em uma zona intermediária de exercício da capacidade de agir. As pessoas com plena capacidade não necessitam do instituto, a menos que dele desejem se utilizar. Aquelas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, são submetidas à curatela conforme previsão do artigo 1.767, inciso I do CC. Deste modo, as que possuem preservado algum resquício de discernimento dentro de sua problemática psíquica passam a ter suas decisões respeitadas, ainda que sob orientação dos apoiadores que escolher.53

O pedido de Tomada de Decisão Apoiada é feito através de procedimento de jurisdição voluntária54 e cabe exclusivamente ao interessado requerer.55 Apresenta-se termo ao juízo, em que constam os limites do apoio oferecido e quais os compromissos dos apoiadores. O enaltecimento da capacidade da pessoa com deficiência resta evidente neste novo instituto, uma vez que todas as decisões tomadas por ela que estejam abrangidas nos limites previamente acordados são válidas e geram efeitos a terceiros.56

O instituto serve, portanto, para melhor direcionar as decisões daqueles que possuem capacidade relativa e conferir segurança jurídica aos que contratam com pessoas apoiadas, vez que podem solicitar a contra-assinatura dos apoiadores em contrato ou acordo.57

Contudo, conforme se analisa, a contra-assinatura do apoiador não é uma condição de validade do ato jurídico, mas uma faculdade do terceiro contratante, de modo que o contrato ou o acordo celebrados continuam sendo válidos ainda que não contenham a contra-assinatura do apoiador - desde que estejam dentro dos limites de apoio previamente

53 MENEZES, Joyceane Bezerra de. O novo instituto da Tomada de Decisão Apoiada: instrumento de apoio ao

exercício da capacidade civil da pessoa com deficiência instituído pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ... In:

Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas... MENEZES, Joyceane Bezerra de. (Org.) Rio de Janeiro: Processo, 2016, pág. 616.

54 ALVIM, José Eduardo Carreira. Tomada de Decisão Apoiada. Revista Brasileira de Direito Processual

RBDPro. Belo Horizonte, ano 23, n. 92, out. / dez. 2015. Disponível em:

<http://www.ceaf.mppr.mp.br/arquivos/File/Marina/deficiencia.pdf> Acessado em: 27 mai 2017.

55 Art. 1.783-A § 2o O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com

indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio.

56 Art. 1.783-A § 4o A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições,

desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

57 Art. 1.783-A § 5o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os

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ajustados entre apoiado e apoiador. Caso assim não o fosse, a Tomada de Decisão Apoiada perderia sua razão de existir, pois seria equiparada à curatela, que serve como mecanismo de assistência que necessariamente requer que os atos praticados pelo assistido sejam ratificados pelo curador para que tenham validade.

Ainda que se trate de uma constatação lógica, o Projeto de Lei nº 757/2015 propõe, para esclarecer as consequências a terceiros, a adição do parágrafo 12 ao artigo 1.783-A, contendo redação que garante os efeitos de validade supramencionados.58

O Código Civil Argentino, que adota o sistema de apoio ao exercício da capacidade desde agosto de 2015, fornece referência quanto à função da norma, que é a de promover a autonomia e facilitar a comunicação, a compreensão e a manifestação de vontade da pessoa para o exercício de seus direitos. (tradução livre)59

Desse modo, Nelson Rosenvald exemplifica os casos em que o instituto pode ser utilizado, beneficiando pessoas que possuam deficiência motora ou sensorial, mas que gozam de capacidade psíquica plena, como tetraplégicos, obesos mórbidos, cegos, sequelados de AVC e portadores de outras enfermidades que privem a deambulação para a prática de atos jurídicos.60 Além destes, Joyceane Menezes61 sugere o uso do apoio, quando necessário, por idosos, drogaditos ou alcoolicos, pessoas em fase inicial da doença de Alzheimer, ou ainda pessoas com deficiência intelectual, a exemplo de pessoas com Síndrome de Down.

Antes da vigência do EPD e de seu propósito de valorização da autonomia, os casos de enfermos ou deficientes físicos que precisassem de auxílio para cuidar de seus negócios ou bens eram submetidos à curatela especial62, tendo sido revogado o artigo do CC com essa previsão.

58“Os negócios e os atos jurídicos praticados pela pessoa apoiada sem participação dos apoiadores são válidos,

ainda que não tenha sido adotada a providência de que trata o § 5º deste artigo”.

59 Artículo 43. “Las medidas de apoyo tienen como función la de promover la autonomía y facilitar la

comunicación, la comprensión y la manifestación de voluntad de la persona para el ejercicio de sus derechos.” Dispónível em: <http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/235000-239999/235975/norma.htm#6>. Acessado em: 27 maio 2017.

60 ROSENVALD, Nelson. A tomada de decisão apoiada: primeiras linhas sobre um novo modelo jurídico

promocional da pessoa com deficiência. In: Direito civil em debate: reflexões críticas sobre temas atuais. QUEIROZ, Mônica et.al. (Org.) Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.

61 MENEZES, Joyceane Bezerra de. O novo instituto da Tomada de Decisão Apoiada: instrumento de apoio ao

exercício da capacidade civil da pessoa com deficiência instituído pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ... In:

Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas... MENEZES, Joyceane Bezerra de. (Org.) Rio de Janeiro: Processo, 2016, pág. 619.

62Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de

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