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DIREITOS CULTURAIS, POLÍTICAS PÚBLICAS E ENVELHECIMENTO NO BRASIL

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DIREITOS CULTURAIS, POLÍTICAS PÚBLICAS E ENVELHECIMENTO NO BRASIL

Claudia Reinoso Araujo de Carvalho 1

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo discutir e analisar a apropriação dos direitos culturais e das políticas culturais pela população idosa, considerando sua diversidade, suas necessidades específicas e o desafio na construção de iniciativas interessante a esse grupo, capazes de possibilitar o seu engajamento. Tratou-se de um ensaio teórico reflexivo, produzido à luz das políticas públicas relacionadas ao envelhecimento no Brasil das políticas culturais. Buscou-se revisitar a legislação acerca dos direitos sociais, culturais e os direitos previstos no Estatuto do Idoso e na Política Nacional do Idoso para embasar as reflexões e promover as articulações teóricas utilizadas no texto. Conclui-se no Brasil existem as garantias legais, as políticas públicas e os mecanismos de controle social, no entanto, ainda persiste o principal, que é o desafio de promover a participação das pessoas idosas nesse circuito, o que deve ser feito por meio de uma abordagem pautada no reconhecimento dos direitos sociais. Nesse sentido é preciso entender a cultura também como algo presente amplamente nas diversas políticas que envolvem as pessoas idosas. Reconhecer os benefícios do engajamento cultural nas questões de saúde, de educação, de assistência social e cidadania para as pessoas idosas, tem a ver com todos os profissionais do campo da Gerontologia.

Palavras-chave: Gerontologia, pessoas idosas, políticas sociais, políticas culturais, direitos sociais

INTRODUÇÃO

As pessoas idosas constituem um segmento importante na cultura brasileira, apesar de nem sempre contarem com o reconhecimento de seu valor cultural, seu potencial e sua rica diversidade (BRASIL, 2015). Muitas pessoas com mais de 60 anos são inclusive trabalhadoras do setor cultural. Segundo o IBGE (2019), considerando o ano de 2018, entre os trabalhadores da Cultura, 10% tinha 60 anos ou mais de idade.

Visto que a média de trabalhadores idosos em todas as atividades é de 6,6% da população ocupada, verifica-se que o setor cultural é uma área que emprega mais idosos do que a maioria, embora esse dado não seja muito evidenciado e nem percebido pela sociedade em geral e, contrapondo-se de certa maneira a essa ideia, está o fato de que as pessoas idosas, especialmente as que pertencem às classes populares, frequentam pouco os

1 Professora Adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, claudiareinoso73@gmail.com

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espaços culturais e participam menos da vida cultural comparadas às outras faixas etárias (CARVALHO, DORNELES, 2019).

Quando incluída e valorizada, a população idosa, guardiã e artífice da memória, detém um papel relevante a desempenhar. São, por exemplo, os sábios e os mestres dos conhecimentos tradicionais e das artes, que transmitem os seus ofícios às crianças, aos jovens e aos adultos, sendo cruciais para o futuro das comunidades em seu entorno e para a toda a sociedade. Essa transmissão de conhecimentos e vivências às demais gerações, visando a preservação da memória e das identidades culturais, é um direito assegurado por lei às pessoas idosas através do Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003). A participação na vida cultural é também uma estratégia para promover o engajamento na vida comunitária e a participação social.

Coloca-se, portanto, a relevância de se discutir e analisar a apropriação dos direitos culturais e das políticas culturais pela população idosa, considerando sua diversidade, suas necessidades específicas e o desafio na construção de iniciativas interessante a esse grupo, capazes de refletir sua realidade e possibilitar o seu engajamento.

METODOLOGIA

Tratou-se de um ensaio teórico reflexivo, produzido à luz das políticas públicas relacionadas ao envelhecimento no Brasil das políticas culturais. Buscou-se revisitar a legislação acerca dos direitos sociais, culturais e os direitos previstos no Estatuto do Idoso e na Política Nacional do Idoso para embasar as reflexões e promover as articulações teóricas utilizadas no texto.

REFERENCIAL TEÓRICO

DIREITOS CULTURAIS E ENVELHECIMENTO

Os direitos culturais são os que possibilitam a participação efetiva dos seres humanos na vida cultural e de usufruir a Cultura de forma plena, esses incluem, entre outras ações, a liberdade de se engajar na atividade cultural, de adquirir conhecimento e de ter uma educação. Ou seja, no que concerne aos direitos culturais, supera-se a ideia de

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que a população, é mero consumidor de Cultura e inclui-se a ideia de todos como participantes, da vida cultural. Nesse sentido, os direitos culturais podem ser entendidos como um desdobramento dos direitos humanos (COELHO, 2014). Acontece que esses ainda permanecem desconhecidos e incompreendidos, não só pelas pessoas idosas, mas por todos, e, embora não sejam recentes, os direitos culturais, são ainda hoje, pouco praticados e pouco reconhecidos como direitos.

No ano de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas mencionou um novo núcleo de direitos, os direitos culturais. Em dois de seus artigos há expressa menção a eles. O artigo 22 onde diz que

“toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade”; e o artigo 27 da Declaração diz que: “Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de gozar das artes e de aproveitar-se dos progressos científicos e dos benefícios que deles resultam” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

Apesar de reconhecidos a longa data, o usufruto desses direitos não coincide necessariamente com a realidade prática.

O processo de conquista ou ampliação de direitos pressupõe e é impulsionado pela consciência das pessoas em relação a esses direitos. Há uma dificuldade da população em geral, inclusive das pessoas idosas em considerar as expressões artísticas, manifestações culturais e o lazer como direito. Desde a infância algumas ideias são reproduzidas: “primeiro a obrigação, o estudo, só depois o lazer...”, então, tudo que se relaciona ao que não é trabalho, adquire o status de algo menor, supérfluo. Acostuma-se a uma vida inteira com essa ideia.

No Brasil a primeira vez em que a expressão “direitos culturais” apareceu no texto das constituições foi em 1988, e por constar no texto constitucional é caracterizado como direito fundamental. A Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) menciona a cultura em muito de seus títulos, além de possuir uma seção específica para o tema, o artigo 215 no qual , entre outras coisas, está escrito “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Dessa forma, instituiu-se o

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compromisso do Estado na garantia do direito constitucional o que implica na efetivação de Políticas Públicas voltadas para a valorização e difusão da cultura (DUARTE, 2018).

Especificamente no que se refere às pessoas idosas, no Brasil, o Estatuto do Idoso (2003), destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60, reúne em peça jurídica única legislação abrangente versando sobre garantias a esta população nos diferentes setores, entre eles: saúde, transporte, habitação e também sobre educação e cultura. O Estatuto trata especificamente sobre a cultura em seus artigos 20 e 23. O artigo 20 diz que “o idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade” (BRASIL, 2003, p.17). O artigo 23 garante a participação dos idosos em atividades culturais e de lazer mediante descontos de pelo menos 50% nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais (BRASIL, 2003, p.18).

O reconhecimento dos próprios direitos culturais não é apenas uma questão jurídica, esta pressupõe o destaque da questão da cidadania, que tem a ver com a capacidade de apropriação dos bens socialmente criados. Embora seja um direito das pessoas idosas participar da articulação entre o Estado e a sociedade civil, há aquelas que ainda não se percebem como sujeitos sociais da sua própria história, e ainda precisam de narradores ou de representantes para facilitar a construção dessa participação. Dessa forma ainda é necessária a presença destes porta-vozes que são as organizações técnico- científicas, e as ONGs, como aliados na organização social das pessoas idosas no Brasil (LAPA, 2012).

Tendo em vista que a atual participação das pessoas idosas em movimentos sociais para maior articulação e defesa de seus direitos e conquistas ainda é pouco expressiva e dependente de fortalecimento e organização, há a necessidade de estímulo para que se mantenham ativas e participantes em atividades em grupos e associações, para que por esse meio, ocorra a possibilidade gradativa de engajamento nas mobilizações que são produzidas pelas entidades e pesquisadores que realizam estudos na área da Gerontologia. Este movimento de participação pode funcionar como uma modalidade inicial, que introduz formas coletivas de deliberação e de influência (LAPA, 2012; PAZ, 2006).

De acordo com Gohn (2005) o campo dos direitos culturais relaciona-se às múltiplas dimensões do ser humano, incluindo a faixa etária; as formas de comunicação;

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as expressões artísticas, manifestações culturais e folclóricas locais, regionais e nacionais;

o estilo de vida cotidiana , assim como os valores, as formas de pensar e agir, e os hábitos e comportamentos, pois, o respeito ao acervo e patrimônio artístico-cultural da humanidade, aos símbolos, signos e códigos culturais de uma nação são perpassados por práticas de direitos e deveres, orientados por matrizes com enraizamento na cultura.

POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E ENVELHECIMENTO NO BRASIL

As atuais políticas públicas de cultura no Brasil são fortemente perpassadas pela Diversidade Cultural, que se manifesta em nossa sociedade não apenas em relação às diferentes etnias e povos que nos constituem, indígenas, afrodescendentes, europeus, ciganos e outros, como também pode ser entendida nos diversos extratos sociais e etários.

O Plano Nacional de Cultura (2010) é um conjunto de princípios, objetivos, diretrizes, estratégias e metas que devem orientar o poder público na formulação de políticas culturais, com o objetivo de orientar o desenvolvimento de programas, projetos e ações culturais que garantam a valorização, o reconhecimento, a promoção e a preservação da diversidade cultural existente no Brasil (CARVALHO, DORNELES, 2019). No PNC foram estabelecidas 53 metas a serem alcançadas até este ano de 2020. Embora as pessoas idosas não tenham sido citadas no texto, elas estão indiretamente contempladas por meio de sua meta 29 que preconiza que as bibliotecas públicas, museus, cinemas, teatros, arquivos públicos e centros culturais atendam aos requisitos legais de acessibilidade para deficientes e pessoas com mobilidade reduzida, esta última é uma condição de parte das pessoas idosas. A meta 28 que prevê aumento em 60% do número de pessoas que frequentam museu, centros culturais, cinemas, espetáculos de teatro, circo, dança e música, também contempla indiretamente as pessoas idosas, visto ser esta uma parcela de importância crescente no conjunto da população brasileira que pode contribuir com esta meta na medida em que sejam incentivados a participar mais da vida cultural das cidades.

Observa-se a ausência de políticas culturais mais efetivas e específicas no que diz respeito às pessoas idosas e até o momento houveram apenas ações isoladas por parte do setor, para o qual ainda está colocado o desafio da promoção do acesso dessas pessoas aos bens e serviços culturais de modo a contemplar suas necessidades específicas, tanto

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de acessibilidade, quanto de uma produção cultural que possa apresentar e refletir a sua realidade (BRASIL, 2015).

É necessário investir na formulação de novas dinâmicas para as políticas públicas de Cultura, de forma a contemplar grupos que ainda não acessam tais ações, entre esses a população idosa e para a implementação de políticas para esse grupo requere-se a participação de diferentes atores sociais, incluindo os movimentos de representação dos idosos.

No Brasil, em 2002, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI) , visando fortalecer as políticas públicas para a população idosa por meio da articulação intersetorial e da participação social dos atores relevantes para a proteção social aos idosos.

A Política Nacional do Idoso (PNI) tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. A PNI parte do princípio de que a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar às pessoas idosas seus direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, viabilizando formas alternativas de participação, ocupação e convívio que proporcionem às pessoas idosas sua integração às demais gerações, inclusive facilitando e promovendo essa participação através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos (BRASIL, 1994). Portanto, o CNDPI é estratégico para o controle social.

Especificamente no que concerne aos Direitos Culturais, a PNI aponta em seu texto a necessidade de se “propiciar ao idoso o acesso aos locais e eventos culturais, mediante a preços reduzidos, em âmbito nacional” (BRASIL, 1994, p.13); “incentivar os movimentos de idosos a desenvolver atividades culturais” (BRASIL, 1994, p.13);

“valorizar o registro da memória e a transmissão de informações e habilidades do idoso aos mais jovens, como meio de garantir a continuidade e a identidade cultural” (BRASIL, 1994, p.13). Dessas, observa-se que apenas a primeira está, até o momento, atendida. Para as outras ainda persistem longos desafios e observa-se, conforme a própria PNI diz em seu texto de 1994 que “as políticas de inclusão para as pessoas idosas tornam-se urgente não somente no Brasil, como também nos demais países do mundo” (BRASIL, 1994, p.68). Ainda em 2020 elas permanecem urgentes visto pouco se adiantou nesta pauta.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

A participação na vida cultural pode ensejar nas pessoas idosas, além da oportunidade de uma fértil ocupação de seu tempo livre, estímulo a uma efetiva participação cidadã. é necessária uma ampla oferta de produtos culturais acessíveis às suas condições financeiras e de acessibilidade física. Os equipamentos culturais tendem a se concentrar em bairros mais nobres e mais centrais das cidades brasileiras. Além das distâncias, a precariedade dos transportes públicos, muitas vezes, inviabiliza a chegada a cinemas, teatros, parques, centros de cultura. Contudo, há indícios que ainda assim, as pessoas idosas têm tido, nos últimos anos, mais acesso à cultura (FERRIGNO, 2016).

Ferrigno (2016) diz que a maior participação das pessoas idosas na vida cultural parece estar mais pouco relacionada à influência direta da PNI. Para o autor a conjunção de três fatores, parece ter sido mais sido determinante: o aumento da consciência coletiva sobre a importância e o direito à fruição dos bens culturais e seus benefícios físicos e psíquicos, decorrente da popularização do tema pela mídia; o crescente interesse de grupos econômicos que compõem a indústria do entretenimento pela clientela de aposentados; a expansão do atendimento realizado por organizações não governamentais (ONG) e instituições socioculturais não lucrativas, tanto da iniciativa pública quanto privada. Para o autor embora tenha sido importante a promulgação da PNI, os fatos mostram que, mesmo sem ela, teríamos uma ampliação da oferta cultural a esse público.

Os atendimentos em grupos de convivência propostos pelos diversos segmentos profissionais que atendem pessoas idosas em diferentes áreas, principalmente saúde e assistência social, não deveriam perder de vista o de promover a participação nos cenários estratégicos de controle social e formulação de políticas públicas. Deve-se, portanto, aproveitar as oportunidades diárias para informar a essa população que há oportunidades de participação em conselhos, fóruns e que existem mecanismos institucionais para acolher suas demandas. Muitas pessoas idosas frequentadoras assíduas de grupos de convivência ignoram a existência dos Conselhos, da PNI e não raro, desconhecem o próprio Estatuto dos Idosos.

Aos profissionais do Campo da Gerontologia coloca-se também a necessidade de reconhecimento da diversidade desse grupo e da criticidade de que a abordagem dominante do campo, especialmente imposta aos profissionais da saúde, pautada na ideia do envelhecimento ativo, que encontra respaldo na clássica teoria da atividade , não

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consegue abarcar a diversidade do segmento que compõe a população idosa, visto que nem todas as pessoas idosas se identificam e se reconhecem nessa abordagem. Para Marques e Carlos (2005, p.63) esta é uma ideia “que pretende ser universal, colocando os idosos num ideal de ação e velocidade, motivando o engajamento, que muitas vezes pode ser alienado”. Alves Júnior (2004) também é um crítico dessa abordagem alertando para o desenvolvimento do que chamou de “pastoral do envelhecimento ativo”, para o autor esta camufla as outras realidades relacionadas ao adoecimento, a dependência e a outras dificuldades de várias ordens que também podem se associar ao envelhecimento. Ainda de acordo com este autor, ocorreu a glamourização do envelhecimento saudável, engajado e ativo e através dessa ideia, condenam-se aqueles que não optam por uma vida de engajamento associativo, que inclua atividades físicas e de lazer.

O fato é que a ideia de envelhecimento, ativo / bem sucedido apesar de norteadora dos diversos projetos na área de Gerontologia não se mostra suficiente para promover o engajamento e o protagonismo dos idosos em uma abordagem de direitos, o que requer reflexão. Os projetos e ações baseados unicamente em ideias do tipo: favorecer o contato interpessoal e grupal, desenvolver a sociabilidade e a criatividade, a autoestima e a quebra do isolamento do idoso que partem do pressuposto de a atividade física e mental é o meio pelo qual o idoso atingiria uma melhor qualidade de vida e levaria a um envelhecimento bem-sucedido, pecam pela ingenuidade, porque se aliam à tentativa de homogeneização de pessoas que só têm em comum o fato de nascerem na mesma época (MARQUES, CARLOS, 2005; ALVES JUNIOR, 2004).

Não é possível ignorar o fato de que muitas pessoas idosas não se identificam com essas atividades. É necessário considerar que algumas pessoas desejam sim certas formas de isolamento, e que a redução de contatos sociais (desvinculação), pode se dar por vontade do indivíduo e que esse afastamento pode ser libertador na medida que o desobriga dos papéis sociais e das obrigações (MARQUES, CARLOS, 2005; LEHR, 1980).

Alguns autores consideram a Gerontologia como um campo excessivamente empírico, rico em dados, e relativamente pobre em teoria e defendem que deve haver um esforço científico no sentido de usar de teorias para explicação de aspectos específicos do envelhecimento (NERI,2006; BIRREN,1988). No entanto, como um campo multidisciplinar, quase sempre se reporta a teorias de outros campos e nesse sentido retomando a discussão central aqui proposta, a de refletir sobre apropriação dos direitos

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culturais pelas pessoas idosas, a concepção de Paulo Freire, originária do campo da Educação pode auxiliar nessa empreitada.

Considerando que a pessoa idosa está situada em determinada realidade e é um ser de ação e reflexão que precisa responder às estruturas sociais do seu tempo, aos desafios de seu contexto e que possuem experiências já incorporadas na sua história de vida, são necessárias iniciativas a partir da compreensão de que o contexto (relações e interações) exerce influências sobre o sujeito, é que ele será capaz de criar, recriar, decidir, gerar construções coletivas, tornar-se um sujeito histórico, e em última análise, de aprender como se aprende a reconhecer, lutar pelos direitos e em última instância, influenciar nas política públicas e propor iniciativas mais adequadas às suas necessidades. A perspectiva da educação popular de Freire (1979) parece ser mais apropriada para promover o engajamento das pessoas idosas em atividades culturais, não só porque se utiliza de conscientização e reflexão, mas também pelo fato de possibilitar a organização dos conteúdos e das ações tendo como ponto de partida os conhecimentos trazidos pelas próprias pessoas idosas e seu o contexto.

A literatura comprova que o engajamento cultural esteve associado à redução da incidência de doenças neuropsiquiátricas (demência e depressão) e de episódios de violência; é um fator protetor para as habilidades cognitivas e para redução de dor crônica e, há evidências científicas que associam o engajamento cultural à melhor percepção da qualidade de vida, do bem-estar e felicidade (BERNARDO; CARVALHO, 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em se falando de envelhecimento, no Brasil existem as garantias legais, as políticas públicas e os mecanismos de controle social, no entanto, ainda persiste o principal, que é o desafio de promover a participação das pessoas idosas nesse circuito, o que deve ser feito por meio de uma abordagem pautada no reconhecimento dos direitos sociais. Nesse sentido é preciso entender a cultura também como algo presente amplamente nas diversas políticas que envolvem as pessoas idosas. Reconhecer os benefícios do engajamento cultural nas questões de saúde, de educação, de assistência social e cidadania para as pessoas idosas, tem a ver com todos os profissionais do campo da Gerontologia.

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Referências

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