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CONTRATRANSFERÊNCIA - Uma reflexão sobre a parte do analista

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Academic year: 2021

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CONTRATRANSFERÊNCIA - Uma reflexão sobre a parte do analista

Figueiredo Diego, Luciana

As situações clínicas descritas por nós analista representam um recorte que precariamente ilustram um processo analítico. No relato clínico não conseguimos descrever o clima dos acontecimentos nem mesmo as sensações. Não conseguimos colocar em palavras a maneira como a fala vai sendo construída, o tom da voz, o barulho da respiração ou do choro. Não dá para sentirmos a temperatura da sala de análise bem como seus cheiros, a maciez ou a aspereza das almofadas ou da manta que recobre o divã. Não dá para escutar o grito do silêncio ou o gozo de uma gargalhada. Com o “recorte” buscamos tecer algumas considerações, alguns pensamentos. Deles extraímos experiências que podem ser compartilhadas com outros que, por sua vez, pensaram outras coisas e assim, vamos ampliando, aprofundando, incluindo, excluindo, tudo que possamos conhecer a respeito da experiência analítica vivida entre analista e analisando.

Assim a psicanálise se faz.

A experiência de fazer a clínica faz pensar sobre as implicações da “parte do analista” (ou da “contratransferência”) nos processos de análises. Por exemplo, o que faz com que eu (analista) diga para um paciente uma vontade própria (ex: “eu não quero que você administre sua ansiedade aqui”) e essa fala acaba tornando-se material ou incremento para o trabalho de análise? O que acontece na análise de um paciente quando eu (analista) digo, sem saber exatamente o sentido daquela fala naquele momento, que eu não tinha nada para falar para ele apesar de ficar internamente procurando dizer alguma coisa? Como uma fala desse tipo resulta numa sensação de “liberdade” dentro da sala de análise para o par analista- analisando? Como utilizo um incômodo próprio (analista) como uma interpretação?

Não dá para afirmar que tais “acontecimentos” sejam exclusivamente frutos da demanda transferencial do paciente.

Por isso vou chamar de “parte do analista” essas manifestações que parecem estar além da contratransferência propriamente dita. Por outro lado, classificar as

“partes” constituintes de um processo psicanalítico pode suscitar a possibilidade de

uma “síntese”. Neste caso, acredito que a ideia de síntese de uma análise tem a

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ver com o vínculo estabelecido entre analista e paciente tal qual Radmila Zygouris o caracterizou: como uma realidade entre dois seres humanos feita de “sentires”

(feelings) e onde os alicerces de uma presença, de singularidades, vão fazer com que um se ligue ao outro. Para a psicanálise, o lugar onde a transferência se entrelaça. A “parte do analista” no vínculo analítico não poderia ser ejetada do próprio campo da análise. Neste sentido, chamar de contratransferência a constelação de acontecimentos analíticos que ocorrem entre analista e analisando pode ser inadequado. Isso porque estamos utilizando o correlato de uma palavra que tem seu conceito muito bem definido pela psicanálise – a transferência. Como se usando a palavra contratransferência conseguíssemos nomear o complexo campo do que acontece do lado do psicanalista.

Para que um analista se utilize (consciente ou inconscientemente) como recurso criativo no manejo analítico, não é necessário que a neurose de transferência esteja ali presente. Freud, ao iniciar o tratamento com Sergei Pankejeff (o famoso “Homem dos Lobos”), estava também mobilizado pela circunstância de ser a situação ideal para “curar” um caso grave de neurose e de assim sobressair-se, vitoriosamente, a duas figuras proeminentes da época (declarados inimigos do sistema teórico proposto por Freud), que também tentaram curar aquele paciente sem, no entanto, conseguirem. O Homem dos Lobos viria a ser um dos casos clínicos mais importantes de Freud. Segundo Peter Gay, nessa análise podemos observar as “contribuições mais arrojadas e problemáticas de Freud à técnica psicanalítica”. Podemos imaginar que tais “contribuições”, não se devessem exclusivamente à neurose de transferência do Homem dos Lobos.

Podemos imaginar que havia em Freud outras mobilizações que o fizeram ousar no manejo daquela análise que, incrementaram o seu desenvolvimento. A questão aqui não é observarmos se Freud agiu ou não subjugado pela contratransferência, mas chamar a atenção de que os acontecimentos de uma análise não se dão em um vetor apenas (a transferência do paciente). Eles podem ser multideterminados.

Assim, é extremamente pertinente pensar sobre a parte do analista na composição dos destinos de um processo analítico.

As expressões contratransferenciais não podem deixar de fazer parte do

arcabouço teórico, técnico e ético da terapêutica psicanalítica. Segundo Luis

Claudio Figueiredo (2000), a “consideração das técnicas em psicanálise não

impedem, antes exigem, que se conceda um maior relevo à posição que o analista

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precisa sustentar para que uma psicanálise ocorra. Assim, somos deslocados das questões das técnicas para as questões da ética”. Vários temas se descortinam como a neutralidade do analista, as atuações analíticas (acting out) ou as implicações da pessoa do analista no tratamento analítico. A psicanálise não seria mais constituída exclusivamente pelas sintomatologias dos pacientes e pelas neuroses de transferência. Isso só não seria suficiente nos dias atuais para dar conta do imensurável mundo psíquico dos pacientes em análise.

Os acontecimentos que ocorrem nas análises não são tão simples. Não são decorrentes apenas do discurso do paciente ou da interpretação do analista.

Antonino Ferro diz que “já não é possível pensar o analista como alguém que decodifica o texto do paciente, fornecendo às escondidas uma conta paralela sobre os significados, mas como um co-autor do tecido narrativo que é construído em sessão com a contribuição criativa de ambos” (p. 207) (grifo meu). Portanto, não podemos fechar os olhos à contribuição do analista na configuração do campo onde a análise se dá. Sabemos de outra forma, que a vida mental dos analistas sofre oscilações próprias, singulares, derivadas não somente de suas próprias fantasias e sentimentos, mas também como produto criativo e despertado pelo jogo analítico estabelecido pela dupla analista-paciente. Mas isso não pode servir de respaldo para acreditarmos ser a “contratransferência” uma patologia por parte do analista. Tal concepção impossibilita o aprofundamento das elaborações sobre todos os elementos que fazem parte da vivência do analista no trabalho clínico.

Não falo da observância dos elementos da personalidade do analista. Isso também reduziria o campo da relação transferencial-contratransferencial a um mero tom de qualificação da personalidade deste. Falo da possibilidade de ampliar o campo da

“contratransferência” dando a justa relevância ao que é produzido ali (na análise) pelas partes envolvidas: analista e paciente. Essa ideia remonta à concepção de Thomas Ogden de “terceiro analítico” que estabelece uma relação dialética intersubjetiva entre analista e analisando, encerrada no paradoxo “do analista como entidade separada e do analista como criação da intersubjetividade analítica”.

Nesta dialética, nenhum desses dois polos existiria de forma pura, mas combinadas e transformadas pelo e no encontro com o paciente.

A ideia de que o analista tem a função exclusiva de servir de espaço

continente para a constituição da subjetividade do outro-paciente, sendo quase “um

depósito” das identificações projetivas deste, parece reducionista quando pensada

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pelo viés da parte do analista isenta de neutralidade. A crença no analista neutro cai por terra. Antonino Ferro tem uma fala interessante quando diz que “não importa como o analista se coloque – mesmo do modo mais neutro – ele entrará de qualquer maneira no campo, e a sua entrada “em cinza” não é menos significativa do que uma entrada sua em outras cores” (p. 207).

Entendo como parte do analista a disposição do modo de ser, de agir, de se afetar, de reagir do analista no encontro com a alteridade do paciente. Essa disposição seria algo próprio do analista, no entanto, transformada pelo campo da análise. Assim, a parte do analista poderia servir como um tipo de comunicação extremamente rico e singular que deve ser acolhido espontaneamente pelo analista como mais uma forma (mas não a única) de compreensão do mundo psíquico do paciente. A questão que se descortina, cuja resposta não é única nem unânime porque o campo da ética aí se insere, é a de como e com que função o analista se utiliza como meio de compreensão do sofrimento psíquico do outro-paciente.

Freud descobriu a intimidade entre o fenômeno da transferência e o funcionamento neurótico do paciente. Essa descoberta foi fundamental para a psicanálise enquanto concepção teórica e método terapêutico. A transferência, ou melhor, a ‘neurose de transferência’, fomenta até hoje a complexidade das implicações técnicas na clínica psicanalítica. A partir da experiência clínica com

“Dora”, Freud começou a pensar sobre o fenômeno da transferência concebendo-o como uma re-edição das experiências de natureza “traumática” vividas pelo paciente em sua história de vida e transferida para a pessoa do médico. A ‘neurose de transferência’ vivida por Dora (e Freud) revela o grau de complexidade do fenômeno numa análise. Paradoxalmente, é justamente com a ilustração do ‘caso Dora’ que Freud deixa a semente para a pertinência das investigações sobre a

“contratransferência”. O ‘caso Dora’, o ‘Homem dos Ratos’, o ‘Homem dos Lobos’

são exemplos clínicos das manifestações contratransferenciais vividas por ele.

Apesar disso, Freud apenas nomeou e condenou categoricamente esse fenômeno, sugerindo inclusive o total controle da contratransferência.

O encontro com a alteridade do paciente faz com que a própria subjetividade

do analista deixe de ser o que era antes e vice-versa. O processo de destruição-

construção entre os ‘sujeitos da análise’ surge como mediador da escuta analítica

que tem como propósito um “tratamento”. Por este viés podemos pensar que o que

acontece numa análise não é exclusivamente reflexo da transferência do paciente,

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mas também da parte do analista que se coloca à disposição de seu paciente sem, no entanto, neutralizar-se como pessoa. No entanto é preciso que a ‘parte do analista’ seja valorizada e então poder separar-se do campo transubjetivo do

“terceiro analítico” e restabelecer o propósito principal da análise que é o

“tratamento”. A isso se refere Luis Claudio Figueiredo (2000) quando ressalta a necessidade do “terceiro analítico” ser superado “a partir de experiências pessoais do analista”. Desta forma poderíamos sugerir que as experiências pessoais do analista seriam, dentre outras formas, fomentadoras do “fazer analítico”.

Apesar do “terceiro analítico” ser criado conjuntamente pelo analista e analisando, diz Ogden, “cada um permanece como sujeito separado na tensão dialética com o outro”. Assim podemos pensar que o analista, através de sua subjetividade resguardada, mas transformada, contribui para a configuração do campo da análise. A “parte do analista” soma-se a interpretação e a associação livre para a terapêutica psicanalítica como recursos que oferecem ao paciente, caminhos para enfrentar e compreender sua própria angústia e conflitos.

A questão da “contratransferência” continua sendo um campo instigante para a pesquisa. Em nossa profissão, em nossa arte, temos que ter muito cuidado com os paradigmas, que são facilmente criados, porque eles assemelham-se ao formol:

componente químico que tem o poder de conservar as coisas, mesmo mortas. A cada sessão de análise que nos colocamos à disposição do paciente, transformamo-nos em analistas diferentes do que éramos antes.

Contratransferência ou a “parte do analista”. Dela temos muito ainda o que pensar, falar e com que se inquietar.

RESUMO

O texto é fruto das elaborações feitas para a pesquisa de dissertação de mestrado

em Psicologia Clinica defendida na PUC-SP. O objetivo do texto é refletir acerca da

questão fundamental para a clínica psicanalítica em sua contemporaneidade, que é

a relação entre analista e paciente, tendo na “contratransferência” seu eixo

principal. Para tanto, buscamos ampliar o conceito de contratransferência tomando-

o não apenas como reações do analista frente à demanda transferencial do

paciente, mas como reações, atitudes, sentimentos e pensamentos que acometem

o analista em seu trabalho clínico. Considerando que as “manifestações

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contratransferenciais” estão latentes na prática clínica de qualquer analista, propomos a reflexão sobre as implicações da parte do analista na estruturação do campo da análise. Acreditamos que a dinâmica relacional entre analista e paciente deve ser constantemente observada para que o analista não escamoteie certas atitudes, sentimentos e impressões que acontecem no “aqui e agora” da relação analítica. Buscamos interlocução com autores, além de Freud, como Thomas Ogden, Radmila Zygouris, Antonino Ferro, Luis Claudio Figueiredo, que têm em seus trabalhos, teóricos ou clínicos, a preocupação de ampliar, diretamente ou indiretamente, esta problemática. Desenvolvemos a ideia de que a parte do analista não pode ser reduzida à contratransferência em seu aspecto negativo, patológico ou de simples resposta à demanda transferencial do paciente. Supomos que o analista quando está com o paciente tem, em suas reações “contratransferências”, uma forma de comunicação singular e rica que contribui sensivelmente para a compreensão do sofrimento psíquico do paciente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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