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CASTANHAL 2020

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Academic year: 2023

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CAMPUS CASTANHAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL E GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS AGROALIMENTARES

MESTRADO PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO RURAL E GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS AGROALIMENTARES

ZELIA VANUZA MARQUES

METODOLOGIAS PARA UMA ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL EQUITATIVA

CASTANHAL 2020

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METODOLOGIAS PARA UMA ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL EQUITATIVA

Dissertação apresentada ao Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará, como parte das exigências do Curso de Mestrado em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares, para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Romier da Paixão Sousa

CASTANHAL 2020

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Dados para catalogação na fonte Setor de Processamento Técnico Biblioteca

IFPA - Campus Castanhal

M357m Marques, Zelia Vanuza

Metodologias para uma assistência técnica e extensão rural equitativa/ Zelia Vanuza Marques - 2020

79 f.

Impresso por computador (fotocópia).

Orientador: Prof. Dr. Romier da Paixão Sousa.

Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará IFPA, 2020.

1. Extensão Rural Assistência Técnica. 2. Política Pública. 3.

Agricultura Familiar 4. Educação Popular. 5. Agroecologia. I.

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará. II.

Título

CDD: 630.715

Biblioteca/Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará Bibliotecária Suzana de Nazaré Cézar da Silva Santos CRB-2: 1078

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Aos que acreditam em um outro mundo possível.

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Durante o processo de escrita da dissertação, guardei no coração memórias especiais para essa parte do texto. No entanto, primeiramente, gostaria de agradecer ao multiverso pela oportunidade da existência e pelos presentes que a vida trouxe para mim.

Construir essa dissertação significou realizar um sonho para seguir sonhando. Também denotou enfrentar dificuldades e entrar em contato com infinitas possibilidades. Nesse tempo escutei pessoas, dialoguei com diferentes sujeitos, desisti de ideias, chorei, senti, recomecei e reinventei a rota diversas vezes, vi o país seguir por caminhos abstrusos, vi o Ministério do Desenvolvimento Agrário ser desmontado, senti os impactos dos cancelamentos dos contratos de ATER no cotidiano. Mas, também celebrei resultados, conheci histórias encantadoras, espalhei esperança, teimosia e utopia. Aprendi sobre pesquisa e metodologia e passei todo esse tempo lendo sobre Agricultura Familiar, Sustentabilidade, Educação Popular, Feminismo, Agroecologia, Extensão Rural e tantas outras coisas.

Pelos processos pedagógicos vivenciados. Agradeço ao Programa de Pós-Graduação do Instituto Federal do Pará – Campus Castanhal, aos colegas de turma pela companhia e às professoras e aos professores pelos ensinamentos, por apontarem os desafios da vida acadêmica, pelas infinitas leituras indicadas e também por adotarem, cotidianamente como educadores, uma postura cidadã, ética, de defesa dos direitos humanos, da educação pública, da democracia e das ciências. Agradeço de forma especial às professoras Maria José, Louise e Roberta pela presença inspiradora como mulheres e pesquisadoras e as Bancas Examinadoras de qualificação e defesa pela avaliação.

Agradeço a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER-PA pela autorização para cursar a pós-graduação e pela oportunidade de realizar a pesquisa no interior da instituição. Por essa conquista, agradeço aos extensionistas que historicamente defenderam a importância da formação continuada e às duas últimas diretorias da empresa pelo apoio e análise do projeto. Nesse processo, destaco as contribuições de Manoel Gaia (in memoriam), Rosival Possidônio, Paulo Lobato e Marcio Nagaishi.

Agradeço ainda as equipes da EMATER em Marabá e Tucuruí pela companhia nas construções preliminares do significado de uma pesquisa em Extensão Rural. Citando por saudades as queridas Carmem, Franceli, Margarida, Débora, Luciana, Eidy, Alessandra e Leiva e os colegas Genival Reis, Jafé, Jonh, Willian, Lázaro, Nelson, Seu João e a dupla que seguiu para fazer extensão em outro plano Gaia e Barra (in memoriam). Lembro ainda os colegas de trabalhos anteriores, destacando Evandro Medeiros e Claudia Koller pela amizade e por seguirem inspirando minha jornada como educadora do campo.

Agradeço aos colegas do Regional Castanhal, citando Seu Nelson, Ricardo, Antônio Carlos e registro um agradecimento especial à Dona Norma, porque nós duas sabemos a sua importância nesse processo e à Cristina pelas reflexões sobre o trabalho e toda ajuda e carinho nos cuidados com Amália, sempre que precisei. Gratidão infinita por sua bondade.

Agradeço a sempre extensionista e amiga Regiara, pelo apoio e companhia no processo de construção do projeto. A Seu Nelson, Seu Assis, Paulo Lobato e Luís Mauro pelas sugestões e torcida e aos colegas de trabalho da equipe do Escritório da EMATER em São João da Ponta pela compreensão, cuidado, e por toda a contribuição prática e teórica ao longo desse processo.

Maurício, Seu Assis, Cássio, Itapirema, Mauro e Bruce. Muito obrigada.

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Cassio, Júlio, Dona Celita e Afonso pela companhia. Cada um de vocês segurou a minha mão sem pedir nada em troca. Gratidão infinita.

Agradeço aos agricultores e as organizações sociais de São João da Ponta pela compreensão e apoio sincero à minha decisão de estudar. E as crianças, jovens, adultos e idosos que compartilharam suas histórias de vida, desafios, planos e aflições nas quatro oficinas de escrita coletiva que concretizamos ao longo da pesquisa ação. Dedico esse texto a cada uma dessas diferentes pessoas e registro aqui minha responsabilidade de seguir estudando, trabalhando e lutando em defesa da ATER equitativa e do conjunto de políticas públicas estruturantes como direito da agricultura familiar e dever do Estado.

Agradeço ao Grupo de Estudos Feministas ZoÉ de Castanhal pelas reflexões sobre Feminismo que muito contribuíram à minha pesquisa e pela companhia cheia de afeto e cuidados nessa jornada.

Agradeço ao meu pai João (in memoriam), minha mãe Idalina, minhas irmãs, irmãos e sobrinhos e a todos os meus ancestrais. A construção desse trabalho me aproximou ainda mais do legado camponês da nossa família. Eu tomo a força dessas histórias e assumo a responsabilidade de seguir. Destaco um agradecimento especial a minha mãe pelas primeiras lições de feminismo camponês e por me inserir na luta em defesa das mulheres rurais, ainda criança. Construir essa dissertação só reafirma a canção que aprendi na infância, pelas cirandas do processo da constituinte de 1988, “Nossos direitos vêm e se nossos direitos não vier o Brasil perde também”.

Agradeço aos meus amores Marcelo, Amália e Lulu pela companhia e cuidados. Desejo de coração que os dias que se seguem me tragam mais possibilidades de atender às necessidades de vocês. Eu vejo e registro que percebi quando vocês, outras pessoas da nossa família e amigos queridos mencionaram ter sentido a minha ausência eu também senti.

Obrigada também pelos cuidados infinitos da minha família aglutinada: Lary, Mateus, Vivi, Hugo, Isabelle, João, Sarah e Larah. Registro ainda o meu muito obrigada à Diassis, Clarisse e Luciana Moreira pela amizade e presença para além das distâncias geográficas. A Cleyce, Valdo, Nelci, Dona Iza e a Vivi e Danila pela revisão dos meus textos ao longo dessa jornada. Obrigada por todo o cuidado e dedicação.

Agradeço a quem deveria estar aqui nessa lista e de alguma forma não tive a sensibilidade para registrar na memória do coração esse agradecimento. Sintam-se reconhecidos para além das citações.

Finalmente agradeço ao Prof. Romier da Paixão Sousa pela orientação do trabalho. Pela inspiração, paciência, ajuda, cuidado, por estar sempre presente, indicar mais de uma leitura para cada dúvida, por orientar, indicar caminhos, dizer não, rir comigo e de mim, ler as autoras que eu pedi, emprestar seus livros e por desenhar os mais incríveis roteiros. Obrigada por atuar com humildade, amorosidade, coragem e tolerância. Chegando ao final desse trabalho só posso afirmar que é maravilhoso experimentar ser educanda e vivenciar uma prática pedagógica de um educador progressista. Gratidão infinita.

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Este trabalho tem como objetivo contribuir com reflexões sobre equidade no contexto da política pública de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER para a agricultura familiar no Brasil e propor uma ferramenta metodológica para sistematização de experiências de ATER com enfoque de gênero. A pesquisa se estruturou a partir de um processo de investigação referenciado pelos aportes teóricos e metodológicos da pesquisa-ação qualitativa da qual participaram extensionistas e beneficiários de Assistência Técnica e Extensão Rural- ATER, vinculados às ações da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará - EMATER-PA. Inicialmente, buscou-se refletir sobre as contribuições da educação popular e agroecologia para a ATER equitativa no sentido de ser uma prática justa , em um sentido moral e/ou ético, através da identificação das contribuições nas produções científicas nacionais sobre Educação Popular e Agroecologia. Nesta etapa, a fonte da pesquisa foi por acesso virtual ao Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES de 2012 a 2017. Como resultado da pesquisa bibliográfica foi identificado que a valorização da cidadania e a promoção do desenvolvimento rural sustentável com base nos princípios da Agroecologia, os enfoques metodológicos democráticos, participativos e o reconhecimento da pluralidade e diversidade das categorias que compõem a agricultura familiar são contribuições da Educação Popular e da Agroecologia para a ressignificação das bases teóricas e metodológicas da política pública ATER difusionista para uma ATER equitativa a construção da institucionalização. Em relação à pesquisa de campo, a análise de documentos possibilitou identificar que as ações de ATER têm se concretizado junto a uma diversidade de público; e o processo de pesquisa-ação que envolveu um exercício de sistematização de experiências, revelou que nas realidades pesquisadas há um processo de rompimento com os estereótipos de gênero e geração, sendo identificado a abordagem de temas de natureza técnico produtivos, sociais e econômicos, incluindo orientações para acesso as políticas públicas. Por fim, concluiu-se que a metodologia de sistematização de experiências experimentada na pesquisa pode significar uma estratégia político-pedagógica com potencial para contribuir com a reflexão sobre abordagem de gênero e demais desigualdades no contexto da ATER e, dessa forma, contribuir com a consolidação da abordagem equitativa de ATER preconizada pela Política Nacional de ATER.

Palavras chave: Extensão Rural. Feminismo. Políticas Públicas.

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This work aims to contribute with reflections on equity in the context of the public policy of Technical Assistance and Rural Extension - ATER for family agriculture in Brazil and to propose a methodological tool for systematization of ATER experiences with a gender focus.

The research was structured from a research process referenced by the theoretical and methodological contributions of the qualitative action research in which extensionists and beneficiaries of Technical Assistance and Rural Extension - ATER participated, linked to the actions of the Technical Assistance and Rural Extension Company of the State of Pará - EMATER-PA. Initially, we sought to reflect on the contributions of popular education and agroecology to equitable ATER, through the identification of contributions in national scientific productions on Popular Education and Agroecology. At this stage, the source of the research was for virtual access to the Journal Portal of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel - CAPES from 2012 to 2017. As results, the bibliographical research was identified that the valorization of citizenship and the promotion of sustainable rural development based on the principles of Agroecology, the democratic, participatory methodological approaches and the recognition of the plurality and diversity of the categories that make up family agriculture are contributions of Popular Education and Agroecology for the resignification of the theoretical and methodological bases of the diffusionist ATER public policy for a fair ATER the construction of institutionalization. In relation to the field research the analysis of documents, it made it possible to identify that the actions of ATER have been carried out together with a diversity of public and the action research process that involved an exercise of Systematization of Experiences, revealed that in the realities researched there is a process of disruption with the stereotypes of gender and generation, being identified the approach of productive technical themes social and economic policies, including guidelines for access to public policies. Finally, it was concluded that the methodology of Systematization of Experiences experienced in the research can mean a pedagogical political strategy with potential to contribute to the reflection on gender approach and other inequalities in the context of ATER and thus contribute to the consolidation of the equitable approach of ATER recommended by the National Policy of ATER.

Key - words: Rural Extension; Feminism; Public Policy.

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ANATER – Agência Nacional de Assistência Técnica ASBRAER – Associação Nacional de Assistência Técnica ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

PLANAPO – Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural

PROATER – Plano Operacional de Trabalho Anual de Assistência Técnica e Extensão Rural

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

Referências ... 19

CAPITULO I - CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO POPULAR E AGROECOLOGIA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL EQUITATIVA PARA A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL ... 21

Resumo ... 21

Introdução ... 22

Percurso Metodológico ... 26

Contribuições da educação popular e agroecologia para a ressignificação da ATER... 28

O princípio da equidade na ATER: aproximações a partir do feminismo ... 31

Confluências entre educação popular e agroecologia e as imbricações desses aportes com a epistemologia feminista: reflexões a partir da revisão sistemática ... 35

Lições que emergem das práticas e reflexões a partir das experiências estudadas ... 38

Considerações finais ... 39

Referências ... 40

CAPITULO II - ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL na AÇÃO POLÍTICO- PEDAGÓGICA de PROMOÇÃO DO ENFOQUE DE GÊNERO NO NORDESTE PARAENSE .... 44

Resumo ... 44

Introdução ... 44

Percurso Metodológico ... 46

Abordagem de gênero, geração, raça e etnia nas políticas públicas de ATER... 49

Abordagem de gênero, geração, raça etnia na ATER ... 54

A questão de gênero na realidade das famílias... 56

O que as experiências das famílias nos ensinam? ... 58

Considerações Finais ... 65

Lições das experiências e sugestões ... 66

Referências ... 67

Considerações Finais ... 71

APÊNDICE ... 74

APENDICE A: Autorização institucional para a realização da pesquisa ação participativa ... 75

APENDICE B: Modelo de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. (Beneficiários de ATER). ... 76

APENDICE C: Termo de consentimento livre e esclarecido (Extensionistas). ... 77

APENDICE D: Programação da Oficina de Escrita Coletiva ... 78

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INTRODUÇÃO

A institucionalização dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), no Brasil, a partir de 1948, ocorreu conectada a um projeto desenvolvimentista de país, que pretendia promover a modernização da agricultura, ancorada pela imagem do atraso, da marginalização e da inadequação do meio rural, e inebriado pelo ideal de modernidade que recomendava aos camponeses e camponesas que esses não deveriam ser camponeses, mas agricultores modernos (RAMOS e NODARI, 2020).

Esse ideário, intimamente vinculado à estrutura de propriedade e de poder do sistema social, levou à consolidação de uma perspectiva pedagógica difusionista e hegemônica da extensão rural, caracterizada pela colonização cultural, que descaracterizava os sujeitos e inseria subprodutos da cultura invasora, como insumos agrícolas, máquinas e equipamentos, no cotidiano do invadido (FREIRE, 2015).

Como resultado desses processos, houve consequências socioeconômicas danosas e crescentes problemas ambientais. Essas implicações atingiram de forma desigual a diversidade da agricultura familiar brasileira, pois parte dos sujeitos nunca foi incluída nesses processos de modernização conservadora, e permaneceu sem nenhuma política pública para suas especificidades. O público mais pobre foi sendo excluído dos serviços de extensão rural, uma vez que os resultados esperados da modernização conservadora eram obtidos quando os trabalhos eram desenvolvidos entre médios e grandes produtores (PEIXOTO, 2008).

Moreira (2017) ressalta que as especificidades dos povos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais tanto no contexto da ATER, como em outras políticas públicas de desenvolvimento rural, foram historicamente desconsideradas, ainda que esses grupos vivenciassem marcantes quadros de disparidade, discriminação e racismo que bloqueavam o acesso dos mesmos a direitos fundamentais.

No que se refere às mulheres, as iniquidades de gênero na ATER difusionista atingiam inclusive aquelas que não integravam os grupos sociais excluídos da política pública, pois foi estabelecido para as mulheres uma série de atividades vinculadas a cuidados humanos, num lugar estático, de extrema passividade, beneficiárias indiretas de ações voltadas para os homens, que são nomeados como responsáveis pelas atividades agrícolas e pela representação familiar (WEITZMAN, 2011).

Este trabalho parte do entendimento que historicamente as políticas públicas foram desenvolvidas para grupos específicos, formados principalmente por homens brancos,

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heteronormativos, escolarizados, com renda e inserção social e que os formuladores dessas políticas possuem em geral o mesmo perfil. Isso ocorre tanto na tomada de decisões sobre a ação do Estado, como na sua execução. Dessa forma, um conjunto de sujeitos e seus lugares sociais são negados nos processos de formulações, execução e avaliação das políticas públicas e essa invisibilidade produz hierarquias e vulnerabilidades (BANDEIRA e ALMEIDA, 2013).

No entanto, em processos lentos e marcados por avanços e recuos, um conjunto de atores e atrizes sociais insurgiu contra o projeto hegemônico de modernização conservadora da agricultura brasileira, em articulações locais e nacionais que ganharam força a partir de 1990, com o debate público sobre desenvolvimento sustentável no cenário internacional. Nessa trajetória histórica, diferentes grupos sociais articularam capacidades para influenciar o redesenho das políticas públicas de desenvolvimento rural (SCHIMIDTT, 2016).

Como resultado dessas insurgências, as práticas de ATER foram sendo questionadas e ressignificadas, a partir da contestação pública das inequidades sociais produzidas e pelos danos ambientais e culturais gerados pela difusão de tecnologias.

Esse caminho levou à institucionalização, em 2003, de novas bases teóricas e metodológicas para a execução da Política Nacional de ATER - PNATER. Foi estabelecido desde então que a ATER consiste num serviço de educação não formal, de caráter continuado que tem como missão a participação na promoção e animação de processos de estratégias de desenvolvimento rural sustentável, centrado na expansão e fortalecimento da agricultura familiar e das suas organizações, por meio de metodologias educativas e participativas, integradas às dinâmicas locais, buscando viabilizar as condições para o exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida da sociedade (PNATER, 2004).

Tendo presente que a institucionalização pela PNATER apontou em sua missão a abordagem de desenvolvimento sustentável e que essa abordagem está conectada com os aspectos econômicos, sociais e ambientais, é imperativo reconhecer que esse redirecionamento tem uma concepção que contraria o ideário dos serviços que se encontravam enraizados nas práticas cotidianas de ATER (PETAN, 2010).

Em 2014 iniciou-se um ciclo de mudanças significativas, no que se refere à concepção política do período de construção da PNATER. Destaca-se, a extinção no ano de 2016 do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) - órgão que coordenou todo o processo de construção das bases teóricas e filosóficas da nova ATER - ocasionando a redução drástica no número de famílias atendidas pela ATER e a divulgação do Plano Safra 2019/2020 com uma significativa retração das políticas voltadas especificamente à agricultura familiar, a partir da

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construção narrativa para afirmar a existência de uma única agricultura no país (RAMOS e NODARI, 2020).

Diante do cenário de transformações na ATER pública, a pesquisa em tela buscou contribuir com a construção de um caderno metodológico sobre sistematização de experiências de ATER com enfoque de gênero, como uma ferramenta didática que possa colaborar com os debates conjunturais e os desafios futuros da ATER, especialmente no que se refere às lutas históricas das mulheres agricultoras.

Portanto, a investigação está conectada com o Art. 3º, inciso V da Lei de ATER 12.188/2010, que estabelece como princípio desse serviço a atuação com foco na garantia de equidades nas relações de gênero, geração, raça e etnia, a partir da adoção de uma prática pedagógica inclusiva e geradora de autonomias (BRASIL, 2010).

Este trabalho pretende apresentar contribuições para a reflexão contínua das práticas político-pedagógicas da ATER, como caminho para o estabelecimento de relações pedagógicas, que integrem aspectos culturais, socioeconômicos e ambientais, característicos de cada realidade e dessa forma possam contribuir com as estratégias de desenvolvimento rural sustentável que considerem a equidade como condição para a sustentabilidade.

A inquietação para a construção desse trabalho está conectada com a minha história de vida como filha de agricultores, com a experiência de trabalhos como educadora do campo, extensionista rural e pela identificação pessoal com a educação popular, feminismo e agroecologia, como referencias teóricas e metodológicas que podem contribuir com a construção de narrativas que rompam com a invisibilidade das mulheres e que signifiquem oportunidades de diálogo acerca das equidades sociais, no contexto da educação para a sustentabilidade.

A pesquisa parte do princípio de que a sociedade está estruturada de tal forma que as relações sociais de gênero são entrelaçadas com as relações de classe, raça e etnia. Portanto, a abordagem de gênero adotada considera a teia das relações desiguais e seus diversos cruzamentos das características identitárias dos sujeitos (GOMES, 2018).

A problemática referente às inequidades de gênero nos processos de desenvolvimento rural tem sido abordada por um conjunto de pesquisas como Pacheco (1990), Abramovay e Castro (1997), Farah (2004), Siliprandi (2002; 2009; 2010; 2015) e Ramos (2017), entre outras.

Estes estudos ressaltam a importância de identificar as relações de poder existentes entre homens, mulheres e famílias, no contexto da agricultura familiar, como uma condição essencial para a construção de uma abordagem pedagógica que considere as mulheres sujeitos de direito.

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Nesse aspecto, Ramos (2017) ressalta que ao longo do processo de análises sobre a modernização da agricultura, diversas críticas à ciência hegemônica foram construídas.

Entretanto, ainda é comum entre os teóricos investigar e expressar essas críticas a partir de pesquisas que têm como unidade de análise um indivíduo universal ou a família rural.

Essa problemática, também é identificada na ação da ATER, quando historicamente o fazer pedagógico se estruturou tendo o homem como “chefe da família” e interlocutor junto às equipes. As mulheres em diferentes faixas etárias eram sempre colocadas como destinatárias de ações voltadas a cuidados humanos e os jovens e idosos como apêndices do interlocutor (WEITZMAN, 2011).

Nesse sentido, adotou-se como percurso para a investigação um olhar para a trajetória da política de ATER, a fim de identificar as bases teóricas e metodológicas que sustentam a sua reformulação, institucionalizada em 2003 através da PNATER.

Com o objetivo de identificar as contribuições da educação popular e da agroecologia como referenciais para a construção e execução da política pública de ATER equitativa foi realizado uma pesquisa por acesso virtual ao Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no período de 2012 a 2017 a fim de concretizar um levantamento quantitativo de trabalhos publicados sobre o tema.

Assim, materializou-se o primeiro capítulo (Artigo) desta dissertação que apresenta reflexões sobre as contribuições da Educação Popular e da Agroecologia como referenciais para a ressignificação das bases teóricas e metodológicas da política pública de ATER.

A pesquisa de campo se estruturou a partir de um processo de investigação referenciado pelos aportes teóricos e metodológicos da pesquisa-ação qualitativa da qual participaram extensionistas e beneficiários da ATER, vinculados às ações da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará - EMATER-PA, na região Nordeste Paraense.

Primeiramente, foi realizada uma pesquisa exploratória junto aos relatórios institucionais da EMATER-PA a fim de identificar experiências de ATER que mencionassem nas suas descrições (planos e ou relatórios de execução) as seguintes expressões:

Desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis; Metodologias participativas, multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural; Construção da cidadania e articulação com outras políticas públicas.

A definição dessas expressões como critério de identificação das experiências está atrelada com os princípios da Lei 12.188 que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - PNATER. A partir desse filtro foram selecionados (05) cinco

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municípios/equipes (das 19 possíveis nesta região) para a realização da segunda fase da pesquisa.

Após a realização desse diagnóstico, foi efetivada a segunda fase da pesquisa de campo, que consistiu na caracterização das cinco experiências selecionadas através de uma visita as sedes dos escritórios locais da EMATER, nos cinco municípios pesquisados (Inhangapi, São Francisco do Pará, Curuçá, Terra Alta e Concórdia do Pará). Esta fase teve por objetivo sensibilizar as equipes e concretizar as escolhas e articulações com as famílias para consolidar o exercício da pesquisa-ação através de uma oficina de sistematização dessas experiências.

Durante o trajeto do trabalho de campo, uma das equipes não aderiu ao trabalho, ficando apenas quatro municípios, com uma equipe e uma família cada. É importante ressaltar que o foco da pesquisa foi o desenvolvimento de uma ferramenta metodológica para auxílio no trabalho das equipes de ATER para sistematização de experiências com enfoque de gênero, e não buscou uma representatividade quantitativa do trabalho da EMATER-PA e muito menos uma avaliação institucional das ações de ATER realizadas.

A terceira fase da pesquisa consistiu no processo de escrita coletiva das experiências selecionadas em diálogo com as equipes. Foi realizada em uma etapa de sensibilização das famílias e planejamento com a equipe de extensionistas. Com as informações dessa fase da pesquisa, foi construída a versão preliminar do caderno pedagógico e o esboço de um roteiro para que cada equipe sistematizasse a experiência que acompanha. Essas construções foram permeadas por comunicação virtual e construção coletiva dos textos e roteiros.

A quarta fase da pesquisa versou sobre o processo de validação do Caderno Pedagógico, realizada em uma oficina com os extensionistas que desencadeou o processo de registro das experiências, conforme o roteiro metodológico elaborado para o caderno.

Devido à suspensão das atividades presenciais de ATER por conta da Pandemia da COVID-19, em março de 2020, o processo de construção do caderno, no que se refere à finalização do registro da experiência com a participação das famílias e extensionistas foi suspensa. O caderno pedagógico redesenhado a partir da validação na oficina com os extensionistas, deveria contar com o esboço inicial das quatro experiências sistematizadas, mas ainda não foi totalmente concretizado, ficando para um momento posterior à finalização da dissertação.

O resultado desse processo metodológico está descrito nessa dissertação a partir do capítulo dois que aborda a caraterização das experiências de ATER sistematizadas e aponta as lições do processo da pesquisa-ação. Destaca-se a indicação de que há um procedimento de rompimento com os estereótipos de gênero e geração, e de que as mulheres têm sido incluídas

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nas discussões de temas de natureza técnico produtivos, sociais e econômicos, incluindo orientações para acesso às políticas públicas.

Por fim, como apêndice, é apresentado o Caderno Metodológico sobre Sistematização de Experiências de ATER com enfoque em gênero, como resultado da construção coletiva que envolveu a pesquisadora, extensionistas da EMATER-PA e agricultores e agricultoras familiares.

Assim, a Dissertação é composta por esta Introdução, dois capítulos em formato de artigos, uma conclusão e um Caderno Metodológico, que são independentes entre si, mas se articulam a partir do objetivo central do trabalho de pesquisa.

A conclusão desta dissertação aponta reflexões acerca da relevância e aplicabilidade da ferramenta de Sistematização de Experiências como estratégia político-pedagógica com potencial para contribuir com a reflexão sobre abordagem de gênero no contexto da ATER, bem como sobre a totalidade do fazer pedagógico do extensionista, os avanços e desafios das experiências, e possibilita ainda apoiar os planos futuros da família e das ações de ATER.

REFERÊNCIAS

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Perspectivas de gênero: debates e questões para as ONGs. Recife: Gênero e Cidadania, p.

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WEITZMAN, Rodica. Mulheres na assistência técnica e extensão rural. Autonomia e cidadania: políticas de organização produtiva para as mulheres no meio rural. BUTTO, A, 2011.

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CAPITULO I - CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO POPULAR E AGROECOLOGIA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL EQUITATIVA PARA A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL1

Resumo

Este artigo apresenta reflexões sobre as contribuições da Educação Popular e da Agroecologia como referenciais para a ressignificação das bases teóricas e metodológicas da política pública de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER. O texto parte de um breve histórico da estruturação do serviço no Brasil e destaca como as confluências entre educação popular e agroecologia e as imbricações desses aportes com a epistemologia feminista vêm contribuindo para o debate de equidade no contexto da ATER pública. O trabalho foi estruturado a partir de uma revisão geral sobre o tema e mais especificamente da seleção e revisão de 06 (seis) artigos levantados no portal de periódicos da CAPES, publicados entre 2012 e 2017. Os documentos analisados resultaram de estudos exploratórios que foram construídos no contexto da construção e implantação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural- PNATER, da Lei 12.188 de 2010 que institui a PNATER, de 2010 Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica- PLANAPO e versam sobre as bases ideológicas e epistemológicas das mesmas.A conclusão dessa revisão sistemática aponta alguns elementos centrais no processo de ressignificação da ATER difusionista para uma ATER equitativa que podem ser atribuídos às contribuições dos aportes teóricos da educação popular e agroecologia, entrelaçados com a epistemologia feminista como a previsão da equidade social, valorização da cidadania, promoção do desenvolvimento rural sustentável com base nos princípios da agroecologia, enfoques pedagógicos democráticos, participativos, pautados no reconhecimento da pluralidade e diversidade das múltiplas categorias que compõem a agricultura familiar.

PALAVRAS CHAVE: Gênero, feminismo, políticas públicas, desenvolvimento rural.

Abstract

This article presents reflections on the contributions of Popular Education and Agroecology as references for the redefinition of the theoretical and methodological bases of the public policy of Technical Assistance and Rural Extension - ATER. The text starts from a brief history of the structuring of the service in Brazil and highlights how the confluences between popular education and agroecology and the overlap between these contributions and feminist epistemology have contributed to the equity debate in the context of public ATER.The work was structured from a general review on the topic and more specifically from the selection and review of 06 (six) articles from the CAPES portal, published between 2012 and 2017. The documents analyzed are the results of exploratory studies in the context of the construction and implementation of the National Policy for Technical Assistance and Rural Extension - PNATER and the National Plan for Agroecology - PLANAPO and deal with their ideological and epistemological bases. The conclusion of this systematic review points out some central elements in the process of reframing the diffusionist ATER to an equitable ATER that can be

1 Artigo apresentado em maio de 2019 ao Periódico “Revista Extensão Rural” da Universidade Federal de Santa

Maria. Devolvido aos autores em fevereiro de 2020 para adequações no texto. Submetido novamente em junho de 2020 e aguardando parecer final.

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attributed to the contributions of the theoretical contributions of popular education, agroecology intertwined with feminist epistemology such as the prediction of social equity, promotion of citizenship, promotion sustainable rural development based on the principles of agroecology, democratic, participatory pedagogical approaches, based on the recognition of the plurality and diversity of the multiple categories that make up family farming.

KEY-WORDS: gender / feminism, public policy, rural development

Introdução

Os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER são uma modalidade de educação não formal, que tem sido acionada pelo poder público, com vistas a atingir objetivos que variam conforme o momento histórico. Desde a institucionalização no Brasil em 1948, o serviço ocupa um lugar estratégico na execução de políticas públicas associadas ao desenvolvimento rural (PETTAN, 2010).

Corroborando com as reflexões de Apple (2016), entende-se que a educação não é um empreendimento neutro, estando as instituições e educadores envolvidos em ato político, ciente ou não da intencionalidade de suas práticas.

Para conjeturar sobre as contribuições da educação popular e da agroecologia para uma ATER equitativa, é imprescindível analisar que a política pública de ATER estruturou-se a partir de um ideário de desenvolvimento predatório e alheio às opressões sociais estruturantes de gênero, raça e classe que estão presentes na sociedade Brasileira (WEITZMAN, 2011).

Assim, o cenário onde a ATER foi institucionalizada como política pública a partir de 1948 somava as consequências do modelo de colonização e da destinação prioritária dos recursos aos grandes proprietários com o gerenciamento do país executado por forças políticas e econômicas que preconizavam um modelo de desenvolvimento nacional, que para ser viabilizado, necessitava que a agricultura cumprisse a função de fornecedora de matéria prima e consumidora de serviços e produtos industrializados como máquinas, equipamentos, agrotóxicos e fertilizantes químicos sintéticos (PEIXOTO, 2008).

Para melhor compreensão deste processo, Caporal (1998), a partir de uma abordagem histórica, apresenta uma divisão dos serviços de ATER em quadro fases distintas: Familiar Assistencialista (1948-1960), Produtivista Modernizador (1961-1980), Crítico Reflexivo (1981-1990) e de Transição Ambientalista, a partir dos anos de 1990 e que segue até os dias atuais.

Na primeira etapa, os serviços estavam voltados a um restrito grupo de agricultores descapitalizados com objetivo de difundir tecnologias a partir da implantação de experimentos

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agrícolas, formação de hábitos, condutas e habilidades que viabilizassem progresso social e econômico preconizado pelo modelo de desenvolvimento.

Pettan (2010) descreve a primeira etapa da ATER, familiar assistencialista, como um processo que se estabeleceu nas comunidades a partir de uma falsa generosidade, mantendo a situação de opressão da população rural, pois ainda que houvesse planos participativos (associados a uma postura humanista), a definição das soluções e alternativas a serem perseguidas, geralmente eram propostas pelos extensionistas e estavam conectadas com a adoção dos pacotes tecnológicos preconizados pela revolução verde e subsidiados pelo crédito orientado.

Já a segunda fase, denominada Produtivista Modernizadora, se concretizou no período de (1961-1980) e foi marcada pela industrialização do Brasil. Período que os serviços de ATER assumiram a tarefa de promover o aumento da produtividade e a mudança da mentalidade da produção tradicional para o moderno. Sendo assim, foi viabilizado pelo poder público, recursos de crédito agrícola, subsidiados em abundância, com a intenção de viabilizar a aquisição dos pacotes tecnológicos modernizantes, contendo máquinas e insumos industrializados (RODRIGUES, 1997).

O estudo de Cotrim (2017) menciona que a atuação dos extensionistas no contexto da industrialização tornou-se eminentemente econômico, objetivando que as famílias adotassem o uso dos insumos externos através de argumentos tais como aumento da rentabilidade. O autor destaca que esse período marcou profundamente a lógica da ATER e perdurou até a crise econômica, ambiental e social que ocorreu a partir de 1980 e paralisou o crescimento industrial, e consequentemente desacelerou os investimentos para a modernização da agricultura.

O fazer pedagógico da ATER nessas duas fases, estava focado na intencionalidade de difundir tecnologias e é apontado por Freire (2015) como um processo de invasão cultural, desconectado das reais necessidades e aspirações das populações rurais. O autor aponta que o conceito de extensão incorpora uma visão de superioridade e de dominação, tornando o camponês um mero objeto dessas ações. O extensionista, por outro lado, será aquele que estende, transfere conhecimentos técnicos, sem considerar o universo cultural dos camponeses, assumindo dessa maneira, um paradigma de educação conformadora e domesticadora.

Do mesmo modo é possível observar que tanto a perspectiva assistencialista como a produtivista da ATER difusionista, produziram colateralmente o agravamento da diferenciação social no campo, a intensificação do êxodo rural, a erosão cultural e genética e a contaminação ambiental em larga escala (PETTAN, 2010).

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A abordagem pedagógica difusionista negligenciava as questões culturais, sociais e ambientais e se estabeleceu a partir de uma atuação comumente desenvolvida por um extensionista homem com formação nas ciências agrárias que abordava os aspectos da produção agrícola e, paralelamente, de uma extensionista mulher com formação na área social que enfocava os aspectos voltados ao lar. Essas questões concretizavam um forte simbolismo acerca da divisão sexual do trabalho, onde as tarefas produtivas e de comercialização são executadas pelos homens e as reprodutivas pelas mulheres (SILIPRANDI, 2002).

Para Weitzman (2011), essa abordagem revela uma visão empobrecedora das potencialidades das mulheres quando é destinado a elas uma formação voltada para aspectos morais e cívicos e excluindo-as dos processos decisórios e de cunho técnico e político.

Na segunda etapa da trajetória da ATER é possível identificar um acirramento das iniquidades na definição do público beneficiário da ATER, como mencionado nas diretrizes da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER). Nestas diretrizes estava expressa a orientação de priorizar o atendimento aos médios e grandes produtores rurais, pois esses estariam mais aptos a implementar a modernização da agricultura, via créditos oficiais subsidiados concedidos a partir de um conjunto de critérios que excluíam as famílias com poucos recursos financeiros e que não apresentavam documentos como posse dos imóveis rurais (PIMENTEL, 2007).

A ATER pública se distanciou das populações vulneráveis do campo (atendidos nas origens do serviço) e também passou a enfrentar o avanço da consolidação da assistência técnica privada, financiados pelo setor agroindustrial, o que levou gradativamente os serviços públicos serem considerados defasados e inadequados para o grande empresariado rural (PETAN, 2010).

Por volta do ano de 1981 teve início a fase crítica reflexiva da ATER a partir do reconhecimento por alguns extensionistas e suas entidades da tragédia socioambiental desencadeada pela modernização conservadora do campo, que tinha na ATER um braço operacional. Ainda que não houvesse consenso sobre como modificar as práticas do serviço, tampouco havia ressonância dessas percepções na coordenação da política pública (CAPORAL,1998).

Destaca-se na etapa Crítica Reflexiva da ATER a articulação dos extensionistas que reconheciam as consequências da modernização conservadora e as iniquidades sociais no campo. Desta maneira, práticas de educação popular emergiram em oposição à modernização conservadora, forjadas nas experiências do movimento de agriculturas alternativas que se dedicavam a desenvolver tecnologias para a produção sustentável. Também eram consequência

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das denúncias dos movimentos ambientalistas, a partir de reflexões sobre a sustentabilidade que emergiram internacionalmente (CAPORAL,1998).

No início de 1990, transformações na conjuntura política e econômica levaram a uma forte descontinuidade gerencial e orçamentária de diversas ações, projetos e programas governamentais, bem como, ao desmonte de alguns órgãos nacionais como o Sistema Nacional de ATER (PETTAN, 2010).

Com o desmonte institucional e os cortes orçamentários, os serviços de ATER foram incorporados pelos estados. Esse processo atingiu as iniciativas de reformulação dos serviços públicos de extensão rural, numa perspectiva de redesenho dos sistemas de produção, que haviam começado a ensaiar-se em meados da década de 1980 (CAPORAL,1998).

Após esse período, tem início a etapa nomeada por Caporal (1998) como Transição Ambientalista. Esta etapa ocorreu após o desmonte do sistema nacional de ATER e é marcada pela reorganização dos trabalhos com a intensa participação dos agricultores no processo de desenvolvimento rural.

Com a intenção de dar continuidade aos serviços de ATER foi criada a Associação de Entidades Estaduais de ATER – ASBRAER e fortalecida a aliança com os movimentos camponeses, pesquisadores e extensionistas ligados a organizações da sociedade civil. Também se aliaram profissionais de algumas instituições públicas que defendiam o estabelecimento de uma extensão rural pública e exclusiva para a agricultura familiar com vistas ao desenvolvimento rural sustentável (PIMENTEL, 2007).

Como resultado desses processos, as instituições de ATER, embora desarticuladas pela ausência de um sistema nacional, conseguiram realizar em 1997 o “Seminário Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - Uma nova extensão para a agricultura familiar” que marcou a retomada de um diálogo nacional sobre ATER (PEIXOTO, 2008).

As reflexões que seguem a esse seminário defendem também que uma extensão para a agricultura familiar precisava ser discutida com a pluralidade de sujeitos do espaço rural, e este não consiste num espaço exclusivamente agrícola, que é habitado por uma multidão de “sem- sem” - sem-terra, emprego, saúde, educação - ou seja, sem nada. Possui uma população historicamente excluída do acesso às políticas públicas e marcada por opressões de gênero, geração, raça, classe, etnia (RAMOS; NODARI, 2020).

Vale ressaltar que esse conjunto de sujeitos presentes no espaço rural tiveram na Constituição de 1988 reconhecimento legal como “novos sujeitos” de direito, cujas identidades sociais específicas estão ligadas à relação dos humanos com a natureza e/ou com sua trajetória

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histórica. Portanto, suas características indenitárias múltiplas necessariamente exigem uma ATER que lhes reconheça como integrantes da agricultura familiar (RAMOS; NODARI, 2020).

Assim, a extensão rural também foi acumulando reflexões sobre o papel do extensionista, que deixa de ser o responsável por difundir as tecnologias para ocupar a tarefa de agente de desenvolvimento rural, assim como de construir conhecimentos mediados por metodologias participativas, numa abordagem multidisciplinar que tenha presente a diversidade da agricultura familiar.

Como resultado desse processo histórico, atualmente a Lei nº 12.188/2010 regulamenta a execução dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER no Brasil, e estabelece que o mesmo deva ser desenvolvido através de uma abordagem multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, mediado por metodologias participativas que promovam a cidadania e igualdade entre diferentes, respeitando a pluralidade e as diversidades sociais, econômicas, étnicas, culturais e ambientais do país (BRASIL, 2010).

Considerando a trajetória dos serviços de ATER, este artigo apresenta reflexões sobre as contribuições dos aportes teóricos da Educação Popular e da Agroecologia entrelaçados com os referenciais para a construção e execução da Política de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER equitativa, no sentido de ser justa com os diferentes sujeitos que compõe a agricultura familiar.

Percurso Metodológico

Este estudo pode ser caracterizado como uma pesquisa de abordagem qualitativa e de caráter analítico. Dentre as diversas técnicas em pesquisa qualitativa, optou-se pela bibliográfica. Para Botelho et al. (2011), artigos de revisão sistemática são uma forma de pesquisa que utiliza fontes de informações bibliográficas ou eletrônicas para obtenção de resultados de pesquisa de outros autores, com o objetivo de fundamentar teoricamente um determinado tema e refletir sobre seu estado da arte.

O percurso adotado para a construção desse estudo considerou duas etapas. Na primeira, foi realizado um estudo da PNATER, da Lei 12.188 /2010, que institui a Política nacional de ATER e uma revisão a partir de artigos e livros da história da educação popular, das epistemologias da agroecologia e do feminismo, visando realizar uma caracterização geral do tema proposto. Na segunda, utilizou-se a proposta de Afonso et al. (2011) que consiste em 1) selecionar as palavras-chave adequadas para a pesquisa; 2) selecionar as bases de dados relativas ao tema de pesquisa; 3) proceder a busca de artigos alinhados com o tema de pesquisa;

4) identificar os artigos relevantes da amostra selecionada; e 5) analisar os resultados obtidos.

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Considerando o objetivo do estudo definiu-se as palavras-chave: Agroecologia, Educação popular e Extensão rural. Para a seleção dos artigos realizou-se uma pesquisa por acesso virtual ao Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES em maio de 2018. Seguiu-se as orientações do Guia de uso disponível no referido portal, utilizando palavras-chave no campo de busca por assunto, que permite identificar artigos e documentos que tratam sobre os termos utilizados. Os resultados podem ser analisados com filtros referentes aos conteúdos recuperados, bem como podem ser utilizados os operadores booleanos para recuperar os títulos e temas.

O portal de periódicos da CAPES disponibiliza filtros específicos para a realização das buscas por palavras-chave, para tanto, foram selecionados como critério para busca: tipo de material: foram selecionados: Artigos científicos, revisados por pares; no campo de busca da plataforma CAPES: Data da publicação: últimos cinco anos e no campo idioma, selecionado português e que estivessem disponíveis para consulta virtual. Considerando esses filtros, foram realizadas duas buscas:

Busca 01: Elegeu-se a opção avançada de busca por assunto. Posteriormente, foram selecionadas as seguintes opções de recuperação de materiais da busca avançada: no assunto, é (exato) para Educação Popular; e and (operador booleano) para o campo no assunto e contém para Agroecologia.

Busca 02: Elegeu-se a opção avançada de busca por assunto. Utilizando no campo assunto a expressão que é exata: Extensão Rural e o operador booleano and para o campo assunto, que contém Agroecologia and Educação Popular.

Na primeira busca, foram identificados 17 artigos que contemplavam as palavras-chave.

Na segunda busca foram identificados 11 artigos, todos revisados por pares, no idioma português publicados nos últimos 05 anos, totalizando 28 artigos. Considerando que 07 artigos estavam repetidos no resultado das duas buscas, foram selecionados 21 artigos para leitura dos resumos.

Foram estabelecidos como critérios para inclusão na revisão de literatura, que o artigo abordasse elementos da trajetória de inserção do enfoque agroecológico e da educação popular nas práticas de extensão rural, e que fizessem referência às múltiplas dimensões da agroecologia, sobretudo aos aspectos pedagógicos, nas interfaces entre os conhecimentos e saberes diferentes em contextos diversos.

Optou-se pelo não uso de expressões como feminismo, mulheres, epistemologia feminista, na pesquisa nas bases de dados com a intencionalidade de verificar como a abordagem de gênero e das equidades vem sendo narradas nos estudos sobre ATER pública.

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Os materiais que continham abordagens não vinculadas à extensão rural pública ou que relacionassem a agroecologia a um campo de conhecimento restrito a dimensão técnica produtiva foram excluídos da revisão.

Foram selecionados 06 artigos que contemplavam o objetivo desse estudo. Nesses materiais a análise de conteúdo foi orientada por duas categorias para a síntese desses achados:

a) confluências entre educação popular e agroecologia e as imbricações desses aportes com a epistemologia feminista e b) lições dos processos de sistematização de experiências como estratégia para a ressignificação das práticas de ATER de uma perspectiva difusionista para uma abordagem equitativa.

Contribuições da educação popular e agroecologia para a ressignificação da ATER As contribuições dos aportes teóricos da educação popular, como referências potenciais para incidir sobre a política pública de ATER, voltada à agricultura familiar se estruturaram a partir de um percurso que envolveu organização de conhecimentos científicos, conectado com as lutas populares contra o processo de desenvolvimento predatório e gerador de desigualdades (ARROYO, 2003; SANTOS, 2002 a, GADOTTI, 2012; FREIRE, 2015; MOTA NETO, 2016).

São exemplos dessa história de resistência: as lutas das populações indígenas e negras, os coletivos antirracistas e feministas, os movimentos populares camponeses e urbanos, o anarquismo do proletariado industrial, o socialismo autogestionário, o liberalismo radical, as utopias de independência, a teologia da libertação e a pedagogia dialética. Todos esses movimentos tiveram suas contribuições para as origens da educação popular, mesmo havendo algumas tensões entre eles (GADOTTI, 2012).

Nessa perspectiva, Arroyo (2003) relata que as convergências teóricas entre os diferentes coletivos de resistências e as práticas utilizadas pelos diferentes grupos para mediar o conjunto de lutas sociais presentes na sociedade foram estruturadas como uma prática pedagógica para viabilizar a integração e o trabalho de base, num movimento de materialização da Educação Popular, enquanto uma pedagogia de luta e mobilização coletiva pelos direitos humanos.

Gadotti (2012) aponta como objetivo das práticas de Educação Popular- a construção de alternativas coletivas com os sujeitos oprimidos às situações limites e degradantes. Para tanto, essas práticas tem a função de repensar as relações entre educação, trabalho e exclusão social, o papel das ciências, e a intencionalidade dos projetos políticos que sustentam a ação educativa.

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Freire (2014) afirma que a educação deve ser uma prática para a liberdade como um ato social, portanto, para o autor, os grupos oprimidos a partir da conscientização podem empoderar-se entre si, a partir de processos educativos que desenvolvam a consciência crítica da realidade. Esses processos devem ocorrer aliados a uma prática transformadora, em que a conscientização ocorre a partir do coletivo e não do individual.

Assim, Gadotti (2012) e Mota Neto (2016) destacam que a Educação Popular é a contribuição teórica mais importante da América Latina ao pensamento pedagógico universal e mencionam como expoentes dessa construção o educador Paulo Freire no Brasil, Fals Borda na Colômbia e Francisco Gutiérrez na Costa Rica.

Para Gadotti (2012) as práticas de Educação Popular permitiram as articulações dos mais diversos campos de resistência contra os efeitos das exclusões geradas por interesses hegemônicos da sociedade. Como resultado dessas articulações foi possível formular críticas às concepções de educação autoritárias e domesticadoras.

Nesse aspecto, a obra “Comunicação ou Extensão?” do educador Paulo Freire - publicada pela primeira vez em Santiago do Chile em 1969 - abordou a crítica às exclusões e as consequências que a modernização conservadora da agricultura estava gerando tanto no Brasil, como em outros países. A obra trouxe a caracterização da abordagem da extensão rural difusionista como uma prática pedagógica de compreensão ingênua do conhecimento humano, onde o saber de um sujeito (o extensionista) possui um valor maior, portanto, é tomado como algo que deve ser transferido/depositado pelos que detém um tipo de conhecimento diferente (agricultor). O autor alerta ainda para o significado semântico das palavras extensão e extensionista que pressupõe estender o conhecimento científico de forma pronta e acabada (FREIRE, 2015).

Outra importante contribuição da Educação Popular para repensar a abordagem político pedagógica dos serviços de ATER vem do pensador português Boaventura de Sousa Santos, que discorre sobre a ressignificação do papel das ciências, para a geração do “conhecimento prudente”, que não se limita às evidências científicas e às inovações tecnológicas, mas que inclui a sabedoria prática e coloca a dignidade humana como tarefa central de uma revolução científica numa sociedade revolucionada pela ciência. O paradigma científico deve emergir não apenas como um padrão científico de um conhecimento prudente, mas um paradigma social de vida decente (SANTOS, 2002 b).

A reelaboração do paradigma teórico remete ao debate acerca da hierarquia de saberes, como um padrão permanentemente, questionado pela educação popular que vem ganhando

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novas contribuições relevantes, como o conceito de ecologia de saberes que trata da pluralidade de formas de conhecimento, além do conhecimento científico (SANTOS, 2002 b).

O modelo de extensão difusionista de transferência de tecnologias é criticado por estes autores por desconsiderar a pluralidade de saberes no contexto do desenvolvimento rural. Sendo assim, o repensar do papel das ciências contribuiu para o desenvolvimento de reflexões sobre os impactos da modernização da agricultura no Brasil e no mundo.

De acordo com Sousa (2017), a partir de 1970 passaram a estruturar processos de construção de tecnologias alternativas para os camponeses, num conjunto de experiências de Educação Popular desenvolvidas por organizações sociais contra hegemônicas em dois movimentos quase paralelos. Um realizado pelos camponeses, expulsos de suas organizações nacionais, devido ao contexto político. Assim, passam a se articular de forma coletiva nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Outro movimento de profissionais da extensão rural, intelectuais das ciências agrárias, sociais e estudantes fazem a crítica ao modelo difusionista de tecnologias da Revolução Verde por dentro das Universidades e Instituições de pesquisa e extensão existentes na época.

Caporal e Petersen (2012) mencionam que nesse mesmo período histórico as iniciativas de agriculturas alternativas implantaram experiências de ecologização de sistemas de produção e articularam a luta contra os agrotóxicos, o que resultou, ainda em meados dos anos 1980, na proibição de alguns venenos e posteriormente, na aprovação da lei de agrotóxicos.

De acordo com Borsatto e Carmo (2012) o cenário dessas experiências de Educação Popular contra hegemônica marca o surgimento da agroecologia no Brasil como campo científico que assume para si a responsabilidade de contribuir com respostas à crise socioambiental que o mundo rural vem atravessando.

A Agroecologia, portanto, se estrutura como um campo teórico que se propõe a construir conhecimentos a partir das experiências e considera a relação direta entre o conhecimento científico e a sabedoria dos povos do campo, num processo dialógico que problematiza a realidade, reconhece os conhecimentos das mulheres e homens em suas multiplicidades e desenvolve habilidades para a geração e disseminação de tecnologias adaptadas às realidades territoriais e que gerem menor impacto para a natureza (SOUSA, 2017).

Segundo Gliessman (2001) o termo Agroecologia foi adotado para nomear técnicas e métodos ecológicos por diferentes pesquisadores, que buscavam estabelecer conexões entre a ecologia e a agronomia a partir de 1930. Os aspectos conceituais foram desenvolvidos a partir de 1970/1980, assim como um conjunto de ferramentas metodológicas específicas com a

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intencionalidade de promover a articulação entre o conhecimento acadêmico e os saberes dos agricultores, extrativistas, comunidades tradicionais, em diferentes contextos socioambientais.

Schmitt (2016) ressalta que a partir década de 1990 a agroecologia passou a se afirmar como referência conceitual e metodológica no debate público sobre a sustentabilidade da agricultura em fóruns que foram impulsionados pela Conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro em 1992 (Rio-92) e também por outros eventos internacionais sobre sustentabilidade, promovidos por organizações ligadas à ONU.

Os estudos realizados por Aguiar (2010); Sousa e Martins (2013); Sousa (2017) sobre a educação em agroecologia no Brasil deixam evidentes os desafios para a consolidação de um paradigma mais humanista e crítico com ênfase na educação popular. Apesar dos avanços nos últimos anos, estes processos são muito desiguais do ponto de vista pedagógico e metodológico, especialmente quando se tornam políticas públicas com pouco controle social.

No entanto, a partir do estudo de Schmitt (2016) é possível perceber que as convergências, tanto nacionais, como internacionais, entre as lutas sociais, as concepções da Educação Popular e as construções de alternativas de ecologização dos sistemas de produção se retroalimentaram e ganharam espaços em recomendações internacionais. Essa convergência assumiu um significado teórico e prático para a ressignificação da concepção da ATER difusionista para a ATER equitativa.

O princípio da equidade na ATER: aproximações a partir do feminismo

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1998 ocorreu o reconhecimento legal das múltiplas características identitárias da agricultura familiar, vinculadas a identidades sociais ligadas à relação dos humanos com a natureza e/ou com sua trajetória histórica. Dessa forma, os povos indígenas, quilombolas e as mulheres passaram a ser reconhecidos pelo Estado como sujeitos de direitos que integram o espaço rural (RAMOS; NODARI, 2020).

O processo de ressignificação da abordagem da ATER difusionista para a ATER equitativa passou a contar com a necessidade de construir bases teóricas e metodológicas que permitissem reconhecer as iniquidades vivenciadas por estas populações, considerando ainda as opressões de classe e gênero em cada contexto.

Equidade consiste no direito a ser igual quando a diferença inferioriza; e no direito a ser diferente quando a igualdade nos descaracteriza. Portanto, para que a equidade se estabeleça existe a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza desigualdades (SANTOS, 2002 a).

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A educação popular, além de apresentar uma análise sobre a estruturação social de classes que gera a relação opressor e oprimido - a exemplo do colonizador e o colonizado - no campo teórico, manteve-se atenta às leituras de mundo e de novas conjunturas. Ao longo desse percurso, as opressões identitárias como gênero e raça passaram a ser reconhecidas como opressões não hierárquicas e estruturantes das sociedades (GADOTTI, 2012).

É nessa trajetória mencionada por Gadotti (2012) que a epistemologia feminista se articula como um campo teórico com a educação popular para contribuir com reflexões sobre os marcadores sociais identitários estruturantes de gênero e raça que atravessam os grupos oprimidos (BERTH, 2019).

As hierarquias de gênero estão atreladas com a percepção social sobre as diferenças sexuais biológicas entre homens e mulheres e produzindo significados culturais para essas diferenças. Por exemplo, pela divisão do trabalho como tarefas de homens e de mulheres e atribuindo diferenças hierárquicas a essas divisões. Nesse sentido, o feminismo reconhece que homens e mulheres têm experiências diferentes, e reivindica que pessoas diferentes sejam tratadas não como iguais, mas como equivalentes e que diferenças devam ser tratadas com equidade (SCOTT, 1995).

O encontro da educação popular com o feminismo negro americano, proporcionou o acesso ao conceito de interseccionalidade, cunhado pela feminista negra norte-americana Crenshaw (2002) que proporciona instrumentos teóricos e metodológicos para uma leitura de realidade, considerando a inseparabilidade estrutural do racismo e o capitalismo como elementos não hierárquicos e por vezes sobrepostos por hierarquias e desigualdades (BERTH, 2019).

De acordo com Akotirene (2019), a interseccionalidade consiste numa ferramenta ancestral das mulheres negras, onde a partir de suas resistências históricas, desenvolveram o conceito como um instrumento questionador da compreensão de uma categoria universal de mulher, construída pelo feminismo global e hegemônico.

O rompimento com a ideia da categoria universal de mulher pela premissa da interseccionalidade não hierarquiza as opressões, mas reconhece as desigualdades de gênero, partindo dos lugares sociais das mulheres, reconhecendo as diferenças entre as mulheres negras, indígenas, latino americanas, mulheres de cor ou não-brancas, entre outras, e permite compreender que o empoderamento feminino não pode ser reduzido à expressão de liberdade individual, mas sim a um conjunto de lutas coletivas anticapitalistas, antirracistas, antissexistas e às articulações políticas que essas condições representam (BERTH, 2019).

Referências

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