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Adília Lopes: o visível e o invisível [Apresentação]

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Academic year: 2022

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Apresentação

14, 12/2019: 9-11 – ISSN 2182-8954 | http://dx.doi.org/10.21747/21828954/ely14ap

APRESENTAÇÃO

Em tempos sinistros, injustos, inviamente normativos como os que hoje vivemos, a poesia de Adília Lopes é um rasgo de luz que atravessa as trevas e nos pode servir de guia.

Se a frontalidade libertária de Adília ainda provoca alguma reserva crítica, a poeta também começa a ser reconhecida, dentro e fora de Portugal, como uma referência incontornável tanto do século XX como do XXI. Ela lança-nos um enorme desafio com uma pergunta que só a poesia mais ousada, menos convencional e mais aberta à experimentação é capaz de gerar: – mas isso é poesia? É uma pergunta nascida do desconforto e da estranheza. Autores tão diversos como Emily Dickinson, Alberto Caeiro, Nicanor Parra e muitos outros também suscitaram este tipo de dúvida, e ainda hoje há quem não os saiba ler sem os tornar primeiro menos estranhos. Mas, como disse Rafael Gumucio numa apresentação do seu livro sobre Parra (Rey y mendigo), todo o grande poeta é também um antipoeta. Não é possível ser poeta sem um quantum de negação, e os grandes poetas interessam-nos menos pela originalidade com que retomaram uma tradição apesar de tudo reconhecível do que por nos terem deixado obras radicalmente inesperadas. A alguns leitores, talvez a obra adiliana possa parecer demasiado antipoética, mas para muitos outros ela representa, sem dúvida, uma revelação e uma libertação.

A subjectividade que emana da poesia de Adília Lopes vive da tensão entre o visível e o invisível, entre o biográfico e o ficcional. Leitora compulsiva, embora nem sempre lida como a escritora letrada que deveras é, Adília concebe a experiência do sujeito enquanto relação entre o que fica à vista e o que se esconde, e a sua escrita esconde em

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Jerónimo Pizarro, Paulo de Medeiros, Rosa Maria Martelo

14, 12/2019: 9-11 – ISSN 2182-8954 | http://dx.doi.org/10.21747/21828954/ely14ap

aparente simplicidade a real complexidade que a move, podendo subtrair à vista o que mais intensamente pretende mostrar – um mundo bem mais violento e cruel do que pode parecer a um leitor pouco assíduo. A escrita de Adília permite leituras bastante imediatistas, mais centradas no humor e no nonsense; mas, a outro nível, também faculta formas de leitura elaboradas, nas quais a intertextualidade sugere os mais variados diálogos com a tradição literária e cultural.

Com este número, que deriva em parte de um colóquio internacional que teve lugar na Universidad de los Andes, e com outros eventos, artigos e homenagens anteriores ou posteriores (um segundo colóquio está em preparação, por exemplo), pretendemos contribuir para uma melhor leitura da hibridez e complexidade da obra de Adília Lopes, e também para a discussão de alguns temas desta autora, que desafia – e ainda bem que desafia – as nossas concepções de escrita poética. Talvez um dos maiores elogios que podemos fazer a um escritor seja reconhecermos que depois da sua obra a literatura não voltou a ser a mesma. Adília continua a escrever e publicar, mas faz já parte de um conjunto de autores do século XX que não fizeram mais poesia mas uma poesia-outra, que soube expandir o âmbito daquilo que considerávamos poético, ou consideramos ainda poético.

Pensemos, por exemplo, em algum Pessoa, em Irene Lisboa, em O’Neill e nas experiências que estes autores fizeram com o prosaísmo.

Os artigos incluídos neste número, ora orientados num sentido teórico-crítico, ora dedicados à análise de obras e poemas específicos, ou dirigidos para o estudo da recepção nacional e internacional, permitem interrogar várias formas de hibridismo presentes na escrita de Adília Lopes. E é com muito gosto também que publicamos a ampla bibliografia adiliana coligida por Burghard Baltrusch, na qual são referenciadas algumas publicações raras, muitas delas há muito tempo fora de circulação. Agradecemos aos artistas Sara Quijano-Sierra e Luis Manuel Gaspar, bem como aos editores envolvidos, a possibilidade de incluirmos neste número as ilustrações que em vários momentos acompanharam a obra de Adília Lopes.

E temos um prazer muito especial em incluir dois poemas inéditos, gentilmente enviados pela Autora para este número da eLyra. Um deles, que é uma espécie de slogan,

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Apresentação

14, 12/2019: 9-11 – ISSN 2182-8954 | http://dx.doi.org/10.21747/21828954/ely14ap

pode ser lido enquanto poética mínima para descrever a obra de resistência em tempos difíceis que é a de Adília Lopes.

Jerónimo Pizarro Paulo de Medeiros Rosa Maria Martelo

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