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Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 044533

Relator: SOUSA GUEDES Sessão: 30 Setembro 1993 Número: SJ199309300445333 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIAL.

HOMICÍDIO LEGÍTIMA DEFESA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA

EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA

Sumário

I - Na "agressão actual" referida no artigo 32 do Código Penal integra-se a agressão tão só íminente.

II - Provado que a vítima ergueu um cajado de madeira, com cerca de 130 cm de comprimento e 7 cm de diâmetro, revestido na parte superior com uma placa de alumínio de cerca de 10 cm por 2 cm fixada com pregos e que o arguido entendeu tal gesto como sendo o início de uma agressão por parte da vítima, verifica-se, apreciada a concreta situação pelo lado do arguido e no plano subjectivo deste, que se representou, ainda que porventura falsamente, existirem os pressupostos objectivos necessários à legítima defesa (legítima defesa putativa).

III - Aquela situação equipara-se à existência real daqueles pressupostos, sendo certo que a enxada que o arguido utilizou era o único meio de que, de momento, dispunha e podia dispôr para se defender da referida agressão da vítima, com um cajado como o descrito e era, portanto, meio necessário para essa defesa.

IV - Houve, porém, excesso de legítima defesa do arguido quando este empregou esse meio de defesa para além de todos os limites necessários à manutenção da sua integridade física, causando multiplas e gravíssimas lesões corporais que foram causa directa da sua morte.

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Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1- O arguido A, solteiro, trabalhador rural, nascido em 16 de Janeiro de 1935, com os demais sinais dos autos, respondeu em processo comum, no Tribunal de Círculo de Santiago do Cacém, pela prática de um crime de homicídio qualificado previsto e punível pelos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alíneas c) e g) do Código Penal (diploma de que serão todos os artigos adiante designados sem qualquer menção).

A assistente B deduziu pedido de indemnização civil contra o mesmo arguido, no montante de 5500000 escudos.

2- Após o julgamento, o Colectivo decidiu: a) convolar a acusação para o crime de homicídio do artigo 131, por ele condenando o arguido na pena de 12 anos de prisão; b) condenar o mesmo arguido no pagamento da indemnização de 2092000 escudos a favor da assistente, na parcial procedência do pedido por esta formulado; c)- e condená-lo ainda nas custas criminais, com a taxa de justiça de 20000 escudos e 10000 escudos de procuradoria, declarando perdida a favor do Estado a enxada apreendida, instrumento do crime; d)- condenar o arguido e a assistente nas custas do pedido cível, na proporção do vencido.

3- Recorreu desta decisão o Ministério Público, no interesse do arguido.

Na sua motivação concluiu, em síntese, o seguinte:

I- O arguido agiu para se defender de uma agressão ilícita e iminente por parte da vítima, sem que tenha havido provocação da sua parte e socorrendo- se do único meio ao seu alcance, o que constitui legítima defesa, nos termos do artigo 32;

II- Todavia, o arguido excedeu-se no meio empregado (artigo 33, n. 1), pelo que a conduta é ilícita, embora a pena deva ser especialmente atenuada;

III- Ao não dar como provada a intenção de se defender por parte do arguido e a intenção de agredir por parte da vítima, o acórdão recorrido errou

notoriamente na apreciação da prova, o que constitui o fundamento do recurso previsto no artigo 410, n. 2, alínea c) do Código de Processo Penal;

IV- E, por terem sido ainda violados os artigos 32 e 33, n. 1, deve o acórdão ser revogado e substituído por outro que condene o arguido numa pena especialmente atenuada, pelo homicídio.

Na sua resposta, o arguido aderiu inteiramente à posição do Ministério Público.

Por sua vez a assistente pronunciou-se no sentido de que o recurso não

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merece provimento, devendo confirmar-se o decidido.

4- Procedeu-se à audiência com observância do formalismo legal e cumpre agora decidir, tendo presente que o recurso vem limitado à matéria penal.

É a seguinte a matéria de facto que o Colectivo considerou provada:

No dia 18 de Agosto de 1992, após o pôr-do-sol, o arguido encontrava-se no sítio de Foros dos Vales, Bicos, Odemira, a regar, tendo consigo uma enxada de folha de aço temperado, com cerca de 16,5 cm de comprimento de folha e 13 cm de largura, com olho de cerca de 4,5 cm de diâmetro e com um cabo de madeira com cerca de 93 cm de comprimento e 10 cm de diâmetro, que era utilizada para cavar regos.

A dada altura, cerca das 20 horas e 30 minutos, surgiu C, seu vizinho.

Travaram-se, então de razões, dizendo o C ao arguido para este tirar a sua mula de uma pastagem que lhe tinha sido cedida apenas a si por D.

Na sequência da discussão, o C ergueu um cajado de madeira, com cerca de 130 cm de comprimento e 7 cm de diâmetro, revestido na parte superior com uma placa de alumínio de cerca de 10 cm por 2 cm, fixada com pregos.

O arguido entendeu tal gesto como sendo o início de uma agressão por parte do C.

Então, o arguido levantou no ar a enxada já referida e, agindo com o propósito de tirar a vida ao C, desferiu-lhe uma pancada com o olho de metal, atingindo- o na cabeça e fazendo-o cambalear.

Acto contínuo, o arguido desferiu-lhe mais uma pancada com a enxada, atingindo a vítima na cabeça e no rosto, na zona do queixo, fazendo-a cair.

Em consequência dessas pancadas, sofreu o C as lesões descritas no relatório da autópsia de folhas 50 a 52, que aqui se dá por reproduzido

(designadamente, cabeça, disforme por afundamento de toda a região anterior da abóbada craniana e da região frontal, e ainda por grande laceração e

afundamento da face lateral esquerda, por fractura dos ossos da face e da região temporal esquerda; couro cabeludo rasgado em várias direcções e infiltrado de sangue; fracturas múltiplas e esquinolosas do parietal direito, do temporal direito e destruição por múltiplas esquirolas do frontal, com

afundamento e fractura do maciço nasal e da arcada supra-orbitária, com múltiplas fracturas dos ossos do nariz, malar direito e esferóide e etmoide;

ferida profunda, com laceração, da face esquerdo e fractura do temporal esquerdo, do maxilar superior e da mandíbula; massa encefálica destruída na sua quase totalidade, transformada em massa informe), as quais foram causa directa e necessária da sua morte.

A parte metálica da enxada apresentava vestígios de sangue humano, do grupo AB, e um cabelo branco humano.

Após ter provocado a morte do C, o arguido dirigiu-se à casa do D e contou-lhe

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que tinha agredido o C e o deixara prostrado no chão.

O arguido, com a sua conduta, quis tirar a vida do C; agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo que tal conduta era proibida.

Antes destes factos, o arguido e o C mantinham boas relações de vizinhança.

O arguido não tem um rendimento certo na sua actividade, tendo a seu cargo a companheira e um filho; não sabe ler nem escrever; confessou a prática dos factos; declarou, em audiência, que está arrependido; é primário.

5- Como se viu, o recurso vem limitado à matéria penal, como permite o artigo 403, n. 2, alínea a) do Código de Processo Penal, impugnando o digno

recorrente a subsunção jurídico-penal e a pena determinadas pelo tribunal recorrido.

Recordemos o momento fulcral do acontecimento que nos preocupa.

Na sequência da descrita discussão travada entre o arguido e a vítima, esta

"ergueu um cajado de madeira, com cerca de 130 cm de comprimento e 7 cm de diâmetro, revestido na parte superior com uma placa de alumínio de cerca de 10 cm por 2 cm, fixada com pregos; o arguido entendeu tal gesto como sendo o início de uma agressão por parte do C".

Foi então que imediatamente se seguiram as acima descritas agressões do arguido sobre o C, com a enxada de que estava munido.

É de notar, antes de mais, que o Colectivo não extraiu qualquer consequência jurídica do facto acima sublinhado.

Facto esse que não pode ficar inócuo na valoração da conduta do arguido, tanto mais que se o tribunal o deu como provado é porque revestia interesse para a decisão.

É claro que o Colectivo não se convenceu de que o gesto da vítima (ao erguer o cajado) significasse efectivamente "o início de uma agressão por parte do C", pois se assim fosse tê-lo-ia forçosamente dito, mas convenceu-se de que o arguido entendeu tal gesto como sendo o início de uma agressão por parte do C, e deu esse facto como provado.

Se o Colectivo tivesse considerado provada a primeira alternativa, ninguém duvidaria de que estava objectivamente iminente uma agressão por parte do C sobre o arguido e de que a subsequente conduta deste seria subsumível ao artigo 32 (legítima defesa), uma vez que a doutrina e a jurisprudência

dominantes integram na "agressão actual" do mesmo artigo 32 a agressão tão- só iminente (v. Maia Gonçalves, Código

Penal Anotado, 3 edição, 103, Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, 1985, I, 83, Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 56 e o acórdão deste

Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1983, Boletim do Ministério da Justiça n. 328, 362).

Continua, no entanto, a ser juridicamente relevante a segunda alternativa -

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efectivamente provada.

Num direito penal de culpa como é o consagrado no nosso Código (ver

Introdução do Código Penal, II, 2 e 4), não pode o instituto da legítima defesa deixar de ser moldado no princípio da culpa, como resulta, aliás, dos diversos normativos que o regem.

Na situação concreta, apreciada pelo lado do arguido e no plano subjectivo deste, verifica-se que o mesmo se representou (ainda que porventura

falsamente) existirem os pressupostos objectivos necessários à (legítima defesa putativa).

Ora, essa situação equipara-se à existência real daqueles pressupostos (ver Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 58), sendo certo que a enxada era o único meio idóneo de que, de momento, o arguido podia dispor para se defender de uma agressão da vítima, com um cajado como o descrito, e era, portanto, meio necessário para essa defesa (artigo 32).

Simplesmente, o arguido empregou esse meio de defesa para além de todos os limites necessários à manutenção da sua integridade física (excesso intensivo - ver Mezger, Tratado, II, 205), agredindo o C de uma forma tão escusadamente violenta e bárbara que lhe provocou as múltiplas e gravíssimas lesões

corporais que foram causa directa da sua morte.

Caímos, assim, na hipótese prevista no artigo 33, n. 1 - "se houver excesso nos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada".

Não se duvidando de que esta atenuação especial se justifica no caso e cabe na previsão do artigo 73, n. 1, deve notar-se, porém, que a determinação da medida da pena - para além do recurso aos elementos gradativos do artigo 72 - não pode deixar de ter em atenção a natureza e a medida do excesso.

Ora, e como já se acentuou, a enorme violência homicida com que o arguido acometeu a vítima, por forma a deixar-lhe a face, o crânio e a massa encefálica no estado de destruição acima descrito no n. 4, merece adequada reprovação no âmbito da moldura penal abstracta (de 2 a 10 anos e oito meses de prisão) fixada no artigo 74, n. 1 alínea a).

Não deixará de ser ponderada, por outro lado, e para além da intensidade do dolo directo (artigo 14, n. 1), que, antes dos factos, o C e o arguido mantinham boas relações de vizinhança, o que avoluma a censura a fazer a este; que

confessou a prática dos factos, declarando estar arrependido (o que é coisa diferente de se verificar o arrependimento); e que é primário.

Neste circunstancialismo, considera-se ajustada à responsabilidade criminal do arguido a pena de oito (8) anos de prisão.

6- Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e revogar a parte incriminatória e punitiva do acórdão recorrido, ficando o arguido condenado,

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pela autoria material de um crime previsto e punível, pelas disposições conjugadas dos artigos 131, 32, 33, n. 1, 73, n. 1 e 74, n. 1, alínea a) do Código Penal, na pena de oito anos de prisão.

Pagará o assistente 4 UCS da Taxa de Justiça.

Lisboa, 30 de Setembro de 1993 Sousa Guedes;

Coelho Ventura;

Alves Ribeiro;

Sá Ferreira.

Decisão impugnada:

Acórdão de 27 de Janeiro de 1993 do Tribunal do Círculo de Santiago do Cacém.

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