• Nenhum resultado encontrado

AS BASES MORAIS DA QUÍMICA VERDE

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "AS BASES MORAIS DA QUÍMICA VERDE"

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

AS BASES MORAIS DA QUÍMICA VERDE1

por Joseph Balatedi R. Gaie 2 Tradução: Gleiton Lentz - UFSC Revisão: Carlos Alberto Marques - UFSC Para alguns estudiosos, não há nenhuma relação entre ética/moral e a ciência em geral ou a química em particular. Em outras palavras, um cientista ou um químico não se ocupa, de rotina e por necessidade, de questões morais no âmbito de seu trabalho de químico. Pelo contrário, o químico não deveria fazer considerações morais no âmbito das atividades ligadas à química. A filosofia da ética/moral e a química são vistos como campos diversos, distintos e independentes, dos quais se pode tratar separada e independentemente um do outro.

[...] Existem todavia alguns princípios morais gerais que podem fornecer um guia moral para todas as ações humanas, e precisamente o critério de se buscar tudo o que é em benefício dos interesses e do estado de bem-estar [1] das pessoas, e de evitar o oposto, sempre que possível.

A química existe antes de tudo e sobre tudo pelo progresso da humanidade e, portanto, pela substituição de tecnologias e processos "mais sujos" por tecnologias e processos "mais limpos”, através do uso de materiais de origem renovável e menos tóxicos, do uso de produtos disponíveis na natureza para o desenvolvimento de materiais de maior valor, do uso de solventes alternativos (menos tóxicos); da elaboração de substâncias mais seguras, da ligação de processos químicos que requerem menos energia, da reciclagem dos materiais e da educação à Química Verde; são todas opções reclamadas pela moral. [...]

AS QUESTÕES ÉTICAS

Se se perguntasse o que é a química àqueles que estudam química, muito provavelmente explicariam o que é sem nenhuma dificuldade. Estes concordariam também se alguém dissesse que a química é uma matéria importante para se estudar, e que a importância da química se baseia no fato de que ela é muito útil na vida humana. Mas poderiam não apreciar muito se alguém lhes perguntasse se é bom ou não que as pessoas façam aquilo que é útil, isto é, que alguém lhes perguntasse se as pessoas devam fazer aquilo que é útil para eles. [...] esta é precisamente a pergunta que os químicos deveriam se fazer - uma pergunta séria: o que há de mal no fato de se fazer qualquer coisa que não é de interesse nem de quem a faz nem de qualquer outro? Dito em outras palavras, o que há de mal no fato de se fazer coisas que não buscam nenhum benefício às pessoas, ou no fato de se fazer coisas que são prejudiciais às pessoas? Tal pergunta pertence ao âmbito da Filosofia Moral (Ética), que se ocupa precisamente da determinação do que é certo e do que é errado [1,2]. Aqui, a questão é: "O que significa dizer que uma ação é moralmente errada?". O que torna desejável que certas ações sejam ou não cumpridas? Responder a esta pergunta nos ajudará a entender porque a Química Verde é algo que se deve buscar, isto é, nos ajudará a compreender a sua base moral.

1.1 Moralmente certo e moralmente errado

O que significa dizer que uma ação é moralmente certa ou moralmente errada?[...]

1 Green Chemistry in África, INCA (IT), Series n° 5, 2002, p. 11

2 Department of Theology and Religious Studies, University of Botswana – Botswana (South Africa)

(2)

Dizer que uma ação é moralmente errada significa dizer que aquela ação viola um princípio moral. Os princípios morais resguardam as ações. Baseiam-se em hipóteses "da existência do bem e do mal e de uma suposta forma de atenção em relação à sua existência e incidência"

[3,8]. Um princípio desse tipo é aquele da beneficência, que significa:

1. Não se deve provocar mal ou dano (porque isso é ruim).

2. Se deve evitar o mal e o dano.

3. Se deve afastar o mal

4. Se deve fazer ou promover bem [3].

É possível entender também esse princípio no sentido do dever de ajudar os outros, enquanto racionalmente possível, e promover seus interesses legítimos. A outra faceta desse princípio é chamada não-maleficência e significa que as pessoas não devem fazer o mal [3,4].

[...]

Existe uma variedade de coisas que podem causar danos às pessoas. Algumas dessas coisas são evitáveis. O princípio requer que, em tais casos, qualquer um que seja capaz de fazê-lo deva evitar semelhantes danos. [...]

A promoção do bem não é só prerrogativa dos filantropos ou de alguns pequenos grupos de pessoas; é um imperativo moral que, segundo este princípio, vincula todos os seres humanos. Isto porque a promoção do bem é a outra face de evitar o mal. [...] Existe também o princípio de justiça, que possui dois lados: a justiça distributiva e a recompensa, o primeiro aspecto diz respeito à distribuição dos bens ou vantagens em modo justo, enquanto o segundo diz respeito ao negar ou dar recompensas pelas ações cumpridas, em base dos esforços de quem as faz. A justiça distributiva se liga ao princípio de igualdade, que afirma que todas as pessoas deveriam ser tratadas da mesma forma em condições similares. [...]

No que diz respeito à recompensa, a idéia é que as pessoas devem receber aquilo que merecem [...]

Essas opiniões estão de acordo com as de Alain Gewirth, que introduziu aquilo que ele chamava "o Princípio de Coerência Genérica" (PCG), que diz que todo indivíduo tem o direito, em modo igual a qualquer outro indivíduo, de buscar a própria liberdade e o próprio bem-estar [5]. Segundo ele, a ética diz respeito sobretudo aos direitos morais e depois à liberdade de gozar estes direitos e de não ser obstruídos de buscá-los. A liberdade é a habilidade de controlar o próprio comportamento autonomamente, com o conhecimento e a compreensão das condições e circunstâncias afins. Por "condições e circunstâncias afins", Gerwirth entende que para que alguém possa tomar uma decisão informada, as informações e as circunstâncias necessárias devem ter um papel principal. [...]

Estado de bem-estar é o estado pelo qual quem cumpre algumas ações está em grau de ter as condições necessárias para agir com sucesso, perseguindo o resultado dos objetivos propostos. As condições necessárias incluem, entre outras coisas, o acesso à instrução, a disponibilidade de recursos para que um possa trabalhar e ganhar o suficiente para viver, a ausência de obstáculos que possam impedir as pessoas de explicar plenamente as próprias potencialidades, um ambiente favorável onde um possa ajudar o outro a explicar suas potencialidades, e assim por diante. Todo ser humano individualmente tem o direito, em modo igual a qualquer outro individuo, de buscar a própria liberdade e o próprio bem-estar, que podemos chamar "bens essenciais". [...] Ora, se todas as pessoas têm o direito de igual modo de buscar o próprio bem-estar e a própria liberdade, isto significa que qualquer coisa que impeça tal busca é moralmente errada. Significa também que o direito ao bem-estar e à liberdade dá origem ao dever de não interferir na busca de bens essenciais por parte de outras pessoas.

A busca de tais bens essenciais é normalmente inviolável. É direito moral de cada um poder buscar os próprios bens essenciais, e também ser auxiliado em tal busca, ou não ser

(3)

obstruído. Isto significa que somente condições especiais podem consentir exceções ou violações.[...]

Poder-se-ia perguntar: por que os seres humanos têm direitos? Ou então, qual é a origem dos direitos humanos? Esta é uma pergunta difícil, e os estudiosos não chegaram em um senso comum. Também neste caso, Alain Gewirth aparece para ajudar. Segundo ele, podemos observar que todas as pessoas desejam fazer aquilo que é geralmente de seu interesse.

Enquanto buscam o que é de seu interesse, as pessoas normalmente não querem ser perturbadas. Não há nenhuma razão justificável para perturbar, ao menos que, no processo de buscar aquilo que é do próprio interesse, essas não perturbem outras pessoas em sua busca.

Uma vez que as pessoas não querem ser perturbadas enquanto buscam aquilo que é do próprio interesse, e uma vez que podem buscá-lo sem perturbar outros, não há nenhuma razão válida pela qual se deva dar um basta na busca de seus interesses até que o fazem sem perturbar outros. Em outras palavras, quando as pessoas fazem aquilo que lhes é de bem sem interferir na felicidade dos outros, têm o direito de ser deixadas em paz. [...]

O utilitarismo das regras pertence também a essa questão. Este argumenta que uma regra ou um princípio, cuja aplicação comporta o máximo de bem a um número significativo de pessoas interessadas, deveriam ser aplicados e obtemperados [4,6,7]. [...]

O utilitarismo da regra faz parte da teoria geral do utilitarismo, que argumenta que tudo aquilo que promove o máximo de bem a um número significativo de pessoas é moralmente certo e deveria ser buscado, enquanto tudo aquilo que tem um efeito oposto é moralmente errado e deveria ser evitado. [...]

1.2. A falta de uma definição absoluta dos princípios morais [3]

Os químicos sabem que as substâncias reagem de um certo modo quando entram em contato com uma ou outra, em certas condições. Por exemplo, o ácido clorídrico e o hidróxido de sódio reagem para dar cloreto de sódio e água (HCl + NaOH → NaCl + H2O). Muitos químicos aceitam este fato sem se fazer perguntas. De fato, muitas regras da química, e da ciência em geral, são consideradas como causas com validade universal. A questão é se é possível dizer o mesmo quanto aos princípios morais, ou não. Poderia não resultar claro, conforme dito nos parágrafos precedentes, que os princípios morais não são assim claros e diretos como muitos poderiam desejar. Na realidade, não são assim claros. Podemos considerar o exemplo da justiça. Enquanto muitas pessoas - e certamente os espertos em filosofia moral - concordam que é necessário buscar a justiça; ainda que permaneça uma questão controversa o que seja precisamente a justiça. Não é nem mesmo fácil decidir se certas ações são certas ou não. [...]

O princípio da utilidade (o princípio usado pelos utilitaristas) comporta também uma dificuldade. Não é muito claro para que a felicidade de um número significativo de pessoas seja melhor que a felicidade de poucos. O problema é que a felicidade não é quantificável.

Assim, é difícil determinar como a felicidade de dez pessoas, por exemplo, possa ser algo melhor que a felicidade de uma só. Mesmo se a felicidade fosse quantificável em termos que essa é muito maior quanto mais significativo é o número de pessoas felizes, o fato de haver mais pessoas felizes não seria possível definir como um bem objetivo. Dependeria sempre do ponto de vista do qual se vale a questão. Do ponto de vista das poucas pessoas infelizes, não seria possível dizer com certeza que seria um bem que essas não sejam felizes.

Tudo isso sugere que os princípios morais são indefinidos [4]. Um outro problema fundamental que os estudiosos de filosofia moral devem confrontar é o fato que os princípios primários ou básicos da moral não são evidentes de per se. [...] Todavia, isto não significa que as pessoas não podem ou não devem fazer afirmações ou tomar decisões de caráter moral. É

(4)

só uma advertência a não fazer afirmações e considerações de caráter moral em modo dogmático ou ideológico.

Se as pessoas são cuidadosas quanto aos princípios e decisões morais, isto não é necessariamente um convite para abandonar os princípios morais. É somente porque as coisas se encontram deste modo. Há um certo acúmulo de relatividade no mundo, e não só na ética.

[...] Isto não deveria ser tomado como um fator que impeça as pessoas de fazer afirmações de caráter moral em relação à Química Verde. Isto nasce do fato que, como dito acima, existem questões morais definidas que não são discutidas. A idéia que o homicídio é moralmente errado é aceitável a nível universal. [...] Além disso, a moral é prática. Diz respeito às relações dos seres humanos entre eles e com o ambiente. Se se abandonasse a moral, haveria caos no mundo porque a moral é a base dos princípios-guias usados nas relações humanas. Por exemplo, as leis não têm sentido se não possuem um fundamento moral. Torna-se então necessário proceder a uma consideração da base moral da Química Verde. Antes de fazê-lo, há ainda uma outra questão que requer a devida atenção, aquela se as profissões têm morais distintas ou não.

1.3. A moral do papel social

Mesmo se a moral é aceita como algo que pode guiar as ações humanas, permanece o problema de decidir se há ou não uma moral geral aplicável a todas as ações humanas, de modo que um químico esteja vinculado pela moral ao mesmo tempo em que estaria um médico ou um político. Alguns estudiosos argumentam que toda profissão tem sua própria moral [9]. Este ponto de vista é chamado separatismo [5]. É um ponto de vista não sustentável. Tal posição implica que a moral profissional pode originar suas próprias obrigações. Assim, a profissão médica gera direitos e responsabilidades que são distintos daqueles das pessoas comuns ou de outros profissionais, como por exemplo, dos professores.

A moral profissional não gera obrigações que são distintas daquelas da moral habitual.

Ao contrário, as profissões geram obrigações especiais que concordam com os princípios morais habituais. [...]

Enquanto o papel social às vezes determina o que alguém deveria fazer moralmente, existem muitos papéis que uma pessoa desenvolve contemporaneamente. É quando a pessoa desenvolve todos estes papéis de modo equilibrado, que ela é capaz de conduzir uma vida moral.

É possível dizer ainda porque as pessoas são criaturas morais. Como tais, têm responsabilidades morais, de modo que cada vez que fazem algo, isto traz implicações morais.

Alguns poderiam pensar que não é tarefa do químico considerar se o seu trabalho de químico tem implicações morais. Este ponto de vista é errado porque a química é moralmente importante. O que torna a química moralmente importante é o fato que essa influencia a vida das pessoas de forma negativa ou positiva. Pelo exposto acima, resulta claro que qualquer coisa que influencie a vida das pessoas é importante em termos morais, por ser compatível ou incompatível com os princípios morais. Assim, é necessário considerar como a química possa ter fundamentos morais. Para saber, é oportuno considerar inicialmente as relações entre ciência e ética.

2. ÉTICA E CIÊNCIA

2.1 Considerações gerais

(5)

A questão a ser examinada é o modo pelo qual a ética pode ser colocada em relação com a ciência. Estas são antagonistas uma da outra? É possível relacioná-las ou não? Nessas perguntas está implícita a questão mais geral das relações entre ciência e filosofia.

Historicamente, foram os filósofos que se tornaram cientistas [10]. Quando a mente humana se questionou acerca do que há de natural no mundo e fez deduções, algumas destas eram errôneas; quando perguntas últimas foram feitas e exploradas até o limite extremo; quando tudo se tornou objeto de pesquisa, nasceu o campo da filosofia. A vida humana e as relações entre os seres humanos foram examinadas e esquemas individualizados, foram propostos e rediscutidos princípios, e assim nasceu a ética. Foi quando os filósofos fizeram perguntas acerca da composição das coisas e sobre o que há na natureza, que as várias áreas da ciência se desenvolveram. Assim se pode dizer que, de um ponto de vista histórico, a ciência é um resultado da filosofia.

A filosofia vem antes da ciência não só historicamente, mas também conceitualmente, porque as descobertas científicas são respostas a perguntas filosóficas precedentes. Por exemplo, a astronomia nasceu como conseqüência de uma investigação filosófica para explicar a existência e a natureza das estrelas; e assim por diante. A gravidade foi descoberta por causa da indagação filosófica de explicar o fenômeno da queda dos objetos. Mesmo a química nasceu da investigação filosófica para explicar a natureza e a composição dos objetos.

[...] A ética se liga a todos os ramos da ciência porque, sendo esta última uma empresa humana, traz implicações para a primeira. Resnik argumenta:

Acredito que ser importante seja para a ciência seja para a sociedade, que os cientistas sigam linhas de conduta apropriada, que os cientistas aprendam a reconhecer as fontes de preocupação ética na ciência e a raciocinar acerca destas, e que os cientistas vejam a ciência como parte de um contexto social mais vasto com conseqüências importantes para a humanidade. [...]

[...] Dito brevemente, as relações entre ética e ciência em geral, e ética e química em particular, estão incutidas na questão de como os seres humanos deveriam se comportar. A bomba atômica é obra de cientistas que haviam se especializado em física. É claro que o trabalho deles era ligado à ética em modo direto.

[...] A ética é a ciência do comportamento humano, a determinação e como os seres humanos deveriam se comportar em todos os aspectos de sua vida. As relações entre ciência e ética deveriam ocupar-se da questão de como os seres humanos deveriam comportar-se em geral, e especificamente quando se ocupam de ciência. Isto significa que as relações entre ética e química deveriam também considerar o modo pelo qual os químicos deveriam ocupar- se de química, não somente do ponto de vista do ocupar-se de química como matéria técnica, mas do ponto de vista daquilo que os seres humanos deveriam fazer como seres humanos.

Esta pergunta leva à discussão da química e da ética, que será desenvolvida no próximo parágrafo.

2.2. Ética e Química

[...] Alguns produtos químicos são perigosos para a saúde e para a vida dos seres humanos. São perigosos também para outros animais e podem causar danos irreversíveis ao ambiente, trazendo assim prejuízos e sofrimentos incalculáveis a um grande número de espécies animais. Produzir produtos químicos é também muito caro. Surge inevitavelmente a pergunta: "Apesar disso tudo, por que os químicos fazem o seu trabalho?". Em outras palavras, os estudos de química e a preparação de produtos químicos requerem uma

(6)

justificativa moral. Ao procurá-la, a primeira coisa a fazer é considerar o fim e os objetivos da química, que vão na mesma direção daquelas da ciência em geral.

[...] a ciência é uma instituição social que depende do comprometimento, cooperação e interesse de diversas pessoas por objetivos comuns em um contexto social. É uma sociedade no interior de uma sociedade mais ampla. Além disso, a ciência em geral e a química em particular são profissões. [11]. Cada profissão tem um objetivo e cada sociedade tem os seus valores e os seus costumes. A química, como instituição que fornece bens e serviços preciosos, possui dois objetivos fundamentais. O primeiro objetivo da química é epistemológico. O segundo objetivo da química é prático e aponta para resultados.

Dizer que o primeiro objetivo da química é epistemológico significa dizer que a química aponta ao conhecimento objetivo das substâncias e daquilo que as resguarda. Os químicos estudam dados diversos para descobrir novas informações sobre as substâncias: como certos átomos se ligam, as razões de certas reações químicas, e assim por diante. Estes procuram também descobrir o impacto de certos produtos sobre coisas diversas e em condições diversas. Brevemente, o fim da química é descobrir e emanar conhecimentos. Se o conhecimento seja um fim em si mesmo, ou não, é uma questão controversa, mas é um fato que, sendo a natureza aquilo que é, os seres humanos procuram sempre justificativas. De qual utilidade é o conhecimento que é cercado por amor a si mesmo? Pode ser este o objetivo da química, isto é, o conhecimento por si mesmo, ser moralmente justificável?

Esta pergunta nos leva a considerar o segundo objetivo da química. Como dito acima, existem graves riscos e grandes gastos associados à pesquisa no campo da química e à atividade química. Estes requerem uma justificativa. Mas não somente. Em muitos países os recursos são limitados, em cujo caso surge a necessidade de justificar porque escassos recursos devem ser gastos pela química antes que por objetivos como a redução da pobreza ou outros análogos. Isto, segundo me parece, dá origem ao segundo objetivo da química - os resultados práticos, a utilidade e as vantagens do ocupar-se de química. Assim, podemos dizer que o fim da química é o alcance de conhecimentos dos quais a sociedade possa conseguir melhorias ou benefícios.

Como dato de fato, os químicos e os cientistas em geral estão empenhados na sociedade por razões diversas, como profissionais em níveis diversos. Ainda mais importante, os químicos estão envolvidos no desenvolvimento de armas químicas e biológicas. Estão também envolvidos em indústrias onde produtos diversos são utilizados para fins diversos. Às vezes, os casos judiciários necessitam de informações de caráter científico, que podem ser fornecidos por químicos. A questão importante é se os químicos devem ou não estar em grau de conhecer e efetivamente fazer considerações morais de suas atividades nos casos citados acima e em tantos outros. Pelo exposto acima, dever-se-ia concluir que os químicos deveriam conhecer a ética e levantar considerações morais acerca de seu trabalho. Isto porque os princípios morais afirmam que "ações que provocam danos a outros sem razão, quando é fácil prever que aquele dano dará continuidade a uma ação escolhida sabiamente, são moralmente discutíveis".

2.3. O caso da Química Verde

Deveria estar claro, a esta altura, que a Química Verde, como ramo da ciência, tem uma base moral.

[...] O melhor modo para começar esta discussão é aquele de ver o que é a Química Verde e depois considerar a sua importância. "Dito em modo simples, a Química Verde é o uso das técnicas e metodologias da química que reduzem ou eliminam o uso ou a geração de

(7)

materiais de partida, produtos, produtos secundários, solventes, reagentes, etc., que são perigosos para a saúde humana e para o ambiente" [14]. Na apresentação, Anastas e Williamson argumentam que "A Química Verde se centra na elaboração, produção e uso de substâncias e processos químicos que possuem potencial poluente ou risco ambiental escasso ou nulo e que sejam realizáveis seja economicamente seja tecnologicamente. Os princípios da Química Verde podem ser aplicados a todas as áreas da química: síntese, catalise, condições de reação, separação, análise e monitoramento".

A importância da Química Verde está no fato que aponta a eliminar os riscos ao ambiente e aos seres humanos. Em segundo lugar, aponta a eliminar os custos encobertos associados com os rejeitos químicos que se originam da produção industrial. Em terceiro lugar, aponta a ajudar os industriais a produzir bens mais compatíveis com as exigências do ambiente, assegurando dessa forma a sustentabilidade e a realização do ponto de vista econômico. Estes objetivos já foram em parte alcançados, como resultará evidente em vista do que será dito em seguida. A questão é agora de ver se esses objetivos têm uma base moral ou não. Para conseguir estabelecê-la, começamos por considerar o uso de materiais de partida alternativos.

Stem e seus colaboradores, à Monsanto Corporation, usaram uma substituição aromática nucleófila para a substituição do hidrogênio, eliminando em tal modo a necessidade de recorrer a hidrocarbonetos aromáticos em cloro, cujo uso comumente origina preocupações para o ambiente. É confrontada também a questão dos materiais de partida alternativos:

... no que diz respeito ao uso de rejeitos biológicos/agrícolas como os polissacarídeos com o objetivo de produzir novas substâncias poliméricas. O trabalho apresenta um interesse particular porque se ocupa simultaneamente de muitas preocupações relativas ao ambiente. Utiliza materiais monoméricos, que são bastante inócuos, e constitui assim um exemplo de uso de materiais de partida ambientalmente compatíveis. O processo químico se baseia também em uma transformação biocatalítica que é por muitos aspectos vantajoso em relação a muitos dos reagentes usados convencionalmente na produção de substâncias poliméricas. Mesmo a preocupação pela persistência dos polímeros e dos plásticos é tida em consideração neste trabalho; os polímeros de Gross são projetados de modo a serem biodegradáveis após o uso da parte do consumidor [12].

Os compostos orgânicos voláteis (VOC) entram no ambiente de várias formas, incluindo na produção química. Os VOC contaminam a água do mar colocando assim em perigo a vida aquática marinha e podem também penetrar no solo e reduzir a fertilidade. Os custos que derivam desses problemas são enormes. Um exemplo de opção alternativa é aquele de um novo sistema spray, com o qual se pretende "reduzir a emissão de VOC em 80% e eliminar totalmente a emissão de poluentes do ar perigosos" [13]

O que resulta importante dos exemplos apenas vistos de aplicação prática da Química Verde é o fato que estes estão diretamente relacionados à moral e aos objetivos da química, como proposta acima. O princípio de beneficência é claramente implicado. Se é aceitável que alguém deveria afastar o mal sempre que possível, então a Química Verde é coerente com esse princípio ao momento no qual faz coisas como as descritas anteriormente. A proteção da camada de ozônio, a redução dos VOC, uma gestão de compostos aromáticos que leve em consideração, em modo eficaz, as exigências ambientais, e outras técnicas de caráter químico, afastam o mal e promovem o bem, e isto está de acordo com as exigências colocadas pelo principio de beneficência.

O fato que se gaste assim tanto dinheiro na indústria de produção e que os rejeitos originados desta poluem o ambiente, levanta a questão da justiça. Por exemplo, é justo que as nações industrializadas produzam quantidades enormes de rejeitos industriais e obtenham enormes proveitos mediante suas companhias multinacionais? Elas dão pouquíssimo às nações em via de desenvolvimento, enquanto suas atividades poluem o ambiente ao ponto que

(8)

mesmo a agricultura de subsistência sofre seus efeitos negativos. Isto ocorre, na verdade, quando a camada de ozônio é prejudicada a ponto de alterar as condições climáticas, com conseqüentes períodos de seca e/ou cheias em alguns países em via de desenvolvimento. O sucesso da Química Verde cessaria este tipo de desenvolvimento. Produtos industriais a baixo custo, mas também biodegradáveis, podem ser facilmente disponibilizados para todo o mundo. Mesmo nas nações industrializadas, os enormes recursos ora destinados à redução da poluição poderiam ser utilizados para outros fins. Aqui está em jogo a questão da justiça distributiva - todos os povos têm direito a ter ar limpo e água limpa, e este direito viria garantido pelo sucesso da Química Verde.

É também muito evidente que os esforços da Química Verde são coerentes com os interesses e o bem-estar da sociedade. Se se usam freqüentemente solventes menos tóxicos, se reciclam mais materiais e se elaboram produtos químicos mais seguros, a probabilidade que os resultados estejam a favor dos interesses e do bem-estar dos povos do mundo é maior que a probabilidade de que ocorra o oposto. Isto significa que mesmo o princípio de coerência genérica de Allan Gewirth não seria violado. Isto é verdade mesmo se a Química Verde é ensinada, compreendida e aceitada pelo mundo dos negócios, pela comunidade científica e pelo mundo em geral. E isto implicaria dizer que o mundo trabalharia para o melhoramento não somente do ambiente, mas da humanidade inteira. A motivação dessas atividades não seria simplesmente aquela que apraz fazê-las, mas o fato que, partindo do reconhecimento da base moral da Química Verde as pessoas a buscariam como um dever moral.

O utilitarismo argumenta que uma ação é moralmente correta se traz o máximo de bem ou felicidade a um número significativo de pessoas, e que uma ação que tenha o resultado oposto é moralmente errada. A situação atual do mundo é tal que, se não se faz nada para intervir ou parar os efeitos da industrialização, milhões de pessoas irão sofrer. É indiscutível afirmar que os benefícios da atividade industrial se acumulam nas mãos de poucas companhias multinacionais. Qualquer que seja o custo que intervenha na produção de bens, é repassado ao pobre consumidor e os poucos investidores gozam dos proveitos. Se isto não mudar, o planeta Terra se esgotará provavelmente em pouco tempo. As gerações futuras estarão perdidas. Isto é claramente contra a ética utilitarista. A Química Verde possui as potencialidades para confrontar este problema tornando o planeta Terra seguro e dando às massas a possibilidade de trazer enormes vantagens pela disponibilidade de bens a baixo custo mas de qualidade. Mesmo a educação à Química Verde terá os efeitos desejados no que diz respeito ao cumprimento das condições de uma sociedade com moral utilitarista.

3. CONCLUSÃO

[...] Mesmo se as pessoas exercem papéis diferentes, isto não significa que certos papéis têm uma ética distinta daquela de outros papéis. O denominador comum é que o comportamento humano é o benéfico aos outros, ou então, prejudicial aos outros. Isto é o que determina a validade moral, não a diferença dos papéis. A ciência como profissão é um tipo de papel que tem uma base moral que se origina de seus objetivos. O objetivo fundamental da ciência é o conhecimento dos fatos científicos em modo que os seres humanos possam beneficiar-se de tal conhecimento. Isto não somente liga a ciência à ética, mas comporta a implicação que os cientistas devam ter conhecimentos de ética, em modo de poder tomar decisões eticamente informadas em relação ao trabalho científico.

A Química Verde tem um fundamento moral. Vale dizer, não somente a Química Verde é coerente com os princípios morais: esta é também requerida pelos princípios morais. Tal exigência nasce do fato que o objetivo da química como empreendimento humana é o desenvolvimento de uma base de conhecimentos da qual se possam desenvolver e aplicar

(9)

medidas necessárias ao melhoramento do bem-estar dos seres humanos e das condições do ambiente. [...]

Referências

Documentos relacionados

Dessa forma, quando adicionamos um sal de prata solúvel em água, como o AgNO 3 , a uma solução de NaCl, vamos observar a formação do AgCl como um sólido (s) branco, que acaba

Errada: o potássio é um metal alcalino, e como todos os alcalinos possui baixo potencial de

Takeuchi e Nonaka (2008), apresentam a importância de se estimular e/ou proporcionar condição para a criação de conhecimento dos indivíduos, de modo que a organização

Áreas (conceitos) de aplicação da Química Analítica moderna Bioquímica analítica Técnicas genéticas Química ambiental Química forense Química verde Diagnóstico médico.

Remoção de As, Se, Sb e Bi de águas e efluentes industriais por precipitação química / Meryelem Tania Churampi Arellano ; orientador: Luiz Alberto Cesar Teixeira

LVT APFCAN-Associação de Produtores Florestais dos Concelhos de Alcobaça e Nazaré SF 02-16B 2004 LVT APFCAN-Associação de Produtores Florestais dos Concelhos de Alcobaça e Nazaré

Para representar a composição química das substâncias, são utilizados os símbolos químicos dos elementos, constituindo a linguagem química do composto.. E, para

Também é importante salientar que os átomos de metais envolvidos nesses compostos possuem uma eletrosfera muito mais volumosa que os átomos presentes em